O início das temporadas de
esportes motorizados em 2020, com procedimentos adaptados à contenção da
pandemia, foi estranho. Na primeira prova do Mundial de F1, disputada na
Áustria, pareceu que todos os comissários participavam da torcida de Valentino
Rossi, com um festival de bandeiras amarelas agitadas. Em Jerez de la Frontera,
na abertura da temporada de MotoGP, dois pilotos que já venceram na categoria
principal, Alex Rins e Cal Crutchlow, estiveram ausentes do grid de largada por
acidentes nos treinos que antecedem o GP, o britânico fraturou o osso escafoide
no pulso e o espanhol com um deslocamento no ombro e suspeita de fratura do
úmero. Um acidente quase no final da prova resultou em uma queda do 8 vezes
campeão do mundo, Marc Márquez, que exigiu correção cirúrgica.
Os pilotos de MotoGP são atletas
muito bem preparados em termos de condições físicas. A técnica de pilotagem
desenvolvida por Marc Márquez e adotada por praticamente todos os pilotos de
ponta indica que a postura ideal é manter toda a parte superior do corpo afastada
da moto nas curvas, o constante reposicionamento de acordo com o layout do
circuito exige muito preparo. Em alguns
contornos o piloto fica submetido a forças de até 2 g e é necessário um condicionamento
específico. Por oportuno, um corpo humano experimenta uma sensação de conforto até
1 g e, embora não seja muito difícil resistir a pressões 2 g, valores muito
superiores podem tornar quase impossível manter a consciência.
O que torna estes atletas tão
especiais é a extraordinária competitividade na disputa pelo título mundial, aceitando
os sacrifícios necessários. Dani Pedrosa, que se aposentou no final de 2018, nos
20 anos em que esteve nas pistas disputando as 3 categorias sofreu 11 fraturas,
sua clavícula esquerda tem menos que 20% do tecido ósseo original. Embora o seu
porte físico esteja longe do ideal (1,58m de altura), é o 8º piloto em número
de vitórias da história do mundial (31, mesmo número de Eddie Lawson).
Eventos de superação e força de vontade de pilotos em relação a lesões com fraturas são inúmeros na MotoGP. Os exemplos abaixo foram selecionados por terem sido protagonizados por campeões mundiais.
Jorge
Lorenzo
Considerado um dos maiores
talentos das pistas. Jorge Lorenzo, realizou uma sequência heroica em 2013. Com
uma pontuação que o habilitava a disputar o título da temporada, sofreu uma queda
nos testes de classificação de sexta-feira para o GP de Assen, Holanda, e fraturou
a clavícula. Com um jato fretado voou para Barcelona e foi operado na mesma
noite. No domingo alinhou no grid de largada e encerrou a prova como quinto colocado.
Duas semanas mais tarde nos treinos para o grande prêmio da Alemanha voltou a se
acidentar machucando a mesma clavícula, só então parou para o restabelecimento
completo.
Mick Doohan
Michael “Mick” Doohan desenvolveu uma maneira de
controlar a moto adequada para a agressividade das 500cc dois tempos, em uma
época onde os fabricantes privilegiavam a potência. Com uma curva acentuada de
torque, a NSR500 era um equipamento complicado para controlar. Na temporada de
92 Doohan abriu 65 pontos de vantagem sobre a Yamaha do então bicampeão
mundial, o americano Wayne Rainey. Nos testes livres do GP da Holanda em Assen,
a Catedral da Motovelocidade, depois de uma primeira queda sem consequências
voltou para a pista e sofreu um highside, tipo de acidente em que o
piloto é projetado da moto e resultou em uma fratura na tíbia direita. O
atendimento no hospital holandês foi desastroso, o piloto foi transferido para
uma clínica na Itália já com diversos órgãos entrando em colapso devido à pouca
circulação no membro sinistrado. Submetido a uma cirurgia inovadora onde o
médico italiano Claudio Costa utilizou o sistema de irrigação da perna esquerda
para revitalizar a direita, ficou com as duas pernas costuradas em recuperação por
14 dias. Ainda assim, parte da funcionalidade do seu membro direito ficou comprometida.
