segunda-feira, 26 de agosto de 2019

MotoGP – Silverstone 2019








Alex Rins & Marc Márquez na linha de chegada – Silverstone 2019



Um erro comum quando se analisa provas da MotoGP é imaginar que a rigidez do regulamento, orientado para aumentar a competitividade, determine que todos os protótipos estejam baseados na mesma concepção. Cada fabricante opta por uma linha de desenvolvimento centrada em princípios e conceitos próprios. A escolha dos motores, por exemplo, define se o fabricante busca produzir uma moto com excelente resposta em baixas e medias rotações (V4), ou uma com maior estabilidade em curvas (4 cilindros em linha). Na temporada atual Ducati, Honda, Aprilia e KTM optaram pelo V4, Yamaha e Suzuki escolheram o 4 em linha. As diferenças entre os dois conceitos explicam os motivos das constantes reclamações de Andrea Dovizioso (Ducati, V4) por mais velocidade em curvas e de Valentino Rossi (Yamaha, 4 em linha) por melhor aceleração e velocidade final.

Algumas características são importantes enquanto um protótipo está sendo desenvolvido.  A RC213V foi concebida em 2012 seguindo a linha de explorar o bom desempenho do motor (potência e torque) em baixas rotações, ideal para características de para/arranca, que permite que os pilotos Honda ganhem tempo freando mais tarde e retomando a velocidade mais rápido. A vantagem de Marc Márquez sobre seus colegas de equipe é que ele consegue alguma velocidade adicional nas curvas combinando o wheelspin (derrapagem) da roda traseira com um maior ângulo de inclinação. A RC213V é um protótipo adequado para a maioria dos layouts dos circuitos que hospedam a MotoGP.

O projeto da GXS-RR da Suzuki é mais recente, ficou pronto em 2014 e é centrado nas propriedades do motor de 4 cilindros em linha, mais compacto, que facilita o setup para distribuição de peso e deixa a moto mais ágil em curvas. Motores com cilindros em linha obrigatoriamente utilizam eixo de manivela mais longo, cuja inércia produzida contribui para manter a moto em seu arco quando está realizando um contorno.

Durante a semana que antecedeu o GP da Grã-Bretanha, Marc Márquez disse que seu objetivo era terminar a prova na frente de Dovizioso e em mais de uma ocasião declarou que temia o desempenho das Yamaha. Não estava errado, sua Honda foi a única V4 nos Top Five, lembrando que outra moto com cilindros em linha e chances de bom desempenho, de Fabio Quartararo, abandonou a prova prematuramente.

A vitória de Alex Rins em Silverstone foi merecida, o piloto da Suzuki assumiu a perseguição a Márquez desde a primeira volta, nunca permitindo ao líder do campeonato abrir uma diferença confortável. Enquanto a sua moto fluía através das curvas do circuito conservando os pneus, o protótipo da Honda parecia estar sofrendo crises de Alzheimer na saída de curvas, chacoalhava muito exigindo do campeão um esforço brutal e muita perícia para manter o controle. Márquez, ao receber a sinalização em seu painel, confirmada pelo aviso da placa na primeira volta, “DOVI OUT”, poderia optar por uma corrida mais conservadora, afinal qualquer pontuação significaria um acréscimo em sua vantagem no campeonato. O DNA do campeão, entretanto, falou mais alto, ele manteve em toda a prova o objetivo da vitória, que só foi frustrado nos últimos metros.

Embora com um desfecho igual, a vitória de Rins em Silverstone não guarda semelhança com a obtida por Dovizioso em Red Bull Ring. Na Áustria Márquez havia escolhido mal os pneus e ficou sem aderência na última curva. Em Silverstone um dos aspectos mais importantes foi a largura da pista, na penúltima curva o atual campeão do mundo optou por uma linha defensiva para não permitir que a Suzuki utilizasse sua maior velocidade no contorno, Rins manteve a linha eterna e aproveitou o melhor estado de seus pneus para preparar o ataque final. Foi a segunda vitória da Suzuki no circuito inglês, sua primeira depois de retornar para a MotoGP foi obtida por Maverick Vinales em 2016.

A disputa entre os líderes eclipsou a prova dos demais concorrentes, que foi bastante disputada até consolidar as colocações finais. As Yamaha de Vinales (3º), Rossi (4º) e Morbidelli (5º) comprovaram a adequação dos motores com cilindros em linha ao circuito. Cal Crutchlow, o piloto de casa, levou a segunda Honda para a 6ª posição, à frente das Ducati de Petrucci (7º) e Miller (8º). Pol Espargaro classificou a KTM na 9ª posição e Andrea Iannone com a Aprilia foi o décimo. Os 6 fabricantes ficaram representados no Top Ten. Também merecem citações a 14ª colocação de Jorge Lorenzo, depois de uma longa ausência e ainda não totalmente recuperado. Cinco pilotos não terminarem a prova.

