domingo, 28 de maio de 2017

F1 & Indy - Último Domingo de Maio



Agatha Christie foi uma escritora britânica falecida em 1976, autora de mais de oitenta obras literárias. É citada no Guinness World Records como a romancista mais bem-sucedida da história, com mais de quatro bilhões de livros vendidos, criou personagens icônicos como o detetive belga Hercule Poirot e escreveu “O Caso dos Dez Negrinhos”, um dos clássicos mais conhecidos da literatura policial. No início dos anos 70 respondeu uma pergunta de um jornalista francês citando um trecho extraído do livro de Alexandre Dumas pai, Les Mohicans de Paris, publicado em 1854:  “Cherchez la femme”.  Explicou que em histórias de mistério, não importa qual seja o problema, o motivo quase sempre é relacionado com o fascínio por uma mulher.

O escândalo Watergate na década de 70 contribuiu para as reportagens investigativas com uma frase atribuída ao informante anônimo "Deep Throat", que orientou os jornalistas Bob Woodward e Carl Berstein do The Washington Post nas reportagens que causaram a queda do presidente Nixon: “Follow de Money” (Siga o dinheiro).

De certa forma as duas frases podem caracterizar as provas de um fim de semana intenso para o automobilismo esportivo, no último domingo de maio de cada ano são tradicionalmente disputados o GP de Mônaco, a corrida mais charmosa do calendário da Fórmula 1, e as 500 Milhas de Indianápolis, a prova que movimenta o maior valor financeiro envolvido em competições motorizadas.

Houve outrora um entendimento que a F1, com raízes na Europa, era essencialmente uma competição e a IndyCar, norte americana, privilegiava o espetáculo. Esta definição já não é válida porque as restrições dos regulamentos de ambas as provas convergem para tornar as disputas mais equilibradas.

Indy 500

A Indy 500 é uma das provas da Tríplice Coroa, os três eventos mais prestigiados do automobilismo, que incluem também o GP de Mônaco (F1) e as 24 horas de Le Mans (Mundial de Endurance). Os números envolvidos nas 500 Milhas são gigantescos, a prova que está em sua centésima primeira edição (a primeira ocorreu em 1911) é disputada no Indianapolis Motor Speedway (no jargão americano Speedway identifica circuitos ovais), cuja capacidade oficial não é divulgada, porém nas edições número 100 em 2016 e 101 em 2017 os gestores disponibilizaram uma infraestrutura para o atendimento de 350.000 espectadores. A prova ocorre todos os anos no domingo que antecede ao Memorial Day, um feriado nos EUA que homenageia os militares mortos em combate e acontece sempre na última segunda-feira de maio.

Indefinição até a bandeirada final, múltiplos líderes e acidentes espetaculares (sem feridos) poderiam ser manchetes para anunciar as 500 Milhas deste ano. O público que comprou ingresso ou assistiu pela TV foi recompensado por uma corrida fantástica, vitória do japonês Takuma Sato (Honda), que assumiu a liderança nas últimas voltas após uma acirrada disputa com Hélio Castroneves (Chevrolet). A prova contou com a presença do campeão de F1 Fernando Alonso, que correu no bloco da frente até seu motor não resistir.

GP de Mônaco

O GP de Mônaco é disputado em um circuito urbano em Monte Carlo, o traçado de apenas 3,337 km é o mais curto do calendário da F1 e, com exceção do contorno no trecho da piscina modificado em 1973, é basicamente o mesmo da primeira prova válida pelo mundial em 1950. O piloto com maior número de vitórias em Mônaco é Ayrton Senna, que entre 1987 e 1993 ocupou o degrau mais alto do pódio 6 vezes.

Mesmo os mais fanáticos pela F1 reconhecem que a disputa de um GP nas ruas de Monte Carlo é anacrônica, o traçado não é adequado para a potência e velocidade dos carros atuais, não existem áreas de escape e o evento só é viabilizado por diversas concessões da Federação Internacional de Automobilismo. O GP é o único que não excede os 305 km mínimos exigidos para as provas do mundial, as 78 voltas programadas totalizam 260 km, com a velocidade média em torno de 155 km/h a distância exigida pelo regulamento da F1 ultrapassaria o limite de 2 horas. A cronologia do GP também é diferente, os primeiros treinos são realizados na quinta-feira e a sexta-feira é reservada para eventos dos patrocinadores.

Existe um consenso entre pilotos, equipes e jornalistas que em Mônaco as provas são decididas pela posição de largada e estratégia de paradas nos boxes, ultrapassar na pista de Monte Carlo é virtualmente impossível. Quem acompanha a F1 tem na lembrança as voltas finais do GP de 1992, quando Ayrton Senna com um carro inferior e pneus degradados foi beneficiado e assumiu a liderança em uma parada não programada do então líder Nigel Mansell na volta 73. As cinco voltas finais foram uma aula de pilotagem defensiva, a Williams Renault com um carro mais equilibrado e pneus novos grudou na traseira da McLaren Honda do brasileiro e não conseguiu ultrapassar. Após a corrida, questionado por um repórter britânico se teria conseguido vencer com mais algumas voltas, o piloto inglês foi sincero, poderiam ter corrido durante mais uma hora e o resultado seria o mesmo, um erro de Senna era improvável e não há locais de ultrapassagem em Mônaco.

Houve também uma corrida bizarra no principado em 1982, faltando duas voltas para o término Alain Prost (Renault), então líder com enorme vantagem perdeu o controle e bateu no guard rail, Ricardo Patrese (Brabham-Ford) herdou a liderança, mas rodou em seguida. Abriram a volta final disputando o primeiro lugar os pilotos Didier Pironi (Ferrari), Andrea De Cesaris (Alfa Romeo) e Derek Daly (Williams-Ford), os três não completaram por problemas mecânicos ou pane seca. Ricardo Patrese recebeu a bandeirada final ainda irritado por ter rodado, ele e sua equipe no box não sabiam que tinham vencido o GP.

Não houve surpresa na vitória da dobradinha da Ferrari este ano. As posições de largada foram invertidas na pista pela estratégia de troca de pneus, as voltas a mais que Vettel permaneceu na pista foram decisivas, a mesma razão justifica a evolução de Ricciardo, que pulou da quinta para a terceira colocação ao retardar a sua parada. Fortes emoções só aconteceram quando, envolvida em um incidente com Jenson Button, a Sauber de Pascal Wehrlein ficou chapada no muro, felizmente sem danos para o piloto. Como acontecimento social, o GP honrou as tradições do principado, a marina ficou lotada de iates suntuosos, a cidade foi ocupada por turistas, muitas pessoas debruçadas em sacadas e janelas de frente para a pista e arquibancadas lotadas.

Epílogo

Só o charme justifica a F1 nas ruas de Monte Carlo, o GP de Mônaco é uma corrida que todos os pilotos sonham em vencer, um evento único disputado em um cenário paradisíaco com características distintas de todas as outras provas da Fórmula 1.

