Marc Márquez compartilha um Raio-X do seu braço direito após a correção da fratura em Jerez
Acidente e atendimento em Jerez |
Raio-X do úmero direito |
Highside de Márquez em Jerez
A tentativa de Márquez em disputar o segundo GP de
Jerez no último fim de semana, menos de uma semana depois da cirurgia no braço
fraturado, mesmo frustrada atingiu parte de seus objetivos. Como todos os
grandes campeões que o precederam, Marc Márquez não quer apenas vencer, quer
dominar, impor a sua superioridade sobre todos os competidores, não apenas ser
o mais veloz. Seus rivais devem temer qualquer disputa com ele, Marc é capaz de
fazer o impossível, coisas que não podem ser replicadas por seus concorrentes.
No dia 20/07 todo a mídia especializada comentava sua brilhante recuperação na 1ª prova e como havia jogado fora o campeonato por não ter se contentado com o pódio, arriscando até cometer um erro bobo e desnecessário. Desde 22/07 a tônica passou a ser a força de vontade, a resiliência física e mental de considerar competir naquele estado. Marc Márquez provou aos seus rivais que está disposto a ir mais longe do que eles imaginavam.
Braço inflamado de Marc Márquez
A atitude e postura do campeão, um herói para
alguns e um maníaco imprudente para outros, por paradoxal que pareça é bem
recebida por seus colegas competidores. Aleix Espargaro, da Aprilia, sintetizou
o sentimento da maioria dos pilotos: “É assim que somos. Isto é a MotoGP”. Demonstrações
de força de espírito extraordinária, que beira a insanidade, não são novidade
em corridas de motos. Já são lendárias atitudes como a do piloto Dale
Quarterley da AMA Superbike, que esmagou o dedo mindinho em um acidente nos
testes que antecediam uma Prova em Laguna Seca na década de 80. Atendido no
hospital o cirurgião ponderou 3 procedimentos possíveis, uma série de cirurgias
para reconstruir o dedo, um pino que o imobilizaria definitivamente ou a
amputação, que talvez o habilitasse a correr no dia seguinte. Dale escolheu a
terceira opção e alinhou para a corrida no dia seguinte. Desde então passou a
ser conhecido como “Fingerless”.
Em 2012 o britânico Cal Crutchlow quebrou o
tornozelo esquerdo no FP3 do GP da Inglaterra. Os médicos prescreveram um
repouso de oito a 10 semanas, devia ficar ausente de 4 etapas da temporada. Era
o GP na casa do piloto, uma rara oportunidade de estar próximo de seus
torcedores. Cal simplificou o conselho dos médicos: "Não colocar peso no
pé por oito a dez semanas implica, para um piloto, um tempo entre 8 e dez
horas". Quando voltou para o paddock afirmou aos médicos do circuito que
estava apto para correr, foi submetido a um rigoroso teste de aptidão e alinhou
para a largada no fim do grid por não ter participado da qualificação. Chegou
em 7º.
Em 2013 Jorge Lorenzo estava na disputando com Dani
Pedrosa a liderança do mundial quando em uma queda no FP2 em Assen quebrou a
clavícula. Como estava com a vaga garantida no Q2 pelo tempo obtido no FP1,
fretou um jato, voou para Barcelona e foi operado na mesma noite. Voltou para a
Holanda e participou da prova, largou na 12ª posição e chegou em 5º.
Marc Márquez decidiu não participar da 2ª prova de
Jerez porque seu braço inflamou devido as características do circuito, que
exigem muito esforço do lado direito. Pilotos são dedicados, porém a
racionalidade se sobrepõem à imprudência. Quando não há condições sabem que
está em risco, além da sua própria integridade, a dos outros competidores.
