sábado, 22 de junho de 2019

MotoGP – “Honda, we have a problem”

Barcelona 2019 – Entrada da curva 10 instantes antes do acidente
 
Houston, we have a problem” é uma frase supostamente citada nas comunicações de rádio entre o astronauta John Swigert e o Centro de Controle da NASA durante a missão espacial da Apollo 13, quando houve uma explosão que danificou sua espaçonave. O dicionário define “problema” como sendo um assunto controverso, que pode ser objeto de pesquisas científicas ou uma questão social que traz transtornos e que exige grande esforço e determinação para ser solucionado. De certa forma, no ambiente atual da MotoGP, a Honda tem um problema.


Parece paradoxal, a equipe conta com um piloto que lidera por larga margem a contagem de pontos pelo mundial deste ano, que venceu 4 das 7 etapas já realizadas e esteve no pódio em 20 das últimas 24 provas (temporadas de 2018 & 2019).  O problema fica evidente quando o objeto de análise muda para o Mundial de Equipes, a Ducati Mission Winnow lidera esta temporada com 201 pontos (103 de Andrea Dovizioso e 98 de Danilo Petrucci). A Repsol Honda está em segundo com 159 (140 obtidos por Marc Márquez). A equipe Repsol Honda é, literalmente, um samba de uma nota só.


A sabedoria popular indica que “quem tem um, pode não ter nada”. Historicamente a carreira de Valentino Rossi, que completa na próxima etapa em Assen 2 anos sem vitórias, encontrou um ponto de inflexão em um acidente no GP da Itália de 2010. O multicampeão até então acumulava 105 vitórias, 66 depois da reestruturação da MotoGP em 2002, caminhava célere para ser o maior vencedor da história do mundial da FIM. Desde então, apesar de continuar competindo em alto nível e levando milhares de fãs aos circuitos, o italiano conseguiu alçar ao degrau mais alto do pódio apenas 10 vezes. O pior pesadelo da Honda é que uma história semelhante aconteça com Marc Márquez, afinal, como ensina o filósofo Forrest Gump, “Shit happens”.


Na temporada passada a HRC comunicou a Dani Pedrosa, 11º colocado na última temporada, que depois de 18 anos de carreira competindo exclusivamente pela fábrica não renovaria seu contrato. Na linha oposta de vários comentários que circularam na época, a saída de Pedrosa da Honda não foi devida a tensão que existiu entre ele e o chefe da equipe Alberto Puig. O próprio presidente da HRC Yoshishige Nomura comunicou ao piloto que o seu porte físico (1,58 m) não era compatível com os projetos que estavam em desenvolvimento na fábrica, as características físicas de Márquez (1,68), Lorenzo (1,71) e do piloto de testes Stefan Bradl (1,69) eram mais apropriadas.


A contratação de Jorge Lorenzo pelo Repsol-Honda não visou buscar um sucessor para Marc Márquez, até porque ele é 6 anos mais velho. A ideia da HRC é utilizar a experiência do piloto em diversos protótipos (Yamaha e Ducati) para tornar a RC213V um equipamento mais amigável para pilotos sem o talento especial de Márquez e contribuir com pontos para os títulos de equipes e fabricantes. 


Na MotoGP as competições podem ser decididas por décimos ou milésimos de segundo e a evolução técnica ocorre em vários componentes, motores mais potentes, maior ou menor rigidez do chassi, suspensão melhor calibrada, mapeamentos de software mais eficientes e pneus com maior aderência. A linha de desenvolvimento mais explorada recentemente é a aerodinâmica, para criar maior downforce e suas consequências nas pistas, especialmente o maior poder de frenagem. 


A área técnica da Brembo, fornecedora de sistemas de freios para todas as equipes, explica que o limite da força g nos freios é a aderência do pneu. A nova aerodinâmica aumenta o downforce sobre o pneu dianteiro durante a frenagem, resulta em maior aderência, significando que os pilotos podem travar mais tarde, com mais força e reduzir a velocidade para entrar em um contorno em um espaço menor.


Os pilotos da MotoGP estão sujeitos a força de desaceleração de até 1,5 g em frenagens mais agressivas, um valor desprezível se comparado aos até 5 g que são submetidos os pilotos da Fórmula 1. Entretanto, na F1 os condutores ficam presos nos assentos por cintos de segurança de 7 pontos enquanto na MotoGP os únicos recursos dos pilotos utilizam para permanecer no equipamento são suas mãos, coxas, pés e glúteo. É uma condição precária, o único ponto de apoio fixo são as mãos do piloto e se não tiver cuidado, pode ser catapultado em uma travagem mais violenta.


Estas características justificavam as críticas de Jorge Lorenzo na Ducati, a falta de ergometria prejudicava sua técnica de pilotagem e ele lembra que quando foi atendido os resultados vieram. O piloto praticamente não participou dos testes pré-temporada da Honda e seus primeiros resultados na temporada foram decepcionantes. Lorenzo ficou surpreso com o esforço físico necessário para conduzir a moto. Depois da prova de Mugello ele foi até o Japão conversar pessoalmente com os engenheiros da Honda, visita que em seu aspecto mais evidente resultou em um novo formato para o tanque de combustível, com dois apêndices na parte superior. Houve quem sugerisse que se tratava de componentes aerodinâmicos, na verdade são apoios adicionais para auxiliar o uso dos membros inferiores, tornando um equipamento mais confortável e fácil de guiar, que exige menos do corpo.


O resultado das modificações não pôde ser totalmente aferido porque a participação de Lorenzo na etapa da Catalunha foi reduzida a uma volta e meia. Nas sessões de testes que antecederam a prova ele conseguiu evitar o Q1 e foi o 10º classificado no grid, depois de uma largada fantástica estava disputando as primeiras posições, tentando tomar o 3º lugar de Vinales quando involuntariamente causou a queda de 3 competidores. O nível de exigência dos freios é bem menor na pista de Assen, palco da próxima etapa e talvez não seja o local ideal para avaliar o potencial real das novidades que Lorenzo ajudou a desenvolver no Japão. 


Jerez de la Frontera, 2018, 4ª etapa do mundial. Faltando poucas voltas para o final Marc Márquez liderava, seguido de perto por um grupo compacto formado por Jorge Lorenzo e Andrea Dovizioso da Ducati e Dani Pedrosa com a outra Honda, nesta ordem. Faltando 7 voltas para o final na entrada da curva 6 Dovizioso freou mais tarde, faz a ultrapassagem na tangência por dentro e foi obrigado a abrir demais na saída da curva, Lorenzo manteve um contorno mais conservador e buscou retomar a posição. Onde todos viram uma disputa entre as Ducati, Dani Pedrosa viu uma oportunidade e tentou ultrapassar os dois por dentro, encontrou Lorenzo na trajetória e causou uma colisão que tirou os 3 da prova. 

Curva 10 do circuito da Catalunha em 2019. Marc Márquez ultrapassa Dovizioso por dentro, tirando o italiano da trajetória ideal.  Lorenzo identifica uma brecha e tenta aproveitar, entretanto, por retardar demais a frenagem perdeu a frente da moto. Em sua queda bateu em Dovizioso e envolveu a Yamaha de Vinales. A moto descontrolada saiu rodando na área de escape, onde colidiu com Valentino Rossi que tentava uma manobra evasiva para fugir do acidente.


Se estes dois acidentes guardam alguma semelhança, o modo que foram tratados pela mídia foi totalmente diferente. Em Jerez houve um consenso que Pedrosa protagonizou uma manobra infeliz, na Catalunha um tsunami de críticas sobre Jorge Lorenzo. 


Não é fácil gostar do piloto de Palma de Mallorca, ele não faz o menor esforço para ser simpático, seu comportamento nas pistas e sua sinceridade nas entrevistas decididamente não ajudam. Na prova final da temporada de 2017 foi muito criticado por não ter facilitado a passagem de Dovizioso na disputa pela 4ª colocação, uma manobra que em nada alteraria a obtenção do campeonato por Marc Márquez. A mídia italiana não suporta Lorenzo por ele ter vencido o mundial de 2015, que seria o 10º de Valentino Rossi, com um equipamento absolutamente igual ao do decano dos pilotos. Ele e Marc Márquez são os únicos campeões nesta década que estão em atividade.






segunda-feira, 17 de junho de 2019

MotoGP – Barcelona 2019








A pista de Barcelona, na Catalunha, hospeda uma etapa da MotoGP desde 1996 e é reputada como um circuito técnico e seletivo. Este ano a prova coincidiu com o 70º aniversário do Mundial de Motovelocidade, porém a prova que prometia ser uma festa resultou em um muito trabalho para os auxiliares de pista, foi muito acidentada. Em um fato não inédito, mas muito raro nos últimos anos, só 13 pilotos pontuaram. Em 2016 na pista de Barcelona foi registrado o último óbito resultante de um acidente no mundial de motovelocidade, que vitimou o piloto espanhol Luis Salon de 24 anos, ocorrido durante segunda sessão de treinos livres da Moto2. 


