quarta-feira, 29 de julho de 2020

MotoGP – A cobra vai fumar


KTM de Pol Espargaro



Ibsen Pinheiro (já falecido) utilizou a sua exposição na comissão de obras que construiu o Estádio Beira Rio (inaugurado em 1969) e como dirigente do Internacional de Porto Alegre para pavimentar suas ambições políticas. Em seu currículo consta que foi o presidente da Câmara de Deputados durante o impeachment de Fernando Color. Sua carreira em Brasília foi destruída por um erro de um repórter que, investigando o escândalo (mais um) dos Anões do Orçamento, viu um cheque de R$ 1.500,00 nominal ao deputado em seu gabinete. O jornalista foi traído pela ânsia de um furo e utilizou o fato como lead para uma extensa reportagem na revista VEJA, uma prova irrefutável que o então deputado teria recebido 15 milhões como fruto de corrupção.  O revisor da editora identificou o erro e o nome do deputado sequer constou na reportagem, infelizmente capa da revista semanal já havia sido impressa com uma foto do político e a manchete: “Até tu, Ibsen. ”



Enquanto dirigente esportivo, depois de uma temporada particularmente desastrosa do seu clube, perguntado por setoristas se anunciaria um nome de peso para ser o treinador para a próxima temporada respondeu com tranquilidade: “Fica o atual. É possível mudar muita coisa sem mudar nada”.



A MotoGP, como tantas outras competições, está parada a mais de 240 dias e o primeiro GP está programado para 19/09. O retorno às competições acontece com um calendário compactado e ainda não totalmente definido, não há certeza nem ao menos sobre o número de etapas. As administrações das equipes estão trabalhando intensamente para equacionar os próximos GPs e definir o grid de 2021/2022. Todos compreendem que em função de fatores externos provocados pela expansão do Corona Vírus alguns procedimentos devem ser alterados, porém a essência do espetáculo vai ser mantida. Os GPs de 2020 devem ser iguais aos de temporadas passadas, porém diferentes em função dos protocolos para o enfrentamento da pandemia.



Os anúncios oficiais realizados pelas equipes indicam (até 16 de agosto) que 15 pilotos têm lugar garantido em 2021. As representações oficiais da Yamaha (Maverick Vinales & Fábio Quartararo), Honda (Marc Márquez e Pol Espargaro), KTM (Miguel Oliveira & Brad Binder) e Suzuki (Alex Rins & Joan Mir) estão completas, Aleix Espargaro (Aprilia) e Jack Miller (Ducati) estão com contratos assinados. Nas independentes, a Tech3 KTM tem confirmado Danilo Petrucci & Iker Lecuona, a LCR vai usar os serviços de Alex Márquez e a Petronas renovou com Franco Morbidelli. A conta fecha com Tito Rabat da Avintia, cujo vínculo expira em 2021.



Apesar de haver sete vagas oficialmente abertas, muitas já estão comprometidas, Takaaki Nakagami continua na LCR e Johann Zarco deve ter uma Ducati atualizada na Avintia, embora ainda não tenha apresentado resultados. Pecco Bagnaia e Jorge Martin são sérios candidatos na Pramac Ducati, Dependendo do transcorrer da temporada 2020 talvez seja possível uma troca entre Zarco e Bagnaia.



Cal Crutchlow é pole de dez na Aprilia, embora sua assessoria indique que existem outras opções (?). A Dorna, administradora da MotoGP, quer manter o britânico na competição para agradar o mercado do Reino Unido. O imponderável fica por conta do Tribunal Arbitral do Esporte (CAS) que deve concluir o julgamento do recurso de Andrea Iannone em agosto, embora ainda não tenha uma data fixa. Lembrando, o piloto testou positivo para drostanolone, uma substância proibida, e está suspenso pela FIM. A WADA (Agência Mundial Antidoping) desencoraja qualquer tipo de anistia.



A Ducati oficial ainda não fechou com Andrea Dovizioso, apesar dos vários anos liderando a equipe. Não tem como saber exatamente porque um acordo ainda não foi assinado, o que se comenta (certamente porque alguém vazou a informação) é que além de suas relações com Gigi Dall’Igna não estarem nos melhores dias, a proposta da equipe incluiu um corte salarial, não apenas para 2021, mas também para 2020, a temporada que está coberta pelo contrato em vigor. A empresária de Dovizioso, Simone Battistella, sugeriu que o italiano poderia ter um ano sabático em 2021.



Se por um lado um ano afastado não é uma boa opção para o piloto, perder o italiano também não é um bom negócio para a Ducati, as opções são limitadas, não há no mercado uma alternativa disponível com sua experiência ou talento. Depois dos anos e ouro da Ducati com Casey Stoner, Andrea Dovizioso é o piloto com maior número de vitórias pela equipe, com a vantagem de ser italiano. Jorge Lorenzo em diversas ocasiões já afirmou que a Desmosedici não é a moto ideal para ele e que não tem esperança de voltar a disputar um título mundial com outra máquina que não seja a Yamaha.



Pol Espargaro desenvolveu uma técnica semelhante à de Marc Márquez. Ambos buscam explorar as características do equipamento, não adequar a moto ao seu modo de pilotar. O exemplo da KTM em 2019 é didático, enquanto Johann Zarco se limitava a reclamar que era impossível competir com a moto, Pol buscava resultados explorando o que o equipamento tinha a oferecer. Este tipo de atitude replicado na Honda explica a abissal diferença de resultados entre Marc Márquez e as outras motos da fábrica nas pistas. A RC213V está em estágio de maturidade que permite ao futuro companheiro de Márquez ambicionar vitórias, que talvez demorassem pela fábrica austríaca.



Os últimos dias foram estranhos. Anos atrás a emissora do Jardim Botânico criou em uma novela um personagem que foi sem ter sido, mais precisamente uma viúva que nunca foi casada. De certa forma é o que aconteceu com Alex Márquez que, antes de participar de um único GP, perdeu o cargo de 2021 para Pol Espargaro. Muitos interpretam como uma admissão implícita da falta de fé no campeão da Moto2 de 2019.



Honda de Alex Márquez



Com 124 participações em GPs do mundial em todas as categorias, Alex Márquez construiu uma história de sucesso, 2 vezes campeão do mundo (2014 na Moto3 e 2019 na Moto2), 12 vitórias, 38 pódios e 15 poles. As consequências da pandemia contribuíram para sabotar a sua carreira na classe principal, em tempos normais 8 etapas não teriam sido canceladas ou adiadas, seriam oportunidades para mostrar para a Honda que tinha condições de seguir com a equipe em 2021. Alex sempre soube que foi contratado porque Jorge Lorenzo desistiu no apagar das luzes no ano passado, quando as opções de mercado eram muito limitadas, portanto não seria surpresa a Honda buscar um piloto mais calejado para contribuir com pontos para os campeonatos de equipes e fabricantes. A LCR é um lugar onde a pressão por resultados é menor e o piloto seria preservado. Poucos anos atrás a equipe não teve este tipo de prurido ao colocar, em 2006, o campeão da 250cc Dani Pedrosa direto na equipe principal, e repetir a receita em 2013 com Marc Márquez.



No início de 2019 Marc Márquez declarou ao receber Lorenzo como companheiro: “Estar nesta equipe significa lutar por vitórias, pódios e pelo campeonato”. Promover Alex para a representação oficial, e o transferir para uma independente antes de ter a chance de correr sugere que a HRC não acredita que ele seja capaz de lutar por pódios. Por consequência, indica que é exatamente esta cobrança que vai ser feita a Pol Espargaro.



Os adversários da Honda no mundial esperam que os sentimentos de lealdade de Marc, que o levaram a assinar uma prorrogação por quatro anos, sejam abalados com a atitude da equipe com seu irmão. O atual campeão do mundo já declarou que é uma oportunidade única para Alex mostrar que não precisa de sua proteção.



Valentino Rossi com a Petronas Yamaha



A indecisão de Valentino Rossi em relação a uma possível aposentadoria já lhe custou uma vaga na representação oficial da Yamaha (perdida para Quartararo). Sua transferência para a independente Petronas está dependendo de detalhes contratuais. Embora seja o único caminho que restou para o velho campeão, é improvável que todas a suas exigências sejam atendidas. Rossi espera escolher as pessoas com quem trabalhar, que promessas feitas pela Yamaha sejam cumpridas, cabendo à Petronas a responsabilidade pelos custos. O italiano e Razlan Razali, o diretor geral da equipe, já trocaram farpas pela mídia, com o piloto afirmando que só negocia como seu empregador, a fábrica Yamaha. Existem condições que o piloto considera inegociáveis, por exemplo, o direito de desistir a qualquer momento, que dependem de negociações que incluem patrocinadores. Embora todos imaginam que um piloto trocar de equipe seja simples, existem diversos contratos que necessitam ser compatibilizados. Valentino Rossi na Petronas parece inevitável, mas as expectativas das duas partes ainda estão distantes.



Em 1944 durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto havia especulações sobre a participação do Brasil no conflito, a maior parte da mídia do centro do país registrava que “É mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra”. Depois do primeiro contingente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) embarcar para a Itália, o povo começou a usar a expressão “A cobra vai fumar”, para indicar que o país teria sérios problemas. Com o passar dos anos a expressão passou a indicar dificuldades para conquistar um objetivo.



Para os pilotos que estiverem no grid em Jerez de La Frontera, o apagar das luzes que libera a largada e caracteriza o início oficial da temporada de 2020 significa que, a partir deste momento, “A cobra vai fumar.”



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