quarta-feira, 30 de maio de 2018

MotoGP – Padronização da IMU



Man-in-the middle


Dorna Sports é uma empresa de mídia, marketing e gestão, que administra com exclusividade os direitos comerciais e de transmissões de TV do FIM Road Racing World Championship Grand Prix (MotoGP) desde 1991. Nunca foi segredo que os principais objetivos da empresa nos últimos anos são orientados para aumentar a competitividade em todas as provas, estimular a participação de um número maior de fabricantes, pilotos e equipes para proporcionar um melhor espetáculo para os (tele) espectadores. Maior audiência significa maior exposição e atrai mais patrocínios. Um dos procedimentos adotados para equalizar o desempenho dos equipamentos foi a padronização de itens que possam representar uma escalada de custos prejudicando equipes com recursos escassos.

O regulamento da MotoGP em 2014 incluiu o uso obrigatório da ECU (Unidade de Controle Eletrônico) com a especificação da Magneti Marelli, entretanto permitiu que as fábricas continuassem a desenvolver o seu próprio software, que resultou em vantagens significativas para as que dispunham de maior orçamento para aplicar nesta área. O passo seguinte foi a padronização do software, incluída como coercitiva em 2016. Esta medida impediu que os fabricantes utilizassem especialistas em criar códigos para desenvolver meios elegantes e eficientes de administrar o comportamento da moto, através do controle de tração, gerenciamento do freio-motor e controle de potência. Óbvio, quando uma linha de desenvolvimento é bloqueada, os esforços dos engenheiros se concentram em buscar novas alternativas, que possam resultar em algum tipo de vantagem sobre os concorrentes.

No ano passado já circulavam rumores que a IMU (Unidade de Medidas Inerciais) era uma fragilidade que permitia contornar limitações impostas pelo software padrão e aumentar o desempenho dos protótipos na pista. O Autoracing publicou um texto sobre o assunto em 24 de julho de 2017, “MotoGP – Hecha la ley, hecha la trampa”. A IMU é um conjunto de giroscópios, sensores e um processador programável.  Sua atribuição inicial é indicar os ângulos de inclinação da moto nos sentidos lateral e longitudinal. Para executar esta função a unidade combina as leituras de vários sensores, realiza a integração dos dados, calcula os ângulos de inclinação e os entrega para a ECU. O processo de integração pode permitir que os dados sejam modificados para obter vantagens indevidas e gerou a suspeita que a inteligência da IMU está sendo utilizada como um processador secundário, com capacidade de capturar informações de outros sensores e modificar as entradas da ECU para alterar o comportamento da moto. Na atual regulamentação da MotoGP a IMU é classificada como um “sensor livre”', significando que fábricas estão liberadas para escolher qual desejam usar.

O pacote eletrônico da MotoGP é uma estrutura tipo barramento, ou seja, todos os sensores distribuídos no equipamento, incluindo a IMU, transmitem as informações coletadas para a ECU utilizando um canal compartilhado. Esta arquitetura permite que, além de informar suas próprias medidas, a IMU pode ser programada para capturar leituras de outros sensores e recalcular as suas próprias, de modo a fornecer para a ECU números mais alinhados com as características particulares da moto. Isto talvez explique o crescimento do valor de mercado dos engenheiros da Magneti Marelli que trabalharam no desenvolvimento do software da ECU padronizada.

Eventualmente o procedimento pode ser mais complexo e entrar em uma seara sombria. Existem suspeitas do uso de uma técnica desenvolvida por hackers para comunicações via internet chamada “Man-in-the-Middle” (homem no meio, uma referência a um intruso malicioso que intercepta e altera informações). Como a ECU consulta as amostragens dos sensores seguindo uma disciplina de “Polling” (sondagem cíclica de todas as unidades), a IMU pode interceptar a comunicação e alterar o valor fornecido para um mais adequado para o equipamento.

Isto está prestes a acabar.

Em 2016 a Dorna, como compensação pela imposição da ECU padronizada, aceitou congelar as especificações das motos por cinco anos, para garantir o retorno dos investimentos realizados pelos fabricantes. Uma regra fixa estabeleceu que nenhuma alteração pode ser realizada, com a exceção de características de segurança, como foi o caso do banimento das “winglets” (asas) para a temporada de 2017. A Dorna decidiu limitar as especificações de hardware e software da IMU para a temporada de 2019. O diretor de tecnologia da MotoGP Corrado Cecchinelli, durante reuniões conduzidas no GP da França, explicou as razões: “A principal como de costume é a segurança. Não há como garantir o funcionamento correto da ECU se houver a possibilidade de as informações coletadas pelos sensores serem fraudadas ou conterem alterações abusivas. Uma informação errada para a ECU pode causar acidentes. A IMU é um sensor importante que, por sua natureza, exige a inclusão de um chip e alguma lógica. Não há como impedir algum tipo de processamento, então deve ser permitido tudo o que puder ser controlado. A segunda razão são os custos, como é um sensor livre a falta de uma especificação única obriga a todos desenvolverem soluções proprietárias.

A decisão de estabelecer uma especificação padronizada do hardware e software da IMU é mais uma medida da Dorna em busca do equilíbrio na MotoGP.

domingo, 27 de maio de 2018

Último Domingo de maio – F1, Indy 500 & Isle of Man





Glamour nas ruas de Monte Carlo


Mônaco

Olha, lá vai passando a procissão, se arrastando que nem cobra pelo chão...
Os versos escritos por Gilberto Gil no clássico da MPB em 1964 podem ser utilizados para descrever as últimas provas de Fórmula 1 realizadas no principado de Mônaco. A sexta etapa da temporada de 2018 no circuito desenhado nas vias urbanas de Monte Carlo obedeceu um dos princípios da Teoria das Filas, utilizada na Ciência da Computação: “First In, First Out (FIFO), o primeiro a entrar na fila é o primeiro a sair. Portando para prova, a ordem de largada corresponde à ordem de chegada.

