quinta-feira, 26 de novembro de 2020

MotoGP - Temporada Insana

 MotoGP – Temporada Insana

Pista de Imatra (Finlândia) cruzava uma via férrea

 

A vida do francês Michel de Nostredame (1503-1566) foi intensa. Estudou medicina, inventou seus próprios remédios, interpretou o horóscopo de membros da realeza (entre outros clientes), e com muito talento criou uma aura milagrosa em torno de si mesmo.

Mudou seu nome para uma forma latinizada, Nostradamus, para ser associado com a sabedoria dos antigos, escreveu centenas de versos enigmáticos que chamou de profecias e até os dias atuais cativa os crédulos que acreditam no sobrenatural. Seus defensores mais ardorosos creem que Nostradamus anteviu todos os grandes acontecimentos da História entre sua morte e os dias de hoje, sem falar no que ainda aguarda a humanidade no futuro. Há quem diga que até o desastre da barragem de Brumadinho em janeiro de 2019 foi prevista em detalhe nas profecias de Nostradamus, e que ele teria indicado inclusive o número aproximado de fatalidades, 259 pessoas, e o desaparecimento de outras 11.

Porém nem o mais arguto seguidor de Nostradamus consegue interpretar o que acontece no mais estranho ano da MotoGP de todos os tempos. Nunca houve em mais de 7 décadas de disputa do mundial de motovelocidade uma temporada como 2020.

Várias razões podem ser listadas para que esta seja um ano diferente. É só a 4ª oportunidade nos registros de 72 anos de disputa em que o campeão mundial de MotoGP não defende seu título. A última vez que isso aconteceu foi em 1961, depois que o campeão classe 500cc John Surtees trocou a MV Agusta por um Fórmula 1 construído pela Lotus. Todos os anos, desde então, o campeão mundial do ano anterior tenta manter a sua hegemonia. A bem da verdade, Marc Márquez alinhou para a primeira largada em Jerez, porém não marcou um único ponto. Esta temporada está restrita às pistas europeias e é a única afetada por uma pandemia global. Com 10 provas já disputadas, esta é a temporada com menor pontuação dos líderes desde o início do campeonato na década de 1950.

Após as dez primeiras provas de 2020 Joan Mir lidera o campeonato com 121 pontos, menos da metade dos 250 pontos possíveis. A única vez que o campeonato foi conquistado com menos de 50% foi em 1952, quando Umberto Masetti, com uma Gilera, ficou com o título com 43,7% dos pontos disponíveis. Mir está atualmente em 48,4% dos pontos disputados, comparados com a eficiência de 88,4% de Márquez em 2019 indica que, se estivesse na disputa, o atual campeão seria bem mais que um simples favorito ao título.

Esta comparação entre as décadas de 50 e a atual é absurda. As máquinas que disputavam o mundial nos anos 50 eram muito frágeis, montadas por mecânicos carentes de formação técnica em oficinas precárias e com poucos recursos. A quantidade de abandonos por motivos mecânicos era frequente. Em 2020, os protótipos atuais da MotoGP são desenvolvidos com tecnologia de ponta e podem ser considerados indestrutíveis.

Joan Mir, o atual líder, tem pontuação baixa não por problemas em sua máquina, não pontuou em Jerez e na República Checa por acidentes e nas outras provas não conseguiu ser muito superior aos concorrentes, mas manteve um desempenho constante.

Há duas outras variáveis prejudicando os contendores; (1) uma nova concepção do pneu traseiro que muda toda a característica do equipamento e a (2) disponibilidade de pistas devido a pandemia, que forçou a MotoGP a realizar muitas corridas em épocas incomuns do ano. Pilotos e engenheiros encontram condições diversas, temperaturas de pistas não usuais e com dificuldades em conservar os pneus em uma janela de temperatura ideal. Esta é a razão de um piloto se dar super bem em um fim de semana e fracassar completamente no seguinte, por vezes na mesma pista. A presente temporada já apresentou 8 pilotos vencedores em 10 etapas e, paradoxalmente, o atual líder, Joan Mir, ainda não venceu. A equipe de fábrica da Suzuki é a estrela do campeonato até agora, o piloto mais consistente, Mir, conquistou 5 pódios, enquanto nenhum de seus concorrentes tem mais de 3.

Fabio Quartararo (Petronas Yamaha) é um caso à parte. Subiu ao pódio 3 vezes, com 3 vitórias. Depois da segunda prova na Andaluzia e sua segunda vitória confidenciou que seu maior adversário para a disputa do campeonato era a Covid-19.  Nas 5 provas seguintes seus resultados não atenderam às expectativas, inclusive com uma queda. Recuperou-se em Barcelona vencendo novamente, mas fracassou nas provas de Le Mans e Aragon perdendo a liderança do campeonato pela segunda vez este ano.

No início da temporada, a Honda apostava na competência de Marc Márquez e experiência de Cal Crutchlow. Perdeu os dois por acidentes na primeira prova e passou a depender de Takaaki Nakagami (com uma RC213V modelo 2019) e do rookie Alex Márquez. Taka está fazendo um campeonato regular, esteve no top10 em todas as provas, duas no top 5 e é o quinto colocado no mundial. Alex Márquez apresentou um excelente resultado na prova da França caracterizada por umidade na pista e repetiu a atuação no piso seco de Aragon. Seu sucesso nas últimas provas rendeu uma homenagem no 6 vezes campeão do Mundo Marc Márquez, em uma rede social ele expressou seu orgulho em ser a irmão de Alex.

A KTM está consolidando a sua atuação no mundial, com vitórias de Brad Binder (República Checa) e Miguel Oliveira (Áustria), seu principal piloto Pol Espargaro ainda não conseguiu vencer.  Com 3 poles e apenas uma vitória Maverick Vinales da Yamaha oficial já pode ser considerado o rei da inconsistência. Os desempenhos durante as provas de classificação quase nunca são reprisados durante as provas, para desespero de sua tripulação.

O 3 vezes vice-campeão Andrea Dovizioso pode se considerar a maior vítima do novo componente traseiro da Michelin. Sem assento para 2021 depois de recusar a oferta da Ducati, o piloto ficou brevemente na liderança depois de Misano 1, porém fora do top 5 em cinco corridas. A Ducati já foi considerada a Ferrari na MotoGP devido as desastrosas intervenções de seus diretores, o recente desencontro de informações entre os pilotos oficiais (Dovizioso e Petrucci) na classificação da prova de Aragon é apenas mais um exemplo da falta de harmonia na equipe.

O barão de Itararé, personagem fictícia criada por Aparício Torelly, popularizou uma frase lapidar: “ De onde menos se espera, não sai absolutamente nada”, que pode ser aplicada para avaliar a performance da Aprilia no mundial. Apesar de utilizar esta temporada um protótipo radicalmente novo, uma 10ª colocação foi o melhor resultado de Aleix Espargaro. A equipe ainda está privada dos serviços de Andrea Iannone, cujo recurso da penalização por uso de doping só deve ser julgado no final deste mês

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