Este tempo reduzido para a recuperação de fraturas são resultados de uma técnica cirúrgica de fixação e revestimento de ossos. A técnica conhecida pelo acrônimo ORIF (Open Reduction Internal Fixation), consiste em realinhar os pedaços de ossos quebrados e com pinos, placas e parafusos realizar a fixação interna. O ORIF existe desde o final do século XIX, mas a tecnologia só foi aperfeiçoada por engenheiros médicos nas últimas décadas. O médico que atendeu Márquez utilizou a técnica ORIF no úmero direito que ele quebrou no domingo anterior. O atual campeão estava rodando com um bom ritmo no FP3 e FP4, quando sobreveio uma inflamação, provavelmente originada da trepidação do guidão e do esforço de frenagem (até 2 g), que restringiu a força no braço.
Fabio Quartararo já é o piloto francês mais bem-sucedido em mais de 70 anos de campeonatos mundiais da classe principal. Sua segunda vitória consecutiva o habilita a aspirar o título deste ano, mesmo porque ainda não está garantido sequer o número de etapas desta temporada. O calendário provisório indica 13, porém ainda podem haver cancelamentos em função da pandemia. O piloto parece ter personificado o que foi chamado no final da era Bridgestone na MotoGP de “Modo Lorenzo”. O espanhol aperfeiçoou a arte de fugir do apagar das luzes para liderar cada volta.
Valentino Rossi & Maverick Vinales
As motos Yamaha só tiveram a sua supremacia
ameaçada pela Ducati de Peco Bagnaia, que escalou posições até chegar na
vice-liderança, quando seu motor falhou. A Yamaha colocou 3 motos nas primeiras
posições e a pior classificada, embora o resultado muito comemorado, foi a de
Valentino Rossi. A Honda foi representada por Nakagami (4º) e Alex Márquez que
fez uma ótima prova, partiu da última posição para finalizar em 8º. Duas Suzuki
marcaram presença entre os top 10, Joan Mir em 5º e Alex Rins em 10º, Pol Espargaro
conduziu a única KTM até a sétima colocação e as Ducati de Dovizioso (6º) e
Johann Zarco (9º) fecharam a relação dos 10 primeiros.
A euforia dos resultados no início da temporada, 5
pódios dos 6 possíveis, não entusiasma muito os dirigentes da Yamaha e é
acompanhada por uma grande preocupação por seus engenheiros por falhas de
motor, duas na primeira semana (Vinales nos treinos e Rossi na prova) e
Morbidelli na segunda prova. No último fim de semana os quatro pilotos
utilizaram motores novos, o segundo de um total de cinco. Maverick Vinales já
perdeu um motor, o que pode complicar as suas aspirações ao título.
Se confiabilidade dos motores Yamaha eventualmente
pode ser um problema, a falta de potência com certeza é. Os motores V4 tem
aproximadamente 30 HPs mais sobre o motor em linha da M1, não foi significativo
no circuito plano de Jerez com uma reta curta de pouco mais de 600 metros, pode
ser desastroso no resto previsto da temporada. Nos circuitos de Brno, Red Bull
Ring, Misano, Barcelona, Le Mans, Aragão e Valência a vantagem da velocidade
nas curvas da Yamaha pode não fazer a diferença, em todas elas a potência das
Motos V4 deve ser privilegiada. Na República Checa o circuito apresenta um
desnível de 75 metros, em 2019 a Yamaha melhor colocada foi a de Valentino
Rossi em 6º a 9 segundos do vencedor. O Red Bull Ring já foi definido como três
provas de quilometro de arrancada intermediadas por um balão, o atual traçado
tem a exclusividade de vitórias da Ducati, em 2019 Fábio Quartararo classificou
em 3º, a 6 segundos do vencedor Andrea Dovizioso.
Os engenheiros da Yamaha nunca param de trabalhar
para conseguir mais potência do motor da M1, mas um 4 cilindros em linha
simplesmente não é tão robusto quanto um V4. Quanto mais alteram para aumentar
a potência, maior a probabilidade dos motores apresentarem problemas.
