domingo, 27 de maio de 2018

MotoGP – Ainda o GP da França



 
Marc Márquez recuperando uma quase-queda


O Santo Graal das motos de competição é criar um dispositivo que administre o equipamento quando a frente desgarra, a RC213V #93 da Repsol Honda tem um, se chama Marc Márquez. A história atual da MotoGP está sendo escrita centrada nesta e em outras habilidades do atual campeão do mundo, não implica em que ele seja imbatível, até porque existem nas pistas equipamentos mais rápidos que o dele. Seu talento único, entretanto, faz a diferença.

A maioria das pessoas identifica a capacidade de Márquez quando ele permite que a frente deslize e recupera o controle em condições que normalmente resultariam em uma queda. Poucos entendem que sua incrível competência em controlar a roda dianteira é um diferencial que utiliza para obter mais velocidade no contorno das curvas e reduzir os tempos por volta, para ser mais rápido que os outros competidores.

A recente prova de Le Mans foi mais um evento onde a destreza extraordinária do piloto em administrar sua roda dianteira deslizando, e recuperar situações de risco, fez a diferença. Durante os três dias do evento aconteceram 109 acidentes, um valor absurdo para condições de clima seco e um acréscimo notável se comparado com as etapas anteriores, 31 no Catar, 20 em Rio Hondo, 30 no GP da Américas e 56 em Jerez. Um destes acidentes foi protagonizado pelo atual campeão do mundo. Na manhã de sábado ele estava tentando encontrar os limites da moto e da pista quando na curva 3, com a moto em uma inclinação de 56 graus, a roda dianteira perdeu totalmente a aderência. O slow motion da queda é um espetáculo altamente didático, o pneu dianteiro girou alguns graus para a esquerda, o guidão girou na mesma direção e a moto ficou descontrolada durante uma eternidade, Márquez lutou para permanecer no controle, apoiando o cotovelo e o joelho no asfalto, ajustando a posição do corpo e acelerando para criar carga do pneu dianteiro. Durante esses poucos milissegundos o pneu ficou girando sem aderência, o piloto tentou reequilibrar os esforços sobre a moto, reduzir a derrapagem e dar à borracha do pneu dianteiro alguma chance de recuperar a tração. A batalha foi perdida, ele caiu e danificou a carenagem, quebrando parte do aero e um dos apoios para os pés. Márquez levantou, recuperou a moto, fez o motor pegar no tranco e continuou como se nada tivesse acontecido, aumentando seu ritmo nas próximas voltas para ser o segundo mais rápido da sessão, mesmo que o equipamento tenha sido comprometido e apresentasse uma tendência a sair do prumo sempre que o sistema de freios fosse acionado.

Existe uma explicação lógica para a curva 3 do circuito Bugatti ter sido palco de tantos acidentes. O lado esquerdo do pneu não tem contato com o asfalto desde a curva 12 e perde calor, ao chegar na curva 3 pode ter atingido uma temperatura criticamente baixa. É complicado para os pilotos administrarem qualquer mudança de comportamento quando realizam o contorno perto dos 150 km/h. Durante o warm-up no dia da prova Tito Rabat se acidentou na mesma curva que Márquez no dia anterior, o slow motion mostra a diferença de comportamento entre os dois pilotos. O pneu dianteiro de Rabat girou e o guidão girou para a esquerda igual a Márquez, e foi só. A única preocupação de Rabat foi evitar algum dano físico. Lógico, o campeão mundial de Moto2 de 2015 ainda não tem a mesma formação de um piloto de ponta da MotoGP, mas a sua incapacidade de administrar o pneu dianteiro sem aderência foi um exemplo perfeito da diferença entre Márquez e seus concorrentes.

Durante a corrida aconteceu de novo. A frente da Honda #93 deslizou na curva 3 logo depois do piloto realizar uma ultrapassagem sobre Johann Zarco e assumir a liderança. A frente ficou solta por alguns milissegundos antes de Márquez apoiar o cotovelo na pista e recuperar o controle, sem dúvida utilizando as lições aprendidas na manhã anterior. Conclusão: a terceira vitória consecutiva definitivamente não foi tão simples como um passeio no parque.

A Michelin disponibilizou dois tipos de compostos de pneu dianteiro em Le Mans, médio e macio, e três para o traseiro. Os pilotos com maior chance de vitória, Márquez, Dovizioso e Zarco optaram pelo composto médio. Dovizioso durou cinco voltas antes de perder a frente na curva 6 e cair, Zarco durou mais duas voltas, se perdeu na curva 8 e abandonou.

O francês creditou seu acidente à velocidade um pouco mais alta em uma curva em descida, com o equipamento ainda pesado com o tanque de combustível cheio. A explicação do italiano foi um pouco mais complexa: “Foi a primeira vez que tentei usar o pneu dianteiro até o limite. Acionei o freio uma fração de segundo mais tarde e perdi a tomada da curva, tentei deslizar a parte traseira para ajudar a moto a virar e aliviar a carga no pneu dianteiro, quando ela reagiu perdi a frente”.

O quarto colocado Jack Miller correu com pneu da frente macio depois que o médio lhe causou alguns sustos no warm-up. “Acho que o soft foi a opção certa, olhando para o que aconteceu com Dovizioso com os médios. O dia de corrida foi quente, mas com toda a borracha que a Moto2 e Moto3 deixaram na pista a aderência maior do composto macio era necessária”. Miller passou a maior parte da corrida atrás do segundo colocado, Danilo Petrucci que optou pelo composto macio, e do terceiro classificado, Valentino Rossi com os médios. “Sempre soube que o pneu macio era um risco”, acrescentou o australiano, “Sofri muito com deformações e cometi alguns pequenos erros na curva 8. Algumas vezes errei o ponto de frenagem e perdi a retomada de velocidade. Valentino estava na minha frente e cometeu os mesmos erros”.

Vale mencionar que Márquez foi o único piloto do grid a escolher o composto traseiro hard, uma opção arriscada em uma pista com pouca aderência. Um dos heróis da prova, Cal Crutchlow compete com o mesmo equipamento do líder do campeonato, passou a noite no hospital e esteve presente no grid de largada. O britânico criou a melhor definição para o atual campeão do mundo: “Marc é uma aberração! Ele salva quedas com a moto inclinada mais de 60 graus umas 15 vezes por semana. Ninguém faz nada parecido”.

O espanhol de 25 anos não é o primeiro piloto capaz de administrar a perda de aderência do pneu dianteiro com a moto inclinada, muito mais difícil que controlar o traseiro derrapando. O primeiro competidor com esta habilidade foi "Fast" Freddie Spencer, o vencedor dos mundiais de 1983 e 1985 da classe 500cc. O próprio Spencer reconhece que houve um intervalo de 30 anos antes que alguém aparecesse e fizesse a mesma coisa, ainda que de forma muito mais plástica, devido às imagens de slow motion da TV e graças ao melhor desempenho dos pneus. Spencer também utilizava a gestão da roda dianteira, assim como faz Márquez agora, para conseguir vencer. Muitas pessoas definem isso como talento natural, mas esta habilidade é adquirida em toda uma vida sobre motocicletas. Marc ganhou a sua primeira minimoto com três anos de idade. Milhares de quilometros rodados desenvolvem reações instintivas, algumas com resultados que desafiam a lógica.



Nenhum comentário:

Postar um comentário