A
temporada da Fórmula 1 de 1994 foi marcada por fatos trágicos e
constrangedores. No GP de San Marino acidentes resultaram nos óbitos de Ayrton
Senna e Roland Ratzenberger (no treino classificatório) e a última prova da
temporada iniciou com uma tênue vantagem de 1 ponto de Michael Schumacher da
Benetton sobre Damon Hill da Williams. Na volta 36 da corrida Hill posicionou
seu carro para ultrapassar a Benetton e foi abalroado pelo alemão, ambos
abandonaram a prova e Schumacher conquistou seu primeiro campeonato mundial.
Schumacher
reprisou o mesmo papel na prova de encerramento da temporada de 1997. A exemplo
de três anos antes, alinhou sua Ferrari no grid de largada com um ponto a mais
que Jacques Villeneuve com uma Williams. Estava sendo ultrapassado na volta 46
quando mudou a trajetória de seu carro para atingir o canadense. Desta vez não
funcionou, Schumacher ficou fora da corrida e Villeneuve sagrou-se campeão do
mundo chegando em segundo lugar.
A
história do mais laureado piloto de Fórmula 1 de todos os tempos contempla
outros procedimentos não ortodoxos, como no GP da Áustria em 2002, considerado
por muitos o dia em que a Fórmula 1 abdicou de ser um esporte para ser um
negócio. Na ocasião Rubens Barrichello acintosamente cedeu a vitória para o
alemão a poucos metros da bandeirada final. Ainda não haviam gravações dos
rádios das equipes, mas evidentemente foi uma decisão gerencial. A mesma
Ferrari no GP da Alemanha de 2010 escancarou sua estratégia de tentar emplacar
Alonso ao mandar um recado não cifrado para Felipe Massa na pista: “Fernando is
faster than you”.
A
história da Fórmula 1 é prodiga em acontecimentos classificados por locutores e
comentaristas como “profundamente lamentáveis”. No GP do Estoril em 1989 Nigel
Mansell realizou uma manobra proibida no pit
lane e, no retorno à pista, recebeu bandeira preta. O britânico alega não
ter visto a sinalização por três voltas e acabou colidindo com Ayrton Senna,
eliminando-o da corrida. O beneficiado foi Alain Prost, colega de Senna na
McLaren e com contrato assinado com a Ferrari, onde seria colega de Mansell. No
mesmo ano, no GP do Japão Senna e Prost bateram na entrada da chicane antes da
reta dos boxes, a desclassificação de Senna deu o título mundial para Prost. O
troco veio no ano seguinte, no mesmo cenário Senna tinha vantagem em pontos e
chocou-se com a roda traseira da Ferrari de Prost tirando os dois da prova e
garantindo o título.
Ayrton
Senna e Nelson Piquet tinham personalidades opostas fora das pistas. Os dois
tricampeões da Fórmula 1 brasileiros competiram juntos durante cinco anos na
categoria. Na época os comentários eram de que Nelson Piquet respeitava o
equipamento, se tivesse um carro para chegar entre os três primeiros, com
certeza estaria no pódio. Ayrton Senna pensava diferente, independente das
condições do carro seu único objetivo era a vitória e não economizava arrojo,
audácia e atitudes que nem sempre primavam pela esportividade. Piquet utilizou
diversos procedimentos não ortodoxos para obter vantagens indevidas, a mais
conhecida foi concebida em 1982 em conjunto com Gordon Murray, então projetista
da Brabham. O regulamento da época previa um peso mínimo para o carro e os dois
criaram um sistema de arrefecimento de freios usando água. O carro era equipado
com um reservatório de vinte litros, em tese para resfriar os freios durante a
corrida, nas primeiras voltas Piquet esvaziava o tanque abrindo um registro e
ficava com um carro 20 kg mais leve.
A
MotoGP não é isenta de manobras, algumas nem sempre inocentes. Na decisão do
mundial de 2013, em Valência, até um quinto lugar garantiria o título para o
estreante Marc Márquez. O outro postulante, Jorge Lorenzo, utilizou uma fórmula
criativa, seu plano foi assumir a liderança e, nos trechos de baixa velocidade
do circuito, reduzir para provocar a compactação de competidores. Lorenzo
imaginou que talvez a impetuosidade de Márquez o levasse a cometer alguma
imprudência que pudesse tirá-lo da prova. Não funcionou. Em recente entrevista
a um jornal italiano Valentino Rossi declarou que a acusação a Marc Márquez de
prejudica-lo na Austrália para ajudar o conterrâneo Jorge Lorenzo foi uma
tentativa de pedir a intervenção da Direção de Corridas, uma espécie de “Foro
Privilegiado”, para evitar que outros competidores disputassem posições com
eles nas corridas seguintes. O resultado foi o Incidente em Sepang, decisivo
para a temporada de 2015.
