quarta-feira, 29 de julho de 2020

MotoGP - O homem (quase) de platina

  Marc Márquez compartilha um Raio-X do seu braço direito após a correção da fratura em Jerez

Acidente e atendimento em Jerez


Raio-X do úmero direito



MotoGP – Herói ou maníaco imprudente


Highside de Márquez em Jerez


A tentativa de Márquez em disputar o segundo GP de Jerez no último fim de semana, menos de uma semana depois da cirurgia no braço fraturado, mesmo frustrada atingiu parte de seus objetivos. Como todos os grandes campeões que o precederam, Marc Márquez não quer apenas vencer, quer dominar, impor a sua superioridade sobre todos os competidores, não apenas ser o mais veloz. Seus rivais devem temer qualquer disputa com ele, Marc é capaz de fazer o impossível, coisas que não podem ser replicadas por seus concorrentes.

 

No dia 20/07 todo a mídia especializada comentava sua brilhante recuperação na 1ª prova e como havia jogado fora o campeonato por não ter se contentado com o pódio, arriscando até cometer um erro bobo e desnecessário. Desde 22/07 a tônica passou a ser a força de vontade, a resiliência física e mental de considerar competir naquele estado. Marc Márquez provou aos seus rivais que está disposto a ir mais longe do que eles imaginavam.


Braço inflamado de Marc Márquez


A atitude e postura do campeão, um herói para alguns e um maníaco imprudente para outros, por paradoxal que pareça é bem recebida por seus colegas competidores. Aleix Espargaro, da Aprilia, sintetizou o sentimento da maioria dos pilotos: “É assim que somos. Isto é a MotoGP”. Demonstrações de força de espírito extraordinária, que beira a insanidade, não são novidade em corridas de motos. Já são  lendárias atitudes como a do piloto Dale Quarterley da AMA Superbike, que esmagou o dedo mindinho em um acidente nos testes que antecediam uma Prova em Laguna Seca na década de 80. Atendido no hospital o cirurgião ponderou 3 procedimentos possíveis, uma série de cirurgias para reconstruir o dedo, um pino que o imobilizaria definitivamente ou a amputação, que talvez o habilitasse a correr no dia seguinte. Dale escolheu a terceira opção e alinhou para a corrida no dia seguinte. Desde então passou a ser conhecido como “Fingerless”.

 

Em 2012 o britânico Cal Crutchlow quebrou o tornozelo esquerdo no FP3 do GP da Inglaterra. Os médicos prescreveram um repouso de oito a 10 semanas, devia ficar ausente de 4 etapas da temporada. Era o GP na casa do piloto, uma rara oportunidade de estar próximo de seus torcedores. Cal simplificou o conselho dos médicos: "Não colocar peso no pé por oito a dez semanas implica, para um piloto, um tempo entre 8 e dez horas". Quando voltou para o paddock afirmou aos médicos do circuito que estava apto para correr, foi submetido a um rigoroso teste de aptidão e alinhou para a largada no fim do grid por não ter participado da qualificação. Chegou em 7º.

 

Em 2013 Jorge Lorenzo estava na disputando com Dani Pedrosa a liderança do mundial quando em uma queda no FP2 em Assen quebrou a clavícula. Como estava com a vaga garantida no Q2 pelo tempo obtido no FP1, fretou um jato, voou para Barcelona e foi operado na mesma noite. Voltou para a Holanda e participou da prova, largou na 12ª posição e chegou em 5º.

 

Marc Márquez decidiu não participar da 2ª prova de Jerez porque seu braço inflamou devido as características do circuito, que exigem muito esforço do lado direito. Pilotos são dedicados, porém a racionalidade se sobrepõem à imprudência. Quando não há condições sabem que está em risco, além da sua própria integridade, a dos outros competidores.

 

Este tempo reduzido para a recuperação de fraturas são resultados de uma técnica cirúrgica de fixação e revestimento de ossos. A técnica conhecida pelo acrônimo ORIF (Open Reduction Internal Fixation), consiste em realinhar os pedaços de ossos quebrados e com pinos, placas e parafusos realizar a fixação interna. O ORIF existe desde o final do século XIX, mas a tecnologia só foi aperfeiçoada por engenheiros médicos nas últimas décadas. O médico que atendeu Márquez utilizou a técnica ORIF no úmero direito que ele quebrou no domingo anterior. O atual campeão estava rodando com um bom ritmo no FP3 e FP4, quando sobreveio uma inflamação, provavelmente originada da trepidação do guidão e do esforço de frenagem (até 2 g), que restringiu a força no braço.



Fabio Quartararo já é o piloto francês mais bem-sucedido em mais de 70 anos de campeonatos mundiais da classe principal. Sua segunda vitória consecutiva o habilita a aspirar o título deste ano, mesmo porque ainda não está garantido sequer o número de etapas desta temporada. O calendário provisório indica 13, porém ainda podem haver cancelamentos em função da pandemia. O piloto parece ter personificado o que foi chamado no final da era Bridgestone na MotoGP de “Modo Lorenzo”. O espanhol aperfeiçoou a arte de fugir do apagar das luzes para liderar cada volta.

 

 

Valentino Rossi & Maverick Vinales

 

As motos Yamaha só tiveram a sua supremacia ameaçada pela Ducati de Peco Bagnaia, que escalou posições até chegar na vice-liderança, quando seu motor falhou. A Yamaha colocou 3 motos nas primeiras posições e a pior classificada, embora o resultado muito comemorado, foi a de Valentino Rossi. A Honda foi representada por Nakagami (4º) e Alex Márquez que fez uma ótima prova, partiu da última posição para finalizar em 8º. Duas Suzuki marcaram presença entre os top 10, Joan Mir em 5º e Alex Rins em 10º, Pol Espargaro conduziu a única KTM até a sétima colocação e as Ducati de Dovizioso (6º) e Johann Zarco (9º) fecharam a relação dos 10 primeiros.

 

A euforia dos resultados no início da temporada, 5 pódios dos 6 possíveis, não entusiasma muito os dirigentes da Yamaha e é acompanhada por uma grande preocupação por seus engenheiros por falhas de motor, duas na primeira semana (Vinales nos treinos e Rossi na prova) e Morbidelli na segunda prova.  No último fim de semana os quatro pilotos utilizaram motores novos, o segundo de um total de cinco. Maverick Vinales já perdeu um motor, o que pode complicar as suas aspirações ao título.

 

Se confiabilidade dos motores Yamaha eventualmente pode ser um problema, a falta de potência com certeza é. Os motores V4 tem aproximadamente 30 HPs mais sobre o motor em linha da M1, não foi significativo no circuito plano de Jerez com uma reta curta de pouco mais de 600 metros, pode ser desastroso no resto previsto da temporada. Nos circuitos de Brno, Red Bull Ring, Misano, Barcelona, Le Mans, Aragão e Valência a vantagem da velocidade nas curvas da Yamaha pode não fazer a diferença, em todas elas a potência das Motos V4 deve ser privilegiada. Na República Checa o circuito apresenta um desnível de 75 metros, em 2019 a Yamaha melhor colocada foi a de Valentino Rossi em 6º a 9 segundos do vencedor. O Red Bull Ring já foi definido como três provas de quilometro de arrancada intermediadas por um balão, o atual traçado tem a exclusividade de vitórias da Ducati, em 2019 Fábio Quartararo classificou em 3º, a 6 segundos do vencedor Andrea Dovizioso.

 

Os engenheiros da Yamaha nunca param de trabalhar para conseguir mais potência do motor da M1, mas um 4 cilindros em linha simplesmente não é tão robusto quanto um V4. Quanto mais alteram para aumentar a potência, maior a probabilidade dos motores apresentarem problemas.

 

 Há uma outra variável que deve ser considerada, a atual pandemia. O combate ao Corona Vírus pode interromper ou mesmo terminar a temporada a qualquer momento. Dorna realizou um grande esforço para programar 13 etapas, porém picos ou segunda onda de contágios podem causar fechamento de fronteiras ou restrições em áreas localizadas. É uma situação bizarra, os pilotos não sabem se estão disputando um campeonato de nove, 13 ou até mesmo 16 corridas, se as 3 fora da Europa forem confirmadas. Nesta ótica a situação de Quartararo é confortável.

 


Márquez, Crutchlow & Rins aptos para a corrida

O centro médico do autódromo de Jerez foi um lugar movimentado no dia de hoje, com o comparecimento dos pilotos para suas avaliações médicas. Cal Crutchlow, Marc Marquez e Alex Rins realizaram provas de aptidão antes da liberação para testes de pista, onde serão avaliados em sua forma física. Os três foram declarados aptos.

Cal Crutchlow fraturou o escafoide esquerdo em um acidente durante o aquecimento de domingo para a prova de Jerez. Pode sentir alguma dor e não deve ter muitos problemas para competir, especialmente porque a lesão é na mão esquerda. Jerez é um circuito no sentido horário com muitas curvas à direita, e toda as frenagens mais fortes são feitas à direita.

Alex Rins deslocou o ombro direito e quebrou o úmero em uma forte queda na Curva 11 durante a qualificação. Não precisou de cirurgia e está sob terapia intensiva para estar pronto para Jerez. O piloto da Suzuki Ecstar sofreu algum dano ligamentar, que talvez dificulte sua prova.

Marc Marquez sofreu uma fratura deslocada do úmero no braço direito, quando sofreu um highside durante a corrida e, na sequência, sofreu uma forte pancada da roda dianteira de sua Repsol Honda RC213V quando ele e sua moto entraram no cascalho na saída da Curva 3. Houve um temor inicial que o nervo tivesse sido atingido, mas não foi o caso. Marquez fez uma cirurgia dia 21/07.

Embora os médicos o tenham considerado apto – com força suficiente no braço para controlar a moto e não colocar em perigo os outros competidores – deve encontrar muitas dificuldades na pista. Jerez é um circuito no sentido horário, exige muito do lado direito do corpo, que deve colocar uma carga extra no braço lesionado.

A estratégia desenvolvida pela equipe de Márquez é ficar fora da FP1 e FP2, só entrar no FP3 para garantir evitar o Q1 e preservar sua forma física.

O gerente da equipe Repsol Honda, Alberto Puig, deu declarações à imprensa relatou: "Ninguém esperava que ele estivesse aqui. Quando o acidente aconteceu, ficamos muito preocupados e ele teve que ir para Barcelona para uma cirurgia. A trabalho do cirurgião foi fantástico e o resultado excedeu às nossas melhores expectativas. Um dia depois do procedimento cirúrgico Marc entrou em contato relatando que estava bem, a dor era tolerável e tinha total controle da movimentação do braço”.

"Originalmente a posição da Honda era cancelar esta corrida e voltar em Brno. Considerando o desejo do piloto e a opinião dos médicos, declarando-o em forma, chegamos a uma posição de atender seu desejo e ele vai tentar no sábado e dependendo de como estiver sentindo, vai decidir se participa da prova ou não. Se ele entender que é capaz de completar a prova vamos à luta. Caso não haja condições, Marc já entendeu que a ideia é cancelar a sua participação nesta prova e preservar para a etapa de Brno”. 

Se fosse em outro circuito seria mais complicado, porém a configuração da moto já está pronta. Os trabalhos de sexta-feira não são necessários, Marc sabe exatamente como andar nesta pista. É muito importante para a Honda e para a equipe Repsol Honda também respeitar o desejo do piloto. Então evitamos o stress na sexta-feira para preservar para o resultado no sábado."



MotoGP - Ossos do ofício



O início das temporadas de esportes motorizados em 2020, com procedimentos adaptados à contenção da pandemia, foi estranho. Na primeira prova do Mundial de F1, disputada na Áustria, pareceu que todos os comissários participavam da torcida de Valentino Rossi, com um festival de bandeiras amarelas agitadas. Em Jerez de la Frontera, na abertura da temporada de MotoGP, dois pilotos que já venceram na categoria principal, Alex Rins e Cal Crutchlow, estiveram ausentes do grid de largada por acidentes nos treinos que antecedem o GP, o britânico fraturou o osso escafoide no pulso e o espanhol com um deslocamento no ombro e suspeita de fratura do úmero. Um acidente quase no final da prova resultou em uma queda do 8 vezes campeão do mundo, Marc Márquez, que exigiu correção cirúrgica.