Cal Crutchlow fraturou
o escafoide esquerdo em um acidente durante o aquecimento de domingo para a
prova de Jerez. Pode sentir alguma dor e não deve ter muitos problemas para competir,
especialmente porque a lesão é na mão esquerda. Jerez é um circuito no sentido
horário com muitas curvas à direita, e toda as frenagens mais fortes são feitas
à direita.
Alex Rins deslocou o
ombro direito e quebrou o úmero em uma forte queda na Curva 11 durante a
qualificação. Não precisou de cirurgia e está sob terapia intensiva para estar
pronto para Jerez. O piloto da Suzuki Ecstar sofreu algum dano ligamentar, que
talvez dificulte sua prova.
Marc Marquez sofreu uma
fratura deslocada do úmero no braço direito, quando sofreu um highside durante
a corrida e, na sequência, sofreu uma forte pancada da roda dianteira de sua
Repsol Honda RC213V quando ele e sua moto entraram no cascalho na saída da
Curva 3. Houve um temor inicial que o nervo tivesse sido atingido, mas não foi
o caso. Marquez fez uma cirurgia dia 21/07.
Embora os médicos o
tenham considerado apto – com força suficiente no braço para controlar a moto e
não colocar em perigo os outros competidores – deve encontrar muitas dificuldades
na pista. Jerez é um circuito no sentido horário, exige muito do lado direito
do corpo, que deve colocar uma carga extra no braço lesionado.
A estratégia
desenvolvida pela equipe de Márquez é ficar fora da FP1 e FP2, só entrar no FP3
para garantir evitar o Q1 e preservar sua forma física.
O gerente da equipe
Repsol Honda, Alberto Puig, deu declarações à imprensa relatou: "Ninguém
esperava que ele estivesse aqui. Quando o acidente aconteceu, ficamos muito
preocupados e ele teve que ir para Barcelona para uma cirurgia. A trabalho do
cirurgião foi fantástico e o resultado excedeu às nossas melhores expectativas.
Um dia depois do procedimento cirúrgico Marc entrou em contato relatando que
estava bem, a dor era tolerável e tinha total controle da movimentação do braço”.
"Originalmente a
posição da Honda era cancelar esta corrida e voltar em Brno. Considerando o
desejo do piloto e a opinião dos médicos, declarando-o em forma, chegamos a uma
posição de atender seu desejo e ele vai tentar no sábado e dependendo de como estiver
sentindo, vai decidir se participa da prova ou não. Se ele entender que é capaz
de completar a prova vamos à luta. Caso não haja condições, Marc já entendeu
que a ideia é cancelar a sua participação nesta prova e preservar para a etapa
de Brno”.
Se fosse em outro
circuito seria mais complicado, porém a configuração da moto já está pronta. Os
trabalhos de sexta-feira não são necessários, Marc sabe exatamente como andar
nesta pista. É muito importante para a Honda e para a equipe Repsol Honda
também respeitar o desejo do piloto. Então evitamos o stress na sexta-feira
para preservar para o resultado no sábado."
O início das temporadas de
esportes motorizados em 2020, com procedimentos adaptados à contenção da
pandemia, foi estranho. Na primeira prova do Mundial de F1, disputada na
Áustria, pareceu que todos os comissários participavam da torcida de Valentino
Rossi, com um festival de bandeiras amarelas agitadas. Em Jerez de la Frontera,
na abertura da temporada de MotoGP, dois pilotos que já venceram na categoria
principal, Alex Rins e Cal Crutchlow, estiveram ausentes do grid de largada por
acidentes nos treinos que antecedem o GP, o britânico fraturou o osso escafoide
no pulso e o espanhol com um deslocamento no ombro e suspeita de fratura do
úmero. Um acidente quase no final da prova resultou em uma queda do 8 vezes
campeão do mundo, Marc Márquez, que exigiu correção cirúrgica.