Depois de perder 4vetapas, seu retorno no GP do
Brasil foi feito em circunstâncias muito desfavoráveis. Interlagos é um ícone
na Fórmula 1, porém um circuito inadequado para as 500cc pelo piso
ondulado e os muros da reta dos boxes muito próximos da pista, apesar de uma
chicane ter sido construída na curva do Café. Os principais pilotos, entre eles
Wayne Rainey, Eddie Lawson e o próprio Mick Doohan pressionaram pelo
cancelamento da prova que, se efetivado, garantiria o título da temporada para
o australiano, entretanto os interesses comerciais prevaleceram e a corrida foi
mantida. Doohan chegou em São Paulo em uma cadeira de rodas e com a musculatura
das pernas pouco desenvolvida devido a prolongada ausência de exercícios, ocultou
dos responsáveis que sua perna direita não estava recuperada, totalmente
insensível do joelho para baixo. Participou de uma corrida em um circuito
desfavorável, com um clima hostil (garoa) e com uma perna só.
A sensibilidade do membro do piloto esteve ausente durante a maior parte da temporada de 93. A falta de mobilidade do tornozelo direito impedia o uso correto do pedal do freio traseiro e a Honda improvisou um controle com acionamento pelo polegar esquerdo. Michael Doohan conquistou cinco títulos seguidos, de 1994 a 1998, exclusivamente com motos Honda.
Feitos heroicos são saudados em prosa e verso, embora normalmente sejam exagerados. Em 2017 Valentino Rossi fraturou a perna direita praticando com uma moto de enduro e, 22 dias depois, estava de volta às pistas. Representantes da mídia especializada enumeraram alguns fatos não bem explicados em relação a recuperação meteórica do multicampeão. O acidente aconteceu em um local afastado e presenciado apenas por amigos próximos, não há registros de como foi transportado para o atendimento em um hospital. Foram divulgadas notícias de uma cirurgia bem-sucedida, sem publicar nenhum Raio-X do osso fraturado ou com as placas e pinos. A única certeza é que o piloto perdeu a prova de Misano, todo o resto é obscuro. O staff de Valentino é conhecido por sua especialidade em manipular a mídia.
Existem registros fotográficos que depois da avaliação
realizada em Motorland (Aragon) ele saiu do Centro Médico utilizando uma muleta
no lado esquerdo. É cientificamente impossível aliviar o peso ou obter algum benefício
na perna direita com este tipo de apoio. No dia da prova, ao montar em seu
protótipo antes de rumar para o grid, ele utilizou o lado direito do
equipamento. Apoiou todos os seus 70-80kg de peso sobre a perna direita e girou
toda esta massa sobre o osso fraturado para jogar a perna esquerda sobre a
moto. Doses maciças de analgésicos podem justificar este procedimento, mas com
certeza o instinto natural seria subir pelo outro lado para poupar o membro
machucado. A pista de Aragon é no sentido anti-horário, ou seja, privilegia
curvas para a esquerda que, por consequência, exigem maior apoio da perna
direita para mudar a posição do corpo sobre a moto, Valentino não demonstrou
dificuldades de movimentação em nenhum momento. Na prova ele também usou sem
problemas o membro sinistrado como freio aerodinâmico nas aproximações das
curvas. Quando desceu da máquina já no box no final da prova, de novo apoiou
todo o corpo na perna direita.
Tudo indica que, se houve um sinistro, o dano foi muito
menor do que a assessoria de imprensa do piloto divulgou. Todas as notícias do
acidente e acompanhamento da recuperação foram anunciadas pelo seu staff e nenhuma
evidência real foi divulgada. Ninguém põe em dúvida ou menospreza a proeza do
piloto, porém existe a possibilidade que a magnitude do dano tenha sido superdimensionada.
Fraturas em
2019
Considerando as 3 classes, no mundial de 2019 o atendimento
médico contabilizou 28 casos de ossos fraturados, incluindo as costelas de
Jorge Loreno que o afastaram de diversas etapas.
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