Serviço de Previsões da Escola de Bruxaria de Hogwarts |
O
adágio popular “A voz do povo é a voz de Deus” normalmente não se aplica quando
existem tecnologias e emoções envolvidas. Antes da abertura de uma temporada
com tantas mudanças, dois pontos eram consenso nas opiniões da mídia que
acompanha a MotoGP: a concepção simplista do controle eletrônico da Magneti
Marelli e a aderência menor dos pneus Michelin contribuiriam para redução de
velocidade e equalização das disputas na pista, privilegiando pilotos com uma
condução menos afoita, mais limpa. Durante os testes pré-temporada os contínuos
e consistentes resultados indicavam a dobradinha Yamaha/Jorge Lorenzo como
“Pule de Dez”, provavelmente os “aliens” (Suzuki, Ducati) poderiam protagonizar
alguns brilhos efêmeros e talvez a mística de Valentino Rossi produzisse
sobressaltos, mas o título já tinha endereço garantido.
E as
Honda?
Na
pré-temporada a RC213V não se entendia com o pacote eletrônico, estranhava o
comportamento dos pneus e padecia da variação caótica da potência do motor. Nas
entrevistas, os pilotos da equipe de fábrica, Marc Márquez e Dani Pedrosa,
endereçavam múltiplos problemas, sempre com um contido otimismo. Cal Crutchlow,
da satélite LCR e uma das vozes mais autênticas do grupo de pilotos lamentava
sua sina, desde que trocou uma carreira vitoriosa no Mundial de SuperBike
(WSBK) e no Campeonato Britânico de SuperBike (BBS) nunca conseguiu ter uma
moto vencedora (Tech3 Yamaha entre 2011 e 2013, Ducati em 2014 e LCR Honda
desde 2015).
Com a
primeira prova da temporada, que coincide com o lacre dos motores para 2016,
aparentemente houve a comprovação geral dos prognósticos. Para os mais afoitos,
a performance perfeita de Lorenzo com a pole, melhor volta e bandeirada em
primeiro lugar era a confirmação de tudo o que fora previsto. Entretanto os comentários
dos pilotos pós-prova e a análise dos números finais projetaram um outro quadro
para a competição. Lorenzo abriu escassos 2,019s da Ducati de Andrea Dovizioso
e apenas 2,287s da Honda de Márquez. Mais, a prova foi 7s mais rápida que a da
temporada passada. Valentino Rossi declarou em entrevistas ao final que não
encontrou dificuldades para acompanhar a Honda 93, mas nunca houve uma
possibilidade real para tentar ultrapassagem.
A
caravana da MotoGP, que cruzou o Atlântico em direção as Termas do Rio Hondo na
Argentina, levou na bagagem uma dúvida. De onde a HRC tirou o inesperado
desempenho de Marc Márquez no Qatar. A performance de Pedrosa, distante mais de
14s, e as Estrella Galicia de Jack Miller e Tito Rabat com mais de 40s de
atraso se encaixavam no script de problemas da Honda, Cal Crutchlow com a LCR
não completou a prova.
A
Michelin impôs a sua decisão, a principal suspeita sobre a origem do problema
do pneu sinistrado recaiu sobre seu processo de fabricação, que é comum aos
dois tipos de compostos disponibilizados para a prova. As unidades
originalmente fornecidas não garantiam a segurança dos pilotos, foram
substituídas, foi criado um treino extra para recalibrar a moto e a prova foi
encurtada para vinte voltas (eram 25) com troca obrigatória de equipamentos
entre as voltas 9 e 11.
A
determinação da Michelin foi corajosa, tecnicamente irrepreensível e alinhada
com um dos preceitos fundamentais da MotoGP, zelar pela segurança dos pilotos,
ainda assim houveram reclamações. Os pilotos da Tech3, Bradley Smith e Pol
Espargaro mencionaram que a decisão da direção de corrida em alterar a
estrutura da prova favoreceu os oito pilotos com Ducati no grid. Smith comentou
que toda a preocupação era referente ao pneu traseiro (sinistrado) de Scott
Redding, enquanto ele entendia que a pouca aderência do pneu dianteiro era uma
questão mais premente. Reduzir a corrida cancela a principal vantagem das Yamaha,
resistência e consistência nas últimas voltas. Na opinião de Smith “As
circunstâncias da corrida favoreceram um fabricante que parecia ter problemas”.