Diversas mídias noticiaram uma possível esperteza de Márquez para obter a sua 60ª pole, aproveitando o vácuo de Valentino Rossi nos últimos minutos do Q2. O próprio Marc reconheceu que usou a estratégia andar atrás do italiano, mas lembrou que seu tempo foi quase meio segundo mais rápido, que é equivalente na pista a uma distância percorrida de quase 25 metros. 



Carlos Alberto


quinta-feira, 22 de agosto de 2019

MotoGP - Evolução da RC213V

Spoiler no braço oscilante da RC213V em Red Bull Ring


Após a 11ª etapa desta temporada (2019) Marc Márquez está liderando com larga margem a corrida pelo mundial de pilotos, a Honda lidera o campeonato de fabricantes (só pontua a moto melhor classificada de cada fábrica) e continua investindo pesado no desenvolvimento da RC213V.

No GP da Áustria a HRC disponibilizou para Márquez um novo quadro revestido de fibra de carbono, uma nova carenagem com alterações na aerodinâmica e um spoiler montado no braço oscilante (foto acima), muitas novidades para uma única corrida. A utilização do protótipo pelo piloto permite que o fabricante verifique o comportamento das modificações em condições de corrida, se Márquez perder uns poucos pontos não é muito significativo, os dados obtidos durante a corrida são inestimáveis, muito mais úteis que dados de teste.

Segundo o sentimento de Márquez depois da corrida, a “colher”, modo como ele se refere ao spoiler no braço oscilante, aumenta o downforce durante a frenagem e a nova aerodinâmica contribui para reduzir os wheelies. O piloto aprovou as mudanças em Red Bull Ring, porém esta pista tem características peculiares, o comportamento pode não ser adequado em outros circuitos.

Márquez afirmou que: “Com o quadro estamos tentando encontrar mais confiança no pneu dianteiro e melhorar a aderência no pneu traseiro”.

Os engenheiros da HRC estão trabalhando para suavizar a flexão lateral do chassi da RC213V desde a última temporada, tornar a moto menos agressiva. Suavizando o comportamento em curvas e maior velocidade em linha reta ajuda os pilotos da moto a serem mais competitivos e correrem menos riscos. Com o mesmo número de etapas em 2018 Márquez contabilizava 12 quedas, este ano caiu 6 vezes, nenhuma delas depois da etapa de Le Mans. Em tempo, a Honda não contou com seus principais pilotos na pré-temporada, Marc havia operado o ombro, Lorenzo estava recuperando uma fratura no escafoide devido a um acidente enquanto praticava motocross e Crutchlow recuperando o tornozelo destruído em Phillip Island, que o tirou do resto do campeonato em 2018.

Um dos principais objetivos do novo quadro – reforçado por camadas de fibra de carbono – é melhorar o comportamento em curvas. O escopo não só é que melhorar o desempenho, fazendo a moto mudar de direção mais rápido, também reduz a necessidade de inclinação em ângulos acentuados e a carga nos pneus, permitindo o uso de compostos macios com maior aderência.

Piero Taramasso, gestor da divisão de duas rodas da Michelin, explica que com um quadro e suspensão rígidos, os pneus têm que fazer todo o trabalho. Quando o chassi e a suspenção ajudam, a sua atividade é facilitada.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

MotoGP – Importância da Lealdade

Sachsenring 2016 – Valentino ignora orientação da equipe

Michael Collins foi o piloto do módulo de serviço da nave Apolo XI durante a histórica missão da conquista da lua 50 anos atrás. Em sua missão, enquanto a nave orbitava em torno do satélite natural da terra, parte do trajeto passava pela face oculta e o rádio era bloqueado, não havia comunicação possível com qualquer outro ser vivo. Em períodos de pouco mais de 4 horas Michael era o homem mais solitário do universo. Quando indagado no retorno qual o sentimento que tinha experimentado na ocasião Michael respondeu: “Receio, pela nave ter sido construída pela empresa que propôs o menor preço, e confiança absoluta no suporte da equipe de apoio”.

Recentemente um jornalista especializado em MotoGP (Mat Oxley) escreveu que são três as motivações para um piloto que participa da categoria, (1) satisfação pessoal, (2) recompensa financeira e (3) lealdade à equipe. Dois destes itens não dependem de terceiros, o último implica em um trabalho conjunto onde o comprometimento de todas as instâncias nos boxes é fundamental, justificado por um ensinamento militar expresso no clássico “A arte da guerra” de Sun Tsu: “Nenhum exército alcança a vitória se os soldados não confiam em seu general”. Em diversos registros históricos da MotoGP existem exemplos que confirmam esta assertiva.

A MotoGP é um esporte solitário, durante uma prova o piloto depende exclusivamente de suas ações, decisões e da resposta do equipamento. Não existe comunicação com a equipe de apoio e a telemetria é unidirecional, da moto para os boxes. As únicas indicações que o piloto pode receber são mensagens com um número limitado de caracteres em um visor no painel e placas mostradas na reta dos boxes. O espirito de luta do piloto, que o encoraja a correr os riscos inerentes de uma prova, depende do respaldo de toda a estrutura da equipe.

Talvez o exemplo mais representativo do prejuízo causado pela falta de confiança dos pilotos nas orientações da equipe tenha ocorrido no GP de Sachsenring em 2016. Na ocasião a largada foi autorizada com a pista muito molhada, mas sem chuva. Marc Márquez saiu na pole e foi gradualmente caindo na classificação até a volta 9, quando saiu da pista e fez um passeio pelo cascalho caindo para a 11º. O piso começou a secar e formou um trilho, a equipe Repsol-Honda chamou o piloto pouco depois do meio da prova para trocar sua moto por uma equipada com pneus slick. Márquez voltou para a pista e nas voltas seguintes marcou tempos até 7 seg mais rápido que os outros concorrentes. O grupo que liderava, entre eles Rossi, Crutchlow e Dovizioso, embora insistentemente chamados pelos boxes ficou mais 5 voltas com pneus para chuva extrema em uma pista com um trilho totalmente seco. Por ter confiado na equipe, Márquez recuperou todo o atraso que tinha e venceu a prova com uma larga diferença. Em tempo, desde que foi promovido para a MotoGP em 2013 Márquez trabalha com a mesma tripulação e nunca houve uma única declaração pública, sua ou da equipe que o acompanha, criticando a moto. Existe praticamente um consenso que a RC213V é um equipamento extremamente físico e complicado de pilotar.

Existem também múltiplas oportunidades onde a lealdade entre pilotos e equipes foi e ou está sendo questionada. Johann Zarco, que dividiu com Jorge Lorenzo as manchetes mais promissoras no início da temporada, depois de poucas provas confessou o seu desapontamento com o protótipo da KTM, disse que a moto era uma droga, impossível de guiar. Nas onze provas realizadas até agora o francês se classificou uma única vez na frente de Pol Espargaro, o outro piloto da equipe, e acumulou um terço dos pontos de seu colega. Em meio da temporada e com pouco mais de um quarto do seu contrato cumprido, Zarco negociou com a KTM um divórcio amigável.

As reclamações públicas de Valentino Rossi, que não vence uma prova desde Assen em 2017, e de seu colega de equipe Maverick Vinales tumultuam o ambiente nos boxes da Yamaha. Os pilotos utilizam a imprensa para pedir ora por um motor com mais potência, ora por maior equilíbrio da moto e provocaram um desabafo de Lin Jarvis, diretor da equipe: “Perdemos o rumo em 2016 quando Lorenzo nos deixou”. O dirigente tentou depois contemporizar explicando que a queda no desenvolvimento do equipamento não era relacionada com a saída do espartano. Em outra frente, a Yamaha abortou uma negociação da satélite Petronas com o atual líder da temporada na Moto2, Alex Márquez, para pilotar para a equipe na mesma classe em 2020 com garantia de promoção para a MotoGP em 2021. A administração da Yamaha teme que a afinidade entre os irmãos Márquez facilite que segredos industriais da equipe possam migrar para a garagem da Repsol-Honda, aparentemente não consideram que o inverso também pode acontecer.

As relações entre o diretor da Ducati Gigi Dall’Igna e o principal piloto da equipe Andrea Dovizioso já estiveram bem melhor. A temporada exuberante da Honda de Márquez provoca instabilidade emocional em Dovizioso. O italiano não economiza críticas à equipe indicando que não quer mais novidades aerodinâmicas, a prioridade de desenvolvimento tem que estar centrada em maior velocidade em curvas. Dovizioso diz que este é um problema recorrente na Ducati nos últimos quatro anos. Em contrapartida, o dirigente entende que os pilotos não têm sensibilidade adequada para fornecer o feedback que a engenharia necessita e não esconde a vontade de voltar a trabalhar com Jorge Lorenzo, que acredita seja a única alternativa atualmente disponível de acabar com o reinado do #93. Enquanto Lorenzo era uma hipótese, os contratos de Danilo Petrucci (Ducati oficial) e Jack Miller (satélite Pramac) foram procrastinados, o que com certeza não contribuiu para reforçar a lealdade dos pilotos com a marca italiana.

A MotoGP envolve orçamentos milionários, que obrigatoriamente exigem algum tipo de retorno. Os administradores de equipes entendem que sempre que há um grande volume de capital investido, ferir eventuais sentimentos de pilotos talvez seja um mal inevitável. A consequência é que se um piloto que não sente o respeito e comprometimento da equipe, pode optar por ser conservador nas provas e não correr os riscos necessários para alcançar vitórias.

MotoGP 2019 - Red Bull Ring, esta terra tem dono


Red Bull Ring

O Tratado de Madrid foi assinado em 1750, entre os reis João V de Portugal e Fernando VI de Espanha, com o objetivo de substituir o Tratado de Tordesilhas e pôr fim às disputas sobre limites entre as respectivas colônias sul-americanas. O documento definiu que os territórios seriam de propriedade dos ocupantes e foi o motivo de conflitos entre espanhóis e portugueses na região indígena dos povos guaranis, localizados na nos Sete Povos das Missões, que ocupavam uma enorme área do sul do Brasil e norte da Argentina. Neste contexto surgiu a figura de Sepé Tiaraju, um líder indígena que lutou contra os espanhóis e é conhecido por ser autor da frase: “Esta terra tem dono”.
A euforia que tomou conta dos boxes da Ducati no fim do GP da Áustria depois da vitória fantástica de Andrea Dovizioso foi surpreendente. Houve uma emoção incontida de todos os integrantes da equipe, com exceção talvez de Danilo Petrucci, pela confirmação do mantra de Sepé Tiaraju, “O circuito de Red Bull Ring tem dono”. Todo o sentimento contido pelo massacrante desempenho de Marc Márquez no fim de semana até então foi extravasado, vitórias no circuito de propriedade marca de energéticos são uma exclusividade da Ducati.

Red Bull Ring tem características peculiares, é o circuito mais curto do calendario (4.318 km) e o formato de sua pista foi definido por um jornalista especializado em esportes motorizados como “um quadrado com um dente em um dos lados”. A volta de um protótipo da MotoGP pela pista implica em que por quase um minuto o equipamento fica assentado sobre a banda lateral direita dos pneus, causando uma distribuição assimétrica de calor e desgaste no componente. A topologia e a o desenho das curvas privilegiam a potência do motor e o equilíbrio da Desmosedici GP19, exigem uma técnica de condução mais suave que talvez explique a presença três Yamaha entre os cinco primeiros colocados. Pilotos com estilo mais agressivo, Cal Crutchlow e Jack Miller, caíram ao tentar acompanhar o ritmo dos líderes.

A prova, à exceção da disputa entre Dovizioso e Márquez que já está se tornando um hábito na MotoGP, teve poucos atrativos. O valor do ingresso pago foi compensado por mais um episódio da série de finais eletrizantes protagonizados entre os dois líderes da atual temporada.  A árdua disputa entre eles começou na largada e quando Márquez, que liderou na primeira curva, precipitou-se e abriu demais a curva 3, Dovizioso que vinha grudado na rabeta da moto do espanhol foi induzido ao mesmo erro e ambos foram ultrapassados, oportunizando uma liderança efêmera para Fábio Quartararo. Depois de 5 voltas a situação ficou estabilizada com #04 e #93 se alternando na primeira colocação. Com a queda de Jack Miller na volta 7, as posições de 3º a 7º adquiriram contornos definitivos, respectivamente Quartararo, Rossi, Vinales, Rins e Bagnaia. Cal Crutchlow e Pol Espargaro se tocaram na 1ª volta e abandonaram. O português Miguel Oliveira conduziu sua KTM para a 8ª colocação, seu melhor resultado na MotoGP, à frente da máquina de Johann Zarco (12º) da equipe oficial.

Assim como aconteceu no Red Bull Ring e Motegi em 2017, em Losail e Buriram em 2018 e no início da temporada em Losail este ano, Dovizioso e Márquez contornaram a última curva praticamente juntos, o pneu traseiro do espanhol entrou em wheelspin, perdeu tração e a Ducati do italiano recebeu a bandeira quadriculada em primeiro lugar, liberando uma onda de euforia nos boxes da equipe. A esquadra de Borgo Panigale estava sob pressão, a cordialidade entre o diretor Gigi Dall’Igna e do piloto Andrea Dovizioso sinaliza desgaste, uma vitória no circuito considerado caseiro pode colaborar para reduzir a tensão. Na área reservada para a representação italiana, à exceção de Danilo Petrucci, 9º colocado na prova, todos externavam uma felicidade extrema.

Embora a vitória tenha sido de Dovizioso, o resultado da Áustria acentua a tendência de mais um título mundial para Marc Márquez. Ele obteve 230 dos 275 pontos possíveis nas 11 etapas realizadas, venceu 6 e marcou 4 segundos lugares. Dovi, o postulante ao título mais próximo precisa obter uma média de 8 pontos mais que ele em cada um dos 8 GPs que restam, o que é muito improvável (não impossível). O foco dos jornalistas que cobrem a MotoGP está centrado em possíveis mudanças para a próxima temporada. A única alteração confirmada (depois da prova) é a saída amigável de Johann Zarco da KTM no final deste ano.