Os pilotos de MotoGP são atletas
muito bem preparados em termos de condições físicas. A técnica de pilotagem
desenvolvida por Marc Márquez e adotada por praticamente todos os pilotos de
ponta indica que a postura ideal é manter toda a parte superior do corpo afastada
da moto nas curvas, o constante reposicionamento de acordo com o layout do
circuito exige muito preparo. Em alguns
contornos o piloto fica submetido a forças de até 2 g e é necessário um condicionamento
específico. Por oportuno, um corpo humano experimenta uma sensação de conforto até
1 g e, embora não seja muito difícil resistir a pressões 2 g, valores muito
superiores podem tornar quase impossível manter a consciência.
O que torna estes atletas tão
especiais é a extraordinária competitividade na disputa pelo título mundial, aceitando
os sacrifícios necessários. Dani Pedrosa, que se aposentou no final de 2018, nos
20 anos em que esteve nas pistas disputando as 3 categorias sofreu 11 fraturas,
sua clavícula esquerda tem menos que 20% do tecido ósseo original. Embora o seu
porte físico esteja longe do ideal (1,58m de altura), é o 8º piloto em número
de vitórias da história do mundial (31, mesmo número de Eddie Lawson).
Eventos de superação e força de vontade de pilotos em relação a lesões com fraturas são inúmeros na MotoGP. Os exemplos abaixo foram selecionados por terem sido protagonizados por campeões mundiais.
Jorge
Lorenzo
Considerado um dos maiores
talentos das pistas. Jorge Lorenzo, realizou uma sequência heroica em 2013. Com
uma pontuação que o habilitava a disputar o título da temporada, sofreu uma queda
nos testes de classificação de sexta-feira para o GP de Assen, Holanda, e fraturou
a clavícula. Com um jato fretado voou para Barcelona e foi operado na mesma
noite. No domingo alinhou no grid de largada e encerrou a prova como quinto colocado.
Duas semanas mais tarde nos treinos para o grande prêmio da Alemanha voltou a se
acidentar machucando a mesma clavícula, só então parou para o restabelecimento
completo.
Mick Doohan
Michael “Mick” Doohan desenvolveu uma maneira de
controlar a moto adequada para a agressividade das 500cc dois tempos, em uma
época onde os fabricantes privilegiavam a potência. Com uma curva acentuada de
torque, a NSR500 era um equipamento complicado para controlar. Na temporada de
92 Doohan abriu 65 pontos de vantagem sobre a Yamaha do então bicampeão
mundial, o americano Wayne Rainey. Nos testes livres do GP da Holanda em Assen,
a Catedral da Motovelocidade, depois de uma primeira queda sem consequências
voltou para a pista e sofreu um highside, tipo de acidente em que o
piloto é projetado da moto e resultou em uma fratura na tíbia direita. O
atendimento no hospital holandês foi desastroso, o piloto foi transferido para
uma clínica na Itália já com diversos órgãos entrando em colapso devido à pouca
circulação no membro sinistrado. Submetido a uma cirurgia inovadora onde o
médico italiano Claudio Costa utilizou o sistema de irrigação da perna esquerda
para revitalizar a direita, ficou com as duas pernas costuradas em recuperação por
14 dias. Ainda assim, parte da funcionalidade do seu membro direito ficou comprometida.
Depois de perder 4vetapas, seu retorno no GP do
Brasil foi feito em circunstâncias muito desfavoráveis. Interlagos é um ícone
na Fórmula 1, porém um circuito inadequado para as 500cc pelo piso
ondulado e os muros da reta dos boxes muito próximos da pista, apesar de uma
chicane ter sido construída na curva do Café. Os principais pilotos, entre eles
Wayne Rainey, Eddie Lawson e o próprio Mick Doohan pressionaram pelo
cancelamento da prova que, se efetivado, garantiria o título da temporada para
o australiano, entretanto os interesses comerciais prevaleceram e a corrida foi
mantida. Doohan chegou em São Paulo em uma cadeira de rodas e com a musculatura
das pernas pouco desenvolvida devido a prolongada ausência de exercícios, ocultou
dos responsáveis que sua perna direita não estava recuperada, totalmente
insensível do joelho para baixo. Participou de uma corrida em um circuito
desfavorável, com um clima hostil (garoa) e com uma perna só.
A sensibilidade do membro do piloto esteve ausente durante a maior parte da temporada de 93. A falta de mobilidade do tornozelo direito impedia o uso correto do pedal do freio traseiro e a Honda improvisou um controle com acionamento pelo polegar esquerdo. Michael Doohan conquistou cinco títulos seguidos, de 1994 a 1998, exclusivamente com motos Honda.
Feitos heroicos são saudados em prosa e verso, embora normalmente sejam exagerados. Em 2017 Valentino Rossi fraturou a perna direita praticando com uma moto de enduro e, 22 dias depois, estava de volta às pistas. Representantes da mídia especializada enumeraram alguns fatos não bem explicados em relação a recuperação meteórica do multicampeão. O acidente aconteceu em um local afastado e presenciado apenas por amigos próximos, não há registros de como foi transportado para o atendimento em um hospital. Foram divulgadas notícias de uma cirurgia bem-sucedida, sem publicar nenhum Raio-X do osso fraturado ou com as placas e pinos. A única certeza é que o piloto perdeu a prova de Misano, todo o resto é obscuro. O staff de Valentino é conhecido por sua especialidade em manipular a mídia.
Existem registros fotográficos que depois da avaliação
realizada em Motorland (Aragon) ele saiu do Centro Médico utilizando uma muleta
no lado esquerdo. É cientificamente impossível aliviar o peso ou obter algum benefício
na perna direita com este tipo de apoio. No dia da prova, ao montar em seu
protótipo antes de rumar para o grid, ele utilizou o lado direito do
equipamento. Apoiou todos os seus 70-80kg de peso sobre a perna direita e girou
toda esta massa sobre o osso fraturado para jogar a perna esquerda sobre a
moto. Doses maciças de analgésicos podem justificar este procedimento, mas com
certeza o instinto natural seria subir pelo outro lado para poupar o membro
machucado. A pista de Aragon é no sentido anti-horário, ou seja, privilegia
curvas para a esquerda que, por consequência, exigem maior apoio da perna
direita para mudar a posição do corpo sobre a moto, Valentino não demonstrou
dificuldades de movimentação em nenhum momento. Na prova ele também usou sem
problemas o membro sinistrado como freio aerodinâmico nas aproximações das
curvas. Quando desceu da máquina já no box no final da prova, de novo apoiou
todo o corpo na perna direita.
Tudo indica que, se houve um sinistro, o dano foi muito
menor do que a assessoria de imprensa do piloto divulgou. Todas as notícias do
acidente e acompanhamento da recuperação foram anunciadas pelo seu staff e nenhuma
evidência real foi divulgada. Ninguém põe em dúvida ou menospreza a proeza do
piloto, porém existe a possibilidade que a magnitude do dano tenha sido superdimensionada.
Fraturas em
2019
Considerando as 3 classes, no mundial de 2019 o atendimento
médico contabilizou 28 casos de ossos fraturados, incluindo as costelas de
Jorge Loreno que o afastaram de diversas etapas.
A
Michelin, como fornecedor exclusivo de um componente essencial para a categoria
máxima do motociclismo no mais antigo campeonato do mundo de desportos
motorizados tem, ao mesmo tempo, um privilégio e uma enorme responsabilidade. Calçar
os protótipos da MotoGP é uma oportunidade única para a exposição da marca, ser
associado aos equipamentos mais sofisticados já produzidos pela tecnologia
aplicada em duas rodas e aos nomes mais famosos do motociclismo. A marca e
logotipo são exibidos em transmissões de TV com cobertura global, para milhões
de fãs de corridas e entusiastas da motovelocidade a cada grande prêmio,
aparece em fotos de jornais, revistas e em milhares de polegadas em colunas de
sites. Pagar a mesma exposição - um conceito conhecido como valor publicitário
equivalente - custaria uma fortuna.
Existe
o reverso da medalha. É extremamente raro ouvir pilotos elogiar os pneus
espontaneamente. Os méritos da Bridgestone só foram reconhecidos quando o
fabricante anunciou que estava se retirando do papel do fornecedor oficial,
Marc Márquez reconheceu que muito do seu estilo agressivo de pilotagem só foi
possível pela extraordinária aderência do pneu dianteiro da fabricante japonesa.
A crítica, em contrapartida, é imediata: pneus que não aquecem o
suficiente, desgastam muito rápido ou não tem a aderência adequada são
explicações frequentes para insucessos na pista.
As regras da MotoGP
permitiam até 2009 a “Guerra dos Pneus”, Dunlop, Michelin e Bridgestone
competiam pelo privilégio de equipar as motos mais competitivas. A escalada de
custos e o consequente desequilíbrio da competição obrigou o regulamento de
2007 a limitar o número de pneus poderiam ser utilizados por um piloto durante
uma etapa (testes, qualificação e prova). A limitação criou o problema de seleção
de pneus em relação à pista, clima e outros fatores, que desafia os pilotos e
equipes a otimizar seu desempenho nos dois dias que precedem as corridas.
Ao longo das últimas
duas décadas alterações de fabricantes e especificações dos
pneus sempre tiveram grande influência sobre quem vence o campeonato. Em 2000 a
Michelin trocou as 17” por 16,5“, privilegiando maior tração de saída de curva
que auxiliou Kenny Roberts Jr, Suzuki, a vencer o mundial. No ano de 2004 a
fábrica francesa forneceu um slick traseiro mais largo, com melhor aderência de
borda que foi essencial para a Yamaha de Valentino Rossi explorar a vantagem de
velocidade de curva do YZR-M1 e conseguir o título. Na época, o pessoal da Honda chamou o composto
de o “pneu Yamaha".
Kenny Roberts Jr. Suzuki
RGV-R 500cc (2 tempos)
Em
2006 o pêndulo oscilou para o lado da Honda, com uma melhora expressiva na
aderência. Por pressão de Valentino Rossi, a Michelin criou um pneu especial para
a Yamaha durante a temporada. Nicky Hayden ganhou o título com uma Honda. No
meio do campeonato de 2012 a Bridgestone mudou seu pneu dianteiro, causando
problemas com Casey Stoner da Honda durante a frenagem e a entrada na curva. O
australiano justificou que a única maneira de obter o suporte é com maior
pressão, o que lhe dá menos área de contato. Jorge Lorenzo da Yamaha conquistou
da Yamaha conquistou o título.
A
versão 2014 voltou a favorecer a Honda. Um novo componente traseiro da
Bridgestone com a borda mais dura era adequado à técnica de condução de Marc
Márquez, que estabeleceu o recorde de 13 vitórias. O pneu foi o protagonista do
crescimento da Ducati em 2016. Os pontos fortes da fábrica italiana eram a estabilidade
nas fases de frenagem e aceleração, utilizando com parcimônia o apoio na borda,
que casou excepcionalmente bem com as características do pneu.
Equalizando a linguagem, pneus duros são mais resistentes, porém tem mais dificuldade em deformar e atingir a janela de temperatura ideal onde operam com a maior aderência. Pneus macios deformam com mais facilidade e possibilitam maior velocidade, mas talvez não resistam toda uma prova. Estas opções podem ser divididas em simétricos ou assimétricos (dual compound). Simétricos apresentam consistência uniforme e assimétricos permitem maior resistência no lado da borda mais solicitada
Para esta temporada, a Michelin desenvolveu uma construção diferente com o objetivo de aumentar a área de contato (patch), colocando mais borracha na pista para obter maior aderência, visando permitir tempos de volta mais rápidos, desempenho e estabilidade especialmente em circuitos conhecidas por serem difíceis com os pneus. A fábrica realizou em 2019 testes extensivos, incluindo uma sessão extra exclusiva durante a etapa australiana em Phillip Island.
