A Michelin tem um longo histórico como fornecedora de
pneus para motos de competição e sua primeira vitória na categoria top ocorreu
no lendário GP “Isle of Man TT”, em 1973. No auge da recessão mundial da
economia em 2008 reduziu seus investimentos em modalidades esportivas e cedeu
espaço para outros fabricantes, retornando nesta temporada como fornecedora
exclusiva para a MotoGP.
O regresso da empresa francesa às pistas coincide com
mudanças drásticas no Regulamento da Competição que, entre outras novidades,
alterou substancialmente as características de gerenciamento do motor e
aumentou o tamanho das rodas para 17 polegadas. A Michelin está ciente que além
de um perfil modificado e compostos adequados para a diversidades de
coeficientes de atrito das pistas, para consolidar-se como fornecedora deve
endereçar as necessidades e desejos dos pilotos.
Mudanças com este grau de abrangência só encontram
paralelo em 2002, quando o mundial de motos foi consolidado na MotoGP, houve a
troca dos motores de 500cc para 990cc e ainda foi mantida a convivência entre
as tecnologias de 2 e 4 tempos. Valentino Rossi, o único piloto da época ainda
em atividade, lembra que com o 4 tempos existia uma relação estreita entre a
aceleração e o pneu traseiro, a moto podia aumentar a velocidade ainda
inclinada na saída de uma curva, com o 2 tempos a potência despejada era brutal
e era necessário levantar a moto antes de abrir o acelerador.
As características do piloto aliadas ao comportamento dos
motores e pneus fazem a diferença. No final da década de 70 Kenny Rogers
(campeão mundial em 1978, 1979 e 1980) desenvolveu um estilo próprio fazendo um
traçado diferente dos adversários, enquanto todos buscavam o melhor contorno
para uma curva, ele optava por um raio menor fazendo o pneu traseiro deslizar
lateralmente e levantava a moto mais cedo para conseguir maior velocidade na
saída. Esta técnica só foi possível com a cumplicidade da aderência e
durabilidade dos pneus.
A área de contado dos pneus com a pista suporta o peso da
moto, que é chamado tecnicamente de carga. A carga varia com a moto em
movimento, inclinar, acelerar ou frear provoca uma perturbação da carga sobre a
área em que os pneus se apoiam. Em termos muito simples, ao acelerar a carga será
maior sobre o pneu traseiro, e ao frear o esforço se concentra no pneu
dianteiro. Essa variação também acontece nas mudanças de direção do veículo. A
aderência dos pneus distribuída pela área de contato com o asfalto é chamada
Grip. A variação de carga sobre os pneus altera consideravelmente o grip, como
o peso total do conjunto moto e piloto não varia, quando há a concentração de
carga em um pneu, há o consequente alivio no outro e menos carga resulta em
menor grip.
As diferenças conceituais entre o pneu Michelin e seu
predecessor não se limitam ao aumento de 16,5 para 17 polegadas. Com o aumento
do raio e o redesenho do perfil, as dimensões dos pneus também foram alteradas
e, por consequência, mudou a área de contato. Uma área maior produz mais grip e
resulta em melhor resposta à aceleração e frenagem. Em tempo, quando o pneu
traseiro da Ducati de Loris Baz explodiu nos testes de Sepang, uma das razões
sugeridas pelo fornecedor foi pressão inferior a recomendada, que teria sido
utilizada para aumentar a área de contato. Como resultado os organizadores
tornaram compulsória a fiscalização da pressão dos pneus nas provas.
Os pneus intermédios são outra grande mudança introduzida
este ano. Até então pistas não totalmente secas nem totalmente molhadas impediam
pilotos de correr ou trabalhar no acerto de suas máquinas sem estarem expostos
aos riscos de quedas. Agora é possível encarar com segurança condições difíceis
de clima, embora a viabilidade para toda uma corrida ainda seja questionada
devido ao desgaste rápido.
A distribuição da quantidade de pneus por piloto também
foi alterada para a temporada de 2016, em cada fim de semana de prova os
pilotos dispõem de 10 pneus dianteiros e 12 pneus traseiros. Para condições de
pista seca os compostos básicos de macio, médio e duro ainda estão disponíveis
e o fabricante escolhe dois tipos para cada etapa. A Michelin pode produzir, de
acordo com seus critérios, pneus específicos para determinados circuitos. Para
a prova de Losail (Qatar) foi desenvolvido um pneu assimétrico porque existem
muito mais curvas para a direita, o lado mais solicitado do pneu recebeu
componentes mais resistentes.
Após a corrida no Qatar vários pilotos comentaram que o
pneu dianteiro da Michelin quando exigido nas curvas passa por fases onde perde
momentaneamente a aderência. Um engenheiro da fábrica reconheceu que a área de
contato não tem um comportamento linear à medida em que a moto é inclinada.
Buscar um equilíbrio perfeito entre inclinação e aderência depende do talento
do condutor. Óbvio que não existe uma única maneira de contornar um problema.
Jorge Lorenzo opta por uma condução linear, suave, para Marc Márquez, que
andava mais de um segundo mais lento que os líderes nos testes de inverno
(europeu), a evolução passou por uma mudança de atitude, o piloto desistiu da
maneira limpa e suave que apresentava bons resultados para as Yamaha e Suzuki e
voltou ao seu estilo selvagem, com frenagens raivosas e jogando a moto de lado
nas curvas.
A prova de abertura da temporada de 2916 foi 7 segundos mais curta que a do ano passado, o que indica que as mudanças do regulamento não afetaram a velocidade das motos e, como o pacote eletrônico não é tão eficiente como o software proprietário até então utilizado por Yamaha e Honda, os pneus Michelin tem grande participação neste resultado.
Obs:
Este
texto foi escrito antes do incidente envolvendo Scott Redding durante os
treinos livres na Argentina. Parte do pneu traseiro da Ducati de Redding
desintegrou-se durante o quarto treino livre, felizmente o piloto inglês
conseguiu manter o controle e estacionou a GP15 na área de escape. O pneu
avariado era um composto médio, com sete voltas e, embora a estrutura tenha
sido preservada, a cobertura que determina sua característica de resistência
soltou-se. Os técnicos do fabricante ainda não conseguiram determinar a causa
do acidente e, preventivamente, substituíram os dois tipos de compostos de
pneus traseiros programados por um novo pneu traseiro médio, de construção mais
rígida. A Michelin emitiu uma nota com estes termos: “A razão pela qual os
pneus atuais [compostos duros e médios] foram retirados é que ambos foram
produzidos pelo mesmo processo e existe uma falha ainda não foi identificada, o
que implica na possibilidade de uma ocorrência semelhante com o composto mais
duro”.
Dois
pontos a considerar: O tipo de problema ocorrido com Scott Redding na Argentina
não guarda nenhuma similaridade com o registrado com Loris Baz em Sepang.
Embora em ambos os casos a razão não ter sido (ainda) determinada, no primeiro caso
houve um colapso total (o pneu explodiu), no segundo a estrutura básica foi
preservada. A reação da Michelin foi a esperada de uma empresa do porte e
responsabilidade da fabricante francesa, decidiu eliminar todas as prováveis
causas ao retirar os pneus produzidos por um mesmo processo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário