terça-feira, 13 de outubro de 2020

MotoGP – Desencontros nas comunicações

 

Michael Collins foi, provavelmente, o primeiro ser humano a sentir a solidão absoluta. Piloto do módulo de comando da Apollo 11, durante os 48 minutos em cada órbita quando passava pelo lado escuro da lua seu rádio silenciava, ele ficava sem possibilidade de contato com qualquer pessoa na Terra. Se neste intervalo acontecesse qualquer imprevisto com ele ou com a nave nunca, ninguém, ficaria sabendo. Michael participou da missão histórica que realizou o primeiro pouso lunar, mas por ter ficado em órbita, seu feito nunca recebeu o mesmo reconhecimento que Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na lua, e Edwin “Buzz” Aldrin, piloto do módulo lunar. O hilário é que, quando perguntaram para Michael qual era a sua maior preocupação enquanto estava isolado, ele foi pragmático: “Era inevitável lembrar que esta nave foi construída com componentes fornecidos por empresas que ganharam licitações, ou seja, cotaram o menor preço”.

 

Fazendo uma comparação grosseira, quando apagam as luzes que autorizam a largada de uma prova da MotoGP, o piloto de um protótipo também é um solitário. Nos próximos aproximadamente 40 minutos tudo depende exclusivamente de decisões dele e do comportamento da máquina. Pode receber orientações como, por exemplo, mudar mapas de configurações, ver placas expostas no muro do pit lane ou enviadas para o dashboard do equipamento, porém não pode trocar ideias com o pessoal de apoio. Esta é uma característica que difere a MotoGP de outros esportes motorizados.


Dashboard

 

A história da MotoGP é pródiga em histórias onde a ausência ou falha de comunicações resultou em erros ou acertos de pilotos.

 

 O Grande Prêmio da Austrália de 2013 foi realizado em Phillip Island. A pista havia sido recapeada e o novo piso apresentava uma abrasividade muito grande. A Bridgestone, fornecedora exclusiva de pneus, anunciou que a segurança de seus componentes não poderia ser garantida por mais de 10 voltas. A prova originalmente programada para 27 foi encurtada para 20 voltas com troca de moto (e pneus) obrigatória, nenhum piloto foi autorizado a usar o mesmo conjunto por mais de 10 voltas. Marc Márquez foi desclassificado porque estava em uma disputa árdua com Jorge Lorenzo pela liderança na pista e na contagem de pontos pelo campeonato, seu box não sinalizou que sua entrada era obrigatória. A piada na época foi que para trabalhar na Repsol-Honda era condição fundamental saber contar até 10. 


Márquez desclassificado em Phillip Island (2013)

 

Em 2016 o clima fez a toda a diferença no GP de Sachsenring. A prova foi declarada “wet race”. Márquez largou da pole, porém por ter feito a opção por pneus errados, acabou fazendo um passeio na brita,e foi para as últimas colocações. A chuva parou e começou a formar um trilho seco na pista. Marc antecipou a troca de motos e a equipe montou pneus slick. Foi uma temeridade em uma pista muito úmida que deu certo, em pouco tempo ele estava rodando tempos 5 seg mais rápido que os líderes.


Equipe de Valentino Rossi desapontada por ele não entrar no pit

 

As equipes Yamaha e Ducati sinalizaram por diversas voltas para seus pilotos, orientando para trocar para um equipamento com pneus intermediários. Os pilotos continuaram na pista e Márquez, que chegou a estar com um atraso de quase 40 seg em relação aos líderes, diminuía a diferença rapidamente. Quando finalmente todo o bloco que disputava as primeiras colocações atendeu às solicitações já era tarde, o MM93 passou a liderar e venceu a prova. O fato dos pilotos não terem sido informados dos tempos que a Honda conseguia fazer com pneus novos foi determinante para a utilização e regulamentação dos dashboards.

 

Em 2017 Héctor Barberá foi penalizado com uma bandeira preta (desclassificação) por não estar atento às mensagens no dashboard. O piloto recebeu uma punição de um “passthrough” por ter cometido uma imprudência na prova, os comissários enviaram uma mensagem para o piloto e para a equipe comunicando a penalização. O piloto não percebeu e a equipe não sinalizou com placas no muro do pit lane. Como a punição não foi cumprida em 3 voltas, a direção de prova cumpriu o regulamento e apresentou a bandeira preta para o piloto.


Black flag para Héctor Barberá

 

Johann Zarco apresentou bons resultados na temporada de 2017, no comando de uma Yamaha que havia sido utilizada por Jorge Lorenzo na temporada anterior. Na prova de encerramento da temporada, Valência, o campeonato ainda não estava decidido, porém só uma catástrofe tiraria o título de Marc Márquez. Zarco, que classificou sua moto na segunda posição para a largada, estava ciente da estratégia utilizada por do MM93 nas últimas provas, acompanhar os líderes e tentar vencer nas últimas voltas. Para pilotar sem pressões, orientou sua equipe que, se estivesse na liderança, não queria ser avisado da colocação de Márquez. O francês assumiu a liderança da prova na volta 6, e a manteve até a última volta (29), quando identificou que estava sendo seguido muito de perto por uma Honda laranja. Com a certeza que não resistiria a um ataque do campeão do mundo e com os pneus muito gastos, não ofereceu muita resistência. Foi ultrapassado na última volta por ... Dani Pedrosa. Márquez chegou em 3º, quase 10 seg atrás.


Zarco & Pedrosa em Valência 2017

 

Na mesma prova (Valência 2017), para ter alguma chance do título da temporada, Dovizioso devia vencer e esperar que Márquez não se classificasse entre os 10 primeiros. Desde a largada sua Ducati ficou por 24 voltas atrás do companheiro de equipe Jorge Lorenzo. Na prova anterior, o GP da Malásia, o piloto espanhol recebeu em seu dashboard a mensagem “Mapping 8” enquanto liderava e permitiu (ele diz que errou) a ultrapassagem de seu colega, que com a vitória manteve uma remota possibilidade de vencer o mundial. Durante a prova de Valência o box da Ducati enviou muitas vezes a mesma mensagem, orientou acintosamente por placas no muro do pit lane, para que o MM99 permitisse a ultrapassagem pelo AD04. Ambos caíram na volta 25 sem que o espanhol cumprisse a ordem. Há quem diga que este dia determinou o fim de Lorenzo na Ducati, que ainda venceria no ano seguinte 3 provas (Mugello, Catalunha e Áustria) com a moto italiana.


Lorenzo e Dovizioso – Valência 2017

 

Por vezes uma orientação errada ou mal compreendida resulta na perda de uma vitória. A pista forma um trilho mais emborrachado na linha ideal, onde as motos passam com maior frequência e encontram maior grip, freiam melhor. No GP da Styria, segunda prova no Red Bull Ring este ano, Pol Espargaro liderava com a KTM, perseguido de perto por Jack Miller e Miguel Oliveira. Bastava continuar no mesmo ritmo e a vitória viria. Ao abrir a última volta o piloto recebeu dos boxes a comunicação que a sua vantagem sobre Miller era 0 seg, quando na verdade eram 6 décimos. Na possibilidade de sofrer uma ultrapassagem iminente, Pol optou por um traçado de segurança, não permitindo que o australiano da Pramac ocupasse o lado interno da pista nas aproximações de curvas. Agindo desta maneira saiu da trilha emborrachada. Freou em uma parte com piso mais escorregadio, sendo obrigado a abrir demais a última curva, manobra que induziu Miller ao erro, ambos foram ultrapassados pela KTM da independente Tech3. Foi a primeira vitória da equipe em 20 anos de participação no mundial e a primeira do piloto português.

 

Box sinaliza ultrapassagem iminente



Pol Espargaro adota pilotagem defensiva

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