As 500 Milhas de Indianápolis é a mais prestigiada prova do calendário da IndyCar e uma das mais antigas do automobilismo mundial. O Indianapolis Motor Speedway é a maior instalação desportiva do planeta em termos de capacidade, e as 500 milhas o seu maior evento em um único dia. Alexander Rossi, o vencedor da centésima edição recebeu um prêmio de US$ 2.548.743,00, estima-se que o prêmio individual de Takuma Sato, vencedor deste ano, exceda os US$ 3,00 milhões, valores inimagináveis em outras competições.


Obs:
Este fim de semana marcou também o início da edição de 2017 do Isle of Man TT.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

MotoGP – As muito feias que me perdoem, a beleza é fundamental


Grid-Girls Monster, Repsol-Honda & Yamaha

O título foi portado da poesia, “Receita de mulher”, de Vinicius de Moraes. Beleza na concepção do poeta transcende ao impacto visual, é um conjunto de características tangíveis e intangíveis que identificam e individualizam uma mulher, cujo somatório define se é ela uma pessoa agradável ou não.

O evento de abertura da temporada europeia da MotoGP em Jerez foi caracterizado por uma ocorrência extra pista, Jerez de la Frontera é um município da província de Cádis, na comunidade autônoma da Andaluzia na Espanha, partidos políticos influentes na área intercederam junto aos organizadores, FIA & Dorna, para coibir exageros no modo de vestir das Grid-Girls. Foi uma incursão do politicamente correto no mundial de motociclismo. A ingerência é indevida, não cabe ao regulamento técnico de uma competição disciplinar os trajes das modelos contratadas para auxiliar o pessoal de retaguarda das equipes, segurando o guarda-sol para os pilotos no grid ou distribuindo material publicitário.  A atitude dos representantes da comunidade de Jerez replicou na Catalunha, onde será realizada a sétima etapa do campeonato no circuito de Barcelona. Pessoas da administração local já sugeriram que, além de maior decoro no modo de vestir das Grid-Girls, a competição deve evitar a distinção de gêneros estimulando a presença de Grid-Boys.

É um precedente preocupante. A MotoGP é uma competição que reúne a elite dos pilotos utilizando protótipos no estado da arte da tecnologia motorizada em duas rodas. O regulamento geral da competição contém uma série de restrições técnicas que promovem a equalização das condições de competitividade e não contempla restrições de gênero, raça ou credo, embora a maioria dos pilotos possa ser classificada como WASP (brancos com ascendência anglo-saxônica). A participação de mulheres nas principais categorias da MotoGP é um evento recente, a temporada de 2013 recebeu na Moto3 duas garotas espanholas, Maria Herrera e Ana Carrasco. Ana permaneceu na categoria até 2015, foi a primeira mulher a somar pontos na Moto3 e participa este ano do Mundial de Supersport 300 pilotando uma Kawasaki Ninja 300. Maria permanece na Moto3, onde já venceu GPs pelo Campeonato Espanhol. Com absoluta certeza as duas foram contratadas por seu desempenho nas pistas e não por seu visual ou por seu gênero.

As Grid-Girls da MotoGP são em geral menos ousadas que as análogas das provas promovidas pela American Motorcyclist Association (AMA), a maior organização de motociclismo do mundo, com mais de 300.000 associados e 4.000 eventos amadores por ano. A maioria dos eventos organizados pela AMA é direcionado para participantes amadores mais dependentes de patrocínios, modelos com vestes provocativas usualmente são utilizadas para atrair maior visibilidade.
Administrar o politicamente correto é complicado. Os promotores dos eventos respeitam a cultura e os costumes dos locais que hospedam as provas, durante anos o GP de Assen foi realizado aos sábados porque, no tempo em que a prova ainda era realizada em estradas fechadas ao tráfego (até os dias atuais a prova conserva o acrônimo TT de Tourist Trophy), não deveria prejudicar o acesso da comunidade local às igrejas aos domingos. A necessidade esvaiu-se com a mudança da prova para um circuito, entretanto a tradição foi mantida por muitos anos e só recentemente a competição adotou os dias padrões (sexta, sábado e domingo) de todos os outros GPs.

De acordo com a Teoria do Caos, sistemas complexos apresentam um fenômeno de instabilidade, por causa da sensibilidade às condições iniciais os resultados são imprevisíveis a longo prazo. A demanda por maior decoro no modo de vestir das Grid-Girls caracteriza a intromissão de pessoas estranhas ao esporte ditando regras de comportamento, a aceitação deste precedente pode conduzir a resultados inesperados.

Meandros da Motovelocidade (VII. Ocupação Espanhola)


Pódio de Jerez 2017 – Márquez, Pedrosa & Lorenzo com o Rei Juan Carlos

Não há como ignorar, existe uma legião de entusiastas do motociclismo que professam um tipo de religião em torno de Valentino Rossi, e existem múltiplas razões para que isto aconteça, Valentino tem uma personalidade forte, é um administrador competente e, dos pilotos em atividade, é o que tem o maior número de vitórias e mundiais.

Valentino Rossi enfileirou cinco títulos mundiais entre 2001 e 2005, ciclo interrompido por Nicky Hayden em 2006 e Casey Stoner em 2007. Para a temporada seguinte, 2008, a Yamaha contratou como segundo piloto o bicampeão da classe 250cc, o espanhol Jorge Lorenzo. A notícia na época foi divulgada como uma declaração que a equipe estava preparando a substituição de Rossi, contratando um piloto vencedor e com 8 anos a menos. Rossi venceu os campeonatos de 2008 e 2009, porém em 2010 o espanhol fez uma temporada perfeita, terminou todas as 18 etapas, conquistou nove vitórias, sete pódios e marcou mais pontos que qualquer outro campeão na história dos mundiais. No final do ano a Yamaha propôs a Rossi um contrato para permanecer na equipe, desde que aceitasse um corte no salário e sem o status de piloto número um da equipe. Depois de uma década como um dos desportistas mais bem pagos do mundo ele podia não precisar do dinheiro, mas seu orgulho o impedia de aceitar o que considerava uma descortesia da equipe. Como o papel de protagonista na Repsol-Honda fora ocupado por Casey Stoner, Rossi decidiu aceitar o desafio de participar de uma equipe puro sangue italiana e assinou com a Ducati. Em seu retorno para a Yamaha, depois de dois anos de ostracismo, encontrou Lorenzo já bicampeão do mundo e com a carreira consolidada. Infelizmente para Rossi, o ano de 2013 também marcou a estreia de um novato na MotoGP pela equipe Repsol-Honda, o também espanhol Marc Márquez.