Os pilotos de MotoGP são atletas muito bem preparados em termos de condições físicas. A técnica de pilotagem desenvolvida por Marc Márquez e adotada por praticamente todos os pilotos de ponta indica que a postura ideal é manter toda a parte superior do corpo afastada da moto nas curvas, o constante reposicionamento de acordo com o layout do circuito exige muito preparo.  Em alguns contornos o piloto fica submetido a forças de até 2 g e é necessário um condicionamento específico. Por oportuno, um corpo humano experimenta uma sensação de conforto até 1 g e, embora não seja muito difícil resistir a pressões 2 g, valores muito superiores podem tornar quase impossível manter a consciência.

O que torna estes atletas tão especiais é a extraordinária competitividade na disputa pelo título mundial, aceitando os sacrifícios necessários. Dani Pedrosa, que se aposentou no final de 2018, nos 20 anos em que esteve nas pistas disputando as 3 categorias sofreu 11 fraturas, sua clavícula esquerda tem menos que 20% do tecido ósseo original. Embora o seu porte físico esteja longe do ideal (1,58m de altura), é o 8º piloto em número de vitórias da história do mundial (31, mesmo número de Eddie Lawson).

Eventos de superação e força de vontade de pilotos em relação a lesões com fraturas são inúmeros na MotoGP. Os exemplos abaixo foram selecionados por terem sido protagonizados por campeões mundiais.


Jorge Lorenzo

 

Considerado um dos maiores talentos das pistas. Jorge Lorenzo, realizou uma sequência heroica em 2013. Com uma pontuação que o habilitava a disputar o título da temporada, sofreu uma queda nos testes de classificação de sexta-feira para o GP de Assen, Holanda, e fraturou a clavícula. Com um jato fretado voou para Barcelona e foi operado na mesma noite. No domingo alinhou no grid de largada e encerrou a prova como quinto colocado. Duas semanas mais tarde nos treinos para o grande prêmio da Alemanha voltou a se acidentar machucando a mesma clavícula, só então parou para o restabelecimento completo.


Mick Doohan

 

Michael “Mick” Doohan desenvolveu uma maneira de controlar a moto adequada para a agressividade das 500cc dois tempos, em uma época onde os fabricantes privilegiavam a potência. Com uma curva acentuada de torque, a NSR500 era um equipamento complicado para controlar. Na temporada de 92 Doohan abriu 65 pontos de vantagem sobre a Yamaha do então bicampeão mundial, o americano Wayne Rainey. Nos testes livres do GP da Holanda em Assen, a Catedral da Motovelocidade, depois de uma primeira queda sem consequências voltou para a pista e sofreu um highside, tipo de acidente em que o piloto é projetado da moto e resultou em uma fratura na tíbia direita. O atendimento no hospital holandês foi desastroso, o piloto foi transferido para uma clínica na Itália já com diversos órgãos entrando em colapso devido à pouca circulação no membro sinistrado. Submetido a uma cirurgia inovadora onde o médico italiano Claudio Costa utilizou o sistema de irrigação da perna esquerda para revitalizar a direita, ficou com as duas pernas costuradas em recuperação por 14 dias. Ainda assim, parte da funcionalidade do seu membro direito ficou comprometida.

Depois de perder 4vetapas, seu retorno no GP do Brasil foi feito em circunstâncias muito desfavoráveis. Interlagos é um ícone na Fórmula 1, porém um circuito inadequado para as 500cc pelo piso ondulado e os muros da reta dos boxes muito próximos da pista, apesar de uma chicane ter sido construída na curva do Café. Os principais pilotos, entre eles Wayne Rainey, Eddie Lawson e o próprio Mick Doohan pressionaram pelo cancelamento da prova que, se efetivado, garantiria o título da temporada para o australiano, entretanto os interesses comerciais prevaleceram e a corrida foi mantida. Doohan chegou em São Paulo em uma cadeira de rodas e com a musculatura das pernas pouco desenvolvida devido a prolongada ausência de exercícios, ocultou dos responsáveis que sua perna direita não estava recuperada, totalmente insensível do joelho para baixo. Participou de uma corrida em um circuito desfavorável, com um clima hostil (garoa) e com uma perna só.

A sensibilidade do membro do piloto esteve ausente durante a maior parte da temporada de 93. A falta de mobilidade do tornozelo direito impedia o uso correto do pedal do freio traseiro e a Honda improvisou um controle com acionamento pelo polegar esquerdo. Michael Doohan conquistou cinco títulos seguidos, de 1994 a 1998, exclusivamente com motos Honda.

 

 Valentino Rossi

Feitos heroicos são saudados em prosa e verso, embora normalmente sejam exagerados. Em 2017 Valentino Rossi fraturou a perna direita praticando com uma moto de enduro e, 22 dias depois, estava de volta às pistas. Representantes da mídia especializada enumeraram alguns fatos não bem explicados em relação a recuperação meteórica do multicampeão. O acidente aconteceu em um local afastado e presenciado apenas por amigos próximos, não há registros de como foi transportado para o atendimento em um hospital. Foram divulgadas notícias de uma cirurgia bem-sucedida, sem publicar nenhum Raio-X do osso fraturado ou com as placas e pinos. A única certeza é que o piloto perdeu a prova de Misano, todo o resto é obscuro. O staff de Valentino é conhecido por sua especialidade em manipular a mídia.

Existem registros fotográficos que depois da avaliação realizada em Motorland (Aragon) ele saiu do Centro Médico utilizando uma muleta no lado esquerdo. É cientificamente impossível aliviar o peso ou obter algum benefício na perna direita com este tipo de apoio. No dia da prova, ao montar em seu protótipo antes de rumar para o grid, ele utilizou o lado direito do equipamento. Apoiou todos os seus 70-80kg de peso sobre a perna direita e girou toda esta massa sobre o osso fraturado para jogar a perna esquerda sobre a moto. Doses maciças de analgésicos podem justificar este procedimento, mas com certeza o instinto natural seria subir pelo outro lado para poupar o membro machucado. A pista de Aragon é no sentido anti-horário, ou seja, privilegia curvas para a esquerda que, por consequência, exigem maior apoio da perna direita para mudar a posição do corpo sobre a moto, Valentino não demonstrou dificuldades de movimentação em nenhum momento. Na prova ele também usou sem problemas o membro sinistrado como freio aerodinâmico nas aproximações das curvas. Quando desceu da máquina já no box no final da prova, de novo apoiou todo o corpo na perna direita.

Tudo indica que, se houve um sinistro, o dano foi muito menor do que a assessoria de imprensa do piloto divulgou. Todas as notícias do acidente e acompanhamento da recuperação foram anunciadas pelo seu staff e nenhuma evidência real foi divulgada. Ninguém põe em dúvida ou menospreza a proeza do piloto, porém existe a possibilidade que a magnitude do dano tenha sido superdimensionada.


 

Fraturas em 2019

Considerando as 3 classes, no mundial de 2019 o atendimento médico contabilizou 28 casos de ossos fraturados, incluindo as costelas de Jorge Loreno que o afastaram de diversas etapas.


MotoGP – O que pode decidir uma temporada

 

A Michelin, como fornecedor exclusivo de um componente essencial para a categoria máxima do motociclismo no mais antigo campeonato do mundo de desportos motorizados tem, ao mesmo tempo, um privilégio e uma enorme responsabilidade. Calçar os protótipos da MotoGP é uma oportunidade única para a exposição da marca, ser associado aos equipamentos mais sofisticados já produzidos pela tecnologia aplicada em duas rodas e aos nomes mais famosos do motociclismo. A marca e logotipo são exibidos em transmissões de TV com cobertura global, para milhões de fãs de corridas e entusiastas da motovelocidade a cada grande prêmio, aparece em fotos de jornais, revistas e em milhares de polegadas em colunas de sites. Pagar a mesma exposição - um conceito conhecido como valor publicitário equivalente - custaria uma fortuna.

 

Existe o reverso da medalha. É extremamente raro ouvir pilotos elogiar os pneus espontaneamente. Os méritos da Bridgestone só foram reconhecidos quando o fabricante anunciou que estava se retirando do papel do fornecedor oficial, Marc Márquez reconheceu que muito do seu estilo agressivo de pilotagem só foi possível pela extraordinária aderência do pneu dianteiro da fabricante japonesa. A crítica, em contrapartida, é imediata: pneus que não aquecem o suficiente, desgastam muito rápido ou não tem a aderência adequada são explicações frequentes para insucessos na pista.

 

As regras da MotoGP permitiam até 2009 a “Guerra dos Pneus”, Dunlop, Michelin e Bridgestone competiam pelo privilégio de equipar as motos mais competitivas. A escalada de custos e o consequente desequilíbrio da competição obrigou o regulamento de 2007 a limitar o número de pneus poderiam ser utilizados por um piloto durante uma etapa (testes, qualificação e prova). A limitação criou o problema de seleção de pneus em relação à pista, clima e outros fatores, que desafia os pilotos e equipes a otimizar seu desempenho nos dois dias que precedem as corridas.

 


Ao longo das últimas duas décadas alterações de fabricantes e especificações dos pneus sempre tiveram grande influência sobre quem vence o campeonato. Em 2000 a Michelin trocou as 17” por 16,5“, privilegiando maior tração de saída de curva que auxiliou Kenny Roberts Jr, Suzuki, a vencer o mundial. No ano de 2004 a fábrica francesa forneceu um slick traseiro mais largo, com melhor aderência de borda que foi essencial para a Yamaha de Valentino Rossi explorar a vantagem de velocidade de curva do YZR-M1 e conseguir o título.  Na época, o pessoal da Honda chamou o composto de o “pneu Yamaha".


Kenny Roberts Jr. Suzuki RGV-R 500cc (2 tempos)

 

Em 2006 o pêndulo oscilou para o lado da Honda, com uma melhora expressiva na aderência. Por pressão de Valentino Rossi, a Michelin criou um pneu especial para a Yamaha durante a temporada. Nicky Hayden ganhou o título com uma Honda. No meio do campeonato de 2012 a Bridgestone mudou seu pneu dianteiro, causando problemas com Casey Stoner da Honda durante a frenagem e a entrada na curva. O australiano justificou que a única maneira de obter o suporte é com maior pressão, o que lhe dá menos área de contato. Jorge Lorenzo da Yamaha conquistou da Yamaha conquistou o título.

 

A versão 2014 voltou a favorecer a Honda. Um novo componente traseiro da Bridgestone com a borda mais dura era adequado à técnica de condução de Marc Márquez, que estabeleceu o recorde de 13 vitórias. O pneu foi o protagonista do crescimento da Ducati em 2016. Os pontos fortes da fábrica italiana eram a estabilidade nas fases de frenagem e aceleração, utilizando com parcimônia o apoio na borda, que casou excepcionalmente bem com as características do pneu. 

 

Equalizando a linguagem, pneus duros são mais resistentes, porém tem mais dificuldade em deformar e atingir a janela de temperatura ideal onde operam com a maior aderência. Pneus macios deformam com mais facilidade e possibilitam maior velocidade, mas talvez não resistam toda uma prova. Estas opções podem ser divididas em simétricos ou assimétricos (dual compound). Simétricos apresentam consistência uniforme e assimétricos permitem maior resistência no lado da borda mais solicitada


Para esta temporada, a Michelin desenvolveu uma construção diferente com o objetivo de aumentar a área de contato (patch), colocando mais borracha na pista para obter maior aderência, visando permitir tempos de volta mais rápidos, desempenho e estabilidade especialmente em circuitos conhecidas por serem difíceis com os pneus. A fábrica realizou em 2019 testes extensivos, incluindo uma sessão extra exclusiva durante a etapa australiana em Phillip Island.

 

O aumento da aderência traseira muda o equilíbrio dianteira/traseira, o que pode complicar contornar curvas e outros fatores de desempenho. Se houver maior aderência traseira, os pilotos com certeza devem explorar esta característica e colocar mais carga no pneu traseiro, logicamente reduz a carga no pneu dianteiro e fica muito fácil perder a frente.

