Em tese, as competições da MotoGP deveriam funcionar como laboratórios de pesquisas para inovações, que possam migrar para produtos comerciais disponíveis em revendas. Na prática o mundial de motociclismo adquiriu vida própria, a cobertura global da TV e o capital corporativo transformaram o GPs de motos em espetáculos para promover marcas de fabricantes. A importância da MotoGP como agente de marketing cresceu e o mundial transformou-se em uma vitrine onde os fabricantes divulgam a excelência de sua engenharia e a qualidade de seus produtos. Vencer um campeonato de pilotos, marcas ou equipes é uma comprovação inequívoca de superioridade sobre a concorrência e serve para promover as vendas de um fabricante.
Em
março de 1954 o presidente da Honda, até então um fabricante modesto de
motocicletas, emitiu uma declaração pública anunciando a disposição da sua
empresa em disputar o Troféu Turismo Ilha de Man (Isle of Man TT). Soichiro
Honda acreditava que vencer uma prova do maior evento de desporto motorizado do
seu tempo permitiria, não só a Honda promover sua marca internacionalmente, como
contribuir para o desenvolvimento tecnológico do Japão.
Décadas
depois duas empresas japonesas, disputavam a hegemonia da MotoGP, com fartos
investimentos em software embarcado para facilitar a tarefa dos pilotos. Entre
2011 e 2015 só representantes da Yamaha e Honda ocuparam o degrau mais alto do
pódio. Cientes de que esta polarização implica em uma escalada de custos que
favorece aos que dispõem de orçamentos abundantes, limita a competitividade e
desencoraja outros concorrentes, a organização do mundial decidiu padronizar em
2016 a unidade de controle eletrônico (hardware & software) e iniciou via
regulamentações, um processo de equalização de recursos. Atualmente todos os
pilotos inscritos no mundial dispõem de equipamentos muito semelhantes.
Na
medida em que soluções exóticas ou criativas foram desencorajadas, sobrou aos
fabricantes investir na aerodinâmica como forma de buscar de alguns milésimos
de segundos por volta que pudessem fazer a diferença, uma das poucas áreas em
que os desenvolvimentos ainda que não estão totalmente engessados. A
aerodinâmica tem sido o maior ponto de discussão tecnológica da MotoGP, até
porque é mais fácil detectar uma carenagem modificada em um concorrente que
identificar um mapa de controle de tração reescrito. As fábricas já entenderam
que não existe uma relação direta entre investimentos e obtenção de vantagens
competitivas. Com poucas exceções o gasto em estudos aerodinâmicos pode ser
considerada um desperdício de recursos, que se aplica exclusivamente nas pistas
de corrida e não tem relevância para o mercado de motocicletas rodoviárias.
Modelo do
fluxo de ar criado por computador
A
ideia de carenagens aerodinâmicas é aumentar o downforce para reduzir a
tendência do protótipo em descolar a roda dianteira da pista (“wheelie”)
durante a aceleração e auxiliar e minimizar a resistência do ar em altas velocidade
ou enquanto contorna curvas.
A
importância do aspecto anti-wheelie aumentou significativamente quando os
organizadores padronizaram o software de controle, a versão desenvolvida pelo
fornecedor do padrão adotado foi considerada muito simplista. A eletrônica era incapaz
de manter a dianteira em contato com a pista sem reduzir drasticamente o
torque, leia-se capacidade de aceleração, de modo que os fabricantes buscaram o
auxílio de carenagens para fazer o trabalho.
O
contato entre o pneu dianteiro e o piso é importante porque a tarefa de
conduzir a moto é facilitada quando ambos os pneus têm aderência com a pista.
Os equipamentos da MotoGP têm tanto torque que, mesmo quando desenvolve 320
km/h, a roda dianteira mal toca o asfalto. Se o piloto for obrigado a reduzir
rapidamente a velocidade utilizando o freio dianteiro pode causar acidentes. Em
defesa da aerodinâmica alguns argumentam que o downforce extra criado pela
carroceria é também um fator vital de segurança.
A
aerodinâmica é uma área de desenvolvimento onde é difícil projetar e ainda mais
difícil testar a eficácia dos projetos. Algumas motos da MotoGP têm muito aero,
algumas têm muito pouco e outras não têm nenhum, ou seja, é grande a incerteza
sobre os resultados.
Carenagem
da Desmosedici que disputou a MotoGP
A
aerodinâmica pode ter enormes implicações de custos, que incluem simulações
computacionais da Dinâmica de Fluidos (CFD) e análises em túneis de vento. A
MotoGP está no início desse processo, então ainda é impossível prognosticar
como essa linha de desenvolvimento pode contribuir para o esporte. A Ducati é
líder nesta área na MotoGP, mas os engenheiros envolvidos no processo não têm
ideia de qual o melhor resultado que podem obter. Ensaios em túneis de vento,
caríssimos, determinam para uma carga do vento a resposta dinâmica da moto. Os
resultados são utilizados para o dimensionamento estrutural do protótipo para
resistir a pressões, tensões, cargas e deformações nos pneus. Como limitação só
avaliam o efeito do aero com o equipamento na vertical e em linha reta. O
comportamento muda radicalmente quando a moto está inclinada em uma curva ou
quando o piloto está movendo seu corpo, que obviamente modifica a aerodinâmica
do equipamento como um todo.
Em
termos aerodinâmicos, inclinações são complicadas porque quando o equipamento
está com um ângulo de 60 graus uma parte da carenagem está muito próxima da
pista. A técnica utilizada pelo piloto e o modo como joga com seu peso para
mudar o centro de gravidade são fatores que influenciam o comportamento da
máquina. A ciência ainda não está desenvolvida para calcular com exatidão qual
a contribuição do downforce nestas situações, se é que tem alguma. É o típico
caso em que a única métrica dos engenheiros são os sentimentos transmitidos
pelos dos pilotos.
Túnel de
vento da Volkswagen em Wolfsburg, Alemanha
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