Tradução
livre de um artigo de Mat Oxley
Já se passaram meses desde que Marc Márquez, o maior piloto
de sua geração – talvez o maior de todos os tempos- está afastado das pistas.
Muitas pessoas já estão com sintomas de síndrome de abstinência.
Márquez sempre faz tudo no estilo Schwantz
Tem sido estranho não ler reportagens sobre Marc Márquez nos
últimos meses. Desde meados de 2012, quando assinou seu primeiro contrato na
MotoGP, ele roubou a maioria das manchetes, assim como fizeram Mick Doohan e
Valentino Rossi antes dele.
A MotoGP passou por um longo período sem atrativos antes de
Márquez aparecer. Os anos dos motores 800cc foram caracterizados por corridas
entediantes. Os pilotos que se sobressaiam na época, Dani Pedrosa, Jorge
Lorenzo e Casey Stoner não tinham desempenhos eletrizantes, eram pouco mais que
corretos, talvez as rixas com Valentino Rossi tenham notabilizado o australiano
um pouco mais.
As performances de Marc Márquez começaram a deslumbrar o
público enquanto disputava o título mundial de Moto2 de 2012. Óbvio, como todo
o novato ele alternou sequências inconsequentes com pura magia. Foi considerado
muitas vezes um piloto irresponsável, mas sua performance quase sempre contribuiu
para fazer o espetáculo.
Até agora, o piloto de 27 anos venceu 82 GPs (todas as
classes), número inferior apenas a Angel Nieto (90), Valentino Rossi (115) e
Giacomo Agostini (122), mas foram os momentos mágicos que protagonizou que
permanecem na história. Ele controlou situações que teriam resultado em quedas
para qualquer piloto incontáveis vezes.
A prova de Moto2 em 2013 em Motegi é exemplar. Apesar de ter
a segunda posição no grid, Marc não conseguiu engatar a primeira marcha quando
as luzes de largada apagaram – teve muita sorte por não ser atropelado – e foi
ultrapassado por 26 concorrentes. Recuperou 3 posições na Curva 1, na saída
acelerou o máximo possível e ultrapassou mais 9 pilotos, todos andando o mais
rápido que ousavam com os pneus ainda fora da temperatura ideal. Entre eles
havia uma árdua disputa de posições entre Andrea Iannone e Alex De Angelis,
Márquez passou por eles como se estivessem parados.
Nos 100 metros que separam até a Curva 2 ele acelerou o
máximo que sua máquina permitiu, no contorno deixa o pneu traseiro deslizar e,
quase sem controle, deixou mais um para trás. Na curva seguinte ultrapassou
mais 4 rivais, o que totaliza em 17 ultrapassagens nas 3 primeiras curvas da
primeira volta. Márquez venceu a prova com 4 décimos de vantagem sobre Pol
Espargaro, seu futuro companheiro na equipe Repsol-Honda em 2021. A mídia teve
dificuldades em escolher os termos mais adequados para descrever a magnitude da
sua atuação, a palavra mais utilizada foi “hipnotizante”.
Márquez na tentativa fracassada de voltar em Jerez no final de julho
A habilidade de Márquez de controlar uma moto é o diferencial
que o torna único. Quando chegou à MotoGP, em 2013, inventou uma nova maneira
de pilotar, que muitos ainda estão tentando imitar. Marc exerce um controle
absurdo ao deslizar o pneu dianteiro, quando a maioria dos pilotos desliza a
traseira. Ele consegue controlar a moto nestas condições porque tem doses
sobrenaturais de talento, tempos de reação incríveis, combinados com força
física, audácia e bravura.
Todos compreendem que entrar em uma curva deslizando a
dianteira sem perder o controle é complicado, especialmente quando o pneu está
frio. Há poucas condições piores de pilotar um protótipo com o pneu dianteiro
frio – basta perguntar aos 38 pilotos de Moto2 e MotoGP que se acidentaram com
a baixa temperatura de Barcelona (2020) em curvas para à esquerda, porque o
lado de seus pneus dianteiros não estava quente o suficiente. (O total de
acidentes de Moto2/MotoGP durante todo o fim de semana foi de 42)!
Com o pneu dianteiro frio é quase impossível acelerar muito
e manter o controle. Paradoxalmente a única maneira de manter a temperatura
adequada do componente é acelerando forte, os pilotos têm que fazer uma escolha
delicada.
É como andar no fio de uma navalha, e Márquez utiliza toda a
sua habilidade nestas condições. É por isso que ele é tão bom em condições
duvidosas e úmidas, quando a linha entre glória e a brita é mais tênue. A
quantidade de recursos de Márquez no comando de uma moto é espantosa, quando
ele está na pista não há como prever o que pode acontecer no momento seguinte.
De uma certa maneira, lembra muito a Kevin Schwantz.
Há diversos momentos memoráveis da atuação de Márquez. Há
aquele momento absurdo quando ele desliza afrente e a traseira para ajudar a
virar a sua Honda, Cal Crutchlow diz que consegue no máximo uma ou duas vezes
por prova realizar o que ele define como “queda controlada”, Márquez faz isso
em praticamente todas as curvas da corrida. Há ainda aqueles momentos mágicos
que colegas, espectadores e telespectadores ficam se perguntando, como ele
conseguiu fazer isso?
