quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

MotoGP – A fé remove montanhas


Quando a Infraero autorizou ouso de aeronaves jato puro para substituir os obsoletos Electra II na ponte aérea Rio-São Paulo, uma rota entre os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont recordista em volume de passageiros no mundo, houve uma concorrência feroz entre os grandes fabricantes, Boeing e Airbus. Um dos entraves para o uso de aeronaves com maior capacidade nesta rota é a localização do morro do Pão de Açúcar, um obstáculo geográfico muito próximo da cabeceira da pista do aeroporto no Rio de Janeiro. Na época um engenheiro norte americano recomendou uma solução óbvia, já que era inviável mudar de aeroporto por causa da sua localização privilegiada, a montanha tinha que ser eliminada. Afinal, segundo a lógica capitalista do profissional, se a fé remove montanhas, um ótimo negócio para sua empresa poderia ser viabilizado eliminando uma das mais conhecidas atrações turísticas do Rio de Janeiro.

Quando a fé não é suficiente, até os costumes mais arraigados do comportamento social de um povo podem ser alterados. Os nipônicos estão abandonando a postura de optar sempre por resolver problemas, em vez de procurar culpados. A contratação de Marc Márquez por 4 temporadas envolveu um investimento vultuoso, estima-se (os valores exatos estão protegidos por cláusulas de sigilo) que o piloto catalão receba 15 milhões de Euros por temporada, mais bônus por desempenho. Ficar uma temporada ausente tem um custo alto para a Honda Racing Company, a perda de exposição da marca prejudica negociações com os patrocinadores.

 

Hospital Internacional Ruber – Madri

 

Marc Marquez está lentamente avançando em seu processo de recuperação. Uma revisão médica realizada no Hospital Internacional Ruber, em Madri, revelou uma evolução positiva de sua 3ª intervenção cirúrgica e no combate do processo infeccioso que foi identificado no membro sinistrado. Marc retomou a atividade em redes sociais e postou imagens onde aparece exercendo atividades aeróbicas (bicicleta ergométrica) e fisiculturismo (apenas no braço esquerdo, o direito segue imobilizado).

 

Marc Márquez retornando aos exercícios


O piloto da Honda combate uma infecção com antibióticos e sua volta às atividades físicas sugere algum otimismo, depois de várias semanas com completa ausência de informações. A falta de informações oficiais é um campo fértil para especulações. A revista francesa “Moto Revue”  publicou em sua última edição o que pretende que seja uma análise completa da situação de Marc Marquez e do que aconteceu nos últimos meses. Revela que o catalão tem preocupado a Honda, sua equipe, que teria encomendado uma pesquisa abrangente enviando várias pessoas para a Europa em dezembro para esclarecer o que aconteceu, como está sendo administrado e determinar responsabilidades se eventualmente existirem. A Honda estaria duplamente preocupada, em primeiro lugar por causa da longa ausência de seu principal piloto e falta de resultados, em segundo lugar pelo salário que Marc Márquez recebe sem proporcionar qualquer tipo de retorno. Mesmo que não tenha competido na temporada de 2020. a empresa honrou os termos contratuais. Há sempre o risco que, se a recuperação não evoluir satisfatoriamente, seja necessário um 4º procedimento cirúrgico. Neste caso é possível rever as condições do contrato catalão, lembrando que as condições mudaram radicalmente desde a data de assinatura. Ele era a principal referência da Honda e a pandemia não havia afetado o desempenho comercial da empresa. A Honda quer saber se houve algum culpado e qual a participação do piloto em decisões equivocadas.

Há um risco de nova intervenção ser necessária se os antibióticos não produzirem os resultados esperados. Quando o retorno às pistas é realizado quatro dias após uma operação, a responsabilidade deve ser compartilhada com múltiplos envolvidos, porem a principal cobrança recai sobre o cirurgião que realizou a intervenção. Um dos integrantes da Clínica Móvel de Claudio Costa explica que a primeira calcificação inicia a solidificação em 3 semanas, são necessárias mais 3 para ser concluída. O piloto não tem formação profissional para assumir sozinho esta responsabilidade.

 A condição de Márquez preocupa. Se os antibióticos não forem efetivos, uma nova cirurgia será necessária para remover a placa, limpar o osso, descartar as áreas afetadas, fazer novos enxertos e voltar a imobilizar.

 O alarmismo refletido da análise da publicação francesa é lastreado em afirmações categóricas do Dr. Bernard Achou, um osteopata que presta serviços à 'Clinica Mobile' que acompanha os GPs nos circuitos para prestar os primeiros socorros aos pilotos. O especialista foi contundente em sua avaliação: "Voltar para a moto quatro dias depois da 1ª operação foi uma loucura. Especialmente em Jerez, um circuito onde os pilotos não têm um momento de folga, as frenagens são fortes e muito próximas. Uma fratura e uma cirurgia implicam na perda de massa muscular. Se uma clavícula estiver quebrada, pode ser bloqueada facilmente imobilizada, mas o úmero...”. O médico não hesita em apontar para os grandes culpados por este imbróglio. “Todos são responsáveis. A negociação que liberou a volta do piloto não respeitou os tempos de cura e não avaliou os riscos de complicações. A equipe médica do Hospital Dexeus, liderada pelo Dr. Mir (cirurgião da 1ª intervenção) e da Clínica Móvel de MotoGP, capitaneada pelo Dr. Chartre, autorizaram seu retorno. Vale lembrar que foi o próprio piloto que decidiu não disputar a segunda prova de Jerez por não se sentir capaz, percebendo uma perda de força após algumas voltas.

 

Dr. Xavier Mir, especialista em Traumatologia

 

Dr. Chartre (MotoGP)

 A possibilidade de uma nova intervenção é compartilhada por outros especialistas e projeta um quadro nebuloso para a piloto, talvez ele perca também a temporada de 2021. O Dr. Bernard considera inaceitável que talvez o melhor piloto não possa voltar às pistas e expressa sua preocupação com o fator psicológico: “Márquez voltará a competir sob uma espada de Dâmocles”. Se sofrer uma nova queda e ferir seu braço novamente, pode ser dramático. E isso, para quem vive sempre desafiando os limites, é mentalmente complicado”.

 

A espada de Dâmocles

Dionísio era rei de Siracusa, o centro comercial mais bem-sucedido da antiga Sicília. Rico e poderoso, muitos o invejavam, entre estes, Dâmocles, seu companheiro desde a infância. Cansado com os frequentes comentários sobre sua sorte, Dionísio ofereceu à Dâmocles a oportunidade de trocarem de posses, confortos e atribuições pelo período que conviesse ao amigo. Dâmocles aceitou na hora e, na mesma noite, já ocupou as instalações reservadas ao rei, usufruindo dos bajuladores, músicos e bailarinas durante o jantar.

Na manhã do dia seguinte, ao ocupar o trono para audiências com os súditos, Dâmocles era a própria felicidade e concentrou-se em exercer o poder com sabedoria e responsabilidade. Em um raro momento de intervalo, satisfeito com o seu próprio desempenho, recostou-se no trono e seu olhar perdeu-se no teto, onde descobriu uma coisa que o deixou apavorado. Sobre o local de trabalho do soberano pendia uma espada, presa por apenas um fio de crina de cavalo, com a lâmina brilhando, apontada para o trono. Dâmocles tentou mover o assento real para um local mais seguro, mas o mesmo era fixo no chão e não foi possível.

 

A espada de Dâmocles

 

Sem coragem para voltar a sentar no local reservado ao governante, Dâmocles mandou chamar Dionísio, e perguntou sobre a espada. “Ela sempre esteve ali”, disse o rei. “Ela me assombra todos os dias. Para quem exerce o poder, sempre existe a possibilidade de alguma coisa ou alguém romper o fio. Inimigos, pessoas descontentes com alguma decisão ou amigos enciumados podem atentar contra a pessoa do governante ou prejudicar a sua reputação. A ameaça está associada ao poder. Quem exerce atividades de responsabilidade deve aceitar este risco.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

MotoGP – Tem método

 

MotoGP – Tem método





 A macro estratégia foi importada do futebol, “não se mexe em time que está ganhando”. Marc Márquez segue esta orientação à risca. Se examinar fotos da sua equipe nas 8 temporadas que já disputou na MotoGP, é fácil perceber que os rostos são sempre os mesmos.


Ao contrário de grandes campeões como Giacomo Agostini e Valentino Rossi, que disputam com ele os grandes números da categoria, a equipe de apoio de Marc Márquez praticamente não muda desde a Moto2, e o piloto espanhol se esforça para continuar assim, dentro e fora das pistas.


Ele já não tem mais o comportamento de um garoto deslumbrado que iniciou na MotoGP em 2013 a disputa com seus ídolos, com o tempo ele ficou mais experiente, porém a sua atitude é a mesma.  Quando substituiu Casey Stoner na Repsol-Honda, insistiu em trazer a equipe da Moto2, depois disto raramente o grupo foi alterado. Talvez isto explique porque houve tanta surpresa quando seu especialista em eletrônica e telemetria, Gerold Bucher, que encerrou seu contrato de 25 anos com a HRC, foi substituído por Jenny Anderson, uma profissional em ascensão que trabalhava com Pol Espargaro na KTM. Jenny é a primeira mulher na linha de frente da equipe do campeão.




Marc Márquez & Jenny Anderson

 

Enquanto outros pilotos viajam acompanhados de amigos mais próximos ou de suas famílias, Márquez prefere a companhia da sua equipe. Passam o tempo todo juntos, fazem as refeições juntos e, se possível, se divertem juntos. Em verdade, só abandona a equipe para cumprir seus muitos compromissos promocionais de piloto. Durante a temporada europeia, quando viagens aéreas não são necessárias, Marc reside em um motor-home que é dirigido por seu pai Julià, e estaciona no paddock ao lado de veículos de outros pilotos. 


O carro dos Márquez (Marc e Álex) é um dos mais simples, e contrasta com veículos de  design mais arrojado como o do piloto Maverick Vinales. Márquez tem contrato até 2024 com a Honda e trabalha com perfeita sintonia com o fabricante espanhol, embora a sua renovação em 2015/2016 tenha demorado mais que o razoável. 


Nunca houve nenhuma reclamação pública endereçada à performance do equipamento e, se desacertos acontecem, são resolvidos intramuros, fora do alcance da mídia. Marc Márquez deve seguir o exemplo de Mick Doohan, desenvolver toda a sua carreira na Repsol-Honda.

 


Motor home de Márquez (esquerda) e Vinales (direita)

 

A história mostra que esta é a melhor maneira de garantir títulos. Pode não ser o modo mais emocionante, mas certamente é uma ideia vencedora, consistente com a fome de vitórias do piloto espanhol. Os precedentes parecem concordar com este conceito, Agostini viu o ocaso de seu reinado quando foi ameaçado por Phil Read no MV Augusta e partiu para a Yamaha em 1974. Rossi parou com os títulos ao ser derrotado por Lorenzo em 2010, depois optou por mudar para a Ducati. Ambos também viveram episódios fora da pista que desestabilizaram suas sequências de vitórias, Márquez mantém a sua vida privada controlada, Agostini teve que suportar a perseguição da imprensa sensacionalista (paparazzi) por sua intensa vida afetiva e Rossi, entre outras coisas, morou algum tempo para Londres e foi envolvido em uma fraude fiscal em 2007, que foi resolvida com o pagamento de uma pesada multa.

Ambos os problemas parecem estar longe de ser uma ameaça para Márquez. Embora tenha tido uma breve relação, já encerrada, com a modelo Lucía Rivera, antes, durante e depois deste período manteve a sua vida simples e discreta. Os dois só apareciam juntos em ocasiões sociais obrigatórias. Após uma tentativa não muito bem-sucedida de mudar seu domicilio fiscal para Andorra em 2014, Márquez acatou a tributação espanhola e construiu uma grande casa em sua cidade natal (Cervera, Catalunha), onde vive com a família. Montou uma academia particular onde pratica exercícios na companhia de seu irmão e mantém suas motos de treinamento. Desde seu cabeleireiro - que nunca muda seu visual - até as caminhadas com o irmão, há rotinas que mantém desde criança. 