Domingo, 31 de outubro de 2010, clima hostil para provas de motovelocidade. Marc Márquez, 17 anos, na sua primeira temporada do Mundial de MotoGP classe 125cc havia conquistado 9 vitórias e alinhou para a largada na penúltima prova do campeonato, no circuito do Estoril. Na sua frente no grid um único piloto, Nico Terol, também postulante ao título. A diferença entre ambos eram escassos 12 pontos. Depois da largada as posições foram mantidas por seis voltas, até a prova ser interrompida por uma chuva intensa que tornou as condições da pista impraticáveis. Depois de estabilizar o tempo, na volta para alinhamento no grid para a relargada, Márquez caiu e danificou a carenagem da sua moto. A equipe trabalhou em um ritmo alucinado para permitir a sua volta, infelizmente não a tempo de alinhar na sua posição e ele foi obrigado a largar em décimo sexto, o último lugar.

Com a melhora do tempo e uma pilotagem extremamente agressiva, Márquez fechou a primeira volta da relargada em terceiro, atrás das duas motos da equipe Aspar Aprilia, Terol na frente, seguido de seu companheiro de equipe Bradley Smith. Márquez assumiu a segunda posição na terceira volta, perdeu a posição na sexta e a retomou na oitava. No início da volta nove, a última, Márquez ultrapassou Terol na curva 1 e os dois trocaram de posição mais duas vezes durante o percurso do circuito. Márquez venceu a corrida com uma diferença de 0,150 segundos, abriu 17 pontos de vantagem para a decisão do título em Valência. Pol Espargaró, que começou a corrida a 17 pontos de Márquez, errou na escolha de pneus e classificou-se em décimo, dando adeus às suas chances.

A Espanha reúne uma série de condições para o desenvolvimento do motociclismo esportivo, a existência de diversos circuitos com áreas de escape generosas, a paixão dos torcedores e a disponibilidade de investidores e patrocinadores. Os talentos são estimulados precocemente, com provas locais de minimotos em praticamente todos os fins de semana. Jorge Lorenzo ganhou sua primeira minimoto com 7 anos, Marc Márquez aos 4, Alex Márquez, irmão mais novo do atual campeão e já com um título mundial (Moto3 em 2014) seguiu o mesmo caminho.

Os pilotos são tratados como personalidades públicas, são regiamente remunerados, reconhecidos em público, frequentam manchetes de jornais e revistas e exploram grifes e patrocínios pessoais. Por questões tributárias, muitos buscam a proteção de paraísos fiscais, embora sua família esteja domiciliada em Cervera, na Catalunha, Marc Márquez mantém um endereço fiscal em Andorra, Lorenzo é de Palma de Maiorca e para efeitos tributários oficialmente mora na Suíça.

A elite dos pilotos de motos de competição está inscrita na classe principal da MotoGP, são 23 representantes de 7 nacionalidades, a maioria (10) são espanhóis, 4 são italianos e igual número britânicos. A França tem dois (Johann Zarco e Loris Baz), Austrália, Alemanha e República Checa contribuem com um piloto cada. Em termos de faixa etária, o decano Valentino Rossi, 38, é o mais experiente, 16 estão entre 25 e 32 anos e 7 tem 24 ou menos, incluindo o atual campeão do mundo Marc Márquez e seu mais provável desafiante, Maverick Vinales.

Nos últimos sete anos, com exceção de 2011 vencido por Casey Stoner, os campeonatos foram divididos entre os espanhóis Lorenzo (2010, 2012 & 2015) e Márquez (2013, 2014 & 2016), e as quatro primeiras provas desta temporada foram vencidas por Marc Márquez, Dani Pedrosa e duas por Maverick Vinales, um talento ascendente com apenas 22 anos.


Quatro das dezoito provas do mundial da MotoGP são realizadas em território espanhol, a abertura da temporada europeia é disputada em Jerez de la Frontera e existem provas programadas para Barcelona, na Catalunha, Motorland em Aragon e no circuito Ricardo Tormo em Valência. Jerez registrou em 2009 o maior público presente a uma etapa do mundial, 263.648 pessoas passaram pelas catracas do circuito nos três dias da competição.
A força da ocupação espanhola pode ser constatada nos resultados do último evento da MotoGP em Jerez, o pódio da prova principal foi só de espanhóis, o vencedor da Moto2 (Alex Márquez) e da Moto3 (Aron Canet) também são hispânicos.


WorldSBK – Primeira (Última) Vitória do Kentucky Kid


The Kentucky Kid

Republicação de um texto publicado por autoracing.com.br em 17 de maio de 2016
Homenagem a Nicky Hayden, campeão da MotoGP em 2006

A temporada da MotoGP em 2006 foi estranha. Valentino Rossi buscava o sexto campeonato consecutivo, era o melhor piloto, tinha a melhor moto, venceu cinco corridas e, na contagem geral, perdeu para a regularidade de Niky Hayden, que com apenas duas vitórias acumulou cinco pontos a mais. Hayden interrompeu a sequência de três títulos mundiais pela Honda (2001, 2002 e 2003) e dois pela Yamaha (2004 e 2005) obtidos por Valentino Rossi.

Nicholas "Nicky" Patrick Hayden (30 de julho de 1981) pertence a uma família com longa tradição em corridas de motos em estradas nos EUA, onde iniciou a sua carreira. Nas primeiras competições em que participou era obrigado a largar na última posição do grip porque necessitava o auxílio de um membro da sua equipe para manter a moto na posição vertical, seus pés não alcançavam o chão. Até os dias atuais ostenta o título de piloto mais jovem a conquistar o campeonato AMA de SuperBike, em 2002.

O reconhecimento do talento de Hayden justificou em 2003 o contrato com a então principal equipe da MotoGP, a Repsol Honda, para atuar como companheiro do bicampeão mundial Valentino Rossi. Sem um desempenho excepcional, mas também não comprometedor, em sua primeira temporada recebeu o prêmio “Rookie-of-the-Year”. O norte-americano pilotou para a Honda até 2008, mudando no ano seguinte para a Ducati one foi companheiro de Casey Stoner. Entre 2011 e 2012, ainda na Ducati, Hayden reeditou a parceria com Valentino Rossi e continuou na equipe em 2013 tendo como companheiro Andréa Dovizioso. 2014 e 2015, seus últimos anos na MotoGP foram inexpressivos a bordo de uma Honda satélite. A carreira de Nicky Hayden na MotoGP não foi brilhante, seu histórico na principal categoria do motociclismo contabiliza apenas 3 vitórias, 5 poles, 7 melhores voltas e 28 pódios, num total de 215 corridas.

O campeonato de 2006 foi conquistado graças a sua incrível regularidade, conquistou 2 vitórias, marcou pontos em 16 das 17 corridas da temporada e, em 15, classificou-se entre os 5 primeiros. A confirmação do título aconteceu apenas na última prova em Valência, onde conseguiu a terceira colocação gracas a uma queda de Valentino na quarta volta (Rossi recuperou a moto e cruzou a linha de chegada na 13a colocação). Antes desta prova, na conferência de imprensa que precedeu o GP, Hayden insistiu que Rossi não era imbatível e tudo o que necessitava era um mau dia do piloto da Camel Yamaha para conquistar o título, previsão que acabou se realizando.

Nicky Hayden, também conhecido como The Kentucky Kid, transferiu-se para a WorldSBK neste ano com o objetivo declarado de ser o primeiro ser campeão na MotoGP e no mundial de Superbike.

