sábado, 22 de junho de 2019

MotoGP – “Honda, we have a problem”

Barcelona 2019 – Entrada da curva 10 instantes antes do acidente
 
Houston, we have a problem” é uma frase supostamente citada nas comunicações de rádio entre o astronauta John Swigert e o Centro de Controle da NASA durante a missão espacial da Apollo 13, quando houve uma explosão que danificou sua espaçonave. O dicionário define “problema” como sendo um assunto controverso, que pode ser objeto de pesquisas científicas ou uma questão social que traz transtornos e que exige grande esforço e determinação para ser solucionado. De certa forma, no ambiente atual da MotoGP, a Honda tem um problema.


Parece paradoxal, a equipe conta com um piloto que lidera por larga margem a contagem de pontos pelo mundial deste ano, que venceu 4 das 7 etapas já realizadas e esteve no pódio em 20 das últimas 24 provas (temporadas de 2018 & 2019).  O problema fica evidente quando o objeto de análise muda para o Mundial de Equipes, a Ducati Mission Winnow lidera esta temporada com 201 pontos (103 de Andrea Dovizioso e 98 de Danilo Petrucci). A Repsol Honda está em segundo com 159 (140 obtidos por Marc Márquez). A equipe Repsol Honda é, literalmente, um samba de uma nota só.


A sabedoria popular indica que “quem tem um, pode não ter nada”. Historicamente a carreira de Valentino Rossi, que completa na próxima etapa em Assen 2 anos sem vitórias, encontrou um ponto de inflexão em um acidente no GP da Itália de 2010. O multicampeão até então acumulava 105 vitórias, 66 depois da reestruturação da MotoGP em 2002, caminhava célere para ser o maior vencedor da história do mundial da FIM. Desde então, apesar de continuar competindo em alto nível e levando milhares de fãs aos circuitos, o italiano conseguiu alçar ao degrau mais alto do pódio apenas 10 vezes. O pior pesadelo da Honda é que uma história semelhante aconteça com Marc Márquez, afinal, como ensina o filósofo Forrest Gump, “Shit happens”.


Na temporada passada a HRC comunicou a Dani Pedrosa, 11º colocado na última temporada, que depois de 18 anos de carreira competindo exclusivamente pela fábrica não renovaria seu contrato. Na linha oposta de vários comentários que circularam na época, a saída de Pedrosa da Honda não foi devida a tensão que existiu entre ele e o chefe da equipe Alberto Puig. O próprio presidente da HRC Yoshishige Nomura comunicou ao piloto que o seu porte físico (1,58 m) não era compatível com os projetos que estavam em desenvolvimento na fábrica, as características físicas de Márquez (1,68), Lorenzo (1,71) e do piloto de testes Stefan Bradl (1,69) eram mais apropriadas.


A contratação de Jorge Lorenzo pelo Repsol-Honda não visou buscar um sucessor para Marc Márquez, até porque ele é 6 anos mais velho. A ideia da HRC é utilizar a experiência do piloto em diversos protótipos (Yamaha e Ducati) para tornar a RC213V um equipamento mais amigável para pilotos sem o talento especial de Márquez e contribuir com pontos para os títulos de equipes e fabricantes. 


Na MotoGP as competições podem ser decididas por décimos ou milésimos de segundo e a evolução técnica ocorre em vários componentes, motores mais potentes, maior ou menor rigidez do chassi, suspensão melhor calibrada, mapeamentos de software mais eficientes e pneus com maior aderência. A linha de desenvolvimento mais explorada recentemente é a aerodinâmica, para criar maior downforce e suas consequências nas pistas, especialmente o maior poder de frenagem. 


A área técnica da Brembo, fornecedora de sistemas de freios para todas as equipes, explica que o limite da força g nos freios é a aderência do pneu. A nova aerodinâmica aumenta o downforce sobre o pneu dianteiro durante a frenagem, resulta em maior aderência, significando que os pilotos podem travar mais tarde, com mais força e reduzir a velocidade para entrar em um contorno em um espaço menor.


