Cal Crutchlow com uma LCR Honda vence
em Rio Hondo 2018
Diz a sabedoria popular que tem apenas um relógio sabe a hora exata, quem tem dois já não tem tanta certeza.
A MotoGP foi criada em 2002 para substituir a classe 500cc, a principal da Federação Internacional de Motociclismo (FIM) até então. O nome da competição foi alterado por razões comerciais, a antiga denominação era derivada da capacidade dos cilindros, que a mudança elevou de 500 cm³ para o máximo de 989 cm³. Os equipamentos da MotoGP são protótipos, não são comercializados para uso rodoviário, ao contrário de outras categorias como Road Racing, Tourism Trophy ou Superbike, onde versões não turbinadas das motos podem ser encontradas ou encomendadas em concessionárias. As únicas exceções foram a Ducati Desmosedici RR de 2007 (a única da fábrica italiana que conseguiu um título mundial) e a Honda RC213V-S2015, que foram adaptadas para atender às regras de trânsito, lembrando que até então não haviam legislações restritivas limitando a emissão de gases poluentes.
Durante muitos anos a Federação Internacional de Motociclismo (FIM) limitou a capacidade de 500 cm³ sem diferenciar motores de 2 ou 4 tempos. Por serem consideravelmente mais leves, desenvolverem maior potência e ter construção mais simples, embora mais poluentes, até o final do século vinte por mais de duas décadas os motores de 2 tempos deram as cartas e jogaram de mão.
A gênese do movimento ecológico foi estabelecida durante o início da chamada Guerra Fria e endereçava originalmente inicialmente o boicote aos testes nucleares. Com o tempo migrou para emissão de poluentes, experiências genéticas, cultivo de transgênicos, proteção da camada de ozônio e mudanças do clima. O movimento radicalizou nos anos 80 quando um grupo de ecologistas passou a adotar posições extremas como única forma de questionar a ordem estabelecida, mesmo que contrariasse a lógica e a ciência. O desmantelamento do comunismo também contribuiu, muitos dos ativistas de esquerda migraram para o ambientalismo para continuar a defender seus projetos, que têm muito mais a ver com aversão ao capitalismo e à livre iniciativa que com ecologia. Com a maior visibilidade e aumento de militância dos ecochatos, os regulamentos antipoluição viraram a nova regra comercial. Este fato desencorajou as fábricas a investirem em motores 2 tempos que produziam mais poluição, a FIM decidiu que era a hora de mudar, admitindo um deslocamento (cúbico) maior.
Um motor dois tempos, 500 cm³, deve teoricamente ter o mesmo desempenho que um quatro tempos, 990 cm³, em 2002 & 2003 houve GPs que compartilhavam motos com os dois tipos de unidade de potência. No entanto, ficou evidente que os quatro tempos eram significativamente mais rápidos, principalmente devido à adoção mais fácil da injeção de combustível, embora o design e desenvolvimento seja mais complexo. Aliado ao objetivo escancarado pelos fabricantes em substituir ao longo do tempo as motos equipadas com motor dois tempos por um mais "ecológico" quatro tempos, desde 2004 os dois tempos desapareceram das corridas da classe principal, permanecendo confinados às classes 125cc e 250cc.
Em 2005 foi decidido que, a partir da temporada de 2007, a capacidade volumétrica total da MotoGP seria reduzida para 800 cm³. Foi um período dourado para a Ducati, que conseguiu produzir um equipamento excepcional, muito mais potente que os adversários, e resultou no único título mundial para a fábrica italiana, com australiano Casey Stoner.
Diz a regra que para cada problema existe uma solução elegante, simples, barata e errada. Na temporada de 2012, os motores passaram a ter um máximo de 1000 cm³ e 4 cilindros, houve um aumento de custos e consequente redução do número de veículos inscritos. As corridas da MotoGP passaram a ter um número minguado de competidores e, para não prejudicar o espetáculo, a organizadora admitiu equipes privadas um regulamento diferenciado e mais permissivo chamado Claiming Rule Team (CRT). No segundo ano das CRT na MotoGP as motos com chassis artesanais e motores derivados de produção cumpriram meta de ter mais equipamentos no grid, mas seguiam muito distantes do ritmo dos protótipos da Honda, Yamaha e Ducati.
Protótipos
CRT de Randy Puniet & Aleix Espargaro
O Regulamento da CRT permitiu que equipes privadas participassem com motocicletas não construídas pelos grandes fabricantes, contando com mais motores (12) ao longo de uma temporada que os concedidos às equipes oficiais e satélites (6), além de 3 litros a mais de combustível. O novo regulamento da CRT abriu caminho para o uso de motores derivados de série, semelhantes aos usados no campeonato SBK, só que abrigados em protótipos. Óbvio que criou confusão. Para eliminar zonas cinzentas desde 2014 a categoria CRT foi substituída pela Open, que são motos oficiais de anos anteriores com pneus mais macios, 24 litros de gasolina e maior número de testes e motores como as CRT dos anos anteriores. Para baratear o custo a organizadora forneceria uma central eletrônica padrão. Em 2016 a classe Open foi extinta e a central eletrônica tornada compulsória para todos os equipamentos.
As décadas de diferenças entre o desempenho de motos oficiais e equipes independentes parecem pertencer ao passado. Entre 2008 e 2015 os vencedores de GPs sempre foram pilotos das equipes oficiais Yamaha (Rossi, Lorenzo e Ben Spies) ou Honda (Stoner, Pedrosa, Márquez e Dovizioso). Era quase como assistir duas corridas em uma só. Na esperança de um futuro melhor a promotora decidiu remover a lacuna ente fábricas e satélites. É o que tem ocorrido nos últimos anos, e o esforço está sendo bem-sucedido.
Equipes oficiais de fábrica como a Repsol Honda ou a Monster Energy Yamaha tem administração e financiamento diretos da indústria que produz a moto. Em tese significa que os pilotos de fábrica têm as últimas inovações tecnológicas, o acesso aos melhores engenheiros, mecânicos e assim por diante. Uma equipe de satélite tem as motos alugadas ou compradas de uma fábrica como a LCR (Honda) ou Tech3
KTM), não é gerenciada nem financiada pela fábrica e não constrói seus protótipos. Também em tese, não estão no estado da arte da tecnologia, normalmente uma versão não atualizada das últimas peças e componentes produzidos em laboratórios ou mesmo uma versão mais antiga das motos das equipes de fábrica.
Em tese é assim que funciona, mas como tudo na vida, na prática a teoria é outra. Não existe apenas uma dicotomia, zero ou um, sim ou não, depende do contrato formulado entre a equipe independente (satélite) e a fábrica que está cedendo ou alugando a moto.
Por exemplo, a máquina de Cal Crutchlow (LCR Independente) é uma RCV213v 2020, idêntica às utilizadas pelos irmãos Márquez, entretanto seu companheiro de equipe Takaaki Nakagami está pilotando uma versão 2019. Pode ser que a fábrica contrate um piloto e o coloque em uma satélite para adquirir experiência e em troca de consultoria, observações e os dados de sua telemetria para análise. Há tantas variações nos contratos entre equipes de fábrica e independentes que é impossível dizer exatamente como funciona cada caso. Existe, entretanto, uma distinção simples, equipe de fábrica pertence a quem produz o protótipo e a independente não fabrica seu próprio equipamento, embora possa estar licenciada para usar a tecnologia do fabricante.
Até 2016 as equipes satélites estavam em desvantagem devido ao software desenvolvido e utilizado pelas fábricas. Não só as indústrias tinham mais recursos para desenvolver tecnologia avançada, como também os melhores engenheiros e técnicos para fazer os ajustes necessários. Havia também a dúvida sobre até que ponto o software poderia ser manipulado para obter uma vantagem ainda maior em termos de desempenho. Em 2016, utilizando a experiência da classe Open como cobaia, a organizadora da MotoGP iniciou um processo de unificação de software, que provou ser um enorme sucesso.
As motos de competição são equipadas com o que é chamado de Unidade de Controle Eletrônico (ECU) e Unidade de Medição Inercial (IMU). A IMU coleta informações de sensores espalhados no veículo e tem uma fotografia instantânea do que a moto o que está fazendo. Os dados coletados pela IMU são enviados para a ECU, que os utiliza para operar diversos controles, frenagem, aceleração, anti-wheelie, tração, freio motor, etc.
Em 2016 a ECU foi padronizada, as fábricas se apressaram em contratar engenheiros e técnicos da Magneti-Marelli, a indústria que desenvolveu e produz o artefato, para poder explorar toda a sua potencialidade. Logo descobriram que o software poderia ser burlado se a IMU informasse dados alterados, então a partir de 2019 houve as unificações do hardware e software da IMU, incluindo as conexões entre sensores que transmitem dados da IMU para ECU (que tem o nome pomposo de Conexões da Rede de Controladoria (CAN) que passaram a ser produzidos e distribuídos pela administradora.
Fornecer hardware e software unificado para esses sistemas elimina a capacidade de manipular dados para criar efeitos como do aumento do controle de tração ou das vantagens durante as frenagens. A organizadora decidiu que era mais fácil unificar e fornecer os componentes que gerenciar os sistemas para tentar impedir a sua manipulação, que é uma violação direta das regras, mas quase impossível de monitorar.
ECU produzida pela empresa italiana Magneti-Marelli |
As equipes das fábricas ainda podem desenvolver sistemas de mapeamento específicos para seus protótipos em relação a cada pista em particular. O fabricante tem controle total de como as peças são produzidas, a maneira como a moto é montada, a atual distribuição de pesos, carenagens e aerodinâmica, qualquer detalhe que possa resultar em uma mínima vantagem. Por esta razão as equipes oficiais investem em bons pilotos para obter o máximo de quilometragem possível e coletar o maior número de dados. A Honda, além dos contratados oficiais, conta com Cal Crutchlow (LCR) e Stefan Bradl, Dani Pedrosa colabora com a KTM, os números dos pilotos Ducati são analisados junto com os de Jack Miller e a Yamaha utiliza Jorge Lorenzo.
Equipes independentes inscritas em 2020
Petronas Yamaha SRT
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Reale Avintia Ducati
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Pramac Ducati
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RCR Honda
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Red Bull Tech3
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Aprilia Gresini
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Franco Morbidelli
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Tito Rabat
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Jack Miller
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Cal Crutchlow
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Miguel Oliveira
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Aleix Espargaro
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Fábio Quartararo
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Johann Zarco
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Francesco Bagnaia
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Takaaki Nakagami
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Iker Lecuona
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Andrea Iannone (*)
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(*) A situação de Andrea Iannone ainda está sub judice.
Equipes oficiais inscritas em 2020
Repsol Honda
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Monster Energy Yamaha
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Ducati Team
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Team Suzuki Ecstar
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Red Bull Factory KTM
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(**)
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Marc Márquez
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Valentino Rossi
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Andrea Dovizioso
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Alex Rins
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Pol Espargaro
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Alex Márquez
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Maverick Vinales
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Danilo Petrucci
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Joan Mir
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Brad Binder
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(**) A equipe Aprilia não tem representação oficial
A maior curiosidade dos espectadores que acompanham a MotoGP é o que vai acontecer com o futuro de Valentino Rossi. Considerando que o veterano campeão perdeu a vaga na Yamaha oficial para o rookie (novato) Fabio Quartararo, a única hipótese de Rossi permanecer na MotoGP é assumir uma vaga na independente Petronas Yamaha. Considerando que a Yamaha já anunciou que se a opção de Rossi for disputar o mundial com uma Yamaha (satélite Petronas), em 2021 ele terá a mesma moto fornecida à equipe de fábrica (igual as de Vinales & Quartararo), seria uma grande vitória para as equipes independentes, seja qual for o resultado. Existem uma série de pontas a serem amarradas, embora tenha um excelente suporte financeiro é improvável que uma independente tenha cacife para bancar todo o séquito que acompanha Valentino Rossi, ou seja, talvez a negociação envolva acordos financeiros e aporte de patrocinadores. Um exemplo, Alessio Salucci ou como é mais conhecido Uccio, é amigo de infância de Valentino desde os quatro anos de idade em Tavullia, onde montavam bicicletas de corrida. Quando Rossi estreou no profissionalismo, levou Uccio com o cargo de assistente pessoal. Hoje Uccio cobra salários da Yamaha e atua como chefe do box de Rossi, embora não esteja relacionado com nenhuma função técnica ou operacional.
Voltando ao ditado inicial, quando se trata de Rossi, com o número de relógios disponíveis é enorme, por isso complicado saber a hora exata.
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