Os cinco melhor classificados no grid de largada iniciaram e terminaram a corrida na mesma ordem. Eventuais trocas nas primeiras colocações durante a prova foram causadas, e compensadas, nas paradas nos boxes. Toda a expectativa e emoção que não aconteceu no circuito foi explorada na monitoração do rádio das equipes. Antes do meio da prova o vencedor, Daniel Ricardo, relatou que seu motor perdeu potência. A velocidade nominal da sua Red Bull em alguns pontos do circuito era 30km/h mais lenta que a Ferrari de Vettel, entretanto esta diferença pontual não foi suficiente para o alemão tentar uma única vez tomar a liderança. Houve também uma argumentação entre Lewis Hamilton e o box da Mercedes, o inglês reclamando do estado dos pneus e sugerindo uma troca, a equipe entendendo que uma parada adicional seria prejudicial para a pontuação no campeonato, a posição do box prevaleceu e o atual campeão mundial conquistou mais um pódio. Até um encontro nas pistas que normalmente rende disputas acirradas, entre os finlandeses Kimi Raikkonen e Valtteri Bottas, foi bem-comportado e as posições mantidas.

A prova de Monte Carlo ainda é a joia da coroa da Fórmula 1, mas há indicações que pode estar perdendo o brilho. O glamour permanece, porem este ano o número de eventos paralelos à competição, promovidos por fábricas e patrocinadores, foi muito reduzido. O principado é um dos pouco locais que ainda admite campanhas conjuntas com o patrocínio das indústrias do tabaco. Não há nenhum regulamento da FIA que impeça propaganda de cigarros, entretanto esta limitação é prevista por legislações da União Europeia e por leis nacionais. A Philip Morris tem contrato com a equipe Ferrari desde meados dos anos 80, embora o logo da Marlboro não esteja presente na pintura do carro desde 2007. Externamente apenas as cores vermelha e branca mantêm alguma forma de vinculação entre a Ferrari e a Philip Morris. Este ano o contrato de parceria foi estendido até 2021, realinhado com a meta de um mundo livre de fumo trocando a nicotina por alternativas menos nocivas.

Quem melhor definiu o GP de Mônaco disputado no último domingo foi o loquaz piloto Fernando Alonso: “Quem pagou ingresso devia pedir reembolso. Foi a corrida mais monótona da história”.  O GP de Cingapura, um espetáculo noturno disputado no circuito de 5,065km e 23 curvas de Marina Bay, tem sido citado frequentemente como um evento que rivaliza com o charme de Monte Carlo.




A despedida de Danica Patrick
Indy 500


Will Power venceu a 102ª edição das icônicas 500 milhas de Indianápolis, depois de assumir a liderança com menos de cinco voltas para o final. Power largou com o terceiro tempo e esteve entre os líderes durante toda a prova. A corrida foi tranquila para os padrões de Indianápolis, apenas um acidente envolveu mais de um carro, em todos os outros o piloto rodou sozinho. Entre os que abandonaram a prova estiveram dois brasileiros, Tony Kanaan e Hélio Castroneves, o terceiro tupiniquim na pista, o gaúcho Matheus Leist terminou em 13º. A prova também marcou a despedida de Danica Patrick da pista de Indianápolis, ela foi mais uma que abandonou.

Diversos pilotos identificaram que o pacote aerodinâmico padronizado talvez não seja adequado para circuitos ovais. Caracterizado pela asa traseira de dimensões reduzidas, não apresenta o “downforce” necessário e facilita a perda de controle do carro ao menor descuido, o que em ovais significa bater. Esta teria sido a causa do abandono de Kanaan e Castroneves na prova.



Ian Hutchinson na Ilha de Man


Isle of Man

Começou no último sábado a programação oficial deste ano do Isle of Man TT, a mais emblemática prova de motociclismo mundial realizada durante duas semanas na Ilha de Man, uma dependência da Coroa do Reino Unido no mar da Irlanda. Em 2017 mais de 45.000 entusiastas de todo o mundo convergiram para ilha para assistir à competição, escolhendo um local acompanhar a passagem das motos ao longo dos 60,725km do traçado.   

Os espectadores no ano passado testemunharam a intensa rivalidade entre dois dos pilotos mais bem-sucedidos da história do Road Racing, o britânico Ian Hutchinson e irlandês Michael Dunlop. Huntchinson já é o quarto maior vencedor da pista com 16 vitórias, Dunlop acumula 15 e está contando com os resultados deste ano para igualar ou ultrapassar o rival. O britânico tem 38 anos de idade, um a menos que o ídolo da MotoGP Valentino Rossi, e ainda participa de competições de alto nível.


MotoGP – Ainda o GP da França



 
Marc Márquez recuperando uma quase-queda


O Santo Graal das motos de competição é criar um dispositivo que administre o equipamento quando a frente desgarra, a RC213V #93 da Repsol Honda tem um, se chama Marc Márquez. A história atual da MotoGP está sendo escrita centrada nesta e em outras habilidades do atual campeão do mundo, não implica em que ele seja imbatível, até porque existem nas pistas equipamentos mais rápidos que o dele. Seu talento único, entretanto, faz a diferença.

A maioria das pessoas identifica a capacidade de Márquez quando ele permite que a frente deslize e recupera o controle em condições que normalmente resultariam em uma queda. Poucos entendem que sua incrível competência em controlar a roda dianteira é um diferencial que utiliza para obter mais velocidade no contorno das curvas e reduzir os tempos por volta, para ser mais rápido que os outros competidores.

A recente prova de Le Mans foi mais um evento onde a destreza extraordinária do piloto em administrar sua roda dianteira deslizando, e recuperar situações de risco, fez a diferença. Durante os três dias do evento aconteceram 109 acidentes, um valor absurdo para condições de clima seco e um acréscimo notável se comparado com as etapas anteriores, 31 no Catar, 20 em Rio Hondo, 30 no GP da Américas e 56 em Jerez. Um destes acidentes foi protagonizado pelo atual campeão do mundo. Na manhã de sábado ele estava tentando encontrar os limites da moto e da pista quando na curva 3, com a moto em uma inclinação de 56 graus, a roda dianteira perdeu totalmente a aderência. O slow motion da queda é um espetáculo altamente didático, o pneu dianteiro girou alguns graus para a esquerda, o guidão girou na mesma direção e a moto ficou descontrolada durante uma eternidade, Márquez lutou para permanecer no controle, apoiando o cotovelo e o joelho no asfalto, ajustando a posição do corpo e acelerando para criar carga do pneu dianteiro. Durante esses poucos milissegundos o pneu ficou girando sem aderência, o piloto tentou reequilibrar os esforços sobre a moto, reduzir a derrapagem e dar à borracha do pneu dianteiro alguma chance de recuperar a tração. A batalha foi perdida, ele caiu e danificou a carenagem, quebrando parte do aero e um dos apoios para os pés. Márquez levantou, recuperou a moto, fez o motor pegar no tranco e continuou como se nada tivesse acontecido, aumentando seu ritmo nas próximas voltas para ser o segundo mais rápido da sessão, mesmo que o equipamento tenha sido comprometido e apresentasse uma tendência a sair do prumo sempre que o sistema de freios fosse acionado.

Existe uma explicação lógica para a curva 3 do circuito Bugatti ter sido palco de tantos acidentes. O lado esquerdo do pneu não tem contato com o asfalto desde a curva 12 e perde calor, ao chegar na curva 3 pode ter atingido uma temperatura criticamente baixa. É complicado para os pilotos administrarem qualquer mudança de comportamento quando realizam o contorno perto dos 150 km/h. Durante o warm-up no dia da prova Tito Rabat se acidentou na mesma curva que Márquez no dia anterior, o slow motion mostra a diferença de comportamento entre os dois pilotos. O pneu dianteiro de Rabat girou e o guidão girou para a esquerda igual a Márquez, e foi só. A única preocupação de Rabat foi evitar algum dano físico. Lógico, o campeão mundial de Moto2 de 2015 ainda não tem a mesma formação de um piloto de ponta da MotoGP, mas a sua incapacidade de administrar o pneu dianteiro sem aderência foi um exemplo perfeito da diferença entre Márquez e seus concorrentes.

Durante a corrida aconteceu de novo. A frente da Honda #93 deslizou na curva 3 logo depois do piloto realizar uma ultrapassagem sobre Johann Zarco e assumir a liderança. A frente ficou solta por alguns milissegundos antes de Márquez apoiar o cotovelo na pista e recuperar o controle, sem dúvida utilizando as lições aprendidas na manhã anterior. Conclusão: a terceira vitória consecutiva definitivamente não foi tão simples como um passeio no parque.

A Michelin disponibilizou dois tipos de compostos de pneu dianteiro em Le Mans, médio e macio, e três para o traseiro. Os pilotos com maior chance de vitória, Márquez, Dovizioso e Zarco optaram pelo composto médio. Dovizioso durou cinco voltas antes de perder a frente na curva 6 e cair, Zarco durou mais duas voltas, se perdeu na curva 8 e abandonou.

O francês creditou seu acidente à velocidade um pouco mais alta em uma curva em descida, com o equipamento ainda pesado com o tanque de combustível cheio. A explicação do italiano foi um pouco mais complexa: “Foi a primeira vez que tentei usar o pneu dianteiro até o limite. Acionei o freio uma fração de segundo mais tarde e perdi a tomada da curva, tentei deslizar a parte traseira para ajudar a moto a virar e aliviar a carga no pneu dianteiro, quando ela reagiu perdi a frente”.

O quarto colocado Jack Miller correu com pneu da frente macio depois que o médio lhe causou alguns sustos no warm-up. “Acho que o soft foi a opção certa, olhando para o que aconteceu com Dovizioso com os médios. O dia de corrida foi quente, mas com toda a borracha que a Moto2 e Moto3 deixaram na pista a aderência maior do composto macio era necessária”. Miller passou a maior parte da corrida atrás do segundo colocado, Danilo Petrucci que optou pelo composto macio, e do terceiro classificado, Valentino Rossi com os médios. “Sempre soube que o pneu macio era um risco”, acrescentou o australiano, “Sofri muito com deformações e cometi alguns pequenos erros na curva 8. Algumas vezes errei o ponto de frenagem e perdi a retomada de velocidade. Valentino estava na minha frente e cometeu os mesmos erros”.

Vale mencionar que Márquez foi o único piloto do grid a escolher o composto traseiro hard, uma opção arriscada em uma pista com pouca aderência. Um dos heróis da prova, Cal Crutchlow compete com o mesmo equipamento do líder do campeonato, passou a noite no hospital e esteve presente no grid de largada. O britânico criou a melhor definição para o atual campeão do mundo: “Marc é uma aberração! Ele salva quedas com a moto inclinada mais de 60 graus umas 15 vezes por semana. Ninguém faz nada parecido”.