Marc Márquez nunca muda nada. 

Nas entrevistas após as provas até 2019 era sempre um dos últimos a deixar o ambiente reservado para a imprensa, nunca demonstrando enfado ou cansaço, atendendo todos com boa vontade. Cultiva o visual “clean”, não ostenta tatuagens, sua indumentária está sempre bem composta (diferente do estilo propositadamente desleixado de alguns outros pilotos) e a face glabra. Em comemorações de vitórias evita provocar desafetos e mantém distância dos movimentos políticos separatistas, desfilando com a bandeira contendo o seu número 93, não tomando partido da Espanha ou Catalunha. Para desespero de seus adversários, Márquez dificilmente muda os hábitos, e um deles é vencer.

 A temporada de 2020 foi a exceção que confirma a regra, se ele voltar inteiro em 2021 a única discussão em aberto na MotoGP é quem vai ser o vice.

MotoGP – Profetas do Acontecido

 



O chefe da “Clinica Mobile” da MotoGP reconhece que decisões tendem a ser influenciadas pelas condições da competição.


Queda de Marc Márquez em Jerez 2020

 

Uma vez um palestrante sobre comportamento humano explicou que a diferença entre a tradição nipônica e a tupiniquim podia ser exemplificada com o modo como administram um problema que dificulta a execução de uma tarefa: o oriental procura a solução mais rápida, o brasileiro busca identificar o culpado.

 

A queda de Marc Márquez no primeiro GP da temporada de 2020 resultou no afastamento do 8 vezes campeão do mundo do restante da temporada, em uma longa recuperação que persiste até os dias atuais e em uma enorme incerteza sobre o momento de seu retorno. Um sem número de controvérsias foi gerado pela decisão de permitir o seu regresso às pistas quatro dias depois de ser operado por uma fratura no úmero direito. Complicações imprevistas, duas outras cirurgias e finalmente a identificação de uma infecção formaram um caldo de cultura para gerarem dúvidas se a autorização para que ele pudesse voltar a competir havia sido correta. Houve que acusasse a equipe médica da MotoGP de negligência e falta de competência.

Para esclarecer estas e outras dúvidas o Dr. Michele Zasa, chefe da Clínica Mobile da MotoGP concedeu uma extensa entrevista ao site especializado “Moto.it” em que explica detalhadamente os procedimentos para avaliar pilotos lesionados e permitir, ou não, que compartilhem a pista com outros concorrentes após uma lesão ou queda.

 

Dr. Angel Chartre, Marc Márquez & Dr. Michele Zasa

 

O objetivo do Dr. Zasa ao decidir falar com a imprensa era genérico, porém os jornalistas focaram o tempo todo no caso Marc Márquez. O médico italiano não se furtou a explicações e admite que avaliações quase nunca são simples e a medicina não é uma ciência exata, muitas vezes as decisões consideram fatores externos, não essencialmente médicos. Na perspectiva atual tudo parece mais simples e indica que possam ter tomado decisões erradas.

Em respeito à privacidade do paciente e proteção dos médicos que permitiram o retorno do piloto para os treinos preparatórios para a disputa do GP da Andaluzia, o Dr. Zasa se abstém de entrar em maiores detalhes. Uma possibilidade que justifica a forma como esta decisão foi tomada considerou o comportamento do piloto. Embora Márquez seja um piloto que quando abaixa sua viseira só pensa em vencer, em Jerez ele teve calma, atendendo às suas sensações, atento às reações de seu corpo. Ele não foi imprudentemente ou ultrapassou os limites, então não consideramos que ele seria um perigo para os outros competidores.

O chefe da Clínica Mobile ressalta que sua principal tarefa da equipe médica da MotoGP é garantir que os pilotos que participam das competições não ofereçam riscos para outros competidores, não em serem responsáveis por suas condições individuais física ou de saúde. Essa responsabilidade é das equipes, de um médico local em cada país onde o grande prêmio é realizado (por razões legais) e do diretor médico da entidade que promove o Mundial, a Dorna, o espanhol Angel Chartre.

O Dr. Zasa não se omite em externar a sua opinião pessoal, com grande cautela, sobre a atual condição do piloto espanhol, baseado no que foi divulgado depois da revisão realizada seis semanas após a terceira intervenção, que indicou que a evolução é satisfatória, porém foi muito econômica em oferecer detalhes:  "Devo dizer que a recuperação de Marc foi feita inteiramente na Espanha e que não tivemos nenhuma informação. Na verdade, acho um pouco absurdo que tanto tenha sido falado sem realmente fornecer detalhes, tudo o que pode ser dito é mera especulação. Em geral, fraturas significam processos longos de consolidação é excesso de otimismo esperar que a recuperação fosse concluída em duas semanas após a última intervenção."

A infecção por si só não é um obstáculo que possa comprometer a recuperação de Marc Márquez, entretanto o especialista italiano não está muito otimista: "Todos queremos Márquez de volta o mais rápido possível, ele é um dos maiores campeões da história do motociclismo. Embora os detalhes não tenham sido divulgados, pela lógica simples podemos inferir que este é um processo longo que pode levar meses. Se são dois ou seis, é algo que não posso especular porque as informações que dispomos são escassas”.

Os jornalistas buscaram uma avaliação do ponto de vista de um profissional da medicina sobre a infecção sofrida pelo úmero direito do espanhol: “Infecções tem um comportamento previsível, podem ser verificadas e controladas, análises indicam quais antibióticos usar e quais são os efeitos que produzem no paciente. Eu diria que uma infecção óssea pode ser enfrentada, mesmo que seja persistente e exija tempo. Sempre falando em geral, sem focar neste caso específico, não acho que seja um obstáculo intransponível à recuperação."