 

O invólucro da nova traseira é mais maleável, então o pneu fica mais liso, o que aumenta a área de contato e dificulta a moto a mudar de direção.  O condutor tem que fazer mais força. Os pilotos da Ducati reclamam que tem dificuldade em sair das curvas. O novo traseiro permite mais aderência no meio do contorno e privilegia equipamentos que tem maior velocidade em curvas, melhora a estabilidade e tração na saída e conseguem uma retomada de velocidade mais rápida.

 

Os ensaios e testes realizados sugerem que o pneu pode funcionar melhor para os pilotos de motos com motores em linha, que exigem menos esforço físico para passar pelas curvas. A própria Michelin reconhece que com este pneu, aparentemente os pilotos não podem ser muito agressivos. A técnica de deslizar a traseira para virar a moto fica comprometida pela maior aderência.  O pneu é mais estável na curva e tem uma boa vantagem na área de aceleração, ajuda a parar a moto quando o piloto está usando o pneu traseiro na frenagem. Literalmente, os pilotos devem frear, acelerar e contornar curvas de modo diferente.

A pandemia prejudicou muito a adequação dos equipamentos ao novo componente. A primeira vez que pilotos e engenheiros conseguiram se concentrar 100% na nova traseira foi nos testes de Sepang e Losail em fevereiro, então eles só tiveram seis dias completos com o pneu.

 

O fator principal que deve decidir o campeonato de MotoGP deste ano será qual equipe consegue reequilibrar os protótipos mais rapidamente para o novo pneu. Detalhe, tem que ser desenvolvido em um calendário compactado de 13 etapas em 18 fins de semana, sem tempo para testes.

 

O objetivo dos engenheiros é ajustar o equilíbrio de tração via geometria e configuração de suspensão para deslocar o viés de peso para frente, aumentar a carga dianteira e, portanto, recuperar a aderência dianteira e o desempenho de giro. Cada fábrica precisará encontrar seu próprio ponto ideal, então a vantagem será do piloto que melhor adaptar a sua técnica de pilotagem em breve para aproveitar ao máximo as características do pneu e souber evitar seus pontos negativos.

Não há como antecipar qual a equipe ou equipamento que vai ser favorecido pelo traseiro versão 2020 da Michelin, mas geralmente são os pilotos mais inteligentes e talentosos que trabalham como tirar o máximo de um pneu novo ou qualquer outro upgrade técnico adaptando sua técnica de pilotagem.

As rodadas um e dois em Jerez no final deste mês não provarão conclusivamente quem são os vencedores e quem são os perdedores com o novo Michelin – a situação pode mudar corrida por corrida à medida que diferentes equipes e fábricas desvendarem os segredos do pneu.

 

Post Scriptum

O resultado da primeira prova da temporada em Jerez pode servir como orientação preliminar, não como um indicativo absoluto que o novo pneu privilegia os motores em linha. Duas Yamaha nos primeiros lugares, seguidas de duas Ducati mascaram a realidade da prova. Marc Márquez perdeu a frente duas vezes (falta de aderência dianteira), salvou a primeira e sofreu um high-side (foi catapultado) na segunda, que resultou em uma fratura diafísica. Enquanto esteve na pista o desempenho de sua Honda foi superior aos outros equipamentos. Como Cal Crutchlow não alinhou na largada, a fábrica nipônica ficou sem seus pilotos principais.


Marc Márquez roubou o espetáculo



Ao assistir ao GP de Jerez, prova de abertura da temporada de 2020, quem acompanha a MotoGP com regularidade deve ter lembrado da prova de Rio Hondo, 2018, onde por problemas na largada (percorreu parte da pista no sentido contrário depois da moto desligar no grid), foi penalizado com um path-through, voltou para as últimas posições. Iniciou uma recuperação alucinada, parecia uma locomotiva descontrolada a todo o vapor, simplesmente ignorando o que tinha em frente. Naquela prova Márquez recebeu três penalizações, mais um recorde em sua carreira.

Em Jerez seu desempenho esteva à altura de seu conceito como um piloto extraordinário. Conseguiu uma recuperação fantástica de uma perda da frente, consequência provável do maior grip do novo pneu traseiro, que resultou em um tour pelo cascalho na volta 5 e resultou em trocar a liderança pelas últimas colocações. Foi o gatilho para mais uma participação memorável.   

Mais uma vez ele mostrou a sua capacidade em um ritmo consistentemente, muitos décimos mais abaixo que o líder. Progrediu ultrapassando por dentro ou por fora os pilotos  os pilotos mais rápidos do planeta, sem nenhuma manobra de ética questionável. Quando caiu já estava no pódio (3º) e enquadrando a Yamaha de Vinales. Não teria tempo para alcançar o líder Quartararo. 
Sua queda foi estranha. Faltando quatro voltas para o final, Márquez estava acelerando da curva 2 para a curva três, seu pneu traseiro deslizando no asfalto na entrada da curva, depois recuperando a aderência enquanto ele aliviava o acelerador em direção ao ápice. Foi no ápice, que beliscou a tinta do interior da curva, pneu traseiro recuperou a tração e transferiu para o piso todo torque do motor Honda, provocando um high-side (catapultando o piloto). Márquez tem uma técnica invejável até para cair, mas não funcionou desta vez e um choque com o pneu causou uma fratura o seu úmero direito.