Conhecido
tanto pelo talento quanto por fazer de tudo por uma vitória, Rossi é, também,
um dos pilotos mais odiados do circuito. Apesar do jeito extrovertido e engraçado,
ele tem uma série de inimigos, que sempre o acusaram de ser ególatra e jogar
sujo. Ele e Max Biaggi chegaram a trocar sopapos durante o pódio do GP da
Catalunha, vencido por Rossi e com Biaggi em segundo. Rossi e Sete Gibernau são
um caso clássico de amigos que passaram a se odiar devido à briga de egos.
Rossi e o espanhol eram bons parceiros, no entanto a relação desandou após o GP
do Catar de 2004, na ocasião, Valentino fez a pole com uma moto modificada para
driblar a areia do circuito, Gibernau reclamou e a direção da prova penalizou o
italiano para largar no final do grid. Após o episódio, Rossi acusou Gibernau
de "jogo sujo" e rompeu relações com o amigo. Dono de dois títulos da
maior categoria da motovelocidade, o australiano Casey Stoner foi outro que
colocou Valentino Rossi em sua lista de desafetos. O episódio mais marcante
dessa briga aconteceu no GP de Laguna Seca de 2008, Stoner, o campeão à época
foi derrubado por Rossi em uma manobra polêmica, que deu a vitória (e mais
tarde o título da temporada) ao italiano. Após a corrida, o australiano se
revoltou, reclamou que o traçado de Valentino na pista "desrespeitou todos
os limites da lealdade" e disparou: "Perdi todo o respeito que tinha
por ele". Três anos mais tarde, em outro incidente entre eles no GP de
Jerez de La Frontera em 2011, Rossi tentou pedir desculpas e Stoner, que seria
campeão na temporada, recusou, dizendo que o italiano havia deixado seu ego
ultrapassar seu talento.
Marc
Márquez é um fenômeno recente na MotoGP. Campeão em suas duas primeiras
temporadas, ainda não tem tempo suficiente na categoria para colecionar muitos
desafetos, entretanto o seu estilo arrojado o torna um piloto que considerado
perigoso na pista. A agressividade com que conduz a sua Honda já causou vários
acidentes envolvendo outros pilotos, nem Dani Pedrosa, seu companheiro de
equipe foi poupado. A temporada de 2016 inicia já com dois desafetos declarados
na pista, Márquez e Rossi não se falam.
Senna,
Piquet, Mansell, Rossi, Prost, Schumacher, Villeneuve, Márquez e outros são
pilotos reconhecidos e respeitados por sua habilidade e talento excepcionais.
Entretanto são fundamentalmente pessoas, não entes superiores desprovidos dos
sentimentos de vaidade, orgulho, inveja ou ira. É errado imaginar que, por
desempenhar extraordinariamente bem uma função, estejam habilitados a ser
referência de comportamento para qualquer situação.
Quando
as luzes vermelhas se apagarem, no próximo dia 20, liberando os competidores
para a largada de mais uma temporada de MotoGP, Valentino Rossi estará
acelerando em busca de seu oitavo título mundial da principal categoria da
motovelocidade, o mesmo número de seu compatriota, o recordista Giacomo
Agostini. Marc Márquez, o mais jovem campeão de todos os tempos parte para consolidar
sua biografia, fazer história e buscar sua terceira conquista. Jorge Lorenzo
defende uma coroa que, embora contestada pela mídia italiana, é sua de fato e
de direito e Dani Pedrosa quer, enfim, ver recompensado por vitórias e títulos
o seu inegável talento. Todos os outros pilotos do grid procuram um lugar sob
os holofotes para entrarem para o seleto rol de campeões da categoria mais
importante do motociclismo esportivo.
A FIM
e a Dorna, promotores da MotoGP, se aparelharam via o regulamento da
competição, para manter as disputas dentro das pistas e evitar para o ambiente
de animosidade criado no final do último campeonato.
Publicado no site www.autoracing.com.br em 17/03/2016
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