segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

MotoGP - Duelo de Gigantes


A temporada a ser iniciada em 20 de março sugere uma disputa acirrada entre Yamaha, Honda, Ducati, Suzuki e Aprilia, embora desde o Grande Prêmio da Austrália em 2010 somente os pilotos das duas primeiras subiram ao ponto mais alto do pódio.
O campeonato mundial deste ano contempla componentes inéditos e indefinições resultantes do novo regulamento, mas tudo indica que deve haver uma competição à parte entre o estilo ortodoxo e consistente de Jorge Lorenzo, Valentino Rossi e outros pilotos para contornar uma curva e a condução agressiva de Marc Márquez e Dani Pedrosa, que reduzem o tempo de frenagem e aceleram mais rápido nas saídas.  Os pilotos da Yamaha trabalham seus pneus em todo o contorno e o modo Honda é centrar o apoio nas bordas por um período mais curto (Dani Pedrosa mencionou em entrevista recente que gostaria que fosse um tempo um pouco maior!). Em algumas provas de 2015 ficou evidente que Márquez adotava a estratégia de um ataque mais intenso nas últimas voltas, confiando no desgaste dos líderes, funcionou em algumas provas, em outras como a decisão em Valência não deu certo.

Existem muitas outras variáveis. A Michelin assume o lugar da Bridgestone como fornecedora de pneus, com especificações próprias. Todas as equipes reconhecem que em 2016 haverá uma disputa paralela para desenvolver chassis e estilo de pilotagem adequados para os novos pneus. A última experiência neste sentido foi realizada em 2008 com os Bridgestone, onde primeiro sinal visível foi o reposicionamento das rodas, que foram levadas até os limites de ajustes para deslocar o peso do motor para a parte traseira. No circuito de Laguna Seca em 2008, Valentino Rossi era obrigado a frear mais de 10 metros antes do ponto ideal de frenagem com os Michelin para entrar na chicane Corkscrew. Nada parecia funcionar. Os engenheiros da Yamaha e Bridgestone não conseguiram uma explicação razoável e intuitivamente levantaram a suspensão da moto, os 10 metros desapareceram. O centro de gravidade mais alto transferiu o peso para a frente durante a frenagem, aumentando o grip e aquecendo mais o pneu. Foi um indicativo para Bridgestone e pilotos trabalharem mais explorando o aquecimento dos pneus.

Os pilotos de testes da Michelin elogiam a "super-aderência" dos pneus traseiros, mas têm reservas sobre os dianteiros, que atualmente balizam os limites de entrada e saída de curvas. Nos testes de Valência os menos afetados pelas mudanças foram os pilotos da Classe Open em 2015, acostumados com os compostos mais macios da Bridgestone, Maverick Viñales fechou com o segundo tempo e Aleix Spargaro com o quarto, ambos com Suzuki.

Os motores são outro ponto a considerar. Pilotos precisam de torque, mas para obter mais os limites de rotação do motor devem ser sacrificados. Em 2015 ficou evidente, os pilotos da Honda quase sempre largavam nas primeiras filas e nunca chegavam na frente na primeira curva devido ao mau desempenho em baixas rotações. É necessário um equilíbrio entre velocidade, potência e dirigibilidade. A dificuldade em controlar a potência foi a principal causa das 6 quedas de Márquez em 2015. Esta característica também distingue os construtores, a Yamaha não tem o equipamento com velocidade final mais alta, porém a curva de potência é melhor distribuída. Todos os recursos têm sido utilizados para conciliar a resposta do motor com a dirigibilidade e a principal ferramenta utilizada tem sido a banda de potência virtual, implementado através do sistema de acelerador “by-wire” controlado pela eletrônica. A potência e a curva de torque entregues pelo motor apresentam picos e depressões acentuadas, algo impossível de ser controlado somente pela sensibilidade com que o piloto atua sobre o acelerador. A banda de potência virtual compensa a falta e os picos de torque controlando a abertura do acelerador, a grosso modo, o mesmo comportamento das asas de um caça F/A-18, abrindo para planar e fechando para obter maior velocidade. O piloto não percebe picos e depressões e recebe uma curva de torque aplainada. Há limites para a agressividade do motor ser controlada, a Honda pode ter cometido um erro estratégico em ao exceder este parâmetro em 2015.

A busca por materiais e compostos que proporcionassem maior rigidez ao chassi, que orientava os desenvolvimentos desde 1993, foi definitivamente interrompida nos últimos anos. As últimas temporadas da MotoGP mostraram Yamaha e Honda testando novos componentes ou até braços oscilantes na esperança de conseguir uma articulação adequada das partes na inclinação máxima (que já chegou a 64 graus da vertical) para absorver a rugosidade dos pavimentos e manter os pneus trabalhando com capacidade plena. Com uma estrutura mais rígida os pneus saltam entre as saliências e perdem aderência, o comportamento errático do chassi pode resultar em vibrações ou até instabilidade total do equipamento. Os fabricantes já descobriram que a solução de problemas conhecidos pode levar a descobrir ou criar novos problemas.  A Honda obteve um compromisso aceitável do chassi da RC213V, entretanto Marc Márquez foi uma vez perguntado sobre qual o comportamento mais incomum do seu equipamento e saiu com uma resposta desconcertante: “O pneu dianteiro da Bridgestone. Só funciona bem no limite”.

Todos os componentes do equipamento reagem aos esforços gerando calor. No grande prêmio de Montegi, em 2012, a aderência do pneu dianteiro da moto de Ben Spies permitiu freadas violentas na aproximação das curvas e os discos de freio desintegraram-se antes do fim da prova submetidos ao calor de mais de 1.000 graus Celsius. As motos atuais utilizam discos de 340 mm de espessura, mais ventilados, entretanto a perda de eficiência em freadas agressivas devido ao calor ainda não está totalmente mapeada.

Orçamentos são anuais, mas variações em regras técnicas estão sujeitas a alterações a qualquer momento. Isso significa que uma equipe pode reorientar recursos de desenvolvimento para outras áreas, porque algumas são vedadas.  As melhores equipes podem ter até seis motores por temporada, porém a especificação é congelada a partir da primeira prova. 2015 mostrou um distanciamento entre equipes de fábrica e satélites, que talvez cresça na nova temporada. Pesquisas baseadas nas unidades de medidas dos três eixos da plataforma inercial podem detectar movimentos insuspeitos do chassi e orientar a descoberta de modos de melhorar a estabilidade, que permitam entrar em curvas em velocidades mais altas. Isto é ciência a serviço da dinâmica do movimento e exige investimentos, que são escassos nas equipes satélite. Chuck Yeager, o primeiro piloto a voar mais rápido que o som (Bell X-1, 1947) gastou semanas em testes de estabilidade incrementando a velocidade aos poucos, com os recursos que a MotoGP dispõe atualmente teria resultados imediatos.

Um dos pontos ainda controversos do MotoGP é se a eletrônica padrão da Magneti Marelli vai nivelar as equipes. Os orçamentos são muito díspares e os recursos vão ser gastos em pontos que podem ser melhorados sem ofender ao regulamento. Pelo lado comercial, competitividade com custos menores implica em disputa entre mais equipes (e patrocinadores), para as fábricas o valor das competições, além da exposição da marca, reside essencialmente nos desafios e soluções de P&D que possam ser portados para a produção em série. Com motivações distintas, a regulamentação oscila entre favorecer fabricantes ou as equipes. Quando o desenvolvimento de motores foi congelado (para a temporada), o desenvolvimento de chassi flexível aumentou rapidamente. Quando foram fixadas as especificações do pacote de software, o centro de atenções deslocou-se para a dinâmica do movimento, permitindo trabalhar os dados dos sensores padronizados para aumentar o desempenho e estabilidade nas curvas.

O lado de relações públicas ganhou muita importância devido aos acontecimentos lamentáveis no final de 2015. As habilidades apresentadas pelos melhores pilotos nas pistas inconscientemente induzem a esperar excelência também no comportamento social e depõem contra o esporte nas situações que revelam que se tratam de pessoas normais, sujeitas a condutas questionáveis, trapaças e mesquinharias. Reuniões emergenciais no final da temporada passada resultaram em contratos prolixos com pesadas cláusulas de penalização para o mau comportamento em 2016.

Como já foi dito (escrito), apenas as arquirrivais Honda e Yamaha venceram corridas desde o grande prêmio da Austrália em 2010. A Dorna, proprietária dos direitos comerciais da MotoGP, aposta que as regras que implicam em redução de custos devem estimular a concorrência de maior número de equipes e nivelar o desempenho. Se vai ou não acontecer, os resultados dos testes de pré-temporada que iniciam em 01 de fevereiro devem servir como amostragem.





Publicado em 01 de fevereiro de 2016 no site www.autoracing.com.br

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