quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

MotoGP - Como Tudo Começou (2)

 




 
O primeiro campeonato mundial promovido pela Federação Internacional de Motociclismo foi realizado em 1949, constou de 6 Grandes Prêmios (Ilha de Man, Suíça, Holanda, Bélgica, Irlanda e Itália), sete marcas de equipamentos (AJS, Gilera, Norton, Moto Guzzi, Velocette, Triumph e BMW) e a participação de 118 pilotos na classe 500cc. O regulamento da primeira temporada do Grand Prix Motorcycle Racing incluiu 5 categorias, 500cc, 350cc, 250cc, 125cc & Sidecars 600cc, a primeira prova foi em 17 de junho, na Ilha de Man, e o encerramento em 4 de setembro. A premiação contemplava 10 pontos para o 1º colocado, 8, 7, 6 e 5 respectivamente do 2º ao 5º e um ponto extra atribuído ao autor da melhor (mais rápida) volta. Como na época havia sérios problemas de confiabilidade de equipamentos, para efeitos de campeonato apenas os três melhores resultados eram contabilizados.

Todos os GPs, à exceção da prova de encerramento disputada em Monza na Itália, foram realizados em circuitos de estradas fechados para circulação pública durantes os eventos. A primeira prova foi no circuito Snaefell Mountain Course na Ilha de Man (60,72 km, 37,73 milhas).  O GP da Suíça, disputado no traçado de Bremgarten (7,28 km – 4,23 milhas), ficou no calendário até 1954 quando as autoridades suíças proibiram provas de veículos automotores em função das trágicas ocorrências das 24 horas de Le Mans em 1955, onde o Mercedes desgovernado do francês Pierre Levegh resultou em 84 óbitos.

 

Snaefell Mountain Course na Ilha de Man

 

Na sequência houve o GP disputado em Assen, na Holanda, originalmente um traçado de estradas que interligava os vilarejos de Borger, Schoonloo e Grolloo com 28,67 km, razão pela qual a prova  tem até os dias de hoje o nome de TT Assen (Tourist Trophy). As características do circuito original criaram uma tradição, a semana normal dos GPs sempre inicia na sexta-feira e encerra com a prova no domingo. Em Assen a programação foi adiantada em um dia porque, por fechar estradas abertas ao tráfego, no domingo não permitia aos nativos frequentarem as igrejas, assim na Holanda as atividades iniciavam na quinta-feira e se encerravam no sábado. A tradição se manteve depois de inaugurado o autódromo até meados da última década.

Spa-Francorchamps, uma pista que incluía estradas nos arredores das cidades belgas de Spa e Stavelot, hospedou o quarto GP da temporada. Spa-Francorchamps era o circuito de estrada mais rápido da Europa e tinha a reputação de ser muito perigoso, a maioria dos pilotos ficava desconfortável em participar de GPs onde as velocidades eram consistentemente altas, com aceleração total sem nenhuma folga durante 3 a 4 minutos. Um desafio mental extraordinariamente difícil, pois a maioria das curvas eram tomadas em altas velocidades e em piso nem sempre plano. Spa e Le Mans, ambos os circuitos que utilizavam vias públicas, ficaram conhecidos pelo número de acidentes fatais. O atual circuito belga é muito menor e exclusivo para corridas, porém ainda mantém no lay-out a famosa curva Eau Rouge (Água Vermelha), que a cantora Carly Simon utilizou para homenagear Ayrton Senna com a música “Nobody does it better - Ninguém faz melhor”.

O quinto GP da temporada foi realizado na Irlanda do Norte, no circuito de Clady com 26,58 km, outra pista que utilizava trechos de estradas normalmente abertas ao tráfego. Uma característica que tornava o GP da Irlanda único era uma reta com absurdos 11 km de extensão.

 

 

Circuito de Clady no Ulster (Irlanda do Norte)

 

A temporada encerrou com o GP da Nações no Autódromo Nacional de Monza, a única disputada em um circuito dedicado, que não difere muito do layout atual.

 

O primeiro piloto a conquistar o título de campeão do mundo da principal classe (500cc) foi o britânico Leslie Graham, com uma AJS (produzida no Reino Unido), embora não tenha pontuado em duas etapas, na Bélgica e na Itália. A AJS era equipada com um motor 500cc desenvolvido na década de 30 e adaptado para o combustível de baixa qualidade disponível na Grã-Bretanha no período pós-Guerra e uma suspensão traseira de quadro de molas. Na classe 350cc o britânico Freie Firth com uma Velocette (também britânica) venceu todas as provas da temporada.

 

Leslie Graham & equipe

 

O sucesso foi do campeonato mundial imediato, no ano seguinte o certame contou com as mesmas seis provas, mais cinco marcas de equipamentos (MV Agusta, Bitza, BSA, Rudge-Whitworth e Vincent) participaram e o número de pilotos inscritos cresceu para 129.

 

Os anos de 1951 a 1955 apresentaram o primeiro multicampeão da motovelocidade, o britânico Geoff Duke, que pilotando motos Norton (inglesa) venceu 4 mundiais da 500cc e dois da 350cc. Os 19 anos seguintes consolidaram a hegemonia das motos MV Agusta, que acumularam 18 mundiais da principal categoria com os pilotos John Surtees, Mike Hailwood e Giacomo Agostini.

