Marc Márquez em Brno |
O dicionário define esporte como a prática metódica, individual ou coletiva, de atividade que demande exercício físico, destreza e habilidade. Pode ser competitivo, onde o vencedor ou vencedores são identificados pela obtenção de um objetivo. A MotoGP é a competição motorizada que mais se aproxima desta definição porque, depois que as luzes de largada se apagam, o desempenho depende exclusivamente da destreza e habilidade do piloto. O desenvolvimento dos equipamentos é restrito por regulamentos draconianos, eventuais vantagens de equipes com orçamentos mais expressivos podem ocorrer com a contratação dos melhores engenheiros, técnicos e especialistas que aconselham a escolha de pneus mais adequada para cada ocasião. Todos os equipamentos que alinham no grid de largada têm obrigatoriamente a mesma especificação. Equipes de apoio não podem interferir durante uma prova, a telemetria é limitada à troca de informações e os boxes podem apenas sugerir uma atividade, nunca executar. Existe o exemplo clássico do GP da Alemanha em 2017, onde durante a prova os boxes sinalizaram alucinadamente para os pilotos que lideravam realizarem a troca para motos equipadas com pneus slick em uma pista que secava rapidamente. Foram atendidos depois que a vitória já não era mais possível. Nos últimos anos no mundial da MotoGP brilha a estrela de um atleta excepcional, o espanhol Marc Márquez.
A República Tcheca foi o palco para mais um espetáculo proporcionado pelo atual campeão mundial. Depois dos treinos na sexta feira, Marc declarou que o evento no Automotódromo de Brno seria composto por duas provas de características distintas, uma durante as dez primeiras voltas onde tencionava ficar entre os líderes e conservar os pneus, a segunda nos giros restantes onde iria forçar o ritmo e tentar o pódio.
O clima apresentou um comportamento estranho no sábado. Durante a tomada de tempos as condições da pista estavam muito complicadas, no Q2 a chuva, que havia dado uma trégua, voltou a aparecer nos últimos minutos. Quase no final, pouco antes do retorno da chuva, Márquez decidiu mudar para pneus slick, ideais para pista seca, em um asfalto ainda bastante úmido. Utilizando o quadro novo com reforço em fibra de carbono e acelerando de uma maneira beirando o limite da irresponsabilidade, cravou a marca de 2min02s753 e ficar com a posição de honra do grid.
A distância do pentacampeão para o segundo colocado, mais de 2 segundos para Jack Miller, é inédita na era da MotoGP. A maior diferença registrada desde a adoção de motores 4 tempos havia sido entre o próprio Márquez e Aleix Espargaró no circuito de Assen em 2014, quando 1s405 separou os pilotos. Uma pesquisa nos registros históricos indica que mesmo na época das 500cc é raro encontrar tanta diferença entre o primeiro e o segundo classificados do grid. Há 42 anos foi a última vez que isto aconteceu, em 1977 Johnny Secotto conseguiu uma vantagem de 3s96 para Pat Hennen,
coincidentemente no mesmo circuito de Brno. Em tempo, em 1977 o traçado da pista era de 10,8 km. Outra boa novidade da tomada de tempos foi a primeira vez que a KTM classificou uma moto na primeira fila, tripulada pelo francês Johann Zarco. A fábrica austríaca mostrou competitividade com o piso instável e colocou a segunda moto da equipe oficial, Pol Espargaro, na quinta colocação.
No horário do GP no domingo o clima também foi o principal protagonista e exigiu o atraso do início da competição. As peculiaridades da localização geográfica do circuito e a inconstância do clima criaram condições em que o piso estava molhado da chicane final até a curva 2, passando pela reta de largada, todo o resto estava seco. Largar com compostos para chuva significava que os pneus estariam destruídos em poucas voltas. Optar por slicks era complicado, a grade completa de pilotos acelerando em direção a entrada da curva 1 com pneus lisos e piso molhado era certeza de um desastre. Os melhores pilotos de moto do mundo estavam na pista e certamente seriam capazes de lidar com uma parte do piso úmido, porém o procedimento de largada seria muito perigoso. Em função da própria dinâmica da competição, a MotoGP não contempla a possibilidade de largada em movimento. Os organizadores tiveram muito bom senso em atender à solicitação dos pilotos para retardar a largada.
Não foi um GP excepcional, não houve a disputa entre os líderes que costuma acontecer na MotoGP, depois das primeiras 7 voltas (de um total de 20) as 6 primeiras colocações estavam definidas e houve poucas modificações na ordem dos pilotos. A etapa apresentou como resultado uma Honda (Márquez) e duas Ducati (Dovizioso & Miller) no pódio, a Suzuki (Rins) em 4º, outra Honda (Crutchlow) em 5º e a primeira Yamaha (Rossi) na 6ª colocação. Quartararo (Yamaha satélite), Petrucci (Ducati), Nakagami (Honda satélite) e Vinales (Yamaha) completaram o top ten. Nesta etapa a Aprilia não conseguiu classificar suas motos na zona de pontuação. A decepção do dia foi a performance de Johann Zarco, que embora saindo da primeira fila, perdeu posições e foi envolvido em um incidente na largada, que tirou da prova Franco Morbidelli e Joan Mir. Zarco conseguiu permanecer na prova e classificou-se em 14º. Stefan Bradl que supriu a ausência de Lorenzo aproveitou a ocasião para dar quilometragem ao novo chassi com fibra de carbono e somou mais um ponto (15ª colocação) para a equipe Repsol-Honda. A Ducati estreou uma nova solução aerodinâmica, que foi aprovada por Dovi e Petrucci. Embora as condições traiçoeiras do piso, houve apenas três abandonos.
Um fator destoante da cobertura da TV do GP da República Tcheca foram as falas do locutor e comentarista que ancoram a transmissão do evento para o Brasil. Os pilotos, capitaneados pelo decano Valentino Rossi, solicitaram que a largada fosse retardada em função das condições da pista, parte seca e parte molhada. A largada foi atrasada em 40 minutos para permitir a melhoria condições do piso e preservar a segurança dos pilotos. Preocupados com a grade de programação da emissora, os jornalistas adotaram um discurso semelhante ao de Niki Lauda na realização do GP do Brasil de Fórmula 1 em 2016, cuja largada foi atrasada em função da chuva torrencial que caiu sobre Interlagos. A mesma pessoa que, enquanto piloto entregou o mundial de 1976 para James Hunt ao abandonar o GP do Japão por falta de condições mínimas de segurança (na ocasião Emerson Fittipaldi também abandonou a prova pelo mesmo motivo), como dirigente mostrou-se preocupado com o custo dos canais de transmissões do satélite, programação das emissoras de TV e respeito ao público pagante. Os valores mudam quando o que está em jogo é a integridade de outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário