sexta-feira, 14 de junho de 2019

MotoGP - Um piloto só é reconhecido se vencer com motos diferentes?





Texto adaptado de original de Mat Oxley
Motor Sport Magazine - junho de 2019




Há uma teoria sendo divulgada na mídia que pilotos vencedores na MotoGP devem provar o seu talento conquistando títulos com diferentes marcas.



O contrato atual entre a HRC e Marc Márquez expira em 31 de dezembro de 2020, daqui a 600 dias. Por falta de notícias já existem jornalistas praticando exercícios de futurologia perguntando por qual fabricante ele deve pilotar em 2021. Se fica na Honda ou deve assinar com outro fabricante para provar seu talento com outro equipamento. Óbvio, são tudo conjeturas, ninguém tem a menor ideia o que Márquez fará.



Muitas destas especulações fluem de uma assertiva inverídica, os pilotos talentosos devem vencer corridas e obter títulos com motos diferentes para serem reconhecidos como os melhores.



É um absurdo. Não é nada a ver como pilotar uma moto, é sobre como andar com a moto que está sendo pilotada. Simples assim. A proeza de conquistar títulos com equipamentos distintos pode ser equiparada à troca de fornecedor de pneus, a mídia não fica especulando sobre quem ganhou títulos com pneus de fábricas diferentes.



Alguns dos maiores pilotos da história permaneceram fiéis a uma única marca: O australiano Mick Doohan pilotou para a Honda durante toda a sua carreira na classe 500cc, de 1989 a 1999, venceu 5 mundiais consecutivos entre 1994 e 1998. Kenny Roberts participou de provas de motovelocidade entre 1974 a 1983 nas classes 250cc e 500cc, tem 3 mundiais sempre com motos Yamaha. Seu compatriota, Wayne Rainey, competiu exclusivamente com a Yamaha entre 1988 e 1993 na 500cc, conseguiu um tricampeonato mundial. Outro americano, Kevin Schwantz, desenvolveu toda a sua carreira com máquinas Suzuki 500cc entre 1986 e 1995, conquistando um título mundial.  Os últimos anos têm sido muito gratificantes para Marc Márquez, sempre com a Honda. O fato destes pilotos nunca terem trocado de fabricantes é indicativo que o seu talento é menor? Claro que não.



Vencer com motocicletas diferentes é uma realização notável, mas decididamente não faz um piloto superior a outro. A adaptação a uma moto com comportamento diferente é apenas mais uma da enorme variedade de habilidades que os pilotos excepcionais desenvolvem. Por outra ótica todos os pilotos da MotoGP já provaram sua capacidade de adaptação ao progredir de uma categoria menor para a principal.



A ideia de pilotos precisar vencer títulos em diferentes motos para ter seu talento reconhecido é um conceito relativamente novo. A origem pode retroagir ao inverno de 2003/2004, quando Valentino Rossi desertou da Honda em direção à Yamaha. Rossi venceu o mundial de 2004 com uma YZR-M1 e se tornou o quarto piloto a ganhar títulos da principal categoria com marcas diferentes, junto com Geoff Duke (Norton e Gilera), Giacomo Agostini (MV Agusta e Yamaha) e Eddie Lawson (Yamaha e Honda). Recentemente este clube restrito foi ampliado por Casey Stoner (Ducati e Honda).



Os feitos de Rossi e Lawson são particularmente exclusivos, venceram temporadas consecutivas com marcas diferentes. O sucesso não pode ser creditado exclusivamente para eles, houve uma convergência de fatores que colaboraram. Lawson não teria ganho o título de 500cc de 1989 com a Honda NSR500 sem a genialidade de Erv Kanemoto, que abriu um canal exclusivo entre o americano e a estrutura de desenvolvimento da HRC. Rossi não teria vencido o título pela Yamaha (certamente tão cedo) se o gênio de Masao Furusawa não tivesse criado um revolucionário motor “big bang” e sem a competência do chefe de equipe Jeremy Burgess ao disponibilizar um chassi muito eficiente para a M1.



Buscar exemplos da história é uma maneira de compreender o que realmente acontece. Pilotos quase sempre trocam de fabricantes principalmente por causa de dinheiro, às vezes em busca de um equipamento melhor ou talvez seduzidos por promessas da nova equipe. Os exemplos são muitos.



Geoff Duke foi o primeiro campeão mundial da categoria principal a mudar de marca. A sua decisão foi em busca de um equipamento melhor em 1953. Ele havia ganho o título de 500cc em 1951 pilotando com seu talento especial uma Norton monocilíndrica, competindo com motos Gilera bem mais rápidas.  Em 1952, ele não teve chances, então quando o diretor da Norton, Gilbert Smith, começou a negociar o contrato de 1953 Duke perguntou quando a empresa teria um motor de 4 cilindros refrigerado à água. Não a tempo para a próxima temporada, respondeu Gilbert (na verdade o quatro cilindros da Norton nunca foi concluído). O caldo entornou de vez quando, na negociação, Gilbert desconsiderou os 25% a menos de potência do propulsor e alegou que grande parte da que a queda de produção de Duke era relacionada com a sua vida social intensa. Esta foi a principal razão do piloto ter assinado com a Gilera.



Em 1966 Mike Hailwood trocou a MV Agusta pela Honda porque não suportou mais a excessiva proteção do Conde Domenico Agusta para seu novo contratado, Giacomo Agostini. Em 1974 Agostini finalmente abandonou a MV Agusta porque era notório que os motores de 2 tempos eram mais eficientes. Não havia como conseguir mais potência nos 4 tempos e os novos 2 tempos estavam cada vez mais rápidos e seguros. Era hora de mudar. Além disso, Conde Domenico tinha morrido e a equipe estava sendo administrada por seu sobrinho.

No final de 1978 Barry Sheene se desentendeu com a gestão da Suzuki durante a negociação da renovação de contrato. Ele identificou que a equipe tentou blefar com uma de suas exigências e decidiu mudar de piloto oficial da Suzuki para uma Yamaha independente. Detalhe, a Suzuki ganhou o título daquele ano.



Em 1989, Eddie Lawson terminou um relacionamento de seis anos como piloto de fábrica da Marlboro Yamaha, equipe administrada por Giacomo Agostini. "Tive um desentendimento com Ago quando ele alegou que trabalharia com um orçamento menor. Fui a uma reunião em Lausanne, no quartel general da Phillip Morris e disseram que dinheiro lá não seria problema. Assinei na hora. Naquele tempo eu tinha este tipo de mentalidade”. Acrescente-se que Lawson também estava irritado com a Yamaha por não ter conseguido resolver um problema de carburação persistente, que arruinou a entrega de potência da YZR500. Então ele assinou a Kanemoto Rothmans Honda Team. Uma cláusula de desempenho cortou seu salário pela metade ao longo do contrato.



Em 2003, a Rossi decidiu deixar a Honda, depois de ganhar três títulos consecutivos com a NSR500 (2 tempos) e RC211V (4 tempos). O italiano entrou em rota de colisão com a direção da equipe nipônica, embora uma parte da culpa fosse de seu então empresário Gibo Badioli, conhecido por sua arrogância e inflexibilidade em conduzir negócios. Rossi decidiu sair da Honda e só mais tarde foi atraído pelo desafio de vencer a com uma YZR-M1 da Yamaha. Foi uma vingança pessoal pela Honda não ter aceitado suas condições.



No final de 2010 Casey Stoner, único piloto a conquistar um título mundial com a Ducati, mudou para a Honda porque a moto italiana não conseguia acompanhar a evolução dos japoneses. O desencanto foi potencializado no verão anterior quando o australiano não conseguiu competir com 100% de condições físicas por causa de uma intolerância à lactose não diagnosticada. Stoner ficou desgostoso porque a Ducati não reconheceu sua má condição de saúde e procurou uma alternativa com Jorge Lorenzo, oferecendo uma proposta duas vezes maior que seus ganhos, A Honda o acomodou em sua estrutura e Stoner venceu com facilidade a temporada de 2011.



Lorenzo também foi a razão para Rossi mudar da Yamaha para a Ducati, a equipe nipônica acreditava que o espanhol, que realizou um campeonato impecável em 2010, era uma aposta mais segura para o futuro que investir no já veterano italiano. Em reconhecimento ao italiano, não foi a equiparação de ganhos entre ele e o novo campeão do mundo a razão do desentendimento, Rossi simplesmente não aceitou dividir a condição de 1º piloto da equipe.    



Rossi não ganhou sequer uma prova na Ducati, sua falta de título com a Desmosedici ofuscou sua carreira ou pôs em dúvida seu talento demonstrado na Yamaha? Claro que não. Simplesmente confirma que a moto é só mais um fator importante na equação de corridas. Nem o piloto e nem moto vencem sozinhos.



Em 2017 Lorenzo deixou Yamaha e foi para a Ducati porque percebeu que nunca escaparia da sombra de Rossi. Até venceu algumas provas, mas no final do ano passado assinou com a Honda, a direção da Ducati precipitou-se ao decidir que nele não entregaria os resultados esperados e sequer iniciou uma tentativa de o manter na equipe. A sua rebeldia em obedecer às ordens da equipe na prova de Valência em 2017 (Suggested mapping: Mapping 8”) também contribuiu.



Os exemplos são claros, a motivação para trocar de equipamento passa por propostas financeiras, rendimento da máquina, apoio da gestão da equipe e ego contrariado, nunca pela simples vontade de provar seu talento.

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