domingo, 30 de abril de 2017

Meandros da Motovelocidade (III. Como Tudo Começou)






Existem múltiplos registros de competições com motocicletas nos primeiros anos do século passado, o mais significativo indica que, em uma época em que a velocidade máxima em estradas inglesas era apenas 35 Km/h e as disputas com veículos automotores expressamente proibidas, um grupo de entusiastas com o objetivo de testar seus próprios limites de velocidade e resistência sobre motos convergiu para a Ilha de Man,  uma dependência direta da Coroa Britânica com autonomia administrativa, e em 1907 nasceu o Isle of Man TT (Tourist Trophy). A primeira corrida organizada com um regulamento tosco foi realizada no dia 28 de maio daquele ano, uma volta em um percurso de pouco mais de 15 milhas utilizando rodovias públicas, com participação exclusiva para motos de estrada normais, com todos os seus acessórios, silenciador, assento, pedais e guarda lama.

O primeiro campeonato mundial promovido pela Federação Internacional de Motociclismo foi realizado em 1949, constou de 6 Grandes Prêmios (Ilha de Man, Suiça, Alemanha, Bélgica, Irlanda e França), sete marcas de equipamentos (AJS, Gilera, Norton, Moto Guzzi, Velocette, Triumph e BMW) e a participação de 118 condutores. O primeiro piloto a conquistar o título de campeão do mundo da principal classe (500cc) foi o britânico Leslie Graham, com uma AJS, o regulamento vigente na época previa a pontuação dos cinco primeiros classificados e um ponto extra pela volta mais rápida e permitia a participação em mais de uma categoria. O sucesso foi imediato, no ano seguinte o certame contou com as mesmas seis provas, mais cinco marcas de equipamentos (MV Agusta, Bitza, BSA, Rudge-Whitworth e Vincent) participaram e o número de pilotos inscritos cresceu para 129.

Os anos de 1951 a 1955 apresentaram o primeiro multicampeão da motovelocidade, o britânico Geoff Duke, que pilotando motos Norton venceu 4 mundiais da 500cc e dois da 350cc. Os 19 anos seguintes consolidaram a hegemonia das motos MV Agusta, que acumularam 18 mundiais da principal categoria com os pilotos John Surtees, Mike Hailwood e  Giacomo Agostini.

O britânico John Surtees, falecido recentemente, é o único piloto que conseguiu títulos mundiais nos principais campeonatos de duas (motos) e quatro (F1) rodas. Surtees venceu sete títulos com motos MV Agusta (350cc de 1958 a 1960 e 500cc em 1956 e de 1958 a 1960). No automobilismo venceu o mundial de F1 pela Ferrari em 1964 e a temporada da Can-Am em 1966.

A liderança das MV Agusta nas competições de 500cc promovidas pela FIM prosseguiu nos anos seguintes com quatro títulos de Mike Hailwood entre 1962 e 1965.  Até então os campeonatos vencidos pela marca italiana MV Agusta contavam com pilotos britânicos (Surtees e Hailwood), situação alterada em 1966 por Giacomo Agostini que, com a proteção do conde Giovanni Agusta, iniciou uma sequência de títulos "puro sangue", com piloto e equipamento italianos.
A supremacia das motos MV Agusta entre 1958 e 1974 não pode ser contestada, neste período os equipamentos da fábrica italiana venceram 15 mundiais seguidos na principal classe, 500cc, feito improvável de ser repetido. O maior vencedor da história do motociclismo, Giacomo Agostini, foi beneficiado por esta superioridade e obteve números de desempenho impressionantes, não igualados até os dias atuais. Entre 1968 e 1971 participou de 68 GPs promovidos pela FIM, 38 na 500cc e 30 na 350cc, venceu todos. O italiano conquistou quinze campeonatos mundiais, 8 na classe 500cc e 7 na 350cc. Embora as estatísticas de Agostini sejam impressionantes, é necessário ressaltar que durante um longo tempo não enfrentou um rival com um equipamento equivalente ao seu. Mike Hailwood, que havia conquistado o tetracampeonato pela equipe, migrou para a Honda alegando uma indisfarçável preferência do Conde Agusta pelo conterrâneo italiano.
A carreira lendária de Agostini foi desenvolvida em uma época onde os recursos eram limitados, a moto era montada em um quadro rígido de aço tubular, com um enorme tanque de gasolina e o centro de gravidade deslocado para próximo da roda traseira. Os pneus eram convencionais, com as lonas compostas por fibras têxteis e sobrepostas em diagonal, proporcionando um grip (aderência) limitado. A técnica de pilotagem mais eficiente na época recomendava manter a moto na vertical o maior tempo possível.
Depois de perder o título de 1973 para Phill Read, colega de equipe, Agostini surpreendeu o mundo quando anunciou que estava trocando a MV Agusta pela Yamaha para a temporada seguinte, alegando que as máquinas japonesas com motor de dois tempos estavam mais competitivas. Em seu primeiro ano na nova equipe conseguiu o título de 350cc, lesões e problemas mecânicos o impediram de acompanhar os resultados de Read com a MV Agusta na 500cc, o britânico conseguiu 4 vitórias contra apenas 2 do italiano nas 8 provas da temporada. O campeonato de 1975 proporcionou último título mundial de Agostini, então com 33 anos, e marcou a primeira vez que uma máquina japonesa com motor de dois tempos conseguiu vencer na principal categoria. Esta temporada marcou também o primeiro de uma longa série de campeonatos vencidos por máquinas japonesas, que se estende até a temporada atual, com exceção de 2007, quando Casey Stoner foi campeão com uma Ducati.
Em 1976 Agostini competiu com uma Suzuki e optou por utilizar uma MV Agusta para disputar o GP de Nurburgring, sua última vitória em campeonatos mundiais. O piloto encerrou sua carreira em 1977, depois de classificar-se em 6° a bordo de uma Yamaha.

Giacomo Agostini venceu 10 vezes o lendário Troféu Turismo da Ilha de Man e 7 vezes o GP da Irlanda (Ulster), considerados os circuitos de estrada mais difíceis do mundo, rompendo uma tradição em que só pilotos de língua inglesa tinham sucesso nestas pistas. Durante os treinos para a corrida de Nurburgring em 1976 o piloto italiano surpreendeu o mundo anunciando que nunca mais disputaria o GP da Ilha de Man, considerava que o circuito de 37 milhas já não era compatível com a segurança necessária para uma competição do campeonato mundial. Na época, o TT era a etapa de maior prestígio no calendário de motociclismo. Outros pilotos anunciaram a sua adesão ao boicote e o evento foi retirado do calendário no ano seguinte.

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