Os pilotos da MotoGP estão sujeitos a força de desaceleração de até 1,5 g em frenagens mais agressivas, um valor desprezível se comparado aos até 5 g que são submetidos os pilotos da Fórmula 1. Entretanto, na F1 os condutores ficam presos nos assentos por cintos de segurança de 7 pontos enquanto na MotoGP os únicos recursos dos pilotos utilizam para permanecer no equipamento são suas mãos, coxas, pés e glúteo. É uma condição precária, o único ponto de apoio fixo são as mãos do piloto e se não tiver cuidado, pode ser catapultado em uma travagem mais violenta.


Estas características justificavam as críticas de Jorge Lorenzo na Ducati, a falta de ergometria prejudicava sua técnica de pilotagem e ele lembra que quando foi atendido os resultados vieram. O piloto praticamente não participou dos testes pré-temporada da Honda e seus primeiros resultados na temporada foram decepcionantes. Lorenzo ficou surpreso com o esforço físico necessário para conduzir a moto. Depois da prova de Mugello ele foi até o Japão conversar pessoalmente com os engenheiros da Honda, visita que em seu aspecto mais evidente resultou em um novo formato para o tanque de combustível, com dois apêndices na parte superior. Houve quem sugerisse que se tratava de componentes aerodinâmicos, na verdade são apoios adicionais para auxiliar o uso dos membros inferiores, tornando um equipamento mais confortável e fácil de guiar, que exige menos do corpo.


O resultado das modificações não pôde ser totalmente aferido porque a participação de Lorenzo na etapa da Catalunha foi reduzida a uma volta e meia. Nas sessões de testes que antecederam a prova ele conseguiu evitar o Q1 e foi o 10º classificado no grid, depois de uma largada fantástica estava disputando as primeiras posições, tentando tomar o 3º lugar de Vinales quando involuntariamente causou a queda de 3 competidores. O nível de exigência dos freios é bem menor na pista de Assen, palco da próxima etapa e talvez não seja o local ideal para avaliar o potencial real das novidades que Lorenzo ajudou a desenvolver no Japão. 


Jerez de la Frontera, 2018, 4ª etapa do mundial. Faltando poucas voltas para o final Marc Márquez liderava, seguido de perto por um grupo compacto formado por Jorge Lorenzo e Andrea Dovizioso da Ducati e Dani Pedrosa com a outra Honda, nesta ordem. Faltando 7 voltas para o final na entrada da curva 6 Dovizioso freou mais tarde, faz a ultrapassagem na tangência por dentro e foi obrigado a abrir demais na saída da curva, Lorenzo manteve um contorno mais conservador e buscou retomar a posição. Onde todos viram uma disputa entre as Ducati, Dani Pedrosa viu uma oportunidade e tentou ultrapassar os dois por dentro, encontrou Lorenzo na trajetória e causou uma colisão que tirou os 3 da prova. 

Curva 10 do circuito da Catalunha em 2019. Marc Márquez ultrapassa Dovizioso por dentro, tirando o italiano da trajetória ideal.  Lorenzo identifica uma brecha e tenta aproveitar, entretanto, por retardar demais a frenagem perdeu a frente da moto. Em sua queda bateu em Dovizioso e envolveu a Yamaha de Vinales. A moto descontrolada saiu rodando na área de escape, onde colidiu com Valentino Rossi que tentava uma manobra evasiva para fugir do acidente.


Se estes dois acidentes guardam alguma semelhança, o modo que foram tratados pela mídia foi totalmente diferente. Em Jerez houve um consenso que Pedrosa protagonizou uma manobra infeliz, na Catalunha um tsunami de críticas sobre Jorge Lorenzo. 


Não é fácil gostar do piloto de Palma de Mallorca, ele não faz o menor esforço para ser simpático, seu comportamento nas pistas e sua sinceridade nas entrevistas decididamente não ajudam. Na prova final da temporada de 2017 foi muito criticado por não ter facilitado a passagem de Dovizioso na disputa pela 4ª colocação, uma manobra que em nada alteraria a obtenção do campeonato por Marc Márquez. A mídia italiana não suporta Lorenzo por ele ter vencido o mundial de 2015, que seria o 10º de Valentino Rossi, com um equipamento absolutamente igual ao do decano dos pilotos. Ele e Marc Márquez são os únicos campeões nesta década que estão em atividade.






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