O traçado da Catalunha está relacionado pela Brembo, fabricante dos sistemas de freios que equipam todos os protótipos da MotoGP, entre os 4 mais exigentes em termos de frenagem da temporada. Dois pontos neste circuito são críticos, a curva 1 no final da grande reta e a curva 10, uma variante utilizada para forçar a redução de velocidade no local onde Luis Salon se acidentou, ambas exigem a aplicação de força no comando do freio e resultam em uma desaceleração próxima de 1,5 g.

Jorge Lorenzo, piloto que protagonizou o incidente que praticamente decidiu a vitória de Marc Márquez no GP deste ano, tem uma história vitoriosa na pista de Barcelona. Venceu em 2007 na 250cc e repetiu o feito em 2010, 2012, 2013 e 2015 na MotoGP, todas pilotando para a Yamaha. No ano passado conquistou a sua 6ª vitória no circuito, a sua 2ª com uma Ducati. Em 2016 foi envolvido em um incidente quando estava disputando um lugar no pódio, foi atropelado pela Ducati de Andrea Iannone na mesma curva 10.


A curva 10 é complicada, principalmente nas primeiras voltas onde todos andam muito juntos. É um contorno de baixa velocidade que permite poucas variações de linha de aproximação. Algumas das inovações que foram instaladas nas Desmosedici GP19 da Ducati este ano, principalmente o Holeshot, resultaram em um ambiente diferente nas largadas, em Barcelona a moto de Dovizioso disparou da 5ª posição para contornar a curva 1 na frente. Esta esperteza, porém, não garante nenhuma vantagem adicional depois da primeira curva, atrás do líder alinharam diversos pilotos com desempenho ligeiramente melhor, como Márquez, Vinales, Rossi e a surpreendente Honda de Jorge Lorenzo, que realizou uma excelente largada partindo da 10ª posição. Na segunda volta um grupo compacto de motos chegou na aproximação da curva 10, Márquez utilizou a força do motor Honda, atrasou a frenagem, colocou-se na linha interna forçando Dovizioso a abrir ligeiramente e permitir a ultrapassagem. Lorenzo tentou aproveitar a oportunidade, perdeu o ponto de freio e sua moto descontrolada derrubou Dovizioso e Vinales. Rossi que estava seguindo o grupo de perto ainda tentou uma manobra evasiva, mas foi atingido já na área de escape. Qualquer dúvida sobre o possível vencedor do GP da Catalunha de 2018 acabou com esta manobra desastrada, Marc Márquez ficou isolado na disputa.


Com o vencedor praticamente decidido, o roteiro da prova não apresentou grandes novidades. Talvez a segunda posição de Fábio Quartararo tenha sido uma surpresa, porém as atuações do francês já vinham sugerindo que um pódio já estava próximo. Com alguns dos principais protagonistas alijados da prova, todo o interesse mudou para as posições secundárias onde houve alguma disputa entre Quartararo, Petrucci e Rins, que chegaram nesta ordem. Com 11 motos ficando pelo caminho e apenas 13 classificadas, pela primeira vez na temporada as duas KTM oficiais ficaram entre os top ten, ainda com Pol Espargaró na frente de Johann Zarco. 


As CNTP (condições normais de temperatura e pressão) parecem ter sido projetadas para a festa de comemoração dos 70 anos de provas do mundial de motovelocidade, clima seco, 26° graus de temperatura ambiente, 51° na pista, humidade relativa do ar em 47% e ventos de 5 km/h, nada que justificasse o número absurdo de acidentes durante o evento. Na verdade, o público presente ao circuito de Montmeló foi presenteado com três vitórias de espanhóis, Marcos Ramirez obteve sua primeira vitória na Moto3 e a família Márquez (Alex com uma Kalex e Marc com a Honda) monopolizaram a Moto2 e MotoGP. 


A amostra foi mínima, só uma volta e meia, mas o desempenho do #99 neste intervalo sugere que a recente visita de Jorge Lorenzo à fábrica da Honda no Japão deve apresentar resultados. 

sexta-feira, 14 de junho de 2019

MotoGP - Um piloto só é reconhecido se vencer com motos diferentes?





Texto adaptado de original de Mat Oxley
Motor Sport Magazine - junho de 2019




Há uma teoria sendo divulgada na mídia que pilotos vencedores na MotoGP devem provar o seu talento conquistando títulos com diferentes marcas.



O contrato atual entre a HRC e Marc Márquez expira em 31 de dezembro de 2020, daqui a 600 dias. Por falta de notícias já existem jornalistas praticando exercícios de futurologia perguntando por qual fabricante ele deve pilotar em 2021. Se fica na Honda ou deve assinar com outro fabricante para provar seu talento com outro equipamento. Óbvio, são tudo conjeturas, ninguém tem a menor ideia o que Márquez fará.



Muitas destas especulações fluem de uma assertiva inverídica, os pilotos talentosos devem vencer corridas e obter títulos com motos diferentes para serem reconhecidos como os melhores.



É um absurdo. Não é nada a ver como pilotar uma moto, é sobre como andar com a moto que está sendo pilotada. Simples assim. A proeza de conquistar títulos com equipamentos distintos pode ser equiparada à troca de fornecedor de pneus, a mídia não fica especulando sobre quem ganhou títulos com pneus de fábricas diferentes.



Alguns dos maiores pilotos da história permaneceram fiéis a uma única marca: O australiano Mick Doohan pilotou para a Honda durante toda a sua carreira na classe 500cc, de 1989 a 1999, venceu 5 mundiais consecutivos entre 1994 e 1998. Kenny Roberts participou de provas de motovelocidade entre 1974 a 1983 nas classes 250cc e 500cc, tem 3 mundiais sempre com motos Yamaha. Seu compatriota, Wayne Rainey, competiu exclusivamente com a Yamaha entre 1988 e 1993 na 500cc, conseguiu um tricampeonato mundial. Outro americano, Kevin Schwantz, desenvolveu toda a sua carreira com máquinas Suzuki 500cc entre 1986 e 1995, conquistando um título mundial.  Os últimos anos têm sido muito gratificantes para Marc Márquez, sempre com a Honda. O fato destes pilotos nunca terem trocado de fabricantes é indicativo que o seu talento é menor? Claro que não.



Vencer com motocicletas diferentes é uma realização notável, mas decididamente não faz um piloto superior a outro. A adaptação a uma moto com comportamento diferente é apenas mais uma da enorme variedade de habilidades que os pilotos excepcionais desenvolvem. Por outra ótica todos os pilotos da MotoGP já provaram sua capacidade de adaptação ao progredir de uma categoria menor para a principal.



A ideia de pilotos precisar vencer títulos em diferentes motos para ter seu talento reconhecido é um conceito relativamente novo. A origem pode retroagir ao inverno de 2003/2004, quando Valentino Rossi desertou da Honda em direção à Yamaha. Rossi venceu o mundial de 2004 com uma YZR-M1 e se tornou o quarto piloto a ganhar títulos da principal categoria com marcas diferentes, junto com Geoff Duke (Norton e Gilera), Giacomo Agostini (MV Agusta e Yamaha) e Eddie Lawson (Yamaha e Honda). Recentemente este clube restrito foi ampliado por Casey Stoner (Ducati e Honda).



Os feitos de Rossi e Lawson são particularmente exclusivos, venceram temporadas consecutivas com marcas diferentes. O sucesso não pode ser creditado exclusivamente para eles, houve uma convergência de fatores que colaboraram. Lawson não teria ganho o título de 500cc de 1989 com a Honda NSR500 sem a genialidade de Erv Kanemoto, que abriu um canal exclusivo entre o americano e a estrutura de desenvolvimento da HRC. Rossi não teria vencido o título pela Yamaha (certamente tão cedo) se o gênio de Masao Furusawa não tivesse criado um revolucionário motor “big bang” e sem a competência do chefe de equipe Jeremy Burgess ao disponibilizar um chassi muito eficiente para a M1.



Buscar exemplos da história é uma maneira de compreender o que realmente acontece. Pilotos quase sempre trocam de fabricantes principalmente por causa de dinheiro, às vezes em busca de um equipamento melhor ou talvez seduzidos por promessas da nova equipe. Os exemplos são muitos.



Geoff Duke foi o primeiro campeão mundial da categoria principal a mudar de marca. A sua decisão foi em busca de um equipamento melhor em 1953. Ele havia ganho o título de 500cc em 1951 pilotando com seu talento especial uma Norton monocilíndrica, competindo com motos Gilera bem mais rápidas.  Em 1952, ele não teve chances, então quando o diretor da Norton, Gilbert Smith, começou a negociar o contrato de 1953 Duke perguntou quando a empresa teria um motor de 4 cilindros refrigerado à água. Não a tempo para a próxima temporada, respondeu Gilbert (na verdade o quatro cilindros da Norton nunca foi concluído). O caldo entornou de vez quando, na negociação, Gilbert desconsiderou os 25% a menos de potência do propulsor e alegou que grande parte da que a queda de produção de Duke era relacionada com a sua vida social intensa. Esta foi a principal razão do piloto ter assinado com a Gilera.



Em 1966 Mike Hailwood trocou a MV Agusta pela Honda porque não suportou mais a excessiva proteção do Conde Domenico Agusta para seu novo contratado, Giacomo Agostini. Em 1974 Agostini finalmente abandonou a MV Agusta porque era notório que os motores de 2 tempos eram mais eficientes. Não havia como conseguir mais potência nos 4 tempos e os novos 2 tempos estavam cada vez mais rápidos e seguros. Era hora de mudar. Além disso, Conde Domenico tinha morrido e a equipe estava sendo administrada por seu sobrinho.

No final de 1978 Barry Sheene se desentendeu com a gestão da Suzuki durante a negociação da renovação de contrato. Ele identificou que a equipe tentou blefar com uma de suas exigências e decidiu mudar de piloto oficial da Suzuki para uma Yamaha independente. Detalhe, a Suzuki ganhou o título daquele ano.



Em 1989, Eddie Lawson terminou um relacionamento de seis anos como piloto de fábrica da Marlboro Yamaha, equipe administrada por Giacomo Agostini. "Tive um desentendimento com Ago quando ele alegou que trabalharia com um orçamento menor. Fui a uma reunião em Lausanne, no quartel general da Phillip Morris e disseram que dinheiro lá não seria problema. Assinei na hora. Naquele tempo eu tinha este tipo de mentalidade”. Acrescente-se que Lawson também estava irritado com a Yamaha por não ter conseguido resolver um problema de carburação persistente, que arruinou a entrega de potência da YZR500. Então ele assinou a Kanemoto Rothmans Honda Team. Uma cláusula de desempenho cortou seu salário pela metade ao longo do contrato.



Em 2003, a Rossi decidiu deixar a Honda, depois de ganhar três títulos consecutivos com a NSR500 (2 tempos) e RC211V (4 tempos). O italiano entrou em rota de colisão com a direção da equipe nipônica, embora uma parte da culpa fosse de seu então empresário Gibo Badioli, conhecido por sua arrogância e inflexibilidade em conduzir negócios. Rossi decidiu sair da Honda e só mais tarde foi atraído pelo desafio de vencer a com uma YZR-M1 da Yamaha. Foi uma vingança pessoal pela Honda não ter aceitado suas condições.



No final de 2010 Casey Stoner, único piloto a conquistar um título mundial com a Ducati, mudou para a Honda porque a moto italiana não conseguia acompanhar a evolução dos japoneses. O desencanto foi potencializado no verão anterior quando o australiano não conseguiu competir com 100% de condições físicas por causa de uma intolerância à lactose não diagnosticada. Stoner ficou desgostoso porque a Ducati não reconheceu sua má condição de saúde e procurou uma alternativa com Jorge Lorenzo, oferecendo uma proposta duas vezes maior que seus ganhos, A Honda o acomodou em sua estrutura e Stoner venceu com facilidade a temporada de 2011.



Lorenzo também foi a razão para Rossi mudar da Yamaha para a Ducati, a equipe nipônica acreditava que o espanhol, que realizou um campeonato impecável em 2010, era uma aposta mais segura para o futuro que investir no já veterano italiano. Em reconhecimento ao italiano, não foi a equiparação de ganhos entre ele e o novo campeão do mundo a razão do desentendimento, Rossi simplesmente não aceitou dividir a condição de 1º piloto da equipe.    



Rossi não ganhou sequer uma prova na Ducati, sua falta de título com a Desmosedici ofuscou sua carreira ou pôs em dúvida seu talento demonstrado na Yamaha? Claro que não. Simplesmente confirma que a moto é só mais um fator importante na equação de corridas. Nem o piloto e nem moto vencem sozinhos.



Em 2017 Lorenzo deixou Yamaha e foi para a Ducati porque percebeu que nunca escaparia da sombra de Rossi. Até venceu algumas provas, mas no final do ano passado assinou com a Honda, a direção da Ducati precipitou-se ao decidir que nele não entregaria os resultados esperados e sequer iniciou uma tentativa de o manter na equipe. A sua rebeldia em obedecer às ordens da equipe na prova de Valência em 2017 (Suggested mapping: Mapping 8”) também contribuiu.



Os exemplos são claros, a motivação para trocar de equipamento passa por propostas financeiras, rendimento da máquina, apoio da gestão da equipe e ego contrariado, nunca pela simples vontade de provar seu talento.

MotoGP – O melhor da festa é esperar por ela






Uma frase já inserida no cotidiano tupiniquim é que “O melhor da festa é esperar por ela”. Implica que, antes que um evento aconteça, a imaginação das pessoas não tem limites. Todos os cenários podem ser visualizados, mesmo os mais improváveis e que resultam em maior recompensa. Depois da festa vale a reflexão de Carlos Drummond de Andrade, “E agora José”?



A contratação de Johann Zarco para compor a equipe oficial da KTM no biênio 2019/2020 foi saudada com uma das boas notícias do ano passado, todos lembram os resultados dos seus dois primeiros anos na MotoGP quando pilotou para a Tech3. Passadas quatro etapas da atual temporada, assim como todos os que os que acompanham a MotoGP, a KTM está desagradavelmente surpresa com o baixo rendimento do piloto. O francês de 28 anos está em sua 11ª participação em mundiais de motovelocidade e migrou para a MotoGP depois de um bicampeonato na Moto2 (2015 e 2016) com uma Kalex. No biênio 2017/2018 pilotou para a equipe independente Tech3 utilizando o equipamento desenvolvido por Jorge Lorenzo em seu último ano na Yamaha. Nestas duas temporadas, Zarco com uma condução combativa conseguiu se classificar melhor a equipe oficial em diversas etapas. Em 2018 preferiu recusar os protótipos 2017 do fabricante e continuar com o chassi de 2016. Zarco foi o piloto de equipe independente melhor colocado em 2017 e 2018, ocupando a 6ª posição nos dois anos.



Graças ao seu desempenho nas pistas a contratação de Johann Zarco por uma equipe oficial era inevitável, ele assinou com a KTM para 2019/2020 e até agora não conseguiu reprisar os resultados duas temporadas anteriores por falta de adaptação com o equipamento austríaco. A KTM utiliza um motor V4, com características diferentes dos 4 cilindros em linha da Yamaha. O diretor executivo Stefan Pierer da equipe austríaca ficou incomodado com críticas do piloto sobre a dificuldade de controlar o protótipo, admitindo que pode não ser tão fácil pilotar uma moto com propulsor V4 como as que têm os cilindros em linha, mas salientou que nos últimos anos os V4 venceram a esmagadora maioria das provas.



Existem diferenças nas técnicas de condução relacionadas com as características dos motores. Cilindros dispostos em linha (Yamaha & Suzuki) resultam em propulsores mais compactos, facilitam o setup para distribuição de peso e os protótipos são mais ágeis nas curvas. Cilindros montados em V (Honda, Ducati, Aprilia e KTM) oferecem maior torque em baixas rotações, leia-se melhor retomada de velocidade.



O desempenho de um piloto tem muito a ver com as características da moto. Poucos dias atrás Valentino Rossi emitiu um comentário que, sem Marc Márquez, a Honda não seria um equipamento vencedor e citou, para exemplificar seus argumentos, os resultados de Jorge Lorenzo e Cal Crutchlow na presente temporada. Sua colocação foi contestada pelo campeão do mundo, que explicou que não é a moto nem o piloto que fazem a diferença, é compromisso do conjunto, moto, piloto e pessoal de apoio. Existem pilotos que, devido ao seu estilo de condução, não vão obter bons resultados com a Honda ou com qualquer outro equipamento que esteja frequentemente no pódio das provas. Esta também é a razão pela qual o Márquez sequer cogita em trocar de equipe, ele está onde tudo converge para o seu sucesso.



As dificuldades de Johann Zarco encontram paralelo no longo aprendizado de Jorge Lorenzo quando migrou da Yamaha para a Ducati em 2017. O cinco vezes campeão mundial desenvolveu um ambiente cáustico nos boxes da Yamaha ao entrar em rumo de colisão com seu colega de boxes Valentino Rossi. Sua transferência para a fábrica italiana foi notícia por valores até então inusitados na MotoGP. Lembrando, Lorenzo foi o piloto que venceu Valentino Rossi em 2015 competindo com um equipamento igual ao dele e, como ensinou Marco Melandri tempos atrás, “Valentino é o melhor companheiro de equipe que alguém pode ter, exceto quando sente a sua hegemonia ameaçada”. O JL99 comentou em seus primeiros testes com a Ducati se sentiu um aprendiz, sua técnica de centrar o controle na roda dianteira era inadequada. Foi obrigado a aprender a usar o freio traseiro e pilotar a moto, segundo suas próprias palavras, como um barco administrando a traseira. Esta aparenta ser a causa das dificuldades de Zarco, ele está lidando com um comportamento do equipamento ainda desconhecido. Este nível de dificuldade não é bem compreendido pelos gestores da equipe, estão investindo alto e querem resultados, a KTM tem ambição de ser protagonista na MotoGP, não apenas mais uma participante. Para os administradores, cada ponto obtido por Pol Espargaro sai muito mais em conta os que o #5 consegue. 



O GP da França que se aproxima é mais uma oportunidade para Johann Zarco apresentar resultados. Ele já não é o único herói local e divide a torcida dos gauleses com Fabio Quartararo, um piloto com apenas 20 anos com um currículo enxuto, dois anos na Moto3, dois na Moto2. Entrou este ano na MotoGP, tem apenas uma vitória em mundiais (Moto2) e é uma aposta da equipe Petronas que assombrou a todos ao ser o piloto mais jovem da história a conseguir uma pole, feito obtido em Jerez.


MotoGP – As tampas das rodas da Ducati






GP19 de Michelle Pirro em Mugello



Gigi Dall’Igna aprontou de novo. Em termos de aerodinâmica nos protótipos da MotoGP o administrador da Ducati já havia criado uma celeuma com o “sistema de refrigeração da roda traseira” no Catar, agora na primeira sessão de treinos em Mugello o equipamento do piloto convidado (“Wild Card”) Michelle Pirro apareceu com uma cobertura parcial da roda traseira fixada na balança oscilante. Ainda é prematuro julgar se a novidade está respaldada ou não nos regulamentos, mas com toda a certeza deve contribuir para aumentar o desempenho do equipamento.


A Ducati já utiliza uma proteção no pneu dianteiro, agora que despertou a curiosidade de todos com um dispositivo semelhante na roda motriz, aparentemente feito de carbono e com uma variedade de tamanhos. 


Estranho, se a versão da Ducati que a “colher” era utilizada apenas para canalizar ar frio para baixar a temperatura do pneu traseiro, sem produzir downforce, então porque criar um pacote completo incluindo uma capa parcial para a roda?


Uma realidade já conhecida da indústria de bicicletas é que existem diversos conceitos de rodas dependendo da utilização do veículo. Um modelo desenvolvido exclusivamente para competições em velódromos fechados utiliza uma ampla cobertura nas rodas para reduzir o arrasto, ser mais estável e resultar em maior velocidade.









A foto da direita mostra o tamanho de uma das proteções utilizadas na roda dianteira da Ducati GP19, enquanto na imagem da esquerda as dimensões são maiores, quase formando um ângulo de cobertura de 130°, gerando dúvidas sobre a sua funcionalidade.

Os adeptos das teorias de conspiração desconfiam que a Ducati esconda algum dispositivo ilegal atrás da capa, mas é praticamente impossível que isto aconteça.

Tudo indica que as peças têm funções aerodinâmicas para ordenar melhor o fluxo de ar sob o motor, é difícil responder ser vai resultar em algum ganho ou ter alguma influência no desempenho geral. Parece óbvio que o acessório foi desenvolvido com uma ferramenta de Dinâmica dos fluidos computacional (CFD) ou, melhor ainda, em um túnel de vento.


A Ducati utilizou um discurso evasivo nos treinos livres GP de Mugello para justificar a tampa da roda traseira na moto de Michele Pirro, há poucas dúvidas que deve ter função semelhante a instalada na roda dianteira. Em tese, a montada na traseira é mais focada em dirigir o fluxo de ar que é canalizado pela “colher”, que deve contribuir para um melhor equilíbrio em altas velocidades. Independentemente dos resultados obtidos nos testes, a novidade não estava presente nos protótipos que disputaram a prova. O circuito de Mugello é caracterizado por retas longas e estar localizado nas montanhas. Ducati parece buscar uma solução para aumentar a estabilidade da moto em alta velocidade quando na reta, sem sacrificar o desempenho da GP19 nas curvas. A cobertura parcial da roda traseira é mais uma ideia original de Gigi Dall’Igna, que  tem conceitos próprios da MotoGP e com certeza utilizando alguma lacuna nos regulamentos. Se é legal ou não ainda deve ser discutido.

Roda traseira da GP19 de Michelle Pirro nos testes em Mugello


A única certeza que existe é que a caixa de Pandora está definitivamente aberta. A decisão esdrúxula do tribunal de apelação na Suíça de julgar a legalidade de uma peça em função da descrição fornecida pelo fabricante e não da sua funcionalidade, criou espaço para as explicações mais absurdas possíveis. O “similar” da Honda à colher da Ducati foi licenciado como um dispositivo para enrijecer o braço oscilante. Mais fábricas devem investir no desenvolvimento de aerodinâmica para tornar seus produtos competitivos, com custos crescentes. Obrigatoriamente as empresas com mais recursos devem ser beneficiadas, que contraria frontalmente os conceitos da Dorna sobre a MotoGP.


MotoGP – O circuito de Barcelona & os freios




Disco de freios da MotoGP



O original deste texto foi produzido em 2016 e publicado no Autoracing em 13 de setembro do mesmo ano. A proximidade do GP da Catalunha, a ser disputado entre 14 e 19 de junho, oportunizou uma reanálise ao tema relacionado com os freios. O traçado de Barcelona contempla a aproximação da curva que exige o maior esforço dos equipamentos produzidos pela Brembo, fabricante dos sistemas de freios utilizados por todas as equipes que competem na MotoGP. O texto abaixo tem partes do original e foi complementado para incluir as contribuições mais recentes da tecnologia.





As regras em vigor na MotoGP, concebidas para aumentar a competitividade e reduzir custos, não inibem o constante desenvolvimento de novas soluções e a categoria conserva a característica de ser o campo mais intenso de pesquisa no mundo das duas rodas. Os protótipos que participam do campeonato são veículos pesados e desenvolvem velocidades cada vez mais altas. A evolução da potência e aceleração necessitam de uma contrapartida eficiente para reduzir a velocidade na aproximação e contorno de curvas, tarefa que recai sobre os sistemas de freios.





O regulamento geral da competição especifica que as motos devem ter pelo menos um sistema de freio independente em cada roda, recursos hidráulicos e mecânicos são permitidos, porém mecanismos de assistência automática ou eletrônica de acionamento, inclusive o Anti-lock Brake Systems (ABS) são vetados. O ABS é um sistema automatizado que utiliza os princípios de limiar e cadência de travagem, técnicas que são desenvolvidas por pilotos competentes para evitar o travamento das rodas. No regulamento atual todo o controle é atribuição exclusiva do piloto.





Para administrar a crescente velocidade dos protótipos, os sistemas de freios, atualmente são baseados em discos de carbono.  Ao acionar os freios as motos reduzem a energia cinética como resultado da perda de velocidade, que deve ser compensada pela geração de calor devido ao atrito entre os discos e as pastilhas. Até anos atrás os discos eram limitados ao diâmetro máximo de 320 milímetros, mas o aumento da velocidade final dos protótipos aproximou perigosamente o sistema de frenagem do limite de segurança. Discos de carbono são especificados para funcionar com altas temperaturas, porém, em freadas bruscas, o limite pode ser excedido. Quando isto acontece, às vezes em diversos pontos de um circuito em uma única volta, surge o problema da oxidação, o piloto percebe uma ligeira queda no desempenho que, acompanhado por um aumento significativo no desgaste, pode levar todo o sistema ao colapso.





Os organizadores do mundial de MotoGP foram sensíveis aos argumentos dos fabricantes e, a partir de 2014, autorizaram o aumento opcional do diâmetro dos discos de freio para 340 milímetros, com maior área de atrito entre a superfície e a pastilha, desde que com a mesma espessura para evitar a necessidade de alterar as pinças e o consequente aumento de custos. Uma superfície maior dissipa mais calor, diminui em até 100 graus a temperatura máxima alcançada (que pode atingir mais de 800 graus), reduz a pressão e os tempos de frenagem e mantém a eficiência para reduzir a velocidade.





Discos de carbono permitem uma redução considerável de peso em massas não suspensas, reduzem significativamente o efeito giroscópio, facilitam o controle do piloto sobre a moto e proporcionam um desempenho muito superior ao oferecido pelo similar de aço. No entanto eles têm uma limitação, são incapazes de frear de forma eficaz fora da temperatura correta de funcionamento, é por isso que os pilotos usam a volta de aquecimento e as primeiras curvas após o início de uma prova para gerar calor na roda dianteira e conseguir a temperatura apropriada para pneus e freios. Quando as condições meteorológicas (água na pista) dificultam atingir o intervalo de temperatura adequado, discos de aço são utilizados. Mesmo com baixas temperaturas, mas na ausência de água, os discos de carbono continuam a ser uma boa opção e, neste caso, as equipes utilizam coberturas de proteção para manter o intervalo de temperatura operacional quando não estão em processo de frenagem.





O atual regulamento permite dois formatos de discos dianteiros, 320 milímetros, utilizados em quase todas as pistas e 340 milímetros. Por razões de segurança, o modelo de 340 milímetros é obrigatório no GP do Japão, a ser disputado na pista de Motegi, e indicado para circuitos onde os freios são mais exigidos como Barcelona, Sepang e Red Bull Ring.









O cuidado com o desempenho dos freios em uma corrida é tão ou mais importante que a geração de potência pelo motor. A Brembo, empresa italiana monopoliza os sistemas de freios na MotoGP, divulgou informações sobre a próxima etapa da temporada. O GP está programado para a pista de Barcelona, na Catalunha, que está catalogado como um dos mais exigentes em termos de frenagem, só superados pelo traçado de Motegi.





A pista da Catalunha é um traçado muito técnico, a prova consiste de 25 voltas, cada com um percurso de 4,727 m e dez zonas de frenagens fortes, que estressam consideravelmente o sistema de freios. A maior dificuldade está relacionada com manter a temperatura adequada para o seu perfeito funcionamento, desde o sobreaquecimento nas frenagens violentas e passando pela dificuldade em reestabelecer a temperatura ideal na parte mista. A frenagem da primeira curva, depois de uma reta muito longa, é uma das mais difíceis do campeonato.





Um detalhamento das ocorrências na Curva 1 de Barcelona indica que as motos chegam a mais de 340 km/h, percorrem 279 m com os freios acionados durante pouco mais de 5 segundos, a força aplicada pelo piloto na alavanca excede a 6,7 kg, a desaceleração gira em torno de 1,5 g e a velocidade baixa para 91 km/h.




Infográfico das principais frenagens em Barcelona








Infográfico da evolução dos discos freios da Brembo na MotoGP

MotoGP – Mugello 2019 & a festa italiana (ou quase)



Petrucci, Dovizioso & Márquez na última volta em Mugello - 2019



Há três anos a história se repete, o GP da Itália em Mugello é uma festa para a equipe Ducati, uma moto vencendo a prova e uma segunda no pódio. Entretanto nos dois últimos a alegria não foi total, venceu a moto errada. Em 2018 Jorge Lorenzo, que já estava em rota de colisão com a direção da equipe, obteve a sua primeira vitória com a marca italiana, Andrea Dovizioso depois de um início de temporada infeliz tentava descontar uma diferença de quase 50 pontos de Marc Márquez. A tônica da comemoração foi a fanática torcida italiana (os tifosi) gritando o nome de Dovi, segundo colocado, nas comemorações do pódio, ignorando a vitória do espanhol.



Este ano o laureado foi o esforçado Danilo Petrucci, cuja aspiração máxima é apresentar resultados que justifiquem a renovação de seu contrato com a equipe oficial. Em uma de suas primeiras declarações depois da competição confirmou que sua meta deste ano é continuar na equipe na próxima temporada e, palavras literais: “Ajudar Dovizioso a conquistar o título”.



A prova em si foi fantástica, com uma disputa de cada palmo da pista pelos líderes durante as 24 voltas. A cultura popular que as vitórias da MotoGP pertencem a um a um grupo fechado de pilotos está desatualizada, nos últimos tempos novos candidatos estão se apresentando. Das 6 provas deste ano, 2 foram vencidas por pilotos que nunca haviam frequentado o degrau mais alto do pódio. No GP da Itália a performance de Alex Rins e sua Suzuki foi particularmente notável, sem ter conseguido a classificação para o Q2, durante a prova chegou rapidamente no grupo da frente, conseguiu até ficar na liderança em algum momento e, no final, pressionou a Ducati de Dovizioso disputando um lugar no pódio. O top ten, que normalmente espelha a competitividade da MotoGP incluiu três Ducati, três Honda (uma especificação B), duas Yamaha (uma independente), uma Suzuki e uma KTM.



Utilizando a técnica milenar de analisar separadamente os “prós” e os “contras” para avaliar a qualidade da prova, na coluna dos “prós” podem ser registradas a primeira vitória de Petrucci na MotoGP e a disputa intensa pela liderança até rigorosamente os últimos metros entre o vencedor, Márquez, Dovizioso e Rins, respectivamente segundo, terceiro e quarto, separados por exatos 0,536 segundos. O dispositivo Holeshot, criado pela Ducati para ter um ganho de eficiência na largada funcionou com Andrea Dovizioso, que saiu lá do ‘Deus nos acuda’ para disputar os primeiros lugares na primeira curva. Uma comprovação alentadora para a disputa do campeonato é que a Honda #93 já não consegue, independente do talento de Márquez, abrir em trechos sinuosos, porém passou a ter poder de aceleração e velocidade final semelhante ou maior que as Ducati nas saídas de curvas ou retas. O resto do campeonato promete ser muito disputado.   



A coluna dos “Contra” encontra seu maior expoente no registro da queda de Valentino Rossi, que antes já havia se atrapalhado com Joan Mir e estava nas últimas posições. Rossi é idolatrado pelo público de Mugello, a prova é que enquanto ele cumpria a sua “via crucis” pela Ducati, ele caiu em um GP da Itália e a multidão que se reuniu em frente ao pódio (Lorenzo, Dovizioso e Stoner) e exigiu a sua presença nas comemorações. A queda em Mugello jogou o italiano para o quinto na classificação geral, atrás de Márquez, Dovizioso, Rins e Petrucci.



Os rockies (Fábio Quartararo e Joan Mir) que causaram espanto nos testes que antecederam a prova, inclusive o francês perdendo a pole para Márquez depois da bandeira xadrez do Q2 ser agitada, continuam sem apresentar resultados. Fabio Quartararo foi o décimo a 18 segundos do líder e Pecco Bangaia amargou 21 segundos de atraso.



Os clientes habituais das listas de decepções também estiveram presentes. Jorge Lorenzo, que consegue ficar atrás da Especificação B de Nakagami, Johann Zarco, que ainda não foi apresentado formalmente à sua KTM e Andrea Iannone, ficou 8 segundos atrás de Aleix Espargaró, seu colega na Aprilia. Joan Mir fez mais uma corrida burocrática. Jack Miller merece uma menção especial, apresentou-se como pretendente à vitória no início da prova e acabou indo ao chão. O australiano está em uma luta insana para provar para a Ducati que é melhor que Petrucci para compor a equipe na próxima temporada, o resultado de Mugello foi uma enorme decepção para suas pretensões que, como declarou depois da prova, ainda não foram arquivadas,



Na zona gris, o bloco intermediário onde estão os pilotos que não conseguem sempre ser brilhantes e também não decepcionam, Cal Crutchlow, Michelle Pirro, Maverick Vinales e os irmãos Espargaró cumpriram a sua missão. Pirro foi o piloto convidado pela Ducati para testar alguns componentes, Cal ainda não encontrou o modo certo de pilotar a Honda reformulada e Vinales não está confortável com sua Yamaha. Pol Espargaró conseguiu a 9ª colocação, mas 17 segundos atrás dos líderes, este tempo que na prova da França tinha sido apenas 6 segundos foi considerado um passo atrás para o desenvolvimento da KTM. Um pouco inexplicável foi a empolgação de Miguel Oliveira, 16º, que ficou entusiasmado com a sua performance, 11 segundos à frente de Johann Zarco.  Ah, importante, Karel Abraham terminou a prova e conseguiu seus primeiros 2 pontos, agora a Avintia já soma 4 (dois de Tito Rabat)



O retrospecto indica que Marc Márquez lidera a contagem do mundial com 115 pontos, 20 a mais que depois da mesma prova em 2018. Dovizioso mantém a segunda colocação com 103, porém pontuou em todas as provas, depois de Mugello no passado ele tinha acumulado apenas 66 pontos e passado em branco em Jerez e Monza. Valentino Rossi está despencando pelas tabelas, enquanto Rins e Petrucci apareceram para a festa sem esperarem convites.



Resumo da ópera, lentamente Marc Márquez está encaminhando um novo título, porém muita coisa pode acontecer até porque o número de candidatos (e máquinas) aumenta a cada dia. A próxima prova é a 18ª a ser disputada no Circuito de Barcelona, na Catalunya, onde a Yamaha já venceu 9 vezes, a Ducati 4 e a Honda outras 4.



A MotoGP está com a receita perfeita para um bom espetáculo. Corridas curtas, em torno de 40 minutos, onde tudo acontece muito rápido. A competitividade dos equipamentos cria um ambiente propício para que só os melhores pilotos sobressaiam, a qualidade do espetáculo não permite lapsos, o tempo para preparar um cafezinho pode ocasionar a perda de várias ultrapassagens ou de um fato importante. Os ângulos de inclinação necessários para os equipamentos contornarem as curvas em alta velocidade são ocasiões para até os pilotos experientes experimentarem uma queda, sem a necessidade da interferência de terceiros.



Poucos dias atrás, cumprindo um ritual que repito a quase quatro décadas (tenho 69 anos), sentei na frente de um aparelho de TV para assistir ao GP de Mônaco de F1. Apesar das tentativas dos locutores de criar um ambiente excitante sugerindo dificuldades e possibilidades que nunca se concretizam, a lembrança que tive foi a de uma antiga canção de Gilberto Gil: “Olha, lá vai passando a procissão, se arrastando que nem cobra pelo chão...”.

Michelin é a marca oficial de pneus no MotoGP




A Michelin chega, em 2019, na quarta temporada como fornecedora oficial de pneus para o MotoGP. Após um início complicado e com alguns problemas, a marca conseguiu mostrar evolução nos anos seguintes.



Alguns especialistas afirmam que a crescente competitividade nas corridas é muito relacionada com essa escolha. O contrato de exclusividade de fornecimento foi ampliado até 2023, fato que comprova o comprometimento da empresa em manter-se com força no mundo da motovelocidade.



A vida dos técnicos da Michelin em todas as corridas de MotoGP não é nada fácil. São quase dois mil pneus levados para todas as partes do mundo. Os pneus são selecionados especialmente para o tipo de pista e um contingente entre 20 a 40 profissionais da marca francesa trabalham em apoio às equipas profissionais. Os pilotos também têm acesso direto com o fabricante. Alguns dos custos são pagos pelas equipes, porém, grande parte das contas fica a cargo da própria fornecedora de pneus. No final de 2018, a Michelin optou por renovar a parceria que tem com a Dorna Sport, empresa que administra os principais contratos da MotoGP. O contrato com valor em torno de 30 milhões de euros para atender exclusivamente a categoria principal até o fim de 2023, a Dunlop é responsável por calçar as categorias de acesso, Moto2 & Moto3.



Equipes e pilotos são as peças mais importantes do MotoGP, por consequência são os mais afetados por qualquer mudança. Na temporada de 2017 alguns pilotos custaram a entender e explorar as novas características, alguns criticaram abertamente a marca francesa. Em uma entrevista para o portal MotoSport o italiano Danilo Petrucci, na época pilotando uma Ducati da Pramac, elogiou a antiga fornecedora Bridgestone, em comparação com as versões utilizadas pela Michelin.



Algumas equipes conseguiram compreender e utilizar os novos componentes mais facilmente. Nas temporadas de 2016 a 2018 Ducati e Honda dominaram o cenário, a Yamaha teve dificuldades para adequar-se à nova realidade. Em 2018, por exemplo, Honda e Ducati conseguiram marcar 710 pontos no campeonato, a equipe liderada por Valentino Rossi passou mais de um ano sem uma vitória na categoria principal do MotoGP.



O piloto que se destaca melhor neste cenário ainda é Marc Márquez. O atual campeão soube aproveitar os novos pneus e tem conseguido ser campeão ano após ano. Na presente temporada o piloto espanhol já é considerado favorito nas cotações online do portal da Betway. Em abril o #93 alcançou 82% na cotação para a conquista do mundial.



Considerando que os pneus nunca são os protagonistas e garantem sempre presença ente os maiores culpados, deve existir uma razão comercial muito forte para a Michelin investir na MotoGP. A presença do fabricante francês é um investimento de marketing e que promove a evolução técnica para a empresa. Com a oportunidade de testar novos componentes, a marca tem conseguido expandir-se na venda de pneus fora das competições.



MotoGP – O pequeno grande homem





Dani Petrosa & Andrea Dovizioso no Circuito das Américas - 2016



Não lembro do autor, pode ter sido João Saldanha no curto período que dirigiu a Seleção Brasileira antes da Copa de 1970, porém a frase foi e continua sendo muito significativa: “A seleção não é o lugar para goleiro azarado”. Em termos de MotoGP o conceito pode ser expandido para “Não existem campeões azarados”. 


Consta do folclore da MotoGP que Dani Pedrosa somente assumiu a profissão de piloto profissional depois que a Força Aérea Espanhola recusou sua inscrição por razões médicas: Não foi aprovado no exame oftalmológico – quando em posição de sentido seus olhos ficam muito próximos do chão.

O espanhol Dani Pedrosa, 33 anos, é natural de Sabadell, Espanha, disputou o seu primeiro campeonato de motovelocidade em 2001, e conquistou seu primeiro título em 2003 na classe 125cc. Promovido, nos anos seguintes foi bicampeão na categoria 250cc. Pedrosa teve uma longa carreira na MotoGP, 13 temporadas, 217 largadas e 31 vitórias, inclusive em 2012 conquistou 7 vitórias, uma a mais que o campeão Jorge Lorenzo.


O espanhol sempre esteve associado com a equipe Repsol-Honda e tem uma longa história de adaptação, superação e força de vontade por causa da sua constituição física diminuta e por uma tendência para acidentes. As medidas oficiais da MotoGP registram que Dani Pedrosa tem 1,58m de altura e pesa 51kg. Quando foi promovido para a MotoGP houve quem argumentasse ser necessário impor um peso mínimo do conjunto moto/condutor para limitar vantagens (?) de pilotos de pequena estatura.  Os protótipos da MotoGP são máquinas de mais de 150 kg e muito potentes, o pouco peso do piloto pode contribuir marginalmente em retas, mas é uma desvantagem sensível em curvas. Para obter preciosos milissegundos os pilotos necessitam de carga nos pneus para gerar calor, deformar a carcaça e expandir a área de contato. Pedrosa sempre pesou menos do que seus rivais e não podia carregar o pneu traseiro como eles, como resultado tem menos aderência nas saídas de curvas. Dani também tem menor envergadura, é menos eficiente quando se move para transferir carga para frente, para trás ou de um lado para outro. Também não tem o efeito de alavanca em seus membros para trabalhar a direção.


A carreira de Dani Pedrosa pode ser sintetizada no GP de San Marino em 2012. Estava no melhor momento da sua carreira, o campeão mundial Casey Stoner estava fora da corrida pelo título por ter rompido os ligamentos em um acidente em Indianápolis, Dani havia vencido na Alemanha, Indianápolis e República Checa. Faltavam 6 provas e ele estava a 13 pontos de Jorge Lorenzo. Em San Marino Dani conquistou a pole e, depois de alinhado no grid, identificou um problema no freio dianteiro. A moto foi recolhida para a garagem enquanto todos os outros concorrentes davam a volta de apresentação. Os mecânicos conseguiram consertar o defeito e Pedrosa largou em último para uma curta performance, foi abalroado por Hector Barbera e abandonou a prova. A vitória de Lorenzo em San Marino lhe custou o campeonato.


Depois de ser colega de Nicky Hayden (2006 a 2008), Andrea Dovizioso (2009 e 2010) e Casey Stoner (2011 e 2012), em 2023 Pedrosa passou a dividir os compromissos oficiais da Repsol-Honda com Marc Márquez, que surpreendeu o mundo com sua técnica de condução criativa e agressiva. O convívio entre eles foi muito proveitoso para Márquez, que recebeu ensinamentos valiosos sobre o protótipo RC213V. O inverso não ocorreu, o estilo de pilotar de Márquez exige força, mobilidade e envergadura, Pedrosa é um pouco menor e, mesmo mantendo boa forma, não tem o físico adequado para replicar a técnica do companheiro.


Todos que acompanharam a sua carreira de piloto reconhecem que os resultados de Pedrosa não correspondem ao seu talento. Ele foi muito penalizado pela obrigatoriedade da eletrônica padronizada, o software proprietário da Honda compensava algumas de suas limitações, e atrapalhado por toda a sorte de acidentes, embora ninguém tem a certeza se existe alguma relação entre estas ocorrências e sua estatura. Dani Pedrosa é um exemplo vivo da possibilidade de recuperação de traumatismos, em seus 15 anos de carreira (início em 2001 na 125cc) contabilizou inúmeras fraturas, três delas em sua clavícula esquerda. 


Os registros do piloto de Sabadell evidenciam que ele foi um piloto excepcional, 295 largadas (217 na MotoGP), 54 vitórias (31 na principal categoria), em sua carreira ele acumulou 4.162 pontos. Nos 70 anos do mundial de motovelocidade só 6 pilotos têm números melhores, Giacomo Agostini, Valentino Rossi, Angel Nieto, Miky Hailwood, Marc Márquez e Jorge Lorenzo. Dani Pedrosa tem o mesmo número de vitórias do lendário Mick Doohan e um recorde difícil de ser igualado, é o único piloto a conseguir pelo menos uma vitória em 16 temporadas consecutivas do Mundial de Motovelocidade.


Dani Pedrosa em sua longa carreira participou de GPs memoráveis, entre os quais a etapa do Japão em 2015, disputada em clima úmido. Jorge Lorenzo e Valentino Rossi, colegas de equipe na Yamaha, estavam em uma luta acirrada pelo título da temporada, faltando 15 voltas ambos lideravam a prova seguidos da Ducati de Andrea Dovizioso e da Honda de Pedrosa. Em 7 voltas Dani recuperou os mais de 8 segundos de desvantagem para superar o líder e terminou a prova com quase 9 segundos de diferença sobre o segundo colocado (Rossi).


A temporada de 2016 começou tumultuada para Andrea Dovizioso. Depois de uma excelente colocação na abertura em Losail, foi derrubado por seu colega de equipe (Iannone) a poucos metros da bandeirada em Rio Hondo quando estava na 2ª posição. Na corrida seguinte, no Circuito das Américas, sua Ducati foi atingida pela Honda #26, era a época das winglets, apêndices aerodinâmicos que posteriormente foram banidos por razões de segurança. Dani Pedrosa, que perdeu o controle da sua moto e atingiu o italiano, foi o primeiro a verificar as condições do colega. Correu o mundo a imagem do espanhol atendendo o piloto acidentado.


Em 2011 uma manobra irresponsável de Marco Simoncelli provocou a queda de Dani Petrosa. O piloto fraturou a clavícula e ficou três provas afastado. Quando retornou, no GP da Itália, o espanhol recusou uma tentativa de aproximação do italiano, Dani estava muito irritado com Simoncelli. Dez GPs mais tarde, quando aconteceu o acidente em Sepang que causou o óbito do italiano, Pedrosa procurou o pai do piloto para prestar condolências, mas não conseguiu falar. Foi nesta ocasião, falando depois para a imprensa, que Pedrosa confessou que se arrependeu de ter evitado a aproximação do colega 3 meses antes, declarou que “A vida é muito curta para cultivar inimizades”.


A temporada de 2018 revelou uma característica diferenciada de Dani Pedrosa, a generosidade. Ao andar atrás de Maverick Vinales em um treino ele identificou que o comportamento da Yamaha revelava um problema de distribuição de peso, comentou com o colega, A engenharia da Yamaha analisou esta informação e procedeu alterações que melhoraram muito o desempenho dos protótipos.

No biênio de 2019/2020 Pedrosa vai desempenhar as funções de piloto de testes e consultor para a equipe austríaca KTM, para auxiliar a equipe a alcançar o seu objetivo de ser uma das protagonistas e não uma figurante na MotoGP. Antes, porém, optou por um tratamento com células-tronco para reforçar/recompor a clavícula.



Carlos Alberto

sábado, 1 de junho de 2019

F1 & MotoGP – Teorias de conspiração






O Dicionário Oxford (inglês) define como teoria da conspiração um fenômeno motivado por questões políticas ou econômicas que justificam eventos inexplicáveis. Diversos resultados das principais competições de esportes a motor, Fórmula 1 & MotoGP, que contrariam a lógica, desejo ou expectativa do público, costumam ser atribuídos a teorias conspiratórias. Até os dias atuais existem opiniões de supostos especialistas que questionam as razões do sucesso dos expoentes máximos destes dois esportes.



Existem versões que o principal talento de Michael Schumacher era a competência de seus advogados na redação de seus contratos, que lhe garantiam total prioridade em qualquer ocorrência durante as provas. A manifestação mais evidente, segundo os adeptos desta versão, foi materializada no GP da Áustria em 2002 e imortalizada na narração de Cleber Machado: “Hoje não, hoje não... hoje sim”. Schumacher dominava a temporada, tinha vencido quatro das cinco provas até então, liderava o Mundial de Pilotos com folga e mesmo assim a Ferrari emitiu a ordem para que Rubens Barrichello entregasse a vitória para o alemão.



Ainda não havia tantas facilidades de comunicação durante a época em que Giacomo Agostini construiu um currículo até hoje inigualado no motociclismo esportivo. Os registros da época indicam a inconformidade dos pilotos que compartilhavam os boxes com o tratamento desigual na MV Agusta. Agostini era protegido pelo Conde Agusta, o principal apoio financeiro da equipe.



A evolução da Fórmula 1 e MotoGP transformaram as competições em empreendimentos que administram orçamentos multimilionários, necessariamente gerenciados com forte influência de profissionais das finanças. Este fato, associado ao crescimento das facilidades de comunicações e redes sociais é um terreno fértil para surgir e propagar teorias conspiratórias.



Piquet & Mansell

A convivência entre Piquet e Mansell quando ambos pilotavam para a Williams no final dos anos 80 nunca foi amistosa e criou um ambiente propício para teorias absurdas. A superioridade dos carros da equipe era inquestionável, a imagem do inglês propagada no Brasil era de um piloto tosco e de poucos recursos, que nunca espelhou a realidade. Historicamente Nigel Mansell foi o único piloto a deter simultaneamente (por pouco tempo) os títulos de Campeão Mundial de Fórmula 1 e Campeão de Fórmula Indy. A alegada conspiração contra Piquet foi “comprovada” quando a equipe decidiu abandonar a utilização da suspenção ativa, introduzida em meio da temporada no GP da Alemanha. Piquet assimilou melhor a novidade e criou uma desigualdade no desempenho dos dois pilotos. A equipe, cuja hegemonia não era contestada, optou por uma medida gerencial e retirou a traquitana dos carros para dar condições iguais aos dois pilotos, fato interpretado pela mídia tupiniquim como uma manobra evidente para prejudicar o brasileiro. Em tempo, na temporada Piquet conquistou o campeonato com três vitórias contra seis de Mansell.