 

O inglês John Surtees, falecido recentemente, é o único piloto que conseguiu títulos mundiais nos principais campeonatos de duas (motos) e quatro (F1) rodas. Surtees em 1959 venceu as 8 provas do de 500cc (todas da temporada) e 6 da 350cc, conquistando o título em ambas as categorias, venceu sete títulos com motos MV Agusta (350cc de 1958 a 1960 e 500cc em 1956 e de 1958 a 1960). No automobilismo venceu o mundial de F1 pela Ferrari em 1964 e a temporada da CanAm em 1966.


John Surtees - MV Agusta


A liderança das MV Agusta nas competições de 500cc promovidas pela FIM prosseguiu nos anos seguintes com quatro títulos de Mike Hailwood entre 1962 e 1965.  Até então os campeonatos vencidos pela marca italiana MV Agusta contavam com pilotos britânicos (Surtees e Hailwood), situação alterada em 1966 por Giacomo Agostini que, com a proteção do conde Giovanni Agusta, iniciou uma sequência de títulos "puro sangue", piloto e equipamento italianos.

 

A supremacia das motos MV Agusta entre 1958 e 1974 não pode ser contestada, neste período os equipamentos da fábrica italiana venceram 15 mundiais seguidos na principal classe, 500cc, feito extremamente improvável de ser repetido. O maior vencedor da história do motociclismo, Giacomo Agostini, foi beneficiado por esta superioridade e obteve números de desempenho impressionantes, não igualados até os dias atuais. Entre 1968 e 1971 participou de 68 GPs promovidos pela FIM, 38 na 500cc e 30 na 350cc, venceu todos. Só não conquistou todos os títulos com 100% de aproveitamento (como aconteceu na 500cc em 1968) porque decidiu não participar de algumas provas. O italiano conquistou quinze campeonatos mundiais, 8 na classe 500cc e 7 na 350cc. Embora as estatísticas de Agostini sejam impressionantes, é necessário ressaltar que durante um longo tempo não enfrentou um único rival com um equipamento equivalente ao seu. Mike Hailwood, que havia conquistado o tetracampeonato pela equipe, migrou para a Honda alegando uma indisfarçável preferência do Conde Agusta pelo conterrâneo italiano.

 

O multi-campeão Giacomo Agostini

 

A carreira lendária de Agostini foi desenvolvida em uma época onde os recursos eram limitados, a moto era montada em um quadro rígido de aço tubular, com um enorme tanque de gasolina e o centro de gravidade deslocado para próximo da roda traseira. Os pneus eram convencionais, com as lonas compostas por fibras têxteis e sobrepostas em diagonal, proporcionando um grip (aderência) limitado. A técnica de pilotagem mais eficiente na época recomendava manter a moto na vertical o maior tempo possível.

 

A MV Agusta utilizava um motor de 3 cilindros, 4 tempos. Depois de perder o título de 1973 para Phill Read, colega de equipe, Agostini surpreendeu o mundo quando anunciou que estava trocando a MV Agusta pela Yamaha para a temporada seguinte, alegando que as máquinas japonesas (Yamaha e Suzuki) com motor de dois tempos estavam mais competitivas. Em seu primeiro ano na nova equipe conseguiu o título de 350cc, lesões e problemas mecânicos o impediram de acompanhar os resultados de Read com a MV Agusta na 500cc, o britânico conseguiu 4 vitórias contra apenas 2 do italiano nas 8 provas da temporada. O campeonato de 1975 proporcionou último título mundial de Agostini, então com 33 anos, e marcou a primeira vez que uma máquina japonesa com motor de dois tempos conseguiu vencer na principal categoria. Esta temporada marcou também o primeiro de uma longa série de campeonatos vencidos por máquinas japonesas, que se estende até a temporada atual, com exceção de 2007, quando Casey Stoner foi campeão com uma Ducati.

 

Em 1976 Agostini competiu com uma Suzuki e optou por utilizar uma MV Agusta para disputar o GP de Nurburgring, sua última vitória em campeonatos mundiais. O piloto encerrou sua carreira em 1977, depois de classificar-se em 6° a bordo de uma Yamaha.

 

Giacomo Agostini venceu 10 vezes o lendário Troféu Turismo da Ilha de Man e 7 vezes o GP da Irlanda (Ulster), considerados os circuitos de estrada mais difíceis do mundo, rompendo uma tradição em que só pilotos de língua inglesa tinham sucesso nestas pistas. Durante os treinos para a corrida de Nurburgring em 1976 o piloto italiano surpreendeu o mundo anunciando que nunca mais disputaria o GP da Ilha de Man, considerava que o circuito de 37 milhas já não era compatível com a segurança necessária para uma competição do campeonato mundial. Na época, o TT era a etapa de maior prestígio no calendário de motociclismo. Outros pilotos anunciaram a sua adesão ao boicote e o evento foi retirado do calendário no ano seguinte.

 

Competidor no Isle of Man TT

 

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