MotoGP é um esporte, um negócio ou um espetáculo? Talvez a resposta mais honesta seja um pouco de tudo. A definição ampla de esporte especifica a prática metódica, individual ou coletiva, de jogo ou qualquer atividade que demande exercício físico e destreza com fins de competição. Sob esta ótica corridas de motos podem ser consideradas disputas esportivas, embora com grande influência dos fatores negócio e espetáculo.
A
pandemia gerou um grande clima de incerteza, com o fechamento de fronteiras por
questões sanitárias e o distanciamento social como forma de conter o contágio.
Um dos setores econômicos mais impactados foi o transporte aéreo, que enfrentou
restrições em diversos países por facilitar a disseminação do vírus. Sem a
liberdade de viajar, um mundial ficou inviabilizado e para manter a MotoGP os
organizadores optaram por uma abrangência geográfica restrita.
A
Honda comemorou no último fim de semana a vitória número 800 dos 3182 GPs
oficiais já disputados em todas as classes, o impressionante índice de 25% das
provas disputadas. Uma história que começou em março de 1954 quando Soichiro
Honda, o fundador da empresa, intuiu que vencer o GP da Isle of Man, uma das
provas do maior evento de desporto motorizado do seu tempo, permitiria não só
internacionalizar sua marca, assim como contribuir para o desenvolvimento
tecnológico do Japão. A MotoGP é uma forma de estabelecer e impulsionar
negócios.
Dorna Sports é uma empresa internacional de gestão
e marketing esportivo sediada em Madrid (Espanha) que desde 1992 obteve da
Federação Internacional de Motociclismo (FIM), o único órgão com autoridade de
organizar campeonatos mundiais de motocicletas, os diretos exclusivos
comerciais e televisivos relativos ao Campeonato Mundial de Motos. Dez anos
depois (2002), a classe principal assumiu o formato atual da MotoGP. Investindo
em uma regulamentação que privilegiasse a disputa via equalização de recursos,
a empresa transformou a MotoGP em um espetáculo com abrangência mundial. Para
organizar um campeonato em 2020 a empresa foi obrigada a ajustar diversos
procedimentos, provas sem público privam os administradores de autódromos de
uma receita importante, toda a engenharia econômica teve ser refeita e valeu o lema
principal dos artistas de circo: “O espetáculo não pode parar”.
Marc Márquez se acidentou em Jerez na abertura
da temporada
A
expressão popular “Desgraça pouca é bobagem” provou a sua eficiência ao
acontecer, na primeira prova da temporada, um acidente com Marc Márquez que
tirou da disputa uma de suas principais referências. O 6 vezes campeão do mundo
estava no auge de sua forma física e técnica, havia completado uma temporada
dos sonhos, conquistando 420 dos 475 pontos possíveis em 2019, um feito
inimaginável nos últimos tempos. Sem uma referência clara as disputas ficaram
em aberto, a presente temporada apresenta dois jovens pilotos em seu segundo
ano na principal categoria liderando a disputa, em 11 provas 8 pilotos já
venceram, um número muito próximo dos 9 em 18 provas de 2016, ano em que houve
uma grande revolução na categoria com troca de fornecedor exclusivo de pneus e
obrigatoriedade de uso de uma central eletrônica padronizada.
Regularidade de Joan Mir o levou à
liderança do campeonato
Joan Mir, que lidera o campeonato, ainda não
conseguiu uma vitória enquanto seu concorrente mais próximo, Fabio Quartararo,
conta com 3 primeiros lugares e não pontuou em 2 provas. As características
desta temporada tem sido a imprevisibilidade, o sucesso de equipes
independentes (6 vitórias contra 5 de equipes oficiais) e os bons resultados
obtidos por modelos 2019 (Zarco & Nakagami). A Honda melhor classificada no
mundial, o modelo 2019 de Takaaki Nakagami da independente LCR acumula 92
pontos com uma versão antiga da RC213V, contra apenas 67 de Alex Márquez da
equipe oficial de fábrica com um modelo atualizado. Cinco fábricas classificam
seus protótipos entre os Top-10 do campeonato, 3 Yamaha (Quartararo, Vinales e
Morbidelli), 2 Suzuki (Rins & Mir), duas KTM (Pol Espargaro & Miguel
Oliveira), 2 Ducati (Dovizioso & Miller) e uma única Honda (Nakagami), 5
destes pilotos competem por equipes independentes.
A solução possível para a temporada de 2020
encontrada pelos organizadores para manter as equipes em atividade e apresentar
algum retorno aos patrocinadores foi condensar as provas em fins de semana
seguidos, repetindo provas em um mesmo circuito. Este recurso contribui para
reduzir a mobilidade do staff das equipes, entretanto se as características de
um traçado são adequadas para um conceito de equipamento para um concorrente
específico, podem resultar em um grande benefício. Houve também uma nova
construção do pneu traseiro que exigiu um novo modo de pilotar, não bem
assimilado por nomes consolidados do esporte, Andrea Dovizioso tem sido um
crítico contumaz, diz que todo o know-how acumulado na carreira tem pouca
validade com o novo componente. Valentino Rossi. Uma legenda do esporte, só
conseguiu pontuação em 5 das 11 provas disputadas, sendo que nas duas últimas
esteve afastado por ter testado positivo para a Covid-19.
Todo o campeonato restrito à Europa e concentrado
em pouco tempo causou um problema para os engenheiros. Em tempos normais as
provas eram itinerantes buscando sempre uma estação do ano mais favorável. Em
2020 não foi possível, tivemos provas no auge do verão e em outras condições de
clima (frio ou calor) que não seriam comuns em temporadas normais. Em uma
atividade onde um dos talentos básicos do atleta é a capacidade de manter os
pneus aquecidos em uma janela estreita, a temperatura da pista pode decidir o
vencedor. Talvez este detalhe explique mudanças abissais de rendimento de Fabio
Quartararo nas duas primeiras provas da temporada e em algumas outras pistas
como, por exemplo, no Circuito Marco Simoncelli em Misano.
Existem ainda interpretações que a atual temporada, pelo cancelamento de GPs
fora da Europa, não poderia ser considerada um campeonato mundial, fato
contestado com veemência pelos pilotos com chances de vencer a competição. Há
quem diga que, no máximo, poderia ser um tipo de “Champions League” do
motociclismo, um título que para equipes europeias de futebol é mais importante
que o mundial de clubes da Fifa.
A
ausência, pela primeira vez em muitos anos, de pelo menos um campeão mundial da
principal categoria em algumas provas justificaria a pouca representatividade
do título. Marc Márquez e Valentino Rossi são os únicos inscritos que se
enquadram neste requisito. Um acordo entre equipes antes do início da
temporada, para baixar custos, impede a presença de pilotos de testes como
“Wild Cards” (pilotos convidados), que em tese excluiria a possibilidade de
Jorge Lorenzo substituir eventualmente Valentino Rossi durante sua ausência,
por estar cumprindo isolamento por conta da Covid-19. Fica difícil entender
depois que a Honda substituiu Marc Márquez por Stefan Bradl, porém talvez seja
uma maneira de evitar constrangimentos para Rossi no caso de algum excelente
resultado do piloto de Palma de Mallorca.
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