Ayrton Senna & Alain Prost

A excelência dos projetos da McLaren criou rivalidades entre seus pilotos durante vários anos. Quando Ayrton Senna foi contratado, encontrou em seu colega Alain Prost um campeão já consolidado e com fácil trânsito na equipe. Dois pilotos competentes e determinados disputando com o mesmo equipamento podiam ser tudo, menos amigos. As teorias de que Prost tinha tratamento diferenciado na equipe e contava até com a proteção de Jean-Marie Balestre, presidente da FIA, eram divulgadas com frequência e, por vezes, até estimuladas pelos próprios pilotos. Prost se sentia prejudicado por Senna ter adotado o procedimento de dividir com seus mecânicos os prêmios financeiros por poles e vitórias. Em uma época em que os pilotos revezavam o carro reserva, Ayrton Senna vazou para um reporter que tinha uma estratégia poderosa para vencer uma prova, simular um defeito em seu equipamento e utilizar o carro reserva preparado para Prost.



Lewis Hamilton & Fernando Alonso

Anos depois, em 2007, o gestor da McLaren Ron Dennis administrou uma discórdia semelhante ao colocar nos boxes da equipe o inglês Lewis Hamilton e o espanhol Fernando Alonso. Embora menos intensa, a disputa entre eles causou maior alarde porque na época de Senna e Prost ainda não havia internet. O bicampeão Alonso não aceitava dividir o protagonismo da equipe com um novato. Houve ruído nas provas de Mônaco, Canadá e Estados Unidos, Alonso acusou a equipe (britânica) de favorecer o piloto britânico. Na tomada de tempos para o GP da Hungria Alonso foi penalizado em cinco posições no grid, retardou de propósito a sua permanência no pit para impedir as chances de Hamilton de trocar de pneus e tentar fazer uma volta rápida. A rivalidade entre ambos acabou entregando o campeonato do ano para Kimi Raikkonen.



Mark Webber & Sebastian Vettel

Mark Webber credita a manobras da equipe Red Bull o primeiro campeonato de Sebastian Vettel e cita como prova o que aconteceu no GP de Silverstone em 2010. Os carros da equipe foram equipados com um novo conjunto de asas mais eficiente. Durante o TL3 Vettel perdeu o controle e avariou o componente de seu carro, no havia sobressalente. Na ocasião a equipe alegou que Vettel tinha mais pontos no campeonato e canibalizou o carro de Webber para proporcionar melhores condições ao alemão. Mark Webber, com o componente antigo, venceu a prova e expôs a sua contrariedade no rádio com a equipe: “Nada mal para um segundo piloto”.



Red Bull & Toro Rosso

O ano passado presenciou a improvável vitória de Daniel Ricciardo no GP da China com uma estratégia de duas trocas de pneus. A conspiração foi sugerida por causa de uma bandeira amarela provocada por um acidente conveniente entre os dois carros da Toro Rosso, que criou uma oportunidade ideal para a Red Bull realizar a segunda troca.



Esteban Ocon & Max Verstappen

A Red Bull também aparece envolvida na realização do GP Brasil de 2018, neste evento como prejudicada. O até então líder da prova Max Verstappen foi abalroado pela Force Índia de Esteban Occon. O piloto da Red Bull estava tentando evitar que o francês descontasse uma volta de atraso com pneus novos no “S do Senna. O princípio da física que “Dois corpos não podem ocupar, ao mesmo tempo, o mesmo lugar no espaço” se fez presente e tirou Verstappen da corrida. Como tudo o que contraria o holandês acaba em confusão, acusou o piloto francês de ter sido orientado para o prejudicar e tentou agredir o colega no fim da prova.



Valentino Rossi & Marc Márquez

O ídolo italiano Valentino Rossi de certa maneira incorpora o sentimento dos autores de “Asterix, o gaulês” ao dar um nome sugestivo para o cãozinho que acompanha o herói em suas aventuras: “Ideiafix”.  Aos 39 anos de idade Valentino persegue com tenacidade os
recordes estabelecidos por seu conterrâneo Giacomo Agostini entre 1964 e 1977, que lhe concederia por mérito e por direito o título de maior piloto da motovelocidade de todo o sempre. Agostini venceu 8 mundiais na categoria principal (500cc na época), Rossi contabiliza 7 (500cc & MotoGP). O piloto atualmente na equipe oficial da Yamaha venceu 115 GPs, o recordista somou 122. Rossi nunca esteve tão próximo de alcançar parte de seus objetivos como na temporada de 2015, frustrado na última prova do ano pelo colega de equipe, o espanhol Jorge Lorenzo. O italiano e seu staff na ocasião fantasiaram existência de uma conspiração comandada por Marc Márquez para impedir o seu sucesso. Talvez nem ele acredite nisso, mas foi manchete e objeto de diversas publicações na mídia escrita (jornais) e digital. Serviu para desviar o foco de ter sido derrotado por um companheiro de equipe com um equipamento igual ao seu.

ste ano, depois de ter se envolvido em uma manobra desastrada de Márquez no GP da Argentina, Rossi alardeou pela mídia que o estava com medo de compartilhar a pista com o campeão do mundo. O comentário de Agostini sobre esta declaração foi particularmente cáustico: “Talvez trabalhar em um banco envolva menos riscos”.



Maverick Vinales & Michelin

Em 2017 Maverick Vinales assumiu a vaga aberta com a ida de Lorenzo para a Ducati com o objetivo explícito de ser campeão do mundo. Em sua cabeça o fato de competir ao lado de Valentino Rossi era um mero detalhe. Vinales venceu as duas primeiras provas no Catar e em Rio Hondo pela nova equipe, repetiu o feito na França, mas não teve fôlego para acompanhar os resultados de Márquez e Dovizioso.  Depois que a Michelin mudou as características do pneu dianteiro em meio da temporada a Yamaha perdeu o rumo. Houve diversas insinuações que a equipe estava mudando a moto por solicitação de Valentino e desconsiderando o bom momento de Vinales. Em tempo, a mudança de carcaça não foi uma imposição imposta pela Michelin, foi objeto de ampla discussão e contou com a aprovação de 20 dos 23 pilotos do grid, com os votos favoráveis de Rossi e Vinales.

A Yamaha não acompanhou a evolução, as ambições de Vinales foram frustradas e a conta foi debitada para a Michelin.



Loris Capirossi & Tetsuya Harada

O título da classe 250cc de 1998 foi decidido na última prova da temporada disputada na Argentina. Os postulantes eram Loris Capirossi, que já havia pilotado na 500cc, e Tetsuya Harada, ambos da equipe oficial da Aprilia. O italiano estava com quatro pontos de vantagem sobre o japonês, que tinha a seu favor os critérios de desempate. Valentino Rossi liderava, Harada em segundo, posição que lhe garantiria o título, e Capirossi na terceira posição. Em uma das últimas voltas o italiano fez um traçado absurdo, literalmente jogou o japonês para fora da pista e venceu o mundial. O burburinho da época era que para uma equipe italiana era mais rentável vencer com um piloto italiano.



Loris Capirossi & Hans Spaan

Em 1990 a “Cosa Nostra” atuou com eficiência para garantir a um conterrâneo o título da 125cc.  Os italianos Fausto Gresini, Bruno Casanova e Doriano Romboni entraram na pista determinados a ajudar o compatriota e realizaram diversas manobras estranhas para bloquear o piloto holandês por várias voltas, permitindo uma vantagem crucial para Capirossi ser campeão. Depois prova, irritado com a deslealdade na pista, Hans Spaan desferiu um murro no rosto de Fausto Gresini.



Avaliação final

Quando teorias de conspiração são avaliadas no ambiente do esporte motorizado de duas ou quatro rodas, uma fábrica, equipe ou piloto podem ter duas motivações, o reconhecimento do público ou uma recompensa financeira. Parece óbvio que uma conspiração tenha por objeto promover uma realização, desculpar um insucesso ou realizar lucros. Porém, como ensinou Daniel Patrick Moynihan, sociólogo e político americano “Você tem direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”, conspirações podem e muitas vezes são bem-sucedidas, mas quando a história real é conhecida, as proezas dos conspiradores perdem o valor. Quem presenciou ao vivo uma mensagem da equipe Ferrari com o teor “Fernando is faster than yo. Can you confirm you understood that message?” perde o respeito pela equipe e põem em dúvida o mérito dos resultados obtidos pelo piloto.



Carlos Alberto