O piloto britânico concluiu: “As motos estavam muito complicadas de pilotar
devido ao comportamento errático do pneu dianteiro, como nenhum explodiu, não
foi considerado uma questão de segurança”. Por último, mas não menos
importante, na hora da largada embora a pista ainda apresentasse manchas de
humidade a corrida não foi declarada como “Wet Race”.
O que
se viu durante a corrida merece uma análise mais detalhada. Nove dos 21 pilotos
que largaram caíram durante a prova, um deles, Andrea Dovizioso, classificou-se
em 13o lugar empurrando a sua Ducati até a bandeirada final, depois de ter sido
abalroado pelo colega de equipe Andrea Iannone próximo à linha de chegada. Um
dos que sucumbiram à pressão do paddock e não conseguiram foco suficiente para
manter o equilíbrio da moto na pista foi o campeão Jorge Lorenzo.
O
espetáculo, entretanto, não ficou restrito às tradicionais ultrapassagens em
disputas de posições (houve uma antológica de Dovizioso sobre Iannone e Rossi).
O que os afortunados espectadores e telespectadores testemunharam durante a
prova foi a reinvenção de um estilo de pilotagem, a adaptação de uma técnica
utilizada em 2013 e 2014 no bicampeonato de Marc Márquez, diametralmente oposta
aos prognósticos do início do ano que previam vantagens para uma condução
limpa.
Na
Argentina a moto 93 entrava escorregando de lado nas curvas e saia literalmente
corcoveando, enlouquecida, porém incrivelmente rápida. A técnica utilizada por
Márquez foi forçar a derrapagem do pneu traseiro para reduzir a carga no
dianteiro, que ficava “solto”, concentrando todo o grip no pneu de tração para
retomar a velocidade mais rápido. A frente ficava instável, ensandecida, e quem
teve a oportunidade de ver imagens em “slow motion” observou em detalhe o
exaustivo trabalho do piloto.
Embora
Dani Pedrosa e os pilotos satélites ainda não tenham conseguido bons resultados
(o terceiro lugar de Pedrosa na Argentina foi obtido mais por quedas de concorrentes
que por méritos próprios), é evidente que esta RC213V que está nas pistas é
muito melhor que as que começaram a pré-temporada. A Honda obteve muito sucesso
com um software proprietário, um motor potente e os antigos pneus Bridgestone,
por isto era previsível que tivesse maior dificuldade em adequar-se a um
ambiente mais singelo. A capacidade técnica dos engenheiros facilitou a
transição que Shuhei Nakamoto, manager da HRC, classificou como evolução para o
passado. Segundo suas palavras, as condições de gerenciamento do motor voltaram
ao nível de dez anos atrás.
Os
resultados nas pistas até agora comprovam que os prognósticos pré-temporada
devem ser revistos, principalmente sobre como as características dos pilotos
interagem com o pacote de eletrônica e a maior ou menor aderência dos pneus.
Mais de 1.740 dias nos separam da última vitória de um piloto estranho às
equipes de fábrica da Honda e Yamaha, nada indica que num curto prazo esta situação
seja alterada.
O
circuito de Austin, do GP das Américas, deve ser o palco adequado para comparar
a condução correta e elegante de Jorge Lorenzo e a alucinada, porém eficiente,
de Marc Márquez. Valentino Rossi deve permanecer fiel ao seu estilo de
predador, aguardando a hora exata do ataque. Dani Pedrosa e sua RC213V ainda
não estabeleceram um idioma comum, pura e simplesmente não se entendem. Vinales
e a Suzuki (onde anda o Aleix ESpargaro?) dos testes pré-temporada continuam
como promessas, e a Ducati padece de um problema gerencial, os dois pilotos
sabem que pelo menos um será rifado ao final da temporada e ambos precisam
mostrar serviço.
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