No recente GP do Qatar existiram três diferenças entre as
Yamaha YZR-M1 do vencedor e do quarto colocado. O estilo de pilotagem “ad hoc”
de Valentino Rossi, que se adapta conforme às necessidades e a condução correta
de Jorge Lorenzo, que parece andar sobre trilhos. A Michelin disponibilizou
pneus assimétricos (mais borracha no lado mais solicitado) com duas
composições, Lorenzo escolheu a mais macia para a roda traseira e Rossi optou
pela mais dura. A terceira diferença foi visual, a moto de Valentino se
apresentou de cara limpa, enquanto a de Lorenzo ostentava logo abaixo do nariz
um par de enormes “winglets”, recursos para auxiliar a aerodinâmica. Os
repórteres espanhóis intuitivamente relacionaram os apêndices da Yamaha 99 com
os bigodes do Salvador Dali.
As regras impostas pelo Regulamento do Campeonato Mundial
de 2016 divulgado pela FIM limitam ao extremo o desenvolvimento dos
equipamentos, especificações dos motores estão congeladas até o fim da
temporada (com exceção da Suzuki e Aprilia que se enquadram nas regras de
concessões), o pacote eletrônico padronizado é obrigatório e os sensores
utilizados nos pontos de amostragem devem ser aprovados pela direção técnica da
Dorna e compartilhados com todos os competidores. Quase não restou espaço de
manobra para os fabricantes, além de aperfeiçoar o mapeamento das pistas para
utilizar melhor os recursos do software padronizado, trabalhar na maior ou
menor rigidez dos quadros e pesquisar recursos aerodinâmicos.
Em 1968 no GP da Bélgica de Fórmula 1 no circuito de
Spa-Francorchamps a Ferrari apresentou um carro com uma espécie de asa sobre o
motor, com posicionamento variável. O piloto podia reduzir o ângulo de ataque
nas retas para não oferecer resistência ao ar e inclinar nas curvas para gerar
pressão aerodinâmica (down force) e aumentar a estabilidade. A novidade era
pouco mais que uma gambiarra feita de madeira e inspirada no Chaparral E2,
vencedor das 12hs de Sebring em1966. Os resultados foram tão animadores que
aerofólios são praticamente obrigatórios em todos os carros de competição até
os dias atuais.
Ferrari 312/68 |
A Ducati inovou com o uso das “winglets” na temporada
passada e o que no início pareceu estranho aos poucos foi conquistando adesões.
Nos testes pré-temporada de 2016 a Honda foi a última fabricante a
converter-se, embora suas “asas” sejam menores e dispostas em um ângulo
incomum.
A vantagem das “winglets” nos equipamentos da MotoGP
ainda não é aceita sem restrições e um dos pilotos que mais questionam a
novidade é Cal Crutchlow, da Honda satélite LCR. Ele menciona implicações de
segurança, citando o “efeito navalha” e a turbulência criada pelos recursos
aerodinâmicos. Nos testes de Phillip Island houve um momento em que Crutchlow
na pista observou Dani Pedrosa, que seguia de perto a Ducati de Andréa Ianone.
A turbulência, segundo ele, era algo irreal e Dani foi obrigado a reduzir
porque sua moto estava difícil de controlar. No próprio GP do Qatar
Andrea Ianone estava perseguindo de perto o seu colega de equipe Andrea
Dovizioso quando inexplicavelmente perdeu o controle da moto e caiu, há quem
diga que ele foi vítima da turbulência por estar muito próximo da Ducati à sua
frente.
Crutchlow também é crítico em relação ao risco de
potencialização de acidentes devido ao desenho e localização das
“winglets”. O piloto inglês acrescentou que um contato com a asa de
Andrea Dovizioso pode ter causado a queda do italiano no ano passado na corrida
de Sepang. Suas palavras textuais foram: “Houve o toque, não sei se em sua asa
ou no volante, e é provável que tenha sido a causa da perda de controle e
queda”.
Cal Crutchlow explica que a ultrapassagem em uma curva na
MotoGP é um momento delicado, onde os pilotos ficam muito próximos e qualquer
descuido pode resultar em contato. As pernas ficam vulneráveis e alguém pode
ser atingido e cortado por uma “winglet”. Todos os fabricantes alegam que, mais
que improvável, é impossível porque pelo material utilizado na construção das
asas tem resistência é menor que o do macacão dos pilotos e quebraria antes. A
única alegação possível contra este argumento seria confiar na “Lei de Murphy”.
Crutchlow entretanto é pragmático, se as “winglets” comprovarem sua eficiência,
ele vai utiliza-las em sua moto.
A FIM e a Dorna, que administram a MotoGP optaram por
proibir o uso de dispositivos aerodinâmicos nas classes Moto2 e Moto3. Para a
Moto2 o efeito é imediato e para a Moto3, onde a Mahindra já utiliza este
recurso, a proibição vale a partir de 2017. Modelos de carenagem projetados
para dispersar detritos ou água deslocados pela roda dianteira, sem propósitos
aerodinâmicos, continuam permitidos. As entidades não apresentaram nenhuma
justificativa para sua decisão.
A proibição não tem efeito na MotoGP. Existem muitas
pressões para banir as “winglets”, mas enfrentam a resistência dos fabricantes.
Uma das condições impostas por Yamaha, Honda e Ducati para aceitarem o software
padronizado foi a estabilidade dos regulamentos técnicos pelo prazo mínimo de
cinco anos, tempo necessário para desenvolver e depurar uma nova tecnologia que
possa ser utilizada em produtos comerciais. No entanto, o termo “aerodinâmica”
associado a “winglets” e carenagens provocou o temor de uma escalada de custos,
exatamente no sentido oposto às intenções da FIM e Dorna.
Enquanto a Fórmula 1 analisa a proibição de desenvolver
modelos de análise para o estudo de fluxos de ar em túneis de vento, com o
propósito declarado de reduzir custos, a MotoGP inicia o processo inverso. A
aerodinâmica em motos é uma ciência pouco desenvolvida. Procurar vantagens
competitivas considerando todas as variáveis que uma moto pode assumir, como
inclinação lateral em uma curva, deslocamento do centro de gravidade em função
da mobilidade do piloto, movimento pendular do chassis em frenagens e retomadas
de velocidade e roda traseira deslizando lateralmente é uma tarefa
complicada.
Dorna e FIM estão reféns de seus próprios regulamentos,
qualquer movimento para banir os apêndices aerodinâmicos necessita da aprovação
unânime dos construtores. As alternativas para justificar uma proibição
unilateral seriam demandas de segurança, entretanto os fabricantes alegam que
estas questões estão adequadamente endereçadas, embora ainda não exista um
procedimento de testes abrangente que comprove a ausência total de risco.
Se houver uma indicação inequívoca que as “winglets”
possam oferecer algum tipo de perigo, a Dorna tem o direito (e obrigação) de
impor uma proibição imediata.
Publicado no site www.autoracing.com.br em 23/03/2016
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