O espanhol de 25 anos não é o primeiro piloto capaz de administrar a perda de aderência do pneu dianteiro com a moto inclinada, muito mais difícil que controlar o traseiro derrapando. O primeiro competidor com esta habilidade foi "Fast" Freddie Spencer, o vencedor dos mundiais de 1983 e 1985 da classe 500cc. O próprio Spencer reconhece que houve um intervalo de 30 anos antes que alguém aparecesse e fizesse a mesma coisa, ainda que de forma muito mais plástica, devido às imagens de slow motion da TV e graças ao melhor desempenho dos pneus. Spencer também utilizava a gestão da roda dianteira, assim como faz Márquez agora, para conseguir vencer. Muitas pessoas definem isso como talento natural, mas esta habilidade é adquirida em toda uma vida sobre motocicletas. Marc ganhou a sua primeira minimoto com três anos de idade. Milhares de quilometros rodados desenvolvem reações instintivas, algumas com resultados que desafiam a lógica.



segunda-feira, 21 de maio de 2018

MotoGP - GP da França prenuncia um Déjà Vu de 2014




Momento Márquez - Curva 3 em Le Mans
Existe um fator que prejudica todas as competições, a previsibilidade. Este ano o Mundial de MotoGP está correndo o risco de repetir as temporadas de 2007 (Casey Stoner), 2012 (Jorge Lorenzo) e 2014 (Marc Márquez), onde a grande superioridade de um piloto minou o interesse do público pela disputa do título.

O recente GP da França terminou com mais uma vitória inconteste de Marc Márquez, a terceira consecutiva em 5 etapas. Na abertura da temporada no Catar, uma pista tradicionalmente madrasta para os protótipos da Honda, a disputa entre o espanhol e Andréa Dovizioso foi literalmente até os últimos metros, com uma espetacular vitória do italiano. Em Rio Hondo valeu a sabedoria popular que todos têm um dia ruim, o campeão do mundo estava fora da casinha. Afrontou o regulamento na largada, foi extremamente agressivo na pista e recebeu três penalizações, possivelmente um recorde, a última um acréscimo de tempo calculado na medida exata para que não marcasse nenhum ponto. Depois desta prova Márquez foi alvo de pesadas críticas, algumas pertinentes, outras muito exageradas. Valentino Rossi, por exemplo, disse que Márquez estava acabando com o esporte e que temia pela própria vida ao compartilhar a pista com ele. Andrea Iannone, pasmem, um campeão de trapalhadas que se auto intitula de The Maniac, sentenciou que ele era um perigo para os outros pilotos.

Nas três provas seguintes o vencedor pôde ser apontado antes de cumprir a metade do percurso. Nesta última, na França, Danilo Petrucci, seu perseguidor mais próximo, confessou que sofreu um tipo de tortura psicológica, Márquez permitia uma aproximação e, quando ele acariciava a possibilidade de vitória, a Honda abria a distância entre eles. Houve até um “Momento Márquez”, uma quase queda aconteceu na curva três, onde o espanhol já havia caído durante os treinos, o piloto perdeu a frente e corrigiu a inclinação excessiva do equipamento apoiando o cotovelo na pista.

Explicações simplistas como o estágio atual da RC213V ser muito superior ao dos competidores não resistem a uma análise mais detalhada. A Honda participa do mundial com seis equipamentos, todos tem o mesmo motor e três, as duas motos da equipe oficial e a LCR de Cal Crutchlow, estão equipadas com o mesmo nível de desenvolvimento. Até a quinta etapa Márquez acumulou 95 pontos no mundial, todos os outros cinco pilotos (Crutchlow, Pedrosa, Morbidelli, Nakagami e Luthi) juntos somam 101, ou seja, fica explícita a contribuição do talento do piloto.

Em Le Mans Márquez foi o único no grid de largada a utilizar um composto hard no pneu traseiro. A característica deste composto é demorar algumas voltas para atingir a temperatura ideal, o que justifica os riscos maiores que os normais assumidos por Dovizioso e Zarco no início da prova, uma tentativa de abrir o máximo possível para tentar administrar no final. Ambos pecaram pelo excesso e caíram nas voltas iniciais. 

O GP da França não se restringiu a mais uma vitória do campeão do mundo. A sua dilatada liderança na pontuação do mundial é distorcida por diversas ocorrências inesperadas acumuladas por seus concorrentes, como o triplo acidente em Jerez e as quedas de Dovizioso e Zarco. Atrás do líder a disputa na classificação geral é acirrada, apenas 13 pontos separam Vinales em segundo de Dovizioso em nono, com Zarco, Rossi, Petrucci, Jack Miller, Andrea Iannone e Cal Crutchlow entre eles.

Historicamente existem diversos circuitos cujas características privilegiam o projeto das Honda: Barcelona, Sachsenring, Brno, Aragon, Phillip Island e Valência, que justificam o temor dos concorrentes do espanhol. Marc lidera o campeonato por 36 pontos, vantagem inferior à que obteve no início da temporada de 2014 quando venceu as cinco primeiras provas e livrou 42 pontos. As perspectivas dos aspirantes ao título não são animadoras como resumiu Valentino Rossi: "Marc já tem uma boa vantagem, mas o que preocupa a todos é a sua velocidade na pista. Ele tem sido sempre o mais rápido, este ano vai ser complicado evitar mais um título dele”.

Depois da prova encerrada em Le Mans algumas entrevistas dos pilotos foram muito expressivas. Com uma franqueza que foge à habitual Danilo Petrucci afirmou que a Ducati estava analisando a contratação dele ou de Jack Miller, para talvez ocupar o assento de Lorenzo, olhando para os custos. Explicou que o salário de ambos é bem menor do que o do espanhol.

Jorge Lorenzo, que tem se caracterizado como o melhor largador desta temporada, justificou a sua queda de rendimento durante as provas pelo cansaço. Sua técnica de condução e a ergometria da moto não combinam, ele não consegue utilizar as pernas para apoiar o corpo durante as frenagens, todo o esforço é transferido para os braços. Esta exigência de energia muscular cobra seu custo depois de um terço da prova. 

Cal Crutchlow sofreu um acidente sério na tomada de tempo e as consequências o obrigaram a passar uma noite no hospital. Seus ferimentos foram mais graves porque ele havia sofrido um acidente na FP4 e não trocou de macacão para o Q1. A queda anterior acionou o airbag, que não tinha carga para inflar e proteger o piloto na segunda queda.  A presença do britânico no grid espantou a todos e sua explicação foi extremamente simples: “É o meu trabalho”.

Embora o desempenho da Yamaha tenha sido bom, inclusive com o pódio de Valentino, Maverick Vinales era um piloto infeliz. “Não sei porque meu rendimento não foi igual ao dele, acho que trabalharam melhor no box ao lado”. Qual o recado que o espanhol queria passar e para quem não ficou claro. Não é de hoje que existem boatos sobre o seu descontentamento com seu chefe de equipe, muito conservador para o seu gosto. Vinales está afirmando para a Yamaha com todas as letras que que não está satisfeito com o curso dos acontecimentos. O último GP que ele venceu faz um ano, foi na França em 2017.

Para os mais observadores as comemorações depois da bandeirada final foram significativas. No parque fechado ficou claro que, embora ambos felizes com seus respectivos resultados, Márquez e Rossi não se bicam. Ambos foram efusivos ao confraternizar com Petrucci, mas mesmo compartilhando um espaço exíguo não se aproximaram. O sentimento de desconforto entre eles ficou evidente na solenidade do champanhe, um para cada lado. Juntos e sorridentes, só nas fotos oficiais do pódio. Talvez uma entrevista de Lívio Suppo na semana anterior tenha contribuído para acirrar os ânimos. O antigo gestor da Honda Racing afirmou que em 2015 o próprio Rossi arquivou seu sonho de ser de fato e de direito o maior piloto de todos os tempos, ao criar uma polêmica desnecessária antes da prova de Sepang. Na corrida anterior Márquez havia evitado cinco pontos a mais para Lorenzo ao o ultrapassar nos últimos metros em Phillip Island, e foi acusado por Rossi de comandar um complô junto com o conterrâneo para evitar o que seria o seu décimo campeonato. O resultado da pantomina todos conhecem, o incidente em Sepang, a penalização para Valência e a perda do campeonato. Em contraste, Gigi Dall’Igna, embora sem um piloto de fábrica no pódio, estava exultante com a performance de Petrucci, da Pramac, com uma moto idêntica às utilizadas por Dovizioso e Lorenzo. Ele considerou uma conquista da Ducati.

Distanciamento no Parque Fechado

Distanciamento do Pódio

quinta-feira, 17 de maio de 2018

IndyCar & F1 - Último domingo de maio





A mídia e as agências de propaganda escolhem datas específicas para promover campanhas publicitárias direcionadas para estimular o comércio. Alinhado com esta prática o mês de maio e é conhecido como o mês das mães ou mês das noivas, conforme o nicho de mercado que deve ser estimulado. Para os que kde automobilismo o último domingo de maio tem um significado especial, é a data programada para a realização de duas das principais provas de automobilismo esportivo que, junto com as 24 Horas de Le Mans, fazem parte do que se convencionou chamar de “Tríplice Coroa”, as icônicas 500 Milhas de Indianápolis e o GP de Mônaco de Fórmula 1.

A edição nº 102 das 500 milhas de Indianápolis será disputada dia 27 de maio como a sexta etapa do calendário de 2018 da IndyCar Series. Será realizada no tradicional circuito oval Indianapolis Motor Speedway, localizado em Speedway, um enclave de Indianápolis no estado de Indiana, USA. O novo pacote aerodinâmico universal e a redução nos custos implementados este ano resultaram em um número de inscritos que excede a capacidade da pista (33) exigindo a realização do chamado Bump Day, que classifica os carros mais velozes e elimina os excedentes. O regulamento da Indy 500 qualifica o carro, não o piloto, e não é raro que um condutor na classificação seja substituído para competir na prova.


Vitória de Fittipaldi em 1989

As 500 Milhas têm um apelo especial para o público tupiniquim, inexistente na Fórmula 1, a presença de pilotos brasileiros no grid de largada. O baiano Tony Kanaan e o gaúcho Matheus Leist estão inscritos pela equipe A.J. Foyt, o paulista Hélio Castroneves compete pela Penske.  Pietro Fittipaldi foi inscrito para correr pela equipe Dale Coyne, porém seu acidente nos testes que antecederam a corrida de Endurance em Spa o afastou temporariamente das pistas. A bandeira do Brasil já tremulou no ponto mais alto do pódio do Indianápolis Speedway em 7 oportunidades, a primeira e m 1989 com Emerson Fittipaldi e a última em 2013 com Tony Kanaan. Hélio Castroneves é o brasileiro com maior número de vitórias, conquistadas nas edições de 2001, 2002 e 2009, Emerson venceu duas vezes (1989 e 1993), Kanaan (2013) e Gil de Ferran (2003) uma vez cada.

As 500 milhas têm na presença de pilotos do sexo feminino outra característica ausente na F1. Este ano estão inscritas a norte-americana Danica Patrick e a britânica Pippa Man. Danica, de 36 anos, estreou na 89º edição Indy em 2005 e, ao classificar-se em 4º lugar, conquistou o prêmio de Rookie do Ano. Nesta mesma edição, após 19 das 200 voltas, ela se tornou a primeira mulher a liderar uma prova no oval de Indianápolis. Em 2008 ela obteve a sua primeira vitória na IndyCar Series, no Indy Japan 300 e no ano seguinte foi o primeiro piloto do sexo feminino a subir no pódio nas 500 Milhas, completou a corrida em terceiro lugar. Nos últimos anos passou a disputar paralelamente a NASCAR Nationwide Series.

 Philippa Mann, mais conhecida como Pippa Man, é uma londrina de 34 anos que fez carreira a partir de 2003 pilotando na Fórmula Renault britânica, passou para a Indy Lights em 2009 e desde 2011 compete na IndyCar series. Já contabiliza 7 participações em edições das 500 Milhas. Seu desempenho na prova nunca foi espetacular, a melhor colocação em todos estes anos foi na última prova (2017) quando se classificou em 17º lugar.

Glamour é a definição mais apropriada para o GP de Mônaco de Fórmula 1. O traçado do circuito, utilizando as vias urbanas do principado de Mônaco é anacrônico, não comporta um GP de F1 e só sobrevive na história graças à tradição, seu irresistível charme e poderosos interesses econômicos.

Uma rara combinação de condução precisa, excelência técnica e muita coragem são as características necessárias para vencer em Monte Carlo, detalhes que acentuam a diferença entre bons pilotos e os gênios da Fórmula 1. O circuito não deixa nenhuma margem de erro, exige muito dos freios e demanda uma concentração sem paralelo em outras pistas da categoria. As ultrapassagens são virtualmente impossíveis, a posição de largada é a mais crítica entre todos os outros circuitos. O lendário Ayrton Senna é o maior vencedor em Monte Carlo com 6 vitórias.

Talvez a imagem mais representativa do GP de Mônaco possa ser espelhada na prova de 1992, a Williams de Nigel Mansell tinha um desempenho nitidamente superior à McLaren de Ayrton Senna e, durante a prova conseguiu abrir uma diferença de mais de 30 segundos. A análise comparativa do desempenho dos dois pilotos podia ser visualizada nas câmeras onboard, o brasileiro tinha um trabalho insano para manter seu carro na pista e o inglês uma condução tão tranquila que parecia estar em um passeio dominical. A classificação do campeonato era uma prova inconteste da superioridade do britânico, cinco vitórias, enquanto o representante tupiniquim registrava apenas dois terceiros lugares.

Senna & Mansell em Mônaco (1992)

Na classificação para o grid de largada as duas Williams ficaram naturalmente com a primeira fila e Senna com a terceira colocação. Na largada Senna conseguiu ultrapassar a Williams de Ricardo Patrese, ficando atrás de Mansell. O britânico desapareceu na frente e já festejava a vitória quando o imponderável aconteceu, na volta 70 o pneu traseiro esquerdo da Williams esvaziou, Mansell foi para os boxes e Senna assumiu a liderança. Pilotando como um alucinado o britânico encostou na traseira da McLaren faltando cinco voltas. Ele tentou ultrapassar Senna em todas as 18 curvas do circuito tentando induzir o líder a um erro, porque Mônaco simplesmente não tem pontos de ultrapassagem.  Ayrton Senna conquistou sua quinta vitória em Monte Carlo com um carro que jamais teria condições de vencer aquela prova. Após o encerramento, Mansell declarou as repórteres que cobriam a corrida que nunca conseguiria ultrapassar Senna se ele não errasse, e Senna não errou.
O último domingo de maio deste ano promete uma disputa acirrada no oval de Indianápolis, as emoções da Fórmula 1 devem ficar restritas aos artificialismos introduzidos para facilitar a troca de posições na pista como as mudanças obrigatórias de pneus ou a inconstância do clima. Em condições normais, em Mônaco, não devem surgir ultrapassagens entre os líderes na pista.


sexta-feira, 11 de maio de 2018

MotoGP - Espanhol Teimoso


"Save" de Mac Márquez



A teimosia dos espanhóis, principalmente dos catalães, é histórica.  Diz a lenda que só existe uma maneira de colocar vinte espanhóis dentro de um fusca, é só dizer que não cabem e eles dão um jeito. Marc Márquez é natural de Cervera, uma pequena cidade localizada a cento e poucos quilômetros de Barcelona por via rodoviária e, como todo o catalão, o atual campeão do mundo é um obstinado.

No final de 2015 foi lançado o documentário Hitting the Apex (A curva perfeita), contando a trajetória de seis dos pilotos da MotoGP mais rápidos do mundo, Valentino Rossi, Jorge Lorenzo, Dani Pedrosa, Marco Simoncelli, Casey Stoner e Marc Márquez. Com a narração de Brad Pitt na versão original, na parte inicial onde os princípios básicos do esporte são descritos há uma recomendação expressa aos candidatos a piloto: Fique na moto, evite a queda. Desde os seus prolegômenos em 1949 o motociclismo esportivo convive com a ocorrência de quedas durante as provas. É inerente ao esporte, uma possibilidade real em uma competição desenvolvida com velocidades que alcançam perto de 350 km/h em equipamentos equilibrados sobre duas rodas.

Alguns efeitos previsíveis acompanham o aumento da competitividade, entre eles a evolução dos ganhos dos pilotos. Os protótipos andam mais juntos, os condutores arriscam mais e a probabilidade de quedas e acidentes aumenta. Os números de 2017 indicam um total de 313 incidentes exclusivamente na MotoGP, um número 40% maior que o ano anterior (232).

O campeão de incidentes em 2017, Sam Lowes, contabilizou 31 quedas nas 18 etapas do campeonato. O segundo da relação foi o campeão Marc Márquez, com 27 ocorrências. Este número é mais notável porque apenas duas quedas ocorreram durante as críticas condições das provas, todas as outras foram nas seções de treinos que antecedem um GP. Este fato indica método, a sistemática de trabalho de Márquez é buscar o limite extremo para obter dados vitais para si e para seus engenheiros. Ninguém faz este trabalho melhor que ele.  Como explica em suas próprias palavras “Quando você acelera até o limite, consegue obter um conhecimento melhor do equipamento e fornecer informações melhores sobre a mecânica". Márquez complementa: “Se caí 27 vezes, significa que estive muito próximo de cair talvez 50 vezes. Tento aprender a controlar melhor a moto, entender onde errei, que falhas posso tentar salvar e assim por diante. ”

Marc Márquez é um recurso valioso para os engenheiros que trabalham no desenvolvimento da Honda.

Na etapa de Jerez Márquez caiu três vezes durante os treinos, venceu a prova administrando pelo menos um momento crítico quando a roda traseira derrapou no cascalho jogado na pista pela queda de Thomas Luthi.

O resultado desta metodologia pôde ser comprovado na última prova de 2017 em Valência, faltando 7 voltas para o final Márquez errou a entrada da curva 1, evitou a queda apoiando o joelho na pista e controlando a máquina quando esta invadiu a área de escape com brita. O piloto caiu da primeira para a quinta colocação, não foi um desastre total porque até a sétima colocação garantia seu título. Em uma ocorrência muito semelhante, duas voltas depois Dovizioso também invadiu a área de escape, não conseguiu manter o equilíbrio da sua Ducati e abandonou a prova.

Marc Márquez protagonizou o acidente com a maior velocidade já documentada na MotoGP. Em 2013, seu primeiro ano na categoria principal, durante os testes que antecederam o GP da Itália em Mugello ele caiu na maior reta do circuito enquanto desenvolvia 337,9 km/h. Os dados registrados pela telemetria são impressionantes, os acelerômetros indicaram que o piloto foi submetido a uma força de +25 G, o dado real pode exceder este número porque este é o maior valor possível de ser mensurado pelos equipamentos. Apesar da gravidade do ocorrido, o piloto sofreu apenas danos superficiais e foi autorizado a participar do GP. Abandonou a prova faltando três voltas para o final enquanto ocupava a segunda colocação.

Desde a sua edição inicial em 1949, o mundial de MotoGP foi decidido em três oportunidades em função de acidentes na etapa final. Em 1979 o italiano Virginio Ferrari liderava o campeonato com uma vantagem mínima sobre Kenny Rogers. Na última prova, o GP da França disputado em Le Mans, abandonou na primeira volta e a vitória do norte-americano garantiu o seu bicampeonato. No ano de 2006 Valentino Rossi, campeão das cinco temporadas anteriores, alinhou para a última prova em Valência com 8 pontos a mais que o desafiante Nicky Hayden. Rossi caiu na quarta volta e, embora tenha retornado à prova, obteve apenas a décima terceira colocação, o norte-americano com o terceiro lugar somou pontos suficientes para interromper a sequência de títulos do italiano. No ano passado Andrea Dovizioso largou em Valência com uma missão quase impossível, vencer a prova e contar com uma desistência improvável de Marc Márquez. O campeonato terminou na 25ª volta quando a Ducati do italiano abandonou a prova.



Carlos Alberto

segunda-feira, 7 de maio de 2018

MotoGP - Jerez 2018


Acidente em Jerez


Um acidente pode ser definido como um evento inesperado e indesejável, que ocorre de modo não intencional e normalmente causa danos. A quarta etapa do mundial da MotoGP que marcou a abertura da temporada na Europa, realizada na Andaluzia, Circuito Jerez – Angel Nieto, provavelmente vai ficar marcada na história por causa de um acidente que tirou da prova as duas Ducati e uma Honda que disputavam a segunda colocação.

Uma sequência de eventos caracterizou o GP da Espanha deste ano. Inicialmente uma reclamação da comunidade local foi prontamente atendida, apesar do dia estar muito quente as grid-girl estavam vestidas de modo conservador, de acordo com as exigências formuladas pela população local em 2017. Os tempos dos treinos combinados de sexta e sábado não indicaram o até então líder do campeonato Andrea Dovizioso entre os dez melhores, e o vice-campeão do ano passado piloto foi obrigado a disputar o Q1 para participar da disputa de formação do grid. Cal Crutchlow classificou-se para a pole batendo uma marca que resistia desde 2015 e pertencia a Jorge Lorenzo, obtida quando pilotava para a equipe oficial da Yamaha.

O britânico, que liderava o mundial até a etapa de Austin, sentiu que tinha equipamento para estar no pódio. A única diferença entre sua moto e as da equipe oficial era o braço oscilante de alumínio, enquanto as da fábrica utilizavam a peça em fibra de carbono. Crutchlow avalia que o desempenho era semelhante, infelizmente teve problemas com o pneu dianteiro e caiu durante a prova.

Um terço da corrida foi extremamente disputado. A Ducati de Lorenzo conseguiu a liderança e a manteve por sete voltas, até ser ultrapassado pelo campeão do mundo. Márquez não conseguiu abrir uma diferença cômoda nas voltas seguintes, até o equilíbrio da Ducati #99 ser comprometido pelo desgaste dos pneus. Na volta 13 houve mais um dos momentos mágicos da MotoGP que Marc Márquez apresenta, Thomas Luthi da Marc VDS perdeu o controle da sua Honda e saiu da pista jogando cascalho sobre o pavimento. Márquez não viu a sujeira e sua roda traseira derrapou, o piloto mostrando o completo controle do equipamento e uma habilidade incrível conseguiu evitar a queda e prosseguiu na liderança.

