MotoGP – Temporada Insana
A vida do francês Michel de Nostredame (1503-1566) foi
intensa. Estudou medicina, inventou seus próprios remédios, interpretou o
horóscopo de membros da realeza (entre outros clientes), e com muito talento
criou uma aura milagrosa em torno de si mesmo.
Mudou seu nome para uma forma latinizada, Nostradamus, para
ser associado com a sabedoria dos antigos, escreveu centenas de versos enigmáticos
que chamou de profecias e até os dias atuais cativa os crédulos que acreditam
no sobrenatural. Seus defensores mais ardorosos creem que Nostradamus anteviu
todos os grandes acontecimentos da História entre sua morte e os dias de hoje,
sem falar no que ainda aguarda a humanidade no futuro. Há quem diga que até o
desastre da barragem de Brumadinho em janeiro de 2019 foi prevista em detalhe
nas profecias de Nostradamus, e que ele teria indicado inclusive o número aproximado
de fatalidades, 259 pessoas, e o desaparecimento de outras 11.
Porém nem o mais arguto seguidor de Nostradamus consegue
interpretar o que acontece no mais estranho ano da MotoGP de todos os tempos.
Nunca houve em mais de 7 décadas de disputa do mundial de motovelocidade uma
temporada como 2020.
Várias razões podem ser listadas para que esta seja um ano
diferente. É só a 4ª oportunidade nos registros de 72 anos de disputa em que o
campeão mundial de MotoGP não defende seu título. A última vez que isso
aconteceu foi em 1961, depois que o campeão classe 500cc John Surtees trocou a
MV Agusta por um Fórmula 1 construído pela Lotus. Todos os anos, desde então, o
campeão mundial do ano anterior tenta manter a sua hegemonia. A bem da verdade,
Marc Márquez alinhou para a primeira largada em Jerez, porém não marcou um
único ponto. Esta temporada está restrita às pistas europeias e é a única
afetada por uma pandemia global. Com 10 provas já disputadas, esta é a
temporada com menor pontuação dos líderes desde o início do campeonato na
década de 1950.
Após as dez primeiras provas de 2020 Joan Mir lidera o
campeonato com 121 pontos, menos da metade dos 250 pontos possíveis. A única
vez que o campeonato foi conquistado com menos de 50% foi em 1952, quando
Umberto Masetti, com uma Gilera, ficou com o título com 43,7% dos pontos
disponíveis. Mir está atualmente em 48,4% dos pontos disputados, comparados com
a eficiência de 88,4% de Márquez em 2019 indica que, se estivesse na disputa, o
atual campeão seria bem mais que um simples favorito ao título.
Esta comparação entre as décadas de 50 e a atual é absurda.
As máquinas que disputavam o mundial nos anos 50 eram muito frágeis, montadas
por mecânicos carentes de formação técnica em oficinas precárias e com poucos
recursos. A quantidade de abandonos por motivos mecânicos era frequente. Em
2020, os protótipos atuais da MotoGP são desenvolvidos com tecnologia de ponta
e podem ser considerados indestrutíveis.
Joan Mir, o atual líder, tem pontuação baixa não por
problemas em sua máquina, não pontuou em Jerez e na República Checa por
acidentes e nas outras provas não conseguiu ser muito superior aos concorrentes,
mas manteve um desempenho constante.
Há duas outras variáveis prejudicando os contendores; (1)
uma nova concepção do pneu traseiro que muda toda a característica do
equipamento e a (2) disponibilidade de pistas devido a pandemia, que forçou a
MotoGP a realizar muitas corridas em épocas incomuns do ano. Pilotos e
engenheiros encontram condições diversas, temperaturas de pistas não usuais e
com dificuldades em conservar os pneus em uma janela de temperatura ideal. Esta
é a razão de um piloto se dar super bem em um fim de semana e fracassar
completamente no seguinte, por vezes na mesma pista. A presente temporada já
apresentou 8 pilotos vencedores em 10 etapas e, paradoxalmente, o atual líder,
Joan Mir, ainda não venceu. A equipe de fábrica da Suzuki é a estrela do
campeonato até agora, o piloto mais consistente, Mir, conquistou 5 pódios,
enquanto nenhum de seus concorrentes tem mais de 3.
Fabio Quartararo (Petronas Yamaha) é um caso à parte. Subiu
ao pódio 3 vezes, com 3 vitórias. Depois da segunda prova na Andaluzia e sua segunda
vitória confidenciou que seu maior adversário para a disputa do campeonato era
a Covid-19. Nas 5 provas seguintes seus
resultados não atenderam às expectativas, inclusive com uma queda. Recuperou-se
em Barcelona vencendo novamente, mas fracassou nas provas de Le Mans e Aragon
perdendo a liderança do campeonato pela segunda vez este ano.
No início da temporada, a Honda apostava na competência de
Marc Márquez e experiência de Cal Crutchlow. Perdeu os dois por acidentes na
primeira prova e passou a depender de Takaaki Nakagami (com uma RC213V modelo
2019) e do rookie Alex Márquez. Taka está fazendo um campeonato regular, esteve
no top10 em todas as provas, duas no top 5 e é o quinto colocado no mundial.
Alex Márquez apresentou um excelente resultado na prova da França caracterizada
por umidade na pista e repetiu a atuação no piso seco de Aragon. Seu sucesso
nas últimas provas rendeu uma homenagem no 6 vezes campeão do Mundo Marc
Márquez, em uma rede social ele expressou seu orgulho em ser a irmão de Alex.
A KTM está consolidando a sua atuação no mundial, com
vitórias de Brad Binder (República Checa) e Miguel Oliveira (Áustria), seu
principal piloto Pol Espargaro ainda não conseguiu vencer. Com 3 poles e apenas uma vitória Maverick
Vinales da Yamaha oficial já pode ser considerado o rei da inconsistência. Os
desempenhos durante as provas de classificação quase nunca são reprisados
durante as provas, para desespero de sua tripulação.
O 3 vezes vice-campeão Andrea Dovizioso pode se considerar a
maior vítima do novo componente traseiro da Michelin. Sem assento para 2021
depois de recusar a oferta da Ducati, o piloto ficou brevemente na liderança
depois de Misano 1, porém fora do top 5 em cinco corridas. A Ducati já foi
considerada a Ferrari na MotoGP devido as desastrosas intervenções de seus
diretores, o recente desencontro de informações entre os pilotos oficiais
(Dovizioso e Petrucci) na classificação da prova de Aragon é apenas mais um
exemplo da falta de harmonia na equipe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário