Man-in-the middle |
Dorna
Sports é uma empresa de mídia, marketing e gestão, que administra com
exclusividade os direitos comerciais e de transmissões de TV do FIM Road Racing
World Championship Grand Prix (MotoGP) desde 1991. Nunca foi segredo que os
principais objetivos da empresa nos últimos anos são orientados para aumentar a
competitividade em todas as provas, estimular a participação de um número maior
de fabricantes, pilotos e equipes para proporcionar um melhor espetáculo para
os (tele) espectadores. Maior audiência significa maior exposição e atrai mais
patrocínios. Um dos procedimentos adotados para equalizar o desempenho dos
equipamentos foi a padronização de itens que possam representar uma escalada de
custos prejudicando equipes com recursos escassos.
O
regulamento da MotoGP em 2014 incluiu o uso obrigatório da ECU (Unidade de
Controle Eletrônico) com a especificação da Magneti Marelli, entretanto
permitiu que as fábricas continuassem a desenvolver o seu próprio software, que
resultou em vantagens significativas para as que dispunham de maior orçamento
para aplicar nesta área. O passo seguinte foi a padronização do software, incluída
como coercitiva em 2016. Esta medida impediu que os fabricantes utilizassem
especialistas em criar códigos para desenvolver meios elegantes e eficientes de
administrar o comportamento da moto, através do controle de tração, gerenciamento
do freio-motor e controle de potência. Óbvio, quando uma linha de
desenvolvimento é bloqueada, os esforços dos engenheiros se concentram em
buscar novas alternativas, que possam resultar em algum tipo de vantagem sobre
os concorrentes.
No
ano passado já circulavam rumores que a IMU (Unidade de Medidas Inerciais) era
uma fragilidade que permitia contornar limitações impostas pelo software padrão
e aumentar o desempenho dos protótipos na pista. O Autoracing publicou um texto
sobre o assunto em 24 de julho de 2017, “MotoGP – Hecha la ley, hecha la trampa”.
A IMU é um conjunto de giroscópios, sensores e um processador programável. Sua atribuição inicial é indicar os ângulos
de inclinação da moto nos sentidos lateral e longitudinal. Para executar esta
função a unidade combina as leituras de vários sensores, realiza a integração dos
dados, calcula os ângulos de inclinação e os entrega para a ECU. O processo de
integração pode permitir que os dados sejam modificados para obter vantagens
indevidas e gerou a suspeita que a inteligência da IMU está sendo utilizada
como um processador secundário, com capacidade de capturar informações de
outros sensores e modificar as entradas da ECU para alterar o comportamento da
moto. Na atual regulamentação da MotoGP a IMU é classificada como um “sensor
livre”', significando que fábricas estão liberadas para escolher qual desejam
usar.
O
pacote eletrônico da MotoGP é uma estrutura tipo barramento, ou seja, todos os
sensores distribuídos no equipamento, incluindo a IMU, transmitem as
informações coletadas para a ECU utilizando um canal compartilhado. Esta
arquitetura permite que, além de informar suas próprias medidas, a IMU pode ser
programada para capturar leituras de outros sensores e recalcular as suas
próprias, de modo a fornecer para a ECU números mais alinhados com as
características particulares da moto. Isto talvez explique o crescimento do
valor de mercado dos engenheiros da Magneti Marelli que trabalharam no
desenvolvimento do software da ECU padronizada.
Eventualmente
o procedimento pode ser mais complexo e entrar em uma seara sombria. Existem suspeitas
do uso de uma técnica desenvolvida por hackers para comunicações via internet
chamada “Man-in-the-Middle” (homem no meio, uma referência a um intruso
malicioso que intercepta e altera informações). Como a ECU consulta as
amostragens dos sensores seguindo uma disciplina de “Polling” (sondagem cíclica
de todas as unidades), a IMU pode interceptar a comunicação e alterar o valor
fornecido para um mais adequado para o equipamento.
Isto
está prestes a acabar.
Em
2016 a Dorna, como compensação pela imposição da ECU padronizada, aceitou
congelar as especificações das motos por cinco anos, para garantir o retorno
dos investimentos realizados pelos fabricantes. Uma regra fixa estabeleceu que
nenhuma alteração pode ser realizada, com a exceção de características de
segurança, como foi o caso do banimento das “winglets” (asas) para a temporada
de 2017. A Dorna decidiu limitar as especificações de hardware e software da
IMU para a temporada de 2019. O diretor de tecnologia da MotoGP Corrado
Cecchinelli, durante reuniões conduzidas no GP da França, explicou as razões:
“A principal como de costume é a segurança. Não há como garantir o
funcionamento correto da ECU se houver a possibilidade de as informações
coletadas pelos sensores serem fraudadas ou conterem alterações abusivas. Uma
informação errada para a ECU pode causar acidentes. A IMU é um sensor
importante que, por sua natureza, exige a inclusão de um chip e alguma lógica.
Não há como impedir algum tipo de processamento, então deve ser permitido tudo
o que puder ser controlado. A segunda razão são os custos, como é um sensor
livre a falta de uma especificação única obriga a todos desenvolverem soluções
proprietárias.
A decisão
de estabelecer uma especificação padronizada do hardware e software da IMU é
mais uma medida da Dorna em busca do equilíbrio na MotoGP.