No início do último terço da prova as duas Ducati de fábrica e a Honda de Pedrosa disputavam o segundo lugar, defendido por Lorenzo. Embora com um equipamento em melhores condições, Dovizioso não conseguia ultrapassar o colega. A grande vantagem da Ducati, sua brutal capacidade de aceleração, não era eficiente na disputa com um equipamento igual. Tentou frear mais tarde em na curva 6, conseguiu tomar a frente, mas foi obrigado a abrir demais e saiu da linha preferencial. Lorenzo visualizou a oportunidade de dar o “X” usando a linha interna, porém o espaço estava ocupado por Pedrosa que tentou em uma manobra, ultrapassar os dois. A batida foi inevitável. A Ducati  #99 na queda atropelou a #04, tirando os três pilotos da prova. A rigor, um acidente de prova, assim considerado pelos comissários que decidiram não penalizar ninguém.

Houve algum culpado? A direção da prova analisou em detalhe a sequência de eventos que conduziram ao acidente e decidiu que não havia como penalizar algum dos pilotos. Colisões envolvendo três equipamentos, excetuando na largada de uma prova, são muito raras. Se tivessem envolvido Márquez, Zarco ou Petrucci ninguém ficaria muito surpreso, mas Dovizioso, Lorenzo e Pedrosa são reconhecidos como condutores cuidadosos, que evitam situações de risco. Isto foi comentado pelos três competidores de modo independente quando avaliaram o incidente. A ultrapassagem de Dovizioso por Pedrosa nas voltas anteriores foi limpa, sua tentativa sobre Lorenzo era ambiciosa, mas longe de envolver algum risco. Lorenzo realizou uma manobra defensiva padrão, tentando aplicar o “X” porque Dovizioso foi obrigado a fazer um contorno aberto. Pedrosa identificou a oportunidade e tentou ultrapassar ambos pela linha interna. É complicado apontar um culpado para uma infeliz confluência de eventos.

Evidente que no calor da disputa os três envolvidos ficaram irritados, entretanto procuraram não apontar para um culpado. A Ducati foi a grande perdedora e seus pilotos estavam obviamente frustrados. Todos entenderam que a causa foi uma antiga lei da física que dois corpos não podem, a um mesmo tempo, ocupar o mesmo lugar no espaço. Aconteceu com Pedrosa e Lorenzo, Dovizioso foi dano colateral.

Abatido e triste pelo resultado, Jorge Lorenzo comentou depois da prova que foi uma autêntica má sorte porque envolveu três pilotos que sempre jogam limpo. Andrea Dovizioso reconheceu que foi um incidente de corrida. Como sempre ponderado, explica que apontar culpados é inútil, mesmo porque não vai devolver os pontos perdidos. Ele caiu da liderança para a quarta posição no mundial. Justifica sua manobra indicando que que Lorenzo era mais lento no centro da curva, mas com muita aceleração e ele não tinha condições para realizar uma ultrapassagem limpa. Estavam os dois no limite, tentaram uma manobra extrema, dentro do aceitável em uma disputa, não deu certo. Apesar de muito provocado pela imprensa italiana, Dovi isentou o colega de equipe, disse que Lorenzo não tinha como ver ou prever a manobra de Pedrosa. Se existe alguma culpa em relação ao incidente, deve ser contabilizada na impetuosidade do pequeno espanhol.

Pedrosa estava indignado, não tanto pelo incidente, mais pela sequência de ocorrências. Foi a sua segunda queda em quatro etapas deste campeonato. Na Argentina foi uma disputa com Zarco que provocou o seu “highside” (catapultado da moto), em Jerez aconteceu de novo, e em ambas ocasiões a direção de prova considerou incidentes normais. Há insistentes comentários na “rádio paddock” que seu lugar na Honda esteja comprometido e ele precisa urgentemente de resultados. 

Em relação a esta corrida, o Corriere dello Sport, de Roma, registrou com mais ênfase o quinto lugar conquistado por Valentino Rossi que o acidente de Dovizioso. A Gazzetta dello Sport de Milão publicou uma curta reportagem onde o piloto da Ducati isenta seu colega de equipe de qualquer responsabilidade no ocorrido.

O pessoal que vinha atrás foi favorecido, Johann Zarco terminou o GP de Espanha na segunda posição com uma desvantagem de cinco segundos para Marc Márquez. Sobre o seu desempenho em pista, o piloto da Tech3 afirmou estar consciente da sorte que teve, apesar de ter tentado ao máximo acompanhar os pilotos mais rápidos. Largou na terceira posição e conseguiu ser mais rápido que Pedrosa no início, mas seu equipamento não permitiu acompanhar as Honda e as Ducati. Conformado, limitou-se a tentar ficar próximo dos líderes, e ficou surpreso com o que aconteceu na sua frente. Foi espetacular ter conseguido mais vinte pontos para o campeonato.

Andrea Ianonne registrou o terceiro pódio consecutivo para a Suzuki. Foi significativo para a competitividade do campeonato que os quatro primeiros colocados pilotavam máquinas de quatro fabricantes distintos, Honda (Márquez), Yamaha (Zarco), Suzuki (Ianonne) e Ducati (Petrucci). Mais uma vez o modelo antigo da Yamaha andou na frente da versão 2018 da equipe oficial.

A exemplo do que aconteceu em Austin, a disputa pela liderança da prova acabou cedo. Quando houve o múltiplo acidente, o líder já havia aberto alguma vantagem. Na volta 22 Márquez conseguiu uma diferença de 7,449 segundos sobre Johann Zarco, o segundo colocado, e uma simples regra de três indica que com o tempo de volta de 1'40.14 para percorrer os 4.423m do circuito, este intervalo representa uma distância de aproximadamente 330m na pista.