Márquez tem várias histórias incríveis, como a pole na COTA
em 2015, estava na 4ª colocação quando sua moto parou na pista, faltando 3
minutos para encerrar a classificação. Ele estacionou a moto contra o muro do
pit lane, correu até o seu box e montou na RC213V sobressalente. Abriu a sua última
volta faltando poucos segundos para encerrar a qualificação, fez um tempo
fantástico e conseguiu a pole.
Márquez mantém uma equipe unida ao seu redor
Houve ainda o GP de Brno em 2019 quando ele conseguiu a pole
por uma eternidade de 2,5 seg sobre o 2º colocado na chuva, com uma
particularidade: usando slicks! Seus rivais reagiram com incredulidade: “Não
entendo como a pista estava seca exclusivamente para Marc, não para o resto de
nós", desabafou Danilo Petrucci da equipe oficial da Ducati, interpretando
o sentimento da maior parte do grid.
Talvez a performance mais marcante tenha sido em Sachsenring
2016, porque destaca sua capacidade de fazer coisas com um pneu dianteiro frio,
que ninguém mais consegue.
A corrida começou em uma pista fria e encharcada, Márquez
não estava à vontade e lutou para se manter com os líderes. Com um terço da
prova ele saiu da pista em alta velocidade e fez um passeio na brita, conseguiu
manter o controle e voltou muito atrasado. Estava em 9º e não conseguia
progredir, então tentou fazer algo diferente. Com a pista ainda fria e úmida,
entrou nos boxes e trocou pela segunda moto, equipada com pneus slicks.
Pol Espargaro o seguiu até os boxes – sem dúvida confiando
na capacidade de seu compatriota de tomar a decisão certa na hora certa – e o
trocou seu equipamento para um com a mesma configuração de Marc. O que
Espargaro faz em seguida só serve para ilustrar a magia de Márquez, ele caiu na
primeira curva à esquerda. A pista estava muito traiçoeira.
Márquez continuou a andar no fio da navalha, forçando o pneu
dianteiro o suficiente para gerar calor, mas não para perder o controle e sair
da pista. Voltou em 14º, 38 seg atrás do líder Andrea Dovizioso, mas nas voltas
seguintes Márquez foi o piloto mais rápido da prova, utilizando as poucas
partes sem água da pista, mesmo que a trilha formada não tivesse mais de um
metro de largura em certos lugares. Houve voltas em que o espanhol rodou mais
de 5 seg mais rápido que os líderes.
Quando depois de muitas voltas outros pilotos param para
trocar de moto, muitas equipadas com pneus intermediários, Marc assumiu liderança
ultrapassando Jack Miller – ainda com pneus de chuva – e cruzou a linha de
chegada dez segundos à frente do segundo colocado Cal Crutchlow.
Essa vitória resume Márquez melhor do que qualquer uma de
suas outras 55 vitórias na MotoGP. (Uma média de oito por temporada na era mais
competitiva do motociclismo).
Com pneus slick em Sachsenring - Márquez comemora vitória em 2016
Claro, na abertura de temporada em Jerez, em julho, ele
ultrapassou o limite e pagou o preço. Alguns argumentam que a lesão no braço,
por causa do estilo exagerado de pilotagem, era inevitável.
Na medida em que motociclismo é um esporte de risco,
acidentes não devem ser novidade para Marc Márquez, mas o fato é que ele quase
nunca lidera o ranking de quedas. Apenas em uma temporada nesta década ele foi
o piloto com o maior número de acidentes. A história da MotoGP não vincula
acidentes com vitórias, como ilustra o caso entre Kevin Schwantz e Wayne Rainey
– Schwantz caiu duas vezes mais vezes, mas foi Rainey que acabou em uma cadeira
de rodas.
Nenhum jornalista sério se arrisca a prognosticar quando
Márquez voltará s pistas. Ele tentou na segunda prova de Jerez e não conseguiu.
Talvez tenha sido muito otimista, mas é assim a natureza dos pilotos.
Corredores voltam precocemente de lesão e saem impunes são
aclamados como super-heróis. Se tentam voltar muito cedo e não conseguem, são
rotulados de inconsequentes.
Quando Mick Doohan voltou muito cedo de sua lesão na perna
ninguém o qualificou como imprudente. Quando ele fraturou a tíbia e a fíbula
realizando um treinamento intenso, ninguém o chamou de irresponsável. E quando
ele bateu e quebrou a clavícula porque a perna ainda estava muito fraca para
comandar uma motocicleta, ninguém escreveu que ele era maluco. Em vez disso, todos
reconheceram que estavam diante de um piloto preparado para ir muito além do os
simples mortais para alcançar um objetivo.
Poucos campeões mundiais conseguem o título sem levar seus
esforços a limites extremos, Marc Márquez é um deles. Certo ou errado, é isso
que os diferencia dos outros concorrentes.
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