Se a atual temporada da Superbike fosse uma série de TV, o roteirista não estaria sendo muito criativo. Até a sexta etapa, onze corridas, só a Ducati de Chaz Davies desafiou as Kawasaki do atual campeão Jonathan Rea e de Tom Sykes. Jonathan Rea venceu cinco provas e compareceu no pódio em todas as oportunidades. A pior coisa que pode acontecer para uma disputa é a previsibilidade do resultado, e é o que estava acontecendo na temporada. O princípio básico que a disputa só encerra na bandeirada final havia perdido o significado, logo depois da largada onde todos ainda andam agrupados, inicia um desfile monótono de participantes cumprindo o percurso da prova até a última volta, sem disputas pelas primeiras colocações. Na primeira prova da sexta etapa, realizada neste fim de semana em Sepang, mais de 200m separaram as Kawasaki do vencedor e do segundo lugar, a primeira Ducati chegou em terceiro 300m atrás.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Meandros da Motovelocidade (VIII – A Importância dos Pneus)




A vitória em uma etapa da MotoGP começa a ser construída nos primeiros treinos livres de sexta-feira, quando os pilotos tomam contato com a pista e iniciam a escolha do tipo de pneu que devem utilizar nas sessões de classificação no sábado e na prova no domingo.


A seleção de pneus é uma opção exclusiva do piloto, baseada no comportamento da moto durante as sessões de testes e qualificações, considerando as características da pista, condições do clima e temperatura do asfalto. O compromisso típico é aderência e longevidade, compostos mais macios entregam mais tração e desgastam mais rápido, pneus mais duros compensam a menor tração com maior durabilidade. Em uma competição a habilidade do piloto em gerenciar o desgaste dos pneus é quase tão importante quanto a capacidade de contornar curvas em alta velocidade. 

As regras da MotoGP permitiam até 2009 a “Guerra dos Pneus”, Dunlop, Michelin e Bridgestone competiam pelo privilégio de calçar as motos mais competitivas. A escalada de custos e o consequente desequilíbrio da competição obrigou o regulamento de 2007 a limitar o número de pneus poderiam ser utilizados por um piloto durante uma etapa, um máximo de 14 dianteiros e 17 traseiros para treinos, qualificação e a corrida. Esta limitação criou o problema de escolha de pneus versus tempo (entre outros fatores) que desafia os pilotos e equipes para otimizar seu desempenho nos dois dias que precedem a corrida. Este fator foi saudado com diferentes graus de entusiasmo pelos participantes, os Bridgestone e a Ducati dominaram a temporada, enquanto Yamaha e Honda padeciam com as limitações dos Michelin. Uma única equipe competiu este ano (2007) com pneus Dunlop, Yamaha Tech 3, que trocou o para a Michelin em 2008, no mesmo ano a Yamaha migrou para o fabricante japonês em venceu o mundial com Valentino Rossi. As regras de 2008 permitiam um número maior de unidades para o fim de semana, 18 dianteiros e 22 traseiros, a regra na época foi considerada uma desvantagem para os pilotos Michelin.

Em busca de menores custos e melhores condições de competitividade nas pistas, a FIM/Dorna  negociaram com a Bridgestone um contrato exclusivo de fornecimento de pneus para todas as equipes nos anos 2009, 2010 e 2011. A Bridgestone disponibilizou 4 especificações para o pneu dianteiro, 6 para o traseiro, um único para piso molhado e nenhum composto para exclusivo qualificação. Para cada pista o fabricante oferecia 2 especificações para a dianteira e duas para a traseira e os pneus eram atribuídos aos pilotos aleatoriamente para garantir a imparcialidade. Esta situação perdurou até o final de 2015, quando a fabricante japonesa descontinuou o contrato de fornecedor para a MotoGP, a entidade que administra os direitos comerciais da categoria abriu uma licitação, apenas uma fábrica apresentou proposta, a Michelin.

O retorno da Michelin às pistas foi complicado. Durante toda a temporada de 2016 os gestores e técnicos da fábrica francesa tentaram atender às demandas dos pilotos e características das motos adequando seus produtos. Registros internos da Michelin indicam que o número de desenvolvimentos realizados na temporada (2016) excedeu em número aos realizados nos sete anos em que a fábrica participou da antes de 2009.

A temporada atual disponibiliza três tipos de pneus slicks na frente e atrás, em 2016 só duas especificações  eram autorizadas por etapa. Os participantes do Q1 que classificarem-se para o Q2 tem um componente traseiro extra para compensar a dupla jornada (Q2/Q1). A partir do GP da Itália em 2016 foi introduzido um sensor para monitorar a pressão dos pneus e evitar a troca de acusações entre equipes e o fabricante francês, como aconteceu nos testes pré-temporada no acidente, felizmente sem maiores consequências, do piloto da Avintia Loris Baz. O pneu traseiro explodiu e o diagnóstico da equipe foi defeito de construção, para o fabricante a pressão estava abaixo do especificado. Uma utilidade extra do sensor é indicar, além da cor diferenciada, a estratégia das equipes para a mídia.

Pilotos demandam comportamento diferente para os pneus como forma de explorar as melhores características de seus equipamentos, há os que preferem contornar curvas com raio mais aberto e os que utilizam o freio com maior intensidade e trocam de direção em menor espaço. Encontrar um composto que seja apropriado para ambos os estilos não é uma tarefa simples. Em praticamente todas as provas, nas entrevistas depois do evento, uma das primeiras alegações dos pilotos é em relação aos pneus com explicações no mínimo confusas. Na prova de Jerez (2017) o vencedor (Pedrosa) utilizou compostos intermediários na frente, seu colega e equipe (Márquez) preferiu compostos duros, nas entrevistas do Park Ferme apesar de terem andado praticamente juntos toda a prova Márquez explicou que desistiu de tentar a vitória porque já não tinha confiança nos pneus que, em tese, teriam durabilidade maior. Os pilotos da Yamaha tiveram um desempenho pífio nesta prova e foram explícitos ao culpar os pneus. Rossi argumentou que a pista no sentido anti-horário tem mais curvas para a esquerda e, mesmo com um pneu assimétrico, a parede lateral deteriorou tanto que o melhor que conseguiu nas últimas voltas foi rodar de 3 a 4 segundos mais lento que os líderes. Estranho, a Yamaha de Johann Zarco aparentemente não enfrentou problemas.   