Teria a pintura da pista ter sido a causa do acidente? A resposta só pode ser sugerida, por qur depende de uma série de variáveis relacionadas. Com certeza a tinta não tema mesma aderência do asfalto, mas o controle de tração deveria ter impedido a transferência brutal de energia para o piso. Como o novo pneu dificulta às motos com muita potência (V4) trocar de direção, talvez seja uma opção desabilitar o controle de tração e passar a responsabilidade 

MotoGP – A cobra vai fumar


KTM de Pol Espargaro



Ibsen Pinheiro (já falecido) utilizou a sua exposição na comissão de obras que construiu o Estádio Beira Rio (inaugurado em 1969) e como dirigente do Internacional de Porto Alegre para pavimentar suas ambições políticas. Em seu currículo consta que foi o presidente da Câmara de Deputados durante o impeachment de Fernando Color. Sua carreira em Brasília foi destruída por um erro de um repórter que, investigando o escândalo (mais um) dos Anões do Orçamento, viu um cheque de R$ 1.500,00 nominal ao deputado em seu gabinete. O jornalista foi traído pela ânsia de um furo e utilizou o fato como lead para uma extensa reportagem na revista VEJA, uma prova irrefutável que o então deputado teria recebido 15 milhões como fruto de corrupção.  O revisor da editora identificou o erro e o nome do deputado sequer constou na reportagem, infelizmente capa da revista semanal já havia sido impressa com uma foto do político e a manchete: “Até tu, Ibsen. ”



Enquanto dirigente esportivo, depois de uma temporada particularmente desastrosa do seu clube, perguntado por setoristas se anunciaria um nome de peso para ser o treinador para a próxima temporada respondeu com tranquilidade: “Fica o atual. É possível mudar muita coisa sem mudar nada”.



A MotoGP, como tantas outras competições, está parada a mais de 240 dias e o primeiro GP está programado para 19/09. O retorno às competições acontece com um calendário compactado e ainda não totalmente definido, não há certeza nem ao menos sobre o número de etapas. As administrações das equipes estão trabalhando intensamente para equacionar os próximos GPs e definir o grid de 2021/2022. Todos compreendem que em função de fatores externos provocados pela expansão do Corona Vírus alguns procedimentos devem ser alterados, porém a essência do espetáculo vai ser mantida. Os GPs de 2020 devem ser iguais aos de temporadas passadas, porém diferentes em função dos protocolos para o enfrentamento da pandemia.



Os anúncios oficiais realizados pelas equipes indicam (até 16 de agosto) que 15 pilotos têm lugar garantido em 2021. As representações oficiais da Yamaha (Maverick Vinales & Fábio Quartararo), Honda (Marc Márquez e Pol Espargaro), KTM (Miguel Oliveira & Brad Binder) e Suzuki (Alex Rins & Joan Mir) estão completas, Aleix Espargaro (Aprilia) e Jack Miller (Ducati) estão com contratos assinados. Nas independentes, a Tech3 KTM tem confirmado Danilo Petrucci & Iker Lecuona, a LCR vai usar os serviços de Alex Márquez e a Petronas renovou com Franco Morbidelli. A conta fecha com Tito Rabat da Avintia, cujo vínculo expira em 2021.



Apesar de haver sete vagas oficialmente abertas, muitas já estão comprometidas, Takaaki Nakagami continua na LCR e Johann Zarco deve ter uma Ducati atualizada na Avintia, embora ainda não tenha apresentado resultados. Pecco Bagnaia e Jorge Martin são sérios candidatos na Pramac Ducati, Dependendo do transcorrer da temporada 2020 talvez seja possível uma troca entre Zarco e Bagnaia.



Cal Crutchlow é pole de dez na Aprilia, embora sua assessoria indique que existem outras opções (?). A Dorna, administradora da MotoGP, quer manter o britânico na competição para agradar o mercado do Reino Unido. O imponderável fica por conta do Tribunal Arbitral do Esporte (CAS) que deve concluir o julgamento do recurso de Andrea Iannone em agosto, embora ainda não tenha uma data fixa. Lembrando, o piloto testou positivo para drostanolone, uma substância proibida, e está suspenso pela FIM. A WADA (Agência Mundial Antidoping) desencoraja qualquer tipo de anistia.



A Ducati oficial ainda não fechou com Andrea Dovizioso, apesar dos vários anos liderando a equipe. Não tem como saber exatamente porque um acordo ainda não foi assinado, o que se comenta (certamente porque alguém vazou a informação) é que além de suas relações com Gigi Dall’Igna não estarem nos melhores dias, a proposta da equipe incluiu um corte salarial, não apenas para 2021, mas também para 2020, a temporada que está coberta pelo contrato em vigor. A empresária de Dovizioso, Simone Battistella, sugeriu que o italiano poderia ter um ano sabático em 2021.



Se por um lado um ano afastado não é uma boa opção para o piloto, perder o italiano também não é um bom negócio para a Ducati, as opções são limitadas, não há no mercado uma alternativa disponível com sua experiência ou talento. Depois dos anos e ouro da Ducati com Casey Stoner, Andrea Dovizioso é o piloto com maior número de vitórias pela equipe, com a vantagem de ser italiano. Jorge Lorenzo em diversas ocasiões já afirmou que a Desmosedici não é a moto ideal para ele e que não tem esperança de voltar a disputar um título mundial com outra máquina que não seja a Yamaha.



Pol Espargaro desenvolveu uma técnica semelhante à de Marc Márquez. Ambos buscam explorar as características do equipamento, não adequar a moto ao seu modo de pilotar. O exemplo da KTM em 2019 é didático, enquanto Johann Zarco se limitava a reclamar que era impossível competir com a moto, Pol buscava resultados explorando o que o equipamento tinha a oferecer. Este tipo de atitude replicado na Honda explica a abissal diferença de resultados entre Marc Márquez e as outras motos da fábrica nas pistas. A RC213V está em estágio de maturidade que permite ao futuro companheiro de Márquez ambicionar vitórias, que talvez demorassem pela fábrica austríaca.



Os últimos dias foram estranhos. Anos atrás a emissora do Jardim Botânico criou em uma novela um personagem que foi sem ter sido, mais precisamente uma viúva que nunca foi casada. De certa forma é o que aconteceu com Alex Márquez que, antes de participar de um único GP, perdeu o cargo de 2021 para Pol Espargaro. Muitos interpretam como uma admissão implícita da falta de fé no campeão da Moto2 de 2019.



Honda de Alex Márquez



Com 124 participações em GPs do mundial em todas as categorias, Alex Márquez construiu uma história de sucesso, 2 vezes campeão do mundo (2014 na Moto3 e 2019 na Moto2), 12 vitórias, 38 pódios e 15 poles. As consequências da pandemia contribuíram para sabotar a sua carreira na classe principal, em tempos normais 8 etapas não teriam sido canceladas ou adiadas, seriam oportunidades para mostrar para a Honda que tinha condições de seguir com a equipe em 2021. Alex sempre soube que foi contratado porque Jorge Lorenzo desistiu no apagar das luzes no ano passado, quando as opções de mercado eram muito limitadas, portanto não seria surpresa a Honda buscar um piloto mais calejado para contribuir com pontos para os campeonatos de equipes e fabricantes. A LCR é um lugar onde a pressão por resultados é menor e o piloto seria preservado. Poucos anos atrás a equipe não teve este tipo de prurido ao colocar, em 2006, o campeão da 250cc Dani Pedrosa direto na equipe principal, e repetir a receita em 2013 com Marc Márquez.



No início de 2019 Marc Márquez declarou ao receber Lorenzo como companheiro: “Estar nesta equipe significa lutar por vitórias, pódios e pelo campeonato”. Promover Alex para a representação oficial, e o transferir para uma independente antes de ter a chance de correr sugere que a HRC não acredita que ele seja capaz de lutar por pódios. Por consequência, indica que é exatamente esta cobrança que vai ser feita a Pol Espargaro.



Os adversários da Honda no mundial esperam que os sentimentos de lealdade de Marc, que o levaram a assinar uma prorrogação por quatro anos, sejam abalados com a atitude da equipe com seu irmão. O atual campeão do mundo já declarou que é uma oportunidade única para Alex mostrar que não precisa de sua proteção.



Valentino Rossi com a Petronas Yamaha



A indecisão de Valentino Rossi em relação a uma possível aposentadoria já lhe custou uma vaga na representação oficial da Yamaha (perdida para Quartararo). Sua transferência para a independente Petronas está dependendo de detalhes contratuais. Embora seja o único caminho que restou para o velho campeão, é improvável que todas a suas exigências sejam atendidas. Rossi espera escolher as pessoas com quem trabalhar, que promessas feitas pela Yamaha sejam cumpridas, cabendo à Petronas a responsabilidade pelos custos. O italiano e Razlan Razali, o diretor geral da equipe, já trocaram farpas pela mídia, com o piloto afirmando que só negocia como seu empregador, a fábrica Yamaha. Existem condições que o piloto considera inegociáveis, por exemplo, o direito de desistir a qualquer momento, que dependem de negociações que incluem patrocinadores. Embora todos imaginam que um piloto trocar de equipe seja simples, existem diversos contratos que necessitam ser compatibilizados. Valentino Rossi na Petronas parece inevitável, mas as expectativas das duas partes ainda estão distantes.



Em 1944 durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto havia especulações sobre a participação do Brasil no conflito, a maior parte da mídia do centro do país registrava que “É mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra”. Depois do primeiro contingente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) embarcar para a Itália, o povo começou a usar a expressão “A cobra vai fumar”, para indicar que o país teria sérios problemas. Com o passar dos anos a expressão passou a indicar dificuldades para conquistar um objetivo.



Para os pilotos que estiverem no grid em Jerez de La Frontera, o apagar das luzes que libera a largada e caracteriza o início oficial da temporada de 2020 significa que, a partir deste momento, “A cobra vai fumar.”



quinta-feira, 16 de julho de 2020

MotoGP – Grid & Paddock Girls






Fato histórico. Na primavera de 1942, em uma instalação improvisada sob as arquibancadas de um estádio universitário de Chicago, o físico Enrico Fermi e seus colaboradores do Projeto Manhattan montaram, durante meses, uma estrutura baseada em tijolos de grafite e cilindros de urânio. Esperavam o instante em que a emissão de nêutrons alcançaria o ponto crítico de iniciar uma reação em cadeia, provocando uma fissão nuclear, que Fermi atentamente monitorava e antecipava resultados com o auxílio de uma régua de cálculo. Em determinado momento, o professor Fermi ordenou a inserção de barras de cádmio para absorver os nêutrons liberados e interromper a reação. Um dos colaboradores perguntou ao físico porque não continuar a experiência mais um pouco, para ter uma melhor avaliação dos resultados. A resposta do cientista veio em forma de um conselho: “Nunca se deve desencadear forças sem saber como as controlar depois”.



Ano de 2017, em Jerez de La Frontera a abertura da temporada europeia da MotoGP foi caracterizada por um debate na semana anterior ao GP. O circuito está localizado na comunidade autônoma da Andaluzia, Espanha, onde políticos influentes na área intercederam junto aos organizadores, FIM & Dorna, para coibir exageros no modo de vestir das garotas que trabalham no paddock e no grid. Uma tentativa de incursão do politicamente correto no mundial de motociclismo.  A atitude dos representantes da comunidade de Jerez replicou na Catalunha, onde pessoas da administração local sugeriram que, além de maior decoro no modo de vestir das garotas, a competição devia evitar a distinção de gêneros e estimular a presença de grid-boys.



A presença de garotas no paddock supostamente começou nas 24 Horas de Le Mans em 1983, quando um fornecedor de protetor solar trouxe um grupo de modelos de biquíni para fins promocionais. Desde então, as garotas do grid foram presença regular nas competições de automobilismo. Trinta e cinco anos depois, movimentos feministas entendem que é uma exploração indevida das mulheres.



No início de 2018 a Liberty Media, entidade que controla a joia da coroa do automobilismo esportivo, o Mundial de Fórmula 1, baniu as grid girls das pistas. O resultado imediato foram centenas de postos de trabalho fechados pela proibição. Ao ceder às pressões, a Liberty Media decidiu impedir centenas de modelos e vendedoras de realizarem o seu trabalho. A MotoGP não foi contaminada por esta onda de politicamente correto e evitou, por enquanto, tomar posição nesta disputa.



O conceito ortodoxo que define o politicamente correto remete à neutralização de uma linguagem ou discurso, evitando o uso de narrativas estereotipadas ou que possam fazer referências para as diversas formas de discriminação existentes, como racismo, sexismo, xenofobia, homofobia, etc., e foi ampliado para abranger a proteção de minorias e indefesos.  Basicamente quer alterar os padrões culturais substituindo uma educação social e familiar por um objeto jurídico, uma ferramenta que utilize censura para evitar constrangimentos.



A verdade é uma só, nos dias atuais as pessoas mal informadas ficam ofendidas por praticamente qualquer coisa. Não faz o menor sentido. Estas lindas mulheres cumprem uma função inerente ao espetáculo, um GP sem elas perde grande parte do glamour. As reações não tardaram.