Um dos princípios fundamentais da Física, a Lei da Atração Universal, foi expressa por Isaac Newton da seguinte forma: “Tudo acontece como se a matéria atraísse a matéria na razão direta de suas massas e na razão inversa do quadrado das distâncias”. Transpondo este enunciado para a MotoGP, tudo acontece como se este mundial tenha uma definição prematura, o que cria um ambiente propício para a difusão de notícias fantasiosas sobre pilotos e equipes. A maioria dos boatos inclui o espanhol Jorge Lorenzo, que é cotado tanto para a equipe oficial da Ducati como para a satélite da Yamaha, embora piloto e equipe tenham reiterado em diversas oportunidades que ele cumpre seu contrato com a Honda até o fim de 2020. Lin Jarvis, diretor da Yamaha, contribuiu para a onda de desinformação ao declarar que “A Yamaha perdeu o rumo depois da saída de Lorenzo em 2016”. Todos lembram das atuações de Johann Zarco em 2017 e 2018 na Tech3 com a moto que pertenceu ao espanhol na temporada anterior.

A aposentadoria de Valentino Rossi, Fábio Quartararo na Yamaha oficial, Jack Miller fora da Pramac e até uma possível promoção de Alex Márquez para a MotoGP já renderam manchetes, todas com escassas chances de confirmação. Existem especulações que Gigi Dall’Igna está de mudança para a KTM, a equipe austríaca também estaria preparando uma proposta irrecusável para tirar Marc Márquez da Honda no final de seu contrato atual.

A única certeza depois da última etapa é que, assim como a hegemonia em Sachsenring é de Marc Márquez, Red Bull Ring tem dono, é uma pista Ducati.

MotoGP – Férias de Verão 2019


Sachsenring 2019



A MotoGP está de férias, uma ocasião oportuna para endereçar detalhes que normalmente não são noticiados pela mídia no dia a dia. A etapa de Rio Hondo nesta temporada registrou a maior diferença entre os primeiros colocados de um GP, Marc Márquez cruzou a linha de chegada 9,816 segundos na frente de Valentino Rossi. Em Sachsenring Márquez venceu com muita facilidade, com direito até a registrar durante os treinos livres um recorde espantoso, 66⁰ de inclinação durante uma curva. Ambos os circuitos compartilham pisos com baixa aderência, que oferecem vantagens expressivas para os pilotos que tem facilidade em controlar o oversteer do pneu traseiro. Na atualidade ninguém faz isso melhor que Márquez, cuja formação básica foi em pistas ovais de dirt track


Os pneus dianteiros e traseiros da MotoGP têm diferenças de perfil. A parte em contato com a pista no composto traseiro é arredondada para a manter a tração independente do ângulo de inclinação do equipamento. O pneu dianteiro é bicudo com consistência variável, mais rígido no perímetro externo e com laterais mais flexíveis para aumentar a área de contato e, por consequência, a aderência quando a moto não está na posição vertical. As especificações do fabricante dos pneus contemplam janelas de temperatura onde as estruturas de seus produtos apresentam melhor resultado, os traseiros para proporcionar o maior grip e os dianteiros para deformar na medida certa.  A escolha do componente adequado e a gestão da temperatura ideal durante as provas aumentam a eficiência, eficácia e durabilidade. Existem diferenças sutis no significado dos objetivos a serem alcançados, embora muitas vezes possam ser utilizados como sinônimos, o termo eficiência implica em fazer as coisas da forma certa, eficácia significa fazer no momento certo. 


A gestão da moto durante uma prova é composta pelo somatório de velocidades em quatro situações: (1) velocidade máxima como equipamento na vertical, (2) frenagem durante a aproximação das curvas, (3) velocidade durante um contorno e (4) resposta da aceleração para a retomada. A técnica de pilotagem é importante em todos os itens, a potência do motor é essencial em 1 & 4, a distribuição do peso e características do chassi influem decisivamente em 2 & 3. Em temporadas anteriores os milissegundos eram disputados em cada metro das pistas e as diferenças entre os equipamentos eram visíveis, o propulsor da Ducati falava mais alto nas retas, a Honda respondia melhor em frenagens e curvas, a Yamaha, com o motor de cilindros em linha, harmonizava melhor todo o conjunto.

A RC213V 2019 da Honda tem um comportamento peculiar, freia bem, consegue se aproximar das Ducati na retomada de velocidade e tem tendência a sair de frente. A maneira de obter o melhor desempenho com a moto é chegar nivelado o mais próximo possível das curvas (frear mais tarde), inclinar rapidamente para aumentar a área de contato do pneu dianteiro e obter maior velocidade na troca de direção. Marc Márquez é imbatível nesta técnica, Cal Crutchlow, talvez a voz mais sincera dos pilotos do grid, declarou que ele, Lorenzo e Nakagami sabem o que tem que fazer, mas não conseguem. Crutchlow confessou que sempre que tentou copiar o estilo do #93 caiu. Segundo a sua ótica, Márquez provoca uma queda em cada curva e, de alguma maneira, consegue controlar o equipamento. Durante a prova de Sachsenring foi visível que o atual campeão e líder da temporada inclinava sua moto bem mais que os outros competidores nas curvas.


Entre 2011 e 2015 o degrau mais alto do pódio dos GPs da principal categoria da motovelocidade foi ocupado exclusivamente por pilotos das equipes oficiais da Yamaha e Honda. A MotoGP sofreu uma mudança radical em 2016 com a obrigatoriedade da eletrônica padronizada e mudança do fornecedor oficial de pneus, a Yamaha perdeu terreno e a Ducati cresceu na hierarquia da competição. Muito da evolução da equipe italiana é devido ao comando de Luigi Dall’Igna, que assumiu o posto de diretor geral da Ducati Corse em 2013. A moto entregue a Dovizioso e Lorenzo em 2017 foi considerada a mais completa da temporada, o italiano igualou o número de vitórias de Márquez, que venceu o campeonato por ser mais consistente. O ano de 2018 marcou o reencontro de Lorenzo com a vitória, porém a incontinência verbal de um dos diretores da Ducati (Paolo Ciabatti) inviabilizou a sua permanência na equipe, contrariando o desejo que Dall’Igna que queria continuar contando com a sua colaboração no desenvolvimento da Desmosedici. Na atual temporada, mesmo depois de Petrucci vencer uma corrida, Dall’Igna retardou a renovação de seu contrato para depois de uma conversa com Lorenzo. Para os que imaginam que a motivação do #99 é exclusivamente financeira, Lorenzo decidiu que ainda tem algo a provar na Honda e vai cumprir seu contrato até o fim.


Na primeira metade do campeonato aconteceram coisas estranhas. As vitórias de Márquez com a Honda rivalizaram na mídia com os insucessos de Lorenzo. Em seu 3º ano na MotoGP, o jovem Alex Rins demonstrou muita maturidade na Suzuki, supera em pontos os dois pilotos da equipe de fábrica da Yamaha e chegou a sugerir que a moto ideal da temporada seria uma junção do chassi da GSX-RR com o motor da RC213V. 


As máquinas da Yamaha voltaram a apresentar bons desempenhos com Vinales na equipe de fábrica e Fabio Quartararo na satélite Petronas. Contabilizando os GPs desde 2017 as Yamaha da equipe oficial venceram apenas 6 vezes, 5 com Maverick Vinales. Embora ainda seja o grande nome do esporte, a ausência de bons resultados de Valentino Rossi encorajou muitos a pensar em antecipar a sua aposentadoria, ele tem contrato até o final de 2020. Durante este recesso do campeonato, uma declaração do principal gestor da equipe da fábrica chocou as legiões de adeptos de Rossi. Sempre destacando a importância do multicampeão, Lin Jarvis afirmou que “Valentino não é o futuro da Yamaha na MotoGP”.  

Danilo Petrucci, que no final de 2018 defendeu como uma das suas principais credenciais para ser contratado pela Ducati oficial o fato de ser um “piloto barato”, depois de sua primeira vitória e contrato renovado para 2020 mudou de postura. Está descontente com a abissal diferença de salário entre ele e Andrea Dovizioso. Petrucci também cobra da Ducati um protótipo mais adequado para enfrentar os concorrentes, fazendo eco às reclamações de Dovizioso. O bi vice-campeão italiano indica que o ponto fraco da Desmosedici, o centro das curvas, persiste a pelo menos quatro anos e afirmou ser aceitável a equipe se concentrar para o ano de 2020, praticamente abdicando da disputa nesta temporada. Interessante que os pilotos da Ducati, assim como os de outras equipes com exceção de Cal Crutchlow, não reconhecem que provavelmente a diferença de performance não esteja só no equipamento, talvez seja o talento de Marc,

MotoGP – Brno 2019

Marc Márquez em Brno

O dicionário define esporte como a prática metódica, individual ou coletiva, de atividade que demande exercício físico, destreza e habilidade. Pode ser competitivo, onde o vencedor ou vencedores são identificados pela obtenção de um objetivo.  A MotoGP é a competição motorizada que mais se aproxima desta definição porque, depois que as luzes de largada se apagam, o desempenho depende exclusivamente da destreza e habilidade do piloto. O desenvolvimento dos equipamentos é restrito por regulamentos draconianos, eventuais vantagens de equipes com orçamentos mais expressivos podem ocorrer com a contratação dos melhores engenheiros, técnicos e especialistas que aconselham a escolha de pneus mais adequada para cada ocasião. Todos os equipamentos que alinham no grid de largada têm obrigatoriamente a mesma especificação. Equipes de apoio não podem interferir durante uma prova, a telemetria é limitada à troca de informações e os boxes podem apenas sugerir uma atividade, nunca executar. Existe o exemplo clássico do GP da Alemanha em 2017, onde durante a prova os boxes sinalizaram alucinadamente para os pilotos que lideravam realizarem a troca para motos equipadas com pneus slick em uma pista que secava rapidamente. Foram atendidos depois que a vitória já não era mais possível. Nos últimos anos no mundial da MotoGP brilha a estrela de um atleta excepcional, o espanhol Marc Márquez.