Com base na experiência adquirida desde na temporada passada a Michelin desenvolveu novos compostos, traseiro para fornecer mais tração e dianteiro mais resistente. São raros os elogios de pilotos para os fornecedores de pneus, quando eles funcionam bem não são citados, quando existe qualquer dificuldade a grita é geral.

terça-feira, 9 de maio de 2017

MotoGP - Temporada 2017, Etapa 4, Jerez de la Frontera




Jerez de la Frontera é um município da província de Cádis na comunidade autônoma da Andaluzia, Espanha, está localizado no trecho do litoral voltado para o Atlântico. É uma cidade com população em torno de 250 mil habitantes, conhecida pela qualidade de seus vinhos (xerez), pelos centros de adestramento de cavalos, por sua cultura musical (flamenco) e por seu autódromo.
O Circuito Permanente de Jerez hospeda uma das quatro etapas da temporada 2017 da MotoGP programadas para serem realizadas na Espanha, o atual traçado tem 4.428 metros e começou a ser utilizado em 1986. A pista de Jerez já sediou cinco GPs da Espanha de Fórmula 1, de 1986 até 1990, e recepcionou duas vezes como Grande Prêmio da Europa em 1994 e 1997. Nelson Piquet obteve sua última pole da F1 em Jerez, em 1987. Atualmente a pista faz parte do calendário para a abertura da temporada europeia do mundial de motovelocidade, também é um dos locais escolhidos para testes por equipes da MotoGP e F1.
O sucesso ou fracasso em uma prova da MotoGP é decidido pela atenção aos detalhes, por exemplo, temperatura ambiente e do piso na hora da prova, aderência e escolha de pneus. O primeiro dos quatro GPs programados para o território espanhol colocou à prova a capacidade de pilotos e equipes, houve uma diferença de 20° C entre o último ajuste dos pilotos no ‘warm up’ da manhã e a hora da largada, algum aumento de temperatura era esperado, talvez não tão significativo. Os pilotos que fixaram os parâmetros do setup e escolheram os pneus de suas máquinas nesta sessão foram surpreendidos com condições diversas na corrida.
Os principais fatores que influenciaram o resultado da prova foram a alta temperatura do ambiente e a aderência da pista, as equipes que souberam trabalhar melhor com estas variáveis foram beneficiadas. O piso da pista de Jerez não apresenta falhas ou (muitas) ondulações, mas tem 14 anos de idade, foi recapeado pela última vez em 2003, significa que a aderência é menor que outros circuitos e é complicado para manter a temperatura dos pneus na janela ideal.
Baixa aderência é uma condição conhecida, máquinas evoluem e pneus são modificados para administrar estas mudanças, as técnicas de condução dos protótipos permitem que alguns pilotos encontrem grip onde outros são prejudicados. O somatório de condições da prova de Jerez privilegiou pilotos com uma tocada suave como Pedrosa e Lorenzo, o segundo colocado Márquez não se enquadra neste perfil, porém seu histórico indica que ele não costuma respeitar muito as leis da física tradicional. 
A vitória de Pedrosa foi indiscutível e ele nunca andou no limite da capacidade da Repsol-Honda, consistência e ritmo foram fatores decisivos e desde a largada sua liderança não foi ameaçada, seu mais próximo competidor, o colega de equipe Marc Márquez utilizou a sua estratégia habitual, não permitir ao líder distanciar muito e tentar um ataque nas voltas finais, só que seus pneus acabaram antes. Com a vitória Dani Pedrosa obteve um recorde notável, é o primeiro piloto da história a vencer pelo menos uma corrida em 16 temporadas consecutivas. Os pilotos da Honda explicaram que a moto não evoluiu muito desde a última temporada, mas os técnicos conseguiram manter as características do equipamento estáveis e eles tem mais confiança para explorar mais seus pontos fortes e aprender com seus erros. O ponto de interrogação ainda está nos pneus, que a Michelin ainda não consolidou um padrão.
O box da Ducati revelou depois da prova uma euforia contida, euforia pelo primeiro pódio de Lorenzo com a nova equipe e contida pelos quase quinze segundos que o separaram do vencedor. O piloto que tem o mais alto salário no grid está se adaptando à moto, a fábrica, por sua sugestão alterou a posição do condutor para obter uma condição mais confortável e instalou o acionamento do freio traseiro pelo polegar esquerdo, os resultados estão começando a aparecer.
Johann Zarco tem sido o nome mais citado destas primeiras quatro etapas do mundial de MotoGP. Sofreu uma queda enquanto liderava a primeira prova da temporada no Catar e classificou-se entre os 5 primeiros nas outras três etapas. Em Jerez conduziu uma Yamaha M1, versão 2016 de uma equipe satélite, para a quarta colocação à frente dos dois pilotos da equipe da fábrica, Rossi e Vinales. Zarco, bicampeão de Moto2, estava negociando no ano passado um assento na equipe oficial da Suzuki para ser companheiro de Andrea Iannone e foi preterido em favor de Alex Rins. O piloto francês já havia testado a Suzuki e ficou tão irritado que cancelou a sua participação como piloto de uma das motos do fabricante na icônica prova de resistência 8 horas de Suzuka.  Johann Zarco classificou-se para o grid com a sexta posição, fechou a primeira volta em 5°, a segunda em 3° e por instantes andou na frente de Márquez na quarta volta, posteriormente foi ultrapassado por Lorenzo na décima primeira, seu quarto lugar foi a melhor posição das motos Yamaha na prova. Zarco, da equipe Tech 3, lidera o campeonato de pilotos independentes, seguido por Cal Crutchlow da LCR Honda.
O clima não foi legal nos boxes da Movistar-Yamaha depois da corrida. Maverick Vinales, que insiste que não cometeu erro em sua queda nos EUA, não gostou da 6ª colocação, Valentino Rossi alegou que sua moto vibrava tanto que parecia estar pilotando uma britadeira nas últimas voltas e pediu a pela sua antiga M1. Depois de apenas quatro etapas e apesar de seus dois pilotos liderarem o mundial o ambiente na Yamaha não é mais só alegria. Nada é dito em público, porém em conversas ‘off the record’ os pilotos manifestam profundo desagrado com o comportamento dos pneus Michelin.
A prova de Jerez chamou a atenção por três fatos inusitados, o primeiro foi o acidente durante o ‘warm up’ com o safety car pilotado por Franco Uncini, campeão da classe 500cc em 1982 e um dos inspetores de segurança da FIM. O seu BMW perdeu o controle e bateu forte contra as barreiras de proteção durante uma volta de vistoria na pista. Uncini sofreu algumas contusões e o outro passageiro, Sito Pons, ex-campeão do mundo das 250cc em 88 e 89, quebrou um braço. O segundo foi a intervenção de alguns partidos políticos da Espanha que pediram maior austeridade no modo de vestir das ‘grid-girls’, elas foram bem mais discretas que o habitual, no entanto esta onda de moralidade relativa não surtiu grande efeito nas ‘pit-babes’ que circulavam pelo ‘pit lane’. Por último um daqueles fatos que a mídia costuma classificar de ‘incidentes lamentáveis”, Jack Miller perdeu a cabeça e empurrou Álvaro Bautista após um incidente na pista que causou a queda de ambos.
A MotoGP nesta temporada lembra um antigo comercial de um bonequinho de brinquedo chamado Falcon, “Cada dia uma nova aventura”.