AMA – Motovelocidade em tempos de Covid19

 


Fundada em 1924, 12 anos após o renascimento da Fédération Internationale des Clubs Motocyclistes (FICM), entidade que originou a FIM, AMA é uma associação sem fins lucrativos baseada em membros cuja missão é promover o estilo de vida e proteger o futuro do motociclismo. Como a maior organização mundial de direitos de motociclismo e promoção de eventos, a AMA defende os interesses dos pilotos em todos os níveis de governo e registra milhares de eventos de competições e recreação todos os anos. A AMA representa os interesses dos EUA na Federação Internacional de Motociclismo (FIM) e homenageia personalidades do motociclismo no Motorcycle Hall of Fame. Tem mais de 300 mil associados e participa de quatro mil eventos amadores por ano.


Prova de Road Racing da AMA 2020

 

Quando a pandemia do Corona Vírus atingiu os EUA na primavera de 2020, os cidadãos enfrentaram dificuldades com lockdowns, restrições de atividades e toques de recolher, escolas e empresas fechadas, viagens internacionais canceladas e houve casos até rodovias interestaduais interrompidas. Eventos e espetáculos recreativos reduzidos, ligas esportivas profissionais e eventos de competição cancelados. As corridas de motocicleta não foram poupadas. Diante da perda de fãs, participantes e renda, a comunidade do motociclismo através de seus membros reuniu conhecimentos científicos, talentos e experiência adquirida para formar a Safe-to-Race Task Force.

A Força Tarefa para Corrida Segura foi criada para gerenciar a recuperação do motociclismo esportivo. Os membros do comitê incluem representantes da American Motorcyclist Association (AMA), Daytona Motorsports Group, Feld Entertainment, Ignite Partners, MX Sports Pro Racing, United States Motorcycle Manufacturers Association, entre outros participantes e profissionais experientes em operações e gerenciamento de eventos de motovelocidade. O grupo também inclui desenvolvedores de software para apoio a eventos e representantes dos pilotos.

O objetivo do comitê é desenvolver e atualizar as melhores práticas de atividades de motociclismo esportivo durante e pós-COVID19, a serem compartilhadas com promotores de corridas e organizadores de eventos em todo o país. A Força-Tarefa Safe-to-Race revisa continuamente, alinhada com avanços da ciência, os processos e procedimentos atuais para transações em dinheiro, admissão de público em circuitos, registro de provas, inspeção técnica, reuniões de pilotos, procedimentos de corrida, celebrações de pódio, conferências de imprensa, sessões de autógrafos, áreas de participação e visualização de fãs, áreas de estacionamento e camping, etc., e recomendará sempre que necessário novos protocolos para proteger a saúde pessoal, segurança e bem-estar dos pilotos, fãs e funcionários. O grupo revisa continuamente os processos para acomodar as diretrizes atuais de novas exigências de distanciamento social e identifica ações preventivas que possam ser implementadas durante um evento, como registro de mãos livres, limpeza e desinfecção de superfícies frequentemente tocadas, e manutenção de distanciamento seguro em áreas públicas, conforme recomendado pelo Centro para Controle e Prevenção de Doenças (acrônimo CDC nos EUA). O grupo também desenvolveu e mantém atualizado um plano de contenção e combate a surtos de doenças infecciosas distribuídos para os organizadores de eventos, que pode ser compartilhado com líderes comunitários e autoridades sanitárias locais. O produto final é um Kit de Ferramentas de Segurança para provas de motociclismo.

 


Motorcycle Hall of Fame inclui Nick Hayden, Campeão de Superbike 2002

 

É consenso no Race Leadership Team (RLT) que a possibilidade de o retorno à competições deve ser determinada em nível local, as autoridades constituídas e sanitárias desempenham um papel significativo na decisão sobre se é seguro correr. Com o Kit de Ferramentas seguras para corridas, que pode ser compartilhado com organizadores do evento e gestores locais, o retorno às competições pode ser acelerado, pois as autoridades de saúde podem ter certeza de que as precauções adequadas de segurança de doenças infecciosas estão em vigor. Por ser proativo e desenvolver protocolos de segurança específicos para o motociclismo, o Kit de Ferramentas de Segurança para Corrida fornece as informações para funcionários e fãs que endereçam procedimentos para permitir voltar às competições com segurança. O trabalho conjunto e a aderência aos protocolos do kit de ferramentas garantem a proteção de toda a comunidade envolvida com a motovelocidade.

 

Stilez Robertson - AMA Hall of Fame 2020 - Atleta do Ano

 

 

Race Leadership Team (RLT):

A crise da COVID19 e consequente cancelamento dos eventos, criou a necessidade de um canal regular de comunicação com a comunidade envolvida com motociclismo esportivo em relação ao agendamento. A Race Leadership Team (RLT) foi organizada com esta finalidade e é composta por representantes da AMA, MX Sports e MX Sports Pro Racing. A RLT tem reuniões regulares para revisar os horários das corridas, fazendo ajustes conforme necessário, e trabalhar com os organizadores do evento para reagendar os eventos enquanto durar a crise da Covid.

A RLT continua a encorajar a comunidade, pilotos, equipes e famílias a usar o bom senso:

1.      Adotar o uso de álcool gel na higienização das as mãos com frequência;

2.      Evitar apertar as mãos ou entrar em contato pessoal próximo com outras pessoas;

3.      Utilizar equipamentos de proteção individual (EPIs) sempre que possível;

4.      Se tiver sintomas indicativos leves mais comuns (febre, tosse seca, cansaço), ficar em casa;

5.      Em caso de outros sintomas (dores e desconfortos, dor de garganta, diarreia, conjuntivite, dor de cabeça, perda de paladar ou olfato, erupções cutâneas na pele ou descoloração dos dedos das mãos ou dos pés) buscar por aconselhamento médico;

6.      Para sintomas graves (dificuldade de respirar ou falta de ar, dor ou pressão no peito, perda de fala ou movimento) procurar um hospital;

7.      Evitar o pânico.

A saúde, segurança e o bem-estar de pilotos, membros de equipes, dirigentes, organizadores, fãs e suas famílias é e será sempre o principal objetivo. A comunidade envolvida em motociclismo esportivo será informada de todos os outros desenvolvimentos pertinentes à prática do esporte com seguran

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

MotoGP – Comparações


 Não há como comparar abacaxi com avestruz.

Toda a discussão sobre quem é o melhor piloto de motovelocidade de todos os tempos implica em comparar realizações distintas ocorridos em tempos e condições diferentes. Aquela assertiva que conjunto de números podem ser comparados a biquínis, permitem a visão de quase tudo, menos o que é realmente importante, continua válida. Estatísticas são apenas indicadores que servem, quando muito, para defender paixões e pontos de vista sem analisar uma conjuntura ampla.

Recentemente um administrador da HRC afirmou que as realizações de Marc Márquez superam as de Valentino Rossi porque são obtidas em um contexto onde a competitividade é bem mais acirrada. Diferentemente das vitórias de Agostini ou Rossi, as distâncias que atualmente separam o primeiro do segundo colocado são significativamente menores, resultado de um esforço contínuo das entidades organizadoras em equilibrar recursos e concentrar as decisões exclusivamente nos pilotos. Recursos equivalentes recompensam os mais competentes (estrategistas, mecânicos e pilotos), resultam em melhor espetáculo para o público presente nos autódromos, maior audiência de TV e consequentemente retorno para os patrocinadores.

 


Márquez vs Rossi – Rio Hondo 2018

 

É possível, de um modo subjetivo, avaliar quem é mais importante para o esporte sem utilizar métricas que possam ser reduzidas a números. Por exemplo, é inegável a contribuição de Barry Sheene na popularização do motociclismo esportivo no Reino Unido. Seu sucesso dentro e fora das pistas foi compatível com a receita de sucesso de uma geração, um vencedor nos esportes com agenda social intensa. Depois dos anos de Sheene os ingleses, que haviam conquistado 17 dos 29 campeonatos disputados até então (Leslie Graham 1, Geoff Duke 4, John Surtees 4, Mike Hailwood 4, Phil Read 2 e Barry Sheene 2), não venceram um único GP por 35 anos, desde a Suécia em 1981 (Barry Sheene) até a República Tcheca em 2016 (Cal Crutchlow).


Cal Crutchlow – Brno 2016

 

Valentino Rossi, por sua extroversão, ajudou muito a popularizar o esporte em todo o planeta. O multicampeão italiano sempre foi mais que um excelente piloto, além de diversas vitórias nas pistas utilizou seu carisma pessoal para criar um império econômico, bandeiras amarelas com o número 46 que estão onipresentes em todos os circuitos onde são realizadas competições e gerou polêmicas que mantiveram a MotoGP constantemente nas manchetes. São históricas as suas desavenças com Max Biaggi, Sete Gibernau, Casey Stoner e Marc Márquez. Jorge Lorenzo é considerado o seu pior inimigo porque cometeu a heresia de em 2 anos (2010 e 2015) vencer do italiano utilizando rigorosamente os mesmos recursos na Yamaha. Uma frase de Marco Melandri, que herdou a máquina e ouviu conselhos de Rossi nos tempos da Tech3, sintetiza o sentimento dos boxes em relação ao VR46. “Valentino é o melhor companheiro de equipe que algum piloto pode ter, a menos que ameace a sua posição”.


Valentino Rossi & legião de fãs


Dois campeões têm em comum a fidelidade a uma única equipe. Mick Doohan, que conquistou 5 campeonatos consecutivos entre 1994 e 1998, desenvolveu toda a sua carreira entre 1989 e 1999 na Repsol Honda, mesma equipe em que Marc Márquez pilota desde 2013 e acumula 6 títulos, falhando em 2015 (Jorge Lorenzo) e 2020 (Joan Mir). Ambos ainda compartilham, cada qual ao seu tempo, uma vontade de vencer e nunca desistir. Iniciam as corridas pensando em vencer, independentemente da posição de largada. Os dois concordam com um diagnóstico de Ayrton Senna, “Segundo é o primeiro que perde”. Importante, nenhum dos dois pilotos nutre especial preocupação por quantidade de realizações porque, segundo eles, estatística nunca é o foco durante as competições, embora seja importante para a mídia.

 

Marc Márquez e Mick Doohan

 

Michael “Mick” Doohan foi o mais bem-sucedido piloto das 500cc, 2T, de todos os tempos. Surgiu para o universo das provas de velocidade em motos no Campeonato Australiano de Superbike, seu sucesso nas pistas justificou a contratação para pilotar pela Honda no mundial de MotoGP em 1989, compartilhando as pistas com pilotos consagrados como Wayne Rainey, Eddie Lawson, Randy Mamola e Kevin Schwantz. Sua maneira de controlar a moto era ideal para a agressividade das 500cc, em uma época onde os fabricantes privilegiavam a potência e a curva acentuada de torque fazia da NSR500 um equipamento complicado para pilotar.

Na temporada de 92 a Honda mudou a temporização dos disparos do motor introduzindo a característica “Big Bang”, resultando em menor potência em alta rotação, facilitando o seu controle. O talento de Doohan já era reconhecido, classificou-se em segundo na temporada anterior nove pontos atrás do americano Wayne Rainey. Em um acidente na primeira prova da temporada de 1992 (GP do Japão em Suzuka) seu colega de equipe, o também australiano Wayne Gardner (campeão de 1987) fraturou uma perna e a equipe Honda centrou todas as atenções em Doohan. Nas primeiras 7 provas de uma temporada de 13 GPs, o australiano colecionou 5 vitórias e 2 segundos lugares abriu 65 pontos de vantagem para o então bicampeão mundial, o americano Wayne Rainey da equipe Yamaha.




Com uma campanha impecável liderava o campeonato com folga até o TT da Holanda. Nos testes livres em Assen, a Catedral da Motovelocidade, Doohan depois de uma primeira queda sem consequências, voltou para a pista e sofreu um highside, um acidente onde o piloto é catapultado da moto e resultou em uma fratura na tíbia direita. O acidente não foi nada incomum, havia concluído uma volta rápida na classificação e a bandeira vermelha foi acionada porque a moto de Randy Mamola estava vazando fluido na pista, Doohan entrou em uma curva 180 km/h, perdeu o controle e foi catapultado da moto. O acidente resultou em uma fratura em espiral dupla da perna direita. Para qualquer pessoa isso implicaria em muitas semanas de descanso e recuperação, porém liderando o campeonato por apenas 65 pontos e faltando ainda seis provas na temporada, um longo afastamento poderia comprometer o resultado de todo o ano. Para poupar tempo Doohan decidiu ser operado na Holanda, imaginando que as opções do Reino Unido ou EUA demandassem maior demora para o início da correção clínica. O   Dr. Claudio Costa, médico chefe do GP, aconselhou utilizar meios mecânicos para fixar os pedaços de osso. O resultado foi desastroso, faltou habilidade ao cirurgião holandês e, além da possibilidade de Doohan ter a perna amputada, ele passou a correr risco de vida. Por insistência do Dr. Costa foi formada uma junta médica para reexaminar sua perna. Cortaram a musculatura da parte de trás do joelho até o tornozelo e investigaram o pé. A gangrena crônica, que obrigaria a amputação do membro ainda não estava instalada, mas havia indícios que o processo já havia iniciado. O Dr. Costa decidiu que Doohan e outro piloto que estava em tratamento, Kevin Shantz, deviam ser removidos imediatamente para a Itália. O australiano foi transferido para uma clínica na privada já com diversos órgãos entrando em colapso devido à pouca circulação no membro sinistrado, o risco de amputação havia evoluído para risco de vida.

 O piloto foi então submetido a uma cirurgia experimental, o médico italiano Claudio Costa utilizou o sistema de irrigação da perna esquerda para revitalizar a direita, Doohan ficou com as duas pernas costuradas por 14 dias, a circulação foi restabelecida, entretanto parte da funcionalidade do seu membro direito foi irremediavelmente comprometida.

O piloto perdeu quatro etapas da temporada. O seu retorno no GP do Brasil foi feito em circunstâncias desfavoráveis, a pista de Interlagos é um ícone da Fórmula 1, porém um circuito inadequado para as 500cc. Para aumentar a segurança foi construída uma chicane na curva do Café, mas para o piso ondulado e os muros que antecedem a reta dos boxes muito próximos da pista não havia solução. Os principais pilotos, entre eles Wayne Rainey, Eddie Lawson e o próprio Mick Doohan pressionaram pelo cancelamento da prova que, se efetivado, garantiria o título da temporada para o australiano, entretanto os interesses comerciais prevaleceram e a corrida foi mantida.

Michael Doohan chegou em São Paulo em uma cadeira de rodas e com a musculatura das pernas pouco desenvolvida devido a prolongada ausência de exercícios. O piloto ocultou dos responsáveis que sua perna direita não estava recuperada, estava sem sensibilidade do joelho para baixo. Ele participou de uma corrida em um circuito desfavorável para motos, com um clima chuvoso e com uma perna só. O 12° lugar no Brasil e o 6° na última etapa não foram suficientes para acompanhar a pontuação de Wayne Rainey, que com sua Yamaha conquistou o terceiro título consecutivo.

Doohan ainda estava em processo de recuperação da funcionalidade da perna, que continuava sem sensibilidade do joelho para baixo durante a maior parte da temporada de 93, ano de estreia de Alex Barros na moto GP e do trágico acidente de Wayne Rainey que o colocou definitivamente em uma cadeira de rodas. Kevin Schwantz foi o campeão encerrando o ciclo dos pilotos americanos, o australiano foi o quarto colocado e conseguiu uma vitória no GP de San Marino. A falta de mobilidade do tornozelo direito impedia o uso correto do freio traseiro e a Honda improvisou um controle com acionamento do polegar esquerdo, alterando a técnica de pilotagem da moto. Óbvio, houve quem alegasse que o freio traseiro controlado pela mão era uma vantagem indevida, reclamação desconsiderada pela FIM porque o regulamento da competição era omisso nesta área e todos poderiam replicar a inovação. Este recurso foi recuperado para equipar a moto de Marc Márquez porque com a inclinação do equipamento maior de 60° impede e o acionamento do freio com o pé. A temporada de 1994 encontrou o piloto melhor adaptado às suas limitações, Doohan arrasou a concorrência conquistando 317 pontos contra 174 do segundo colocado, a Yamaha de Luca Cadalora. Venceu 9 vezes em 14 provas, os melhores resultados de seu companheiro de equipe (Alex Crivillé) foram três 3º lugares.

Michael Doohan conquistou cinco mundiais seguidos, de 94 a 98, todos com uma larga margem de pontos. Seu comportamento na pista sempre foi pilotar no limite, houve provas em que venceu com mais de 30 segundos de vantagem sobre o segundo colocado. Em 1999 acidentou-se no terceiro GP da temporada, Espanha, e abandonou as pistas.

Marc Márquez foi campeão mundial na 125cc e Moto2 antes de ser confirmado na vaga de Casey Stoner, que se aposentou em 2012, na MotoGP. Depois de uma temporada acidentada em 2013 quando conseguiu vencer Jorge Lorenzo, foi o campeão da categoria mais jovem de todo os tempos e iniciou uma estatística repleta de recordes.

Conseguiu um início dos sonhos em 2014, venceu as 10 primeiras corridas e seu segundo título mundial da principal categoria, garantiu o título faltando 3 provas para o final da temporada. O projeto do equipamento de 2015 não correspondeu, seu desempenho só melhorou quando decidiram utilizar o quadro do ano anterior. Assistiu uma disputa fratricida entre as duas Yamaha da equipe oficial e foi atraído para o olho do furacão por uma tentativa esdrúxula de Valentino Rossi de montar uma guerra psicológica contra seu companheiro de equipe, o campeão da temporada Jorge Lorenzo.

