Nunca
houve na história da MotoGP uma corrida que tenha atraído tanta atenção da
mídia como o GP de Valência, última prova do mundial de 2015. Todos os
ingressos para espectadores no circuito foram vendidos, a cobertura ao vivo na
TV e internet bateu recordes de audiência, um número inédito de credenciais
para a imprensa foi emitido e a houve uma cobertura intensa nos dias que
antecederam e sucederam o evento por parte de sites e mídia impressa. Não foi
pelo fato da prova ser decisiva para coroar o campeão do mundo, em 2013 a
disputa entre o campeão de 2012 Jorge Lorenzo e o desafiante Marc Márquez
foi realizada no mesmo cenário sem tanta repercussão. A origem de tanto
interesse foi a chance inédita de Valentino Rossi igualar-se ao seu compatriota
Giacomo Agostini em número de títulos mundiais, dez ao todo, e foi
potencializada pelo que se convencionou chamar no ambiente da MotoGP de
“Incidente em Sepang”.
As
últimas provas do mundial de 2015 registraram uma disputa intensa entre Jorge
Lorenzo e Valentino Rossi. Na corrida de Phillip Island os dois pilotos da
Yamaha, juntamente com Andrea Iannone da Ducati e Marc Márquez da Honda
protagonizaram um espetáculo eletrizante ao disputarem as primeiras colocações
metro a metro durante toda a prova. O vencedor foi Marc Márquez que ultrapassou
Lorenzo a duas curvas do final, e na última volta Andrea Iannone
consolidou a terceira colocação na frente de Valentino Rossi. Em termos de
campeonato, a vantagem de Rossi que era até então de 18 pontos foi reduzida
para 11, faltando duas provas para o encerramento da temporada. Desta corrida,
considerada por muitos a mais disputada da história da MotoGP, ficou registrada
uma imagem de Valentino Rossi na pista cumprimentando Marc Márquez após
o final da prova.
Marc Márquez e Valentino Rossi - Austrália 2015 |
Nos dias que se seguiram
Rossi acusou Márquez de, intencionalmente, prejudicá-lo na pista para favorecer
o também espanhol Lorenzo na disputa do mundial. Em função do próprio resultado
da corrida soou estranho e, para quem tem sangue com alta octanagem nas veias,
inverossímil. Afinal, quem de sã consciência acreditaria se Nelson Piquet
fosse acusado de prejudicar Alain Prost para favorecer Senna ou, em
contrapartida, se algum tabloide britânico estampasse manchetes que Ayrton
Senna estaria tentando dificultar a vida de Nigel Mansel na pista para
beneficiar seu compatriota Nelson Piquet. Não tem lógica. Mas com ou sem lógica
o ambiente ficou acirrado e resultou, na disputa da Malásia, em um incidente
que culminou com a queda do piloto da Honda e penalização do aspirante ao
décimo campeonato. Não vem ao caso discutir quem foi o culpado e quem foi
vítima, o importante é que a penalização imposta a Valentino Rossi lhe custou o
título de 2015.
Penalização
é sempre controversa. Em 2005 no Japão, em uma prova da 250cc, Jorge Lorenzo em
uma manobra irresponsável derrubou Alex de Angelis e foi banido da prova
seguinte, até hoje ele reconhece que cometeu um erro e reclama contra o excesso
de rigor da punição. No GP da França de 2011 Marco Simoncelli entendeu que a
pista era só dele e causou a queda de Dani Pedrosa, foi penalizado com um drivethrough
e perdeu a chance do que seria o seu primeiro pódio.
O
sistema de penalizações em vigor até a última temporada foi criado em 2013, com
o campeonato em andamento, para tentar conter a impetuosidade do então
estreante Marc Márquez. A direção de prova introduziu um sistema de sanções,
espelhado nas existentes em habilitações para dirigir, com pontos atribuídos
por condução perigosa. Marc Márquez os obrigou a criar um sistema de pontos
porque andava constantemente no fio da navalha que separa o arrojo e
impetuosidade da irresponsabilidade, e havia a necessidade uma forma de
responsabilizá-lo. O sistema seguiu o modelo das licenças de habilitação, os
avisos verbais foram transformados em pontos, quando o piloto acumula quatro
pontos vai para o fundo do grid.
O
Código Disciplinar que consta no Regulamento Geral da MotoGP para 2016 foi
alterado recentemente. Pilotos que acumularem dez pontos de penalizações
durante um ano civil estarão automaticamente banidos da prova seguinte. Em
tempo, nunca houve na história da MotoGP um piloto que tenha alcançado esta
marca, entretanto novas condições foram adicionadas aos regulamentos
desportivos prevendo advertências (e pontuação) para pilotos e equipes que
faltarem aos compromissos sociais marcados pelos organizadores, fizerem
declarações ou emitirem comunicados de imprensa que possam ser considerados
irresponsáveis ou prejudiciais para a competição.
Estas
cláusulas são resultado do Incidente em Sepang. A Dorna, entidade que controla
os direitos comerciais da MotoGP, entendeu que a promoção da corrida de
Valência não foi boa para os negócios e a polarização entre italianos e
espanhóis pode eventualmente afastar potenciais patrocinadores, além dos ânimos
acirrados preocuparem os organizadores com a segurança da multidão presente no
circuito. A mídia, principalmente a italiana, continuou por muito tempo
maculando a lisura da competição.
A
decisão recente implica que as sanções anteriores quando um piloto era
penalizado com quatro pontos (largar no final do grid) e sete pontos (largar do
pit lane) não existem mais. Se esta regra estivesse em vigor no final da
temporada passada, Valentino Rossi não teria sido obrigado a largar no final do
grid na prova decisiva de Valência.
Entretanto
Rossi poderia ter sido punido de outra forma. Pela regra atual a direção de
prova pode optar por uma ou mais das seguintes sanções: acumular pontos;
devolver a posição em ultrapassagens; drivethrough; posições no
grid da próxima corrida; soma de tempo; desqualificação; retirada de pontos no
campeonato e suspensão. Como é improvável que um piloto acumule dez pontos em
um ano civil, é lícito imaginar que estes tipos de punições sejam aplicados na
próxima temporada. A motivação do recém criado Painel de Comissários FIM parece
ser aplicar as punições durante a prova onde a infração ocorre.
A
mudança do sistema de penalizações foi necessária para esclarecer dúvidas
relacionadas com a versão provisória de janeiro de 2016, que indicava que a
penalização de largar no final do grid ou passagem pelo pit lane seria
aplicada uma única vez até o piloto chegar a dez pontos. A confusão foi criada
em relação a utilização de ano civil como período de contagem.
Outra
novidade do regulamento foi criar um mecanismo para reprimir o que os
organizadores entendem ser “comentários irresponsáveis”, como os que
conspurcaram a decisão da temporada passada. A Fórmula 1 tem uma regra
semelhante para punir equipes e pilotos que contribuam para o descrédito do
campeonato, que nunca foi utilizada. O grande problema neste ponto em
particular é a subjetividade do que pode ser considerado “irresponsável ou
prejudicial” à competição e também não está claro qual o tipo de punição que
pode ser aplicada. A nova condição foi incluída nos regulamentos para impor um
limite às críticas de equipes e pilotos em pronunciamentos
públicos, porém não pretende proibir expressões responsáveis de discordância
legítima com a gestão, organizadores e/ou políticas da MotoGP. Simplificando,
as opiniões fortes expressadas por Honda, Yamaha, Repsol e pilotos após as
corridas de Sepang e Valência provavelmente não serão repetidas.
Pilotos
de MotoGP têm egos enormes. Não pode ser diferente, pessoas que andam em
círculos em velocidades alucinantes, com a certeza que a menor desatenção
resulta em quedas, necessariamente tem autoestima e autocontrole diferenciados.
Na outra face da moeda a Dorna administra um negócio lucrativo onde qualquer
manifestação de pilotos ou equipes com potencial de macular a lisura do mundial
de MotoGP, como foram os acontecimentos pré e pós o Incidente em Sepang, é ruim
para os negócios.
As
alterações no regulamento geral da competição instrumentalizaram a organizadora
com ferramentas para controlar e aplicar sanções quando for identificado algum
desvio.
Publicado no site www.autoracing.com.br em 04/03/2016
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