MotoGP – Honda 100


O GP número 3.000 promovido pela FIM foi da classe MotoGP disputada este ano em Jerez, na Espanha, vencida por Dani Pedrosa pilotando uma Repsol-Honda. A prova é apenas mais uma etapa da temporada e, além da pontuação normal, é uma referência histórica. Lembra outros eventos com características semelhantes, a milésima prova com a vitória de Ángel Nieto em Hockenheim, 1975, com uma Kreidler 50cc e a corrida número 2000 vencida pela Honda 500cc de Mick Doohan em Suzuka, temporada de 1997. A Repsol-Honda comemorou em Jerez um feito significativo, foi a centésima vitória da equipe na classe principal desde que a MotoGP foi reformulada em 2002.

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A história de sucessos começou em 2002 com uma vitória do japonês Tohru Ukawa. O nipônico pilotou dois anos para a Repsol-Honda, na 500cc em 2001 e na MotoGP em 2002, ano em que venceu o GP disputado em Welkon, na África do Sul.

1 + 1 = 2
Andrea Dovizioso defendeu as cores da equipe em 2009, 2010 e 2011, em seu primeiro ano conseguiu vencer o GP da Inglaterra disputado no histórico circuito de Donington Park.

1 + 1 + 3 = 5
O piloto norte americano Nicky Hayden pilotou para a equipe entre 2003 e 2008, contribuiu com três vitórias neste período e conquistou o primeiro mundial para a equipe, quebrando em 2006 uma sequência de cinco campeonatos seguidos de Valentino Rossi.

1 + 1 + 3 + 15 = 20
O campeão do mundo de 2011, Casey Stoner, participou da equipe durante dois anos e conquistou um número impressionante de 15 vitórias.

1 + 1 + 3 + 15 + 20 = 40
Valentino Rossi é sinônimo de motociclismo profissional. Durante os dois anos que esteve no comando de uma RC211V conquistou dois mundiais e 20 vitórias, um desempenho extraordinário.

1 + 1 + 3 + 15 + 20 + 30 = 70
Marc Márquez com 24 anos já é, em quatro temporadas disputadas, três vezes campeão do mundo, um início de carreira fantástico O piloto, com uma técnica de condução diferenciada, comanda uma RC213V desde 2013, venceu 30 das 74 provas disputadas.

1 + 1 + 3 + 15 + 20 + 30 + 30 = 100
Dani Pedrosa chegou na MotoGP em 2006 e conquistou em todas as temporadas que disputa ou disputou pelo menos uma vitória, superando o recorde de Giacomo Agostini. Dani já contribuiu com 30 vitórias para os números da Repsol-Honda, a sua vitória em Jerez foi a centésima da equipe.



sexta-feira, 5 de maio de 2017

Meandros da Motovelocidade (VI. A Era do Italiano)






O cantor e compositor Belchior, recentemente falecido, foi muito feliz ao identificar na letra de um dos seus sucessos o comportamento das massas em relação aos ídolos, ele escreveu: “Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Cada geração elege seus próprios heróis, por três décadas o nome de Pelé foi sinônimo de futebol, hoje a crença generalizada é que nunca houve nem haverá alguém como Neymar Jr. Na Fórmula 1 dos anos 70 o protagonismo era de Emerson Fittipaldi, a irreverencia de Nelson Piquet e o carisma de Ayrton Senna trouxeram a F1 para o noticiário diário nos anos 80 e início da década de 90, nos dias atuais o esporte é divulgado quase que exclusivamente na mídia especializada, digital ou escrita. O tênis, que foi guindado a esporte nacional nos anos que antecederam e sucederam a virada do século alavancado pelo sucesso de Gustavo Kuerten, o ocaso do ídolo relegou o esporte para o noticiário marginal.

Este mesmo comportamento das massas é replicado em escala mundial no motociclismo esportivo, os anos de consolidação do mundial da FIM foram majoritariamente vencidos por britânicos (3 exceções em 17 anos), os nomes de Geoff Duke, John Surtees e Mike Hailwood estiveram em evidência. Houve a época em que citar motovelocidade ou Giacomo Agostini tinha o mesmo significado, e um período em que a bandeira de estrelas e listras foi presença obrigatória no pódio. Depois de uma curta hegemonia de um australiano com limitações físicas (Mick Doohan), o esporte da velocidade em duas rodas passou a ser identificado na década de 2000 por um nome italiano, Valentino Rossi.


Uma temporada da MotoGP é um período exaustivo para os pilotos. Viagens constantes, sessões de treinos e provas são estressantes e ninguém conhece este ambiente melhor que Valentino Rossi. Ele já participou de mais de 350 GPs desde 1996, venceu 114, conseguiu 64 poles, esteve presente em 224 pódios e foi campeão mundial em 9 oportunidades.  São números excepcionais, faltam apenas 8 vitórias e um mundial para igualar os recordes do conterrâneo Giacomo Agostini e ser o maior vencedor de todos os tempos na história do motociclismo.


Rossi chegou à MotoGP da maneira convencional, passando pelas categorias de acesso para conhecer as pistas onde os GPs são disputados em motos 125cc, com velocidade máxima de 220 km/h, fazendo estágio em equipamentos 250cc que desenvolvem até 270 km/h, antes de chegar à categoria máxima. Seu equipamento atual, a Yamaha YRZ-M1, pesa 157 kg, tem um motor de 1000cc, potência superior a 240 hp e atinge velocidades próximas a 340 km/h.


Rossi participou pela primeira vez em uma etapa do mundial em 96, foi campeão da classe 125cc um ano depois, migrou para a 250cc em 98 e conquistou o título da categoria em 99. Foi promovido para a MotoGP em 2000 e em 2001 ganhou seu primeiro mundial da classe principal, repetiu o feito nos quatro anos seguintes.


Os cinco títulos consecutivos igualam o feito de Mick Doohan (94 a 98) e só é inferior à sequência alcançada por Agostini (66 a 72). Valentino perdeu o mundial de 2006 por exatos 0,002 segundos, a diferença da prova em que foi vencido por Toni Elias no Estoril. Nicky Hayden foi campeão da temporada por 5 pontos, a diferença entre o primeiro e o segundo colocados, os critérios de desempate favoreciam ao italiano.


A conquista de Nicky Hayden comprovou que Valentino não era invencível e em 2007, ano em que o regulamento reduziu a capacidade do motor para 800cc, a Ducati produziu um protótipo excepcional e seu piloto, o australiano Casey Stoner não tomou conhecimento da concorrência, venceu dez provas e conseguiu o primeiro (e único) título do fabricante italiano. Rossi voltou a vencer e turbinar suas estatísticas em 2008 e 2009, anos em que compartilhou o box com o estreante Jorge Lorenzo.


A trajetória vitoriosa de Rossi encontrou seu ponto de inflexão em 2010, nos treinos que antecederam o GP da Itália em Mugello fraturou a perna e ficou ausente por 4 etapas. Seu infortúnio foi aproveitado por Lorenzo que, com uma temporada impecável onde só em duas provas (4° em Aragon e 4° no Japão) não esteve no pódio, conquistou 9 vitórias e seu primeiro título mundial.


Com o título de Lorenzo confirmado muito antes do encerramento da temporada, a Yamaha condicionou a renovação de Valentino Rossi para 2011/2012 a um corte no salário e supressão das vantagens de piloto principal da equipe. Renumeração não era importante, o piloto já tinha a estabilidade financeira assegurada, porém a perda de status era inaceitável. Como Casey Stoner havia trocado a Ducati pela Honda, equipe do seu herói de infância Mick Doohan, com um leque de opções restrito Rossi escolheu apostar em um sonho dos italianos, assinou por dois anos com a Ducati.


As fábricas devem produz ir suas motos de acordo com as especificações do regulamento técnico da FIM, entretanto não são obrigadas a produzir máquinas com as mesmas características. Todas optam por desenvolver os protótipos identificadas com os seus objetivos, Rossi ajudou a Yamaha a criar um produto eficiente e equilibrado, a Ducati privilegia a potência do motor e a Honda utiliza as pistas como laboratório para desenvolver soluções que possam ser portadas para suas motos de produção em série. O sonho italiano de uma equipe “puro sangue” era realidade, e uma vitória da Ducati seria equivalente ao Papa vencer o GP de Monza de Fórmula 1 pilotando uma Ferrari. Foi um desastre. Stonner e a Honda venceram em 2011, Lorenzo conseguiu seu bicampeonato em 2012 e, em 2013, sem conquistar nenhum resultado expressivo pela fábrica italiana, Rossi voltou para a Yamaha. Foi vencido em 2013, 14 e 16 por Marc Márquez com a Honda, e em 2015 pelo colega de equipe Jorge Lorenzo.  


É impossível contar a história dos mundiais de motovelocidade sem citar a importância de Valentino Rossi. Ele foi o personagem que melhor compreendeu e capitalizou a mudança de rumo causada pela evolução das comunicações na MotoGP, alterando o perfil de disputa pura para espetáculo na mídia. O seu carisma pessoal personificou a imagem de um competidor feroz nas pistas e um bom moço na vida comum, que contribuiu para popularizar o esporte em todo o planeta. As bandeiras amarelas com o número 46 podem ser encontradas em qualquer circuito onde sejam realizadas corridas de motos e em Tavullia, sua cidade natal, os sinos da igreja tocam desde 1996 sempre que ele consegue alguma vitória.


Não há como desenvolver uma carreira tão longa e vitoriosa, a de Rossi já dura 23 anos, sem colecionar desafetos. Disputas acirradas nas pistas, nem sempre pautadas pela ética, extrapolam facilmente para os bastidores e causam inimizades. Algumas comemorações hilárias que são a assinatura do piloto ofendem outros competidores, a boneca inflável que ele utilizou na prova de Mugello em 1997 foi uma provocação acintosa ao seu concorrente Max Biaggi por sua suposta relação com uma modelo, uma atitude grotesca e desnecessariamente ofensiva. Rossi também costuma valorizar seus feitos e terceirizar insucessos. Justificou os títulos de Lorenzo afirmando que haviam sido conquistados pela moto que ele desenvolveu, até hoje culpa Marc Márquez por não ter conseguido seu almejado décimo mundial em 2015. No GP da Alemanha de 2016 optou por não seguir a orientação da equipe de apoio e permitiu uma vitória improvável de Marc Márquez, tentou se justificar reclamando da limitação das comunicações entre pilotos e equipes sugerindo a necessidade do uso de rádio.


O balanço entre os prós e contras é muito favorável ao piloto italiano e, no futuro, é bem provável que a história dos mundiais da FIM seja dividida em AV e DV, antes e depois de Valentino Rossi.

Carlos Alberto



quarta-feira, 3 de maio de 2017

Meandros da Motovelocidade (V. O Aussie)  




O enredo do filme “Rush”, de 2013, é baseado na rivalidade histórica entre James Hunt e Niki Lauda na Fórmula 1, com ênfase no esforço do austríaco em sua recuperação do acidente que sofreu no circuito de Nurburgring em 1976. O mesmo roteirista poderia escrever sobre um piloto australiano que superou diversas dificuldades para colocar o seu nome na galeria dos maiores vencedores da motovelocidade.


Michael “Mick” Doohan surgiu para o universo das provas de velocidade em motos no Campeonato Australiano de Superbike, e foi convidado para pilotar pela Honda na MotoGP em 1989, para compartilhar as pistas com monstros sagrados como Wayne Rainey, Eddie Lawson, Randy Mamola e Kevin Schwantz. Sua maneira de controlar a moto era adequada para a agressividade das 500cc dois tempos, em uma época onde os fabricantes privilegiavam a potência e, com uma curva acentuada de torque, a NSR500 era um equipamento complicado para pilotar.

Na temporada de 92 a Honda mudou a temporização dos disparos introduzindo a característica “Big Bang”, resultando em menor potência em alta rotação, mas melhorando a dirigibilidade. O talento de Doohan já era reconhecido, classificou-se em segundo na temporada anterior nove pontos atrás do campeão Wayne Rainey.  Um acidente na primeira prova (GP do Japão em Suzuka) quebrou a perna de seu colega de equipe, o também australiano Wayne Gardner (Campeão de 1987) e a Honda focou todas as suas atenções em Doohan. Nas primeiras 7 provas de uma temporada de 13 GPs, o australiano com 5 vitórias e 2 segundos lugares abriu 65 pontos de vantagem sobre a Yamaha do então bicampeão mundial, o americano Wayne Rainey.

Então aconteceu. Nos testes livres do GP da Holanda em Assen, a Catedral da Motovelocidade, Doohan depois de uma primeira queda sem consequências, voltou para a pista e sofreu um highside, um acidente onde o piloto é projetado da moto e resultou em uma fratura na tíbia direita. O atendimento no hospital holandês foi desastroso e um princípio de gangrena comprometeu sua perna, o diagnóstico para o piloto recomendou a amputação. Doohan foi transferido para uma clínica na Itália já com diversos órgãos entrando em colapso devido à pouca circulação no membro sinistrado, o risco de amputação evoluiu para risco de vida.

O piloto foi submetido a uma cirurgia inovadora, o médico italiano Claudio Costa utilizou o sistema de irrigação da perna esquerda para revitalizar a direita, Doohan ficou com as duas pernas costuradas por 14 dias, a circulação foi restabelecida, entretanto a funcionalidade do seu membro direito foi irremediavelmente comprometida.

O piloto perdeu quatro etapas da temporada, seu retorno no GP do Brasil foi feito em circunstâncias altamente desfavoráveis. Interlagos é um ícone na Fórmula 1, porém o circuito não estava adequado para as 500cc apesar de uma chicane ter sido construída na curva do Café, o piso estava muito ondulado e os muros da reta dos boxes muito próximos da pista. Os principais pilotos, entre eles Wayne Rainey, Eddie Lawson e o próprio Mick Doohan pressionaram pelo cancelamento da prova que, se efetivado, garantiria o título da temporada para o australiano, entretanto os interesses comerciais prevaleceram e a corrida foi mantida.

Michael Doohan chegou em São Paulo em uma cadeira de rodas e com a musculatura das pernas pouco desenvolvida devido a prolongada ausência de exercícios. O piloto ocultou dos responsáveis que sua perna direita não estava recuperada, não sentia absolutamente nada do joelho para baixo. Ele participou de uma corrida em um circuito desfavorável para motos, com um clima hostil (humidade) e com uma perna só. O 12° lugar no Brasil e o 6° na última etapa não foram suficientes para acompanhar a pontuação de Wayne Rainey, que com sua Yamaha conquistou o terceiro título consecutivo.

Doohan ainda estava em processo de recuperação da funcionalidade da perna, que continuava sem sensibilidade do joelho para baixo durante a maior parte da temporada de 93. Foi o ano de estreia de Alex Barros na moto GP e do trágico acidente de Wayne Rainey, que o colocou definitivamente em uma cadeira de rodas. Kevin Schwantz foi o campeão encerrando o ciclo de ouro dos pilotos americanos, o australiano foi o quarto colocado e conseguiu uma vitória no GP de San Marino. A falta de mobilidade do tornozelo direito impedia o uso correto do freio traseiro e a Honda improvisou um controle com acionamento do polegar esquerdo, alterando a técnica de pilotagem da moto. Óbvio, houve quem alegasse que o freio traseiro controlado pela mão era uma vantagem indevida, reclamação desconsiderada pela FIM porque o regulamento da competição era omisso nesta área e todos poderiam replicar a inovação.

A temporada de 1994 encontrou o piloto melhor adaptado às suas limitações, a Honda convocou o espanhol Alex Crivillé para ser seu companheiro de equipe, Doohan arrasou a concorrência conquistando 317 pontos contra 174 do segundo colocado, a Yamaha de Luca Cadalora. Venceu 9 vezes em 14 provas, seu companheiro de equipe somou apenas 144 pontos sem nenhuma vitória.

Michael Doohan pilotou para a Honda durante toda a sua permanência no Mundial de Motociclismo. Conquistou cinco mundiais seguidos, de 94 a 98, todos com uma larga margem de pontos. Seu comportamento na pista sempre foi pilotar no limite, houve provas em que venceu com mais de 30 segundos de vantagem sobre o segundo colocado. Em 1999 acidentou-se no terceiro GP da temporada, Espanha, e abandonou as pistas.

As estatísticas de Mick Doohan são impressionantes, nos campeonatos da FIM competiu exclusivamente na 500cc, participou de 137 provas com 54 vitórias, 95 pódios, 58 poles e 46 voltas mais rápidas. Acumulou em sua carreira 2.283 pontos.

A Honda manteve o título de 99 com Alex Crivillé e foi derrotada em 2000 pela Suzuki de Kenny Roberts Jr. A fábrica retornou ao topo do mundial em 2001 com um italiano que viria a ser o maior ídolo do motociclismo esportivo de todos os tempos.



terça-feira, 2 de maio de 2017

Meandros da Motovelocidade (IV. Estrelas e Listras)


A bandeira com estrelas e listras esteve presente com frequência nos pódios do Mundial de Motovelocidade nos 18 anos que se seguiram ao último campeonato vencido por Giacomo Agostini em 1975. Em 1976 a Suzuki conquistou o título com o britânico Barry Sheene e conseguiu as 10 primeiras colocações do ano, o norte-americano Pat Hennen foi o terceiro na classificação geral. Oito das 10 provas do ano foram vencidas por equipamentos Suzuki, as exceções foram a Yamaha na Ilha de Man e a MV Agusta, escolhida por Agostini exclusivamente para disputar o GP da Alemanha no antigo traçado de 22 km do circuito de Nurburgring.

Sheene repetiu o seu feito em 1977 com a Suzuki, mas a Yamaha de consolidou-se como uma forte concorrente com o vice-campeonato foi obtido pelo piloto dos EUA Steve Baker. A temporada foi marcada por inúmeros acidentes fatais, incluindo uma ocorrência na classe 350cc do GP da Áustria que causou o óbito de um piloto e feriu seriamente outros 4. Em função da falta de segurança do circuito de Salzburgring, os principais pilotos da 500cc realizaram um boicote e a largada foi autorizada com um reduzido número de motos no grid. Dois acidentes fatais ocorreram no circuito de Opatija, GP da Iugoslávia, que foi excluído do calendário nos anos seguintes por não ter as condições mínimas necessárias para este tipo de competição.

A divulgação na mídia da temporada de 1978 cresceu muito, impulsionada pela popularidade do então campeão Barry Sheene e pela presença do extraordinário piloto norte-americano Kenny Roberts. Um dos quatro pilotos na história que venceram o Grand Slam da AMA (American Motorcycle Association), Roberts havia participado com uma equipe de pilotos americanos no Transatlantic Match de 1974, competindo contra uma equipe britânica. O consenso da época era que pilotos americanos, formados em pistas de terra, não eram adversários para os britânicos, especializados em corridas no asfalto. Roberts destruiu esta crença ao vencer três das seis provas e terminou em segundo lugar as três restantes. No evento Roberts contribuiu com 93 pontos para sua equipe, cinco a mais que Barry Sheene, o melhor piloto britânico. Kenny Roberts com uma Yamaha foi o campeão da temporada, com 10 pontos mais que a Suzuki de Sheene.

Kenny Roberts e a Yamaha confirmaram seus títulos em 1979 e 1980. Randy Mamola substituiu Barry Sheene na Suzuki e obteve a segunda colocação em 80, uma temporada encurtada pelo cancelamento de dois GPs, Venezuela e Áustria. A Honda introduziu neste ano a exótica NR500 de quatro tempos, que não marcou nenhum ponto.

Em 81 e 82 a Suzuki retomou a primazia com os pilotos italianos Marco Lucchinelli e Franco Uncini. Na temporada de 82 a Yamaha introduziu um novo motor V4 para Kenny Roberts e a Honda abandonou a NR500 quatro tempos participou com a NS500, motor V3 dois tempos, com a condução de Freddie Spencer.

Os 7 anos seguintes registraram a disputa feroz entre Freddie Spencer da Honda, vencedor em 83 e 85, e Eddie Lawson da Yamaha em 84,86, 88 e 89, este último ano pilotando uma Honda. Wayne Rainey conquistou o seu tricampeonato nos anos 90, 91 e 92 com a equipe Yamaha. O ano de 92 marcou a despedida das pistas de Eddie Lawson, que conseguiu no GP de Hungaroring a única vitória da Cagiva na categoria de 500cc.

Kevin Schwantz com uma Suzuki venceu a 45ª edição do FIM Road Racing World Championship em 1993, encerrando os anos dourados dos pilotos norte-americanos. A bandeira de estrelas e listras voltou ao topo  nos campeonatos da FIM dos anos 2000 com Kenny Roberts Jr. e 2006 com Nicky Hayden.