 

Marc Márquez – Jerez de la Frontera (2020)


Recuperou o título em 2016, temporada em que Rossi foi o desafiante mais consistente, porém com 4 quedas (Circuito das Américas, Mugello, Assen & Motegi) sepultaram suas aspirações de disputa do título. A disputa de Márquez com Lorenzo em Mugello foi fantástica, com a vitória do piloto de Palma de Mallorca na linha de chegada. Enfrentou um novo desafiante nas 2017, 2018 e 2019, a Ducati de Andrea Dovizioso que ameaçou em 2017 e foi massacrado em 2018 e 2019. A temporada de 2019 poderia ser classificada de perfeita não fosse a queda no GP dos EUA, em todas as outras provas esteve em 1º (12) e 2º (6).

Em 2020 o piloto espanhol encarou sua pior temporada, acidentou-se na primeira prova e colecionou uma série de contratempos resultantes da pressa em voltar às pistas e mau aconselhamento médico. Além de perder a toda a temporada, ainda está em processo de recuperação e sem data para voltar a pilotar.

Michael Doohan e Marc Márquez partilham, além das carreiras exclusivas na Honda, históricos de superação de problemas. Seu comportamento fora das pistas também é semelhante, se não evitam, também não buscam holofotes, são atenciosos com fãs e imprensa e não há registro de alguma vez terem reclamado em público de seus equipamentos.

MotoGP – Como tudo começou (3)


 No início dos anos 70, Yamaha, Honda e Suzuki somavam vitórias e títulos nas categorias de 125cc e 250cc, em 1975 marcou o primeiro ano em que uma equipe japonesa conseguiu chegar ao título da principal categoria com Giacomo Agostini vencendo seu último título. A temporada de 1975 marcou o início do domínio das máquinas produzidas na terra do sol nascente, que perdura até os dias atuais com uma única exceção, o título obtido por Casey Stoner em 2007 com uma Ducati. Os meados da década de 70 também marcaram o protagonismo de pilotos que utilizavam o Inglês como língua nativa.

 

Em 1976 a Suzuki conquistou o título com o britânico Barry Sheene e as motos nipônicas conseguiram as 10 primeiras colocações do ano, vencendo 8 das 10 provas, as exceções foram a Yamaha na Ilha de Man e a MV Agusta, escolhida por Agostini exclusivamente para disputar o GP da Alemanha, no antigo traçado de 22 km do circuito de Nurburgring.

 

Sheene repetiu o feito no ano seguinte (1977), porém a hegemonia da Suzuki foi ameaçada pelo crescimento do desempenho das Yamaha. A temporada foi marcada por diversos acidentes fatais, como o GP da Áustria de 350cc disputado em Salzburgring que causou o óbito do suíço Hans Stadelmann e ferimentos graves em Johnny Cecotto, Patrick Fernandez, Dieter Braun e Franco Uncini. O acidente causou um boicote de pilotos da 500cc e o GP foi realizado por um número reduzido (6) de competidores. Houve incidentes também no GP da Iuguslavia no circuito de Opatija quando os organizadores falharam em tomar medidas para melhorar a segurança do circuito, cujo traçado por estradas e incluía paredes de rocha sólida e quedas íngremes mal protegidas. Ulrich Graff bateu contra uma parede de pedra ao ter um pneu furado, sofreu ferimentos graves e mais tarde foi decretado se. O circuito de Opatija foi banido do calendário.

 

Barry Sheene foi um ídolo britânico que transitava com igual desenvoltura entre o noticiário social e esportivo no Reino Unido. Em 1975 sobreviveu a um acidente espetacular em uma prova promocional fora do calendário oficial, a Daytona 200, que resultou em fraturas na coxa esquerda, braço direito, clavícula e duas costelas. Na mesma temporada com uma RG500 conquistou sua primeira vitória no TT holandês. Em 1976 venceu 5 GPs de 500cc e conquistou seu primeiro mundial, e repetiu a dose em 1977 com 6 vitórias.


Barry Sheene – o primeiro superstar do motociclismo Britânico


A importância de Barry Sheene para a motovelocidade britânica transcende às pistas, além de um excelente piloto era um showman e uma fonte praticamente inesgotável de manchetes para os agentes da mídia. Em uma temporada não disputou as últimas provas porque não teria nada a ganhar, estava com o título assegurado. Em uma oportunidade para promover uma marca de cigarros abriu um furo no capacete para poder fumar antes da largada. No início de sua última temporada de grandes prêmios, após 3 anos de resultados pífios, Sheene montou na sua RG500 em um palco de TV durante um programa ao vivo em horário nobre na British Broadcasting Corporation (BBC). Esse tipo de exposição não tem preço para os patrocinadores.


 

Barry Sheene com uma Yamaha em 1980

 

A divulgação na mídia da temporada de 1978 cresceu muito, impulsionada pela popularidade do então campeão Barry Sheene e pela presença do extraordinário piloto norte-americano Kenny Roberts. Um dos quatro pilotos da história a vencer o Grand Slam da AMA (American Motorcycle Association), Roberts havia participado com uma equipe de pilotos americanos do Transatlantic Match de 1974, competindo contra uma equipe britânica. O consenso da época era que pilotos americanos, formados em pistas de terra, não eram adversários para os britânicos, especializados em corridas no asfalto. Roberts destruiu esta crença ao vencer três das seis provas e terminou em segundo lugar nas três restantes. No evento Roberts contribuiu com 93 pontos para sua equipe, cinco a mais que Barry Sheene, o melhor piloto britânico. Kenny Roberts com uma Yamaha foi o campeão da temporada, com 10 pontos mais que a Suzuki de Sheene. A batalha de Sheene com Kenny Rogers no GP da Inglaterra de 1979 é citada como uma das melhores dos campeonatos promovidos pela FIM.

Após a temporada de 1979, Sheene abandonou Suzuki, acreditando que ele estava recebendo equipamento inferior em comparação com o de seu companheiro de equipe. A vitória de Sheene no Grande Prêmio da Suécia de 1981 foi a última vitória de um piloto britânico na categoria principal até a vitória de Cal Crutchlow no GP da República Tcheca de 2016.

 

Kenny Roberts - Yamaha YZR500 na pista de Imatra (1979)

 

Apesar de sua baixa estatura, 1,55m, Kenny Roberts contribuiu com o esporte de velocidade em motos por mais de três décadas. Depois do bicampeonato de Sheene em 1976/1977, Roberts venceu 3 mundiais consecutivos de 500cc, de 1978 a 1980. Foi posteriormente um chefe de equipe muito bem-sucedido e é pai de Kenny Roberts Junior, que foi campeão mundial em 2000. Roberts surgiu para o motociclismo esportivo nos EUA, vencendo campeonatos nacionais em pistas de terra e estradas na década de 70. Fez uma aparição pontual em 1974 no GP de Assen, pilotando uma Yamaha e obteve um 3º lugar. Foi contratado pela equipe para disputar a temporada de 1978 e o primeiro norte americano a conquistar o título já no seu ano de sua primeira participação. Seus duelos espetaculares com Barry Sheene e Freddie Spencer marcaram o seu segundo título em 1979 e repetiu o feito em 1980. A sua última temporada foi 1983 quando perdeu o campeonato para Freddie Spencer por apenas dois pontos, apesar de ter vencido seis das 12 corridas do ano.

Kenny Roberts montou sua própria equipe, que conseguiu com a Yamaha os títulos simultâneos de 500cc e 250cc em 1990 com os pilotos Wayne Rainey e John Kocinski, respectivamente. Rainey ganhou três títulos consecutivos na primeira classe sob a administração de Roberts, repetindo as conquistas de seu chefe de equipe pouco mais de uma década antes.


Wayne Rainey - 1993

 

Em1980 a Honda introduziu a exótica NR500 de quatro tempos, que não marcou nenhum ponto, em 81 e 82 a Suzuki retomou a primazia com os pilotos italianos (Marco Lucchinelli e Franco Uncini). Na temporada de 82 a Yamaha introduziu um novo motor V4 para Kenny Roberts e a Honda abandonou a NR500 quatro tempos participou com a NSR500, motor V3 dois tempos, com a condução de Freddie Spencer.

Os 7 anos seguintes registraram a disputa feroz entre Freddie Spencer da Honda, vencedor em 83 e 85, e Eddie Lawson da Yamaha em 84,86, 88 e 89, este último ano com uma Honda. Wayne Rainey conquistou o seu tricampeonato nos anos 90, 91 e 92. O ano de 92 marcou a despedida das pistas de Eddie Lawson, que conseguiu no GP de Hungaroring a única vitória da Cagiva na categoria de 500cc.

 

Adendo:

Durante a maior parte dos anos 60 a Honda dominou as provas de motovelocidade quando, em 1967, surpreendeu o mundo anunciando que iria se retirar das competições porque não havia mais nada a ganhar, mais nada a provar. Durante mais de uma década os adversários estiveram livres do opressivo poderio tecnológico da Honda.  

 

NR500 – O maior fracasso da Honda

 

A ausência da Honda terminou em 1979 quando, para a felicidade dos aficionados, a fábrica decidiu voltar ao Mundial. A fábrica sempre optou por sua própria linha de desenvolvimento e optou por uma mudança radical: em vez de fabricar uma motocicleta de 500cc com motor 2 tempos, tecnologia dominante à época, optou pelo motor 4 tempos como os de seus motores vencedores do passado. A decisão implicou em enorme desafio, o regulamento técnico da época não previa nenhuma compensação para equilibrar o rendimento entre motores, uma desigualdade flagrante, tendo em vista que os de ciclo 2 tempos, em paridade de cilindrada, eram cerca de 50% mais potentes que os motores de 4 tempos. Como regulamento do Mundial de Motovelocidade estabelecia um limite para a categoria máxima 500cc tanto para motores 2T e 4T, a escolha da Honda foi temerária, era praticamente impossível alcançar a potência das máquinas 2T com cilindrada igual. 

Um modo de conseguir seria um motor turbinado, entretanto o regulamento não permitia a sobre alimentação. Outra hipótese era aumentar o número de cilindros, a fábrica tinha a tecnologia utilizada em máquinas 125cc com 5 cilindros (modelos RC148 e 149) e com 250cc com 6 cilindros em linha, porém, o regulamento limita o número de cilindros a quatro. A solução técnica foi a utilização de pistões ovais, respeitando o limite regulamentar – 4 cilindros e 500 cc – a maior área dos pistões ovais permitiria fazer o motor ter características de potência de um motor de 8 cilindros.

A complexidade dos motores contrastava com a simplicidade dos 500cc 2T. A previsão teórica de igualar a potência de máquinas 2T através do aumento de rotações (15 mil RPM era o limite da NR500) não foi confirmada, o V4 de pistões ovais era pesado demais e quebrava com facilidade. Os engenheiros e técnicos da Honda trabalharam intensamente adquirindo conhecimento técnico em áreas diversas como metalurgia, lubrificação, refrigeração e eletrônica. Tudo para economizar peso, ganhar confiabilidade e, claro, desenvolver potência. Não funcionou. Em 1981 a Honda finalmente conseguiu uma vitória, depois de três temporadas de sucessivas quebras s NR500 venceu uma prova de resistência, os 500 km de Suzuka, onde o motor conseguiu desenvolver 130 CV girando a incríveis 19.500 rpm. Paradoxalmente a 1ª vitória da moto com pistões ovais, com uma reputação de fragilidade, aconteceu em uma corrida de resistência.

 

O revolucionário pistão oval da Honda

 

A NR500 foi substituída pela ágil NS 500 de três cilindros em V, 2T, moto que desde sua primeira temporada se revelou vencedora e conquistou seu primeiro título mundial em 1983 com Freddie Spencer.