A República Tcheca foi o palco para mais um espetáculo proporcionado pelo atual campeão mundial. Depois dos treinos na sexta feira, Marc declarou que o evento no Automotódromo de Brno seria composto por duas provas de características distintas, uma durante as dez primeiras voltas onde tencionava ficar entre os líderes e conservar os pneus, a segunda nos giros restantes onde iria forçar o ritmo e tentar o pódio.

O clima apresentou um comportamento estranho no sábado. Durante a tomada de tempos as condições da pista estavam muito complicadas, no Q2 a chuva, que havia dado uma trégua, voltou a aparecer nos últimos minutos. Quase no final, pouco antes do retorno da chuva, Márquez decidiu mudar para pneus slick, ideais para pista seca, em um asfalto ainda bastante úmido. Utilizando o quadro novo com reforço em fibra de carbono e acelerando de uma maneira beirando o limite da irresponsabilidade, cravou a marca de 2min02s753 e ficar com a posição de honra do grid.
A distância do pentacampeão para o segundo colocado, mais de 2 segundos para Jack Miller, é inédita na era da MotoGP. A maior diferença registrada desde a adoção de motores 4 tempos havia sido entre o próprio Márquez e Aleix Espargaró no circuito de Assen em 2014, quando 1s405 separou os pilotos. Uma pesquisa nos registros históricos indica que mesmo na época das 500cc é raro encontrar tanta diferença entre o primeiro e o segundo classificados do grid. Há 42 anos foi a última vez que isto aconteceu, em 1977 Johnny Secotto conseguiu uma vantagem de 3s96 para Pat Hennen,

coincidentemente no mesmo circuito de Brno. Em tempo, em 1977 o traçado da pista era de 10,8 km. Outra boa novidade da tomada de tempos foi a primeira vez que a KTM classificou uma moto na primeira fila, tripulada pelo francês Johann Zarco. A fábrica austríaca mostrou competitividade com o piso instável e colocou a segunda moto da equipe oficial, Pol Espargaro, na quinta colocação.
No horário do GP no domingo o clima também foi o principal protagonista e exigiu o atraso do início da competição.  As peculiaridades da localização geográfica do circuito e a inconstância do clima criaram condições em que o piso estava molhado da chicane final até a curva 2, passando pela reta de largada, todo o resto estava seco. Largar com compostos para chuva significava que os pneus estariam destruídos em poucas voltas. Optar por slicks era complicado, a grade completa de pilotos acelerando em direção a entrada da curva 1 com pneus lisos e piso molhado era certeza de um desastre. Os melhores pilotos de moto do mundo estavam na pista e certamente seriam capazes de lidar com uma parte do piso úmido, porém o procedimento de largada seria muito perigoso. Em função da própria dinâmica da competição, a MotoGP não contempla a possibilidade de largada em movimento. Os organizadores tiveram muito bom senso em atender à solicitação dos pilotos para retardar a largada.

Não foi um GP excepcional, não houve a disputa entre os líderes que costuma acontecer na MotoGP, depois das primeiras 7 voltas (de um total de 20) as 6 primeiras colocações estavam definidas e houve poucas modificações na ordem dos pilotos. A etapa apresentou como resultado uma Honda (Márquez) e duas Ducati (Dovizioso & Miller) no pódio, a Suzuki (Rins) em 4º, outra Honda (Crutchlow) em 5º e a primeira Yamaha (Rossi) na 6ª colocação. Quartararo (Yamaha satélite), Petrucci (Ducati), Nakagami (Honda satélite) e Vinales (Yamaha) completaram o top ten. Nesta etapa a Aprilia não conseguiu classificar suas motos na zona de pontuação. A decepção do dia foi a performance de Johann Zarco, que embora saindo da primeira fila, perdeu posições e foi envolvido em um incidente na largada, que tirou da prova Franco Morbidelli e Joan Mir. Zarco conseguiu permanecer na prova e classificou-se em 14º. Stefan Bradl que supriu a ausência de Lorenzo aproveitou a ocasião para dar quilometragem ao novo chassi com fibra de carbono e somou mais um ponto (15ª colocação) para a equipe Repsol-Honda. A Ducati estreou uma nova solução aerodinâmica, que foi aprovada por Dovi e Petrucci. Embora as condições traiçoeiras do piso, houve apenas três abandonos.

Um fator destoante da cobertura da TV do GP da República Tcheca foram as falas do locutor e comentarista que ancoram a transmissão do evento para o Brasil. Os pilotos, capitaneados pelo decano Valentino Rossi, solicitaram que a largada fosse retardada em função das condições da pista, parte seca e parte molhada. A largada foi atrasada em 40 minutos para permitir a melhoria condições do piso e preservar a segurança dos pilotos. Preocupados com a grade de programação da emissora, os jornalistas adotaram um discurso semelhante ao de Niki Lauda na realização do GP do Brasil de Fórmula 1 em 2016, cuja largada foi atrasada em função da chuva torrencial que caiu sobre Interlagos. A mesma pessoa que, enquanto piloto entregou o mundial de 1976 para James Hunt ao abandonar o GP do Japão por falta de condições mínimas de segurança (na ocasião Emerson Fittipaldi também abandonou a prova pelo mesmo motivo), como dirigente mostrou-se preocupado com o custo dos canais de transmissões do satélite, programação das emissoras de TV e respeito ao público pagante. Os valores mudam quando o que está em jogo é a integridade de outros.

MotoGP – Grip & Wheelspin



Características dos pneus da MotoGP
Em física, o ramo da mecânica estuda o movimento dos corpos e define algumas grandezas que são importantes para a MotoGP. Atrito, por exemplo, é a força que se opõe ao movimento entre dois corpos em contato, gerada pela aspereza (rugosidade) entre eles. A força de atrito é sempre paralela às superfícies em interação e contrária ao movimento relativo entre elas. Na motovelocidade aparece como um componente importante no contato entre os pneus e a pista, definida no jargão esportivo com aderência ou grip.

O grip de uma pista é uma das variáveis consideradas para a escolha de pneus, porque implica em um outro conceito importante para os pilotos, o wheelspin que acontece quando a força entregue para a banda de rodagem do pneu excede o atrito com a pista, o pneu gira em falso, aquece e perde tração.
Todo o ambiente da MotoGP reconhece que uma certa quantidade de wheelspin é necessária para obter o desempenho máximo do pneu traseiro. A questão é descobrir qual a porcentagem ideal de rotação para a atual geração de pneus Michelin. Este valor depende da abrasividade da pista, potência do motor e composição da borracha. Os técnicos da Michelin entendem que esta relação deve ficar entre 10-15%.

Alguma rotação é necessária para gerar calor no pneu, em excesso além de sobreaquecer prejudica a retomada de velocidade. A sensibilidade do piloto, os ajustes na eletrônica, aceleração do motor e composição da borracha são os componentes básicos para manter o pneu traseiro com tração ideal.
O cerne da questão está nos pneus, a única variável fora do controle dos fabricantes. Nas últimas provas a Michelin está utilizando novas composições cujo comportamento implica em alterações nas estratégias utilizadas pelos pilotos e equipes. Na Honda, o atual campeão e líder da temporada pode manter um bom ritmo contornando curvas com maior velocidade, sem depender exclusivamente de um bom desempenho nas frenagens.

Os protótipos da MotoGP necessitam de pneus de alta tecnologia para transferir a potência gerada pelos motores para o piso sem perdas excessivas, além de oferecer estabilidade em curvas e aderência em frenagens. A estabilidade deve ser mantida quando as motos inclinam, nestas condições a área de contato com a pista é representada pela lateral da banda de rodagem. Quanto maior for esta área, mais borracha estará em contato com o solo e a moto terá mais aderência. Abstraindo o problema de durabilidade, a solução ideal seria utilizar compostos macios, administrando a deformação nas frenagens e acelerações.

A técnica industrial atual permite a construção de pneus assimétricos, com a parte central (perímetro) mais rígida e as laterais mais flexíveis, resultando em um bom comportamento em curvas e frenagens. Este resultado é obtido em utilizando procedimentos de construção com compostos químicos e o auxílio da tecnologia aeroespacial. A contribuição da química é o uso de cristais de sílica nas laterais, que se rompem quando a temperatura do pneu chega a um determinado valor. A liberação da sílica altera a composição da borracha e o pneu fica mais macio nas laterais e conserva o centro –  onde não tem cristais – mais rígido.

Para evitar as deformações nas frenagens, as carcaças são montadas com fibras sobrepostas de materiais desenvolvidos em pesquisas aeroespaciais. Os pneus da MotoGP conseguem manter a temperatura por mais tempo e sua frenagem é mais modulável, entretanto o desenho “bicudo”, para dar mais área de contato nas curvas, dificulta a dirigibilidade nas frenagens mais fortes. A calibragem dos pneus é realizada com nitrogênio, por sua propriedade de não variar o volume com a mudança de temperatura.