A modelo Rebecca Cooper, que já trabalhou como paddock girl na F1, opina que é ridículo que pessoas que dizem estarem lutando pelos direitos das mulheres ditem regras, limitando o que pode ou não ser feito, impedindo profissionais de fazer um trabalho que amam e tem orgulho. Grid girls são mulheres incríveis, que não são pagas só para ficarem bonitas. É um trabalho difícil e que requer autoconfiança e talento, características muito diferentes das encontradas em pessoas vulneráveis, são tarefas para mulheres inteligentes, fortes, com grandes sonhos de carreiras que transcendem ao grid de largada. Jornadas de trabalho que se estendem desde o primeiro ronco do motor de uma Moto3 até horas depois de encerrada programação de um GP, sempre lindas, elegantes, bem vestidas, confiantes e alegres, transmitindo a impressão que estão tendo os melhores momentos de suas vidas. Como representantes de um patrocinador ou divulgando um produto, transmitem confiabilidade, são atenciosas com as pessoas e emprestam a sua beleza para fotos de recordação. Os pilotos não podem estar preocupados com estes detalhes, estão muito ocupados com os preparativos para as corridas.



Existe toda uma indústria de apoio, agências especializadas em fornecer modelos promocionais especificamente para eventos esportivos, incluindo provas de motociclismo. Uma agência britânica sediada em Londres tem um catálogo de quase 600 meninas e atende competições em todo o Reino Unido. É necessário analisar como uma decisão da Liberty Media, que diz estar protegendo e apoiando os direitos das mulheres, resulta em prejudicar empresas que oferecem serviços e contribuem com a rentabilidade dos esportes, sem mencionar o impacto nas mulheres que perdem seus empregos. Não só as modelos, inclui funcionárias dos bastidores.



Milhões de garotas sonham com a profissão de modelo e amam o motociclismo esportivo. Ser uma garota do grid da MotoGP é uma das oportunidades de entrar em um esporte de alta tecnologia ainda dominado por homens, que seria inviável de outra forma.



Os exemplos a seguir relatam histórias reais de mulheres que criaram carreiras e relacionamentos de sucesso a partir da paixão pelo motociclismo, sempre começando pela nobre função de grid girls.



Milena Koerner



Milena Koerner aos 13 anos de idade esperava no portão do paddock por um descuido de um dos seguranças que permitisse o seu acesso. Aproveitou a oportunidade como grid girl para alavancar a sua carreira de sucesso no mundial de motociclismo. O que começou como um trabalho divertido e útil para pagar os seus estudos universitários, oportunizou ser a primeira mulher a assumir o cargo de Diretora de Operações da equipe MV Agusta Forward Racing (www.forward-racing.com) da Moto2.






Amy Dargan é outro exemplo de garota que utilizou a atividade de grid girl para custear seus estudos de jornalismo. Foi trabalhando na pista que conseguiu a sua primeira chance como repórter. Atualmente está na quinta temporada cobrindo MotoGP para Dorna e FoxSports, onde se sente em casa. Tem uma predileção especial por explorar a espontaneidade das transmissões ao vivo. Multifuncional, divide a apresentação de um programa especializado em motociclismo de TV. Sua história é semelhante a muitas garotas que conseguiram aliar sua paixão e obter alguma renda enquanto estudavam. Ninguém as obrigou, as oportunidades nas pistas apenas aumentaram seu leque de opções.



Esta é a opinião expressa pela ex esposa de Scott Redding e ex-grid girl Penny Sturgess, que questiona o que aconteceu com a liberdade de escolha, comentando que não fica confortável quando identifica movimentos para mulheres não terem as oportunidades que ela teve. A F1 já as baniu, por enquanto a MotoGP tem sido um refúgio seguro. Melissa James, que trabalhou no grid da F1 faz um emocionado depoimento pessoal: “Eu absolutamente amava o meu trabalho. Quem queria vestir uma roupa superconfortável poderia comprar um ingresso VIP e assistir o mesmo que eu, sem a proximidade com as máquinas e a alegria de participar do espetáculo”.



Laureen Vickers


Laureen Vickers é outra que esse destacou como uma das pessoas mais conhecidas no paddock. Depois de uma carreira de sucesso como modelo profissional, surgiu a oportunidade de combinar seu trabalho com a paixão por motocicletas. Ela foi eleita na Itália 'Playmate of the Year' em 2010, em 2012 casou com o piloto da MotoGP Randy de Puniet. Hoje divorciada, ainda sente muito orgulho de ter estado no grid



Em muitos casos, garotas do grid, namoradas ou esposas personificam a mesma pessoa, agregando praticidade para compartilhar a vida louca e ocupada de uma temporada. Por exemplo, o multicampeão Valentino Rossi e a grid girl Francesca Sofia Novello, ou Andrea Dovizioso e a Monster grid girl Alessandra Rossi. Eugene Laverty encontrou sua ex esposa Pippa Morsen quando ela era trabalhava no paddock, assim como Alvaro Bautista conheceu a modelo Grace Barroso nas pistas antes de casarem.




Outras vezes funciona da forma inversa, como com Casey Stoner e sua esposa Adrianna, que se tornou sua grid girl exclusiva depois que eles se conheceram em Phillip Island e decidiram formar uma família. A esposa de Cal Crurtchlow, Lucy Heron, depois de casada costumava o acompanhar o piloto britânico até segundos antes da largada, hábito que abandonou depois do nascimento da sua filha.




A MotoGP é uma competição que reúne a elite dos pilotos utilizando protótipos no estado da arte da tecnologia motorizada em duas rodas. O regulamento geral da competição contém uma série de restrições técnicas que promovem a equalização das condições de competitividade e não contempla diferenças de gênero, raça ou credo, embora a maioria dos pilotos possa ser classificada como WASP (acrônimo de White Anglo-Saxon Protestant - brancos com ascendência anglo-saxônica). Aceitar interferência externa, mesmo que seja somente em opinar sobre a maneira de vestir das garotas que trabalham no paddock ou no do grid, implica em um precedente perigoso.