O aumento da aderência traseira muda o equilíbrio
dianteira/traseira, o que pode complicar contornar curvas e outros fatores de
desempenho. Se houver maior aderência traseira, os pilotos com certeza devem
explorar esta característica e colocar mais carga no pneu traseiro, logicamente
reduz a carga no pneu dianteiro e fica muito fácil perder a frente.
O invólucro da nova traseira é mais maleável, então o
pneu fica mais liso, o que aumenta a área de contato e dificulta a moto a mudar
de direção. O condutor tem que fazer
mais força. Os pilotos da Ducati reclamam que tem dificuldade em sair das
curvas. O novo traseiro permite mais aderência no meio do contorno e privilegia
equipamentos que tem maior velocidade em curvas, melhora a estabilidade e
tração na saída e conseguem uma retomada de velocidade mais rápida.
Os ensaios e testes realizados sugerem que o pneu pode
funcionar melhor para os pilotos de motos com motores em linha, que exigem
menos esforço físico para passar pelas curvas. A própria Michelin reconhece que
com este pneu, aparentemente os pilotos não podem ser muito agressivos. A
técnica de deslizar a traseira para virar a moto fica comprometida pela maior
aderência. O pneu é mais estável na
curva e tem uma boa vantagem na área de aceleração, ajuda a parar a moto quando
o piloto está usando o pneu traseiro na frenagem. Literalmente, os pilotos
devem frear, acelerar e contornar curvas de modo diferente.
A pandemia prejudicou muito a adequação dos equipamentos
ao novo componente. A primeira vez que pilotos e engenheiros conseguiram se
concentrar 100% na nova traseira foi nos testes de Sepang e Losail em
fevereiro, então eles só tiveram seis dias completos com o pneu.
O fator principal que deve decidir o campeonato de MotoGP
deste ano será qual equipe consegue reequilibrar os protótipos mais rapidamente
para o novo pneu. Detalhe, tem que ser desenvolvido em um calendário compactado
de 13 etapas em 18 fins de semana, sem tempo para testes.
O objetivo dos engenheiros é ajustar o equilíbrio de
tração via geometria e configuração de suspensão para deslocar o viés de peso
para frente, aumentar a carga dianteira e, portanto, recuperar a aderência
dianteira e o desempenho de giro. Cada fábrica precisará encontrar seu próprio
ponto ideal, então a vantagem será do piloto que melhor adaptar a sua técnica
de pilotagem em breve para aproveitar ao máximo as características do pneu e
souber evitar seus pontos negativos.
Não há como antecipar qual a equipe ou equipamento que
vai ser favorecido pelo traseiro versão 2020 da Michelin, mas geralmente são os
pilotos mais inteligentes e talentosos que trabalham como tirar o máximo de um
pneu novo ou qualquer outro upgrade técnico adaptando sua técnica de pilotagem.
As rodadas um e dois em Jerez no final deste mês não
provarão conclusivamente quem são os vencedores e quem são os perdedores com o
novo Michelin – a situação pode mudar corrida por corrida à medida que
diferentes equipes e fábricas desvendarem os segredos do pneu.
Post Scriptum
O resultado da primeira prova da temporada em Jerez pode
servir como orientação preliminar, não como um indicativo absoluto que o novo
pneu privilegia os motores em linha. Duas Yamaha nos primeiros lugares,
seguidas de duas Ducati mascaram a realidade da prova. Marc Márquez perdeu a
frente duas vezes (falta de aderência dianteira), salvou a primeira e sofreu um
high-side (foi catapultado) na segunda, que resultou em uma fratura diafísica. Enquanto esteve na
pista o desempenho de sua Honda foi superior aos outros equipamentos. Como Cal
Crutchlow não alinhou na largada, a fábrica nipônica ficou sem seus pilotos
principais.