Por cinco temporadas seguidas, entre
2011 e 2015, todas as provas da MotoGP foram vencidas por pilotos das equipes
oficias da Honda e Yamaha, com uma única exceção em 2011 (Ben Spies em Assen).
Em 2016 a utilização compulsória do pacote eletrônico padronizado e a mudança
do fornecedor exclusivo de pneus criaram uma temporada estranha, a proibição do
software proprietário dos fabricantes fez toda a diferença. A Yamaha, no início
da temporada, afirmou com todas as letras, que o pacote da Magneti-Marelli
representava um retrocesso de dez anos. Por paradoxal que pareça, afinal Marc Márquez
venceu a temporada com três etapas de antecedência, a competitividade entre as
equipes aumentou exponencialmente, com nove pilotos diferentes em motos de
quatro fábricas ocupando o degrau mais alto do pódio. As surpresas continuaram
em 2017, Andrea Dovizioso, um italiano de 31 anos que disputa o mundial desde
2001 e estreou na principal categoria em 2008 até então só tinha vencido duas
vezes, em acumulou 6 vitórias na temporada. O título só foi decidido na última
prova do ano. Johann Zarco, um “rookie” na MotoGP pilotando uma Yamaha versão 2016 por uma
equipe satélite (Tech3) conseguiu em diversas provas andar na frente da equipe
de fábrica.
Tudo acontece como se essa tendência
continue em 2018. Os testes conjuntos pré-temporada mostraram quatro ou cinco
fabricas e pelo menos 10 pilotos com efetivo potencial para alcançar vitórias.
O que esperar da próxima temporada?
O conjunto
de testes oficiais indica que a RC213V tem o pacote mais completo. A moto
tem potência para rivalizar com a velocidade máxima das Ducati e a curva de
aceleração melhorou sensivelmente. Bons resultados não dependem mais da brutal
capacidade de frenagem e dos milagres protagonizados por Marc Márquez. A Honda focou
os testes quase exclusivamente no motor e aerodinâmica, duas áreas cujo desenvolvimento
é congelado no início do ano.
O equipamento da Ducati continua imbatível
em linha reta e tem progressos expressivos em seu comportamento quando a moto
muda de direção. A fábrica trabalhou especialmente na carenagem, uma nova
aerodinâmica que forneça maior “downforce”
nas curvas.
Se os testes têm algum significado, a
Suzuki está à frente da Yamaha para se tornar a terceira melhor moto no grid, com
desempenho não muito distante da Honda e Ducati. A Suzuki perdeu as concessões
em 2017 em função da vitória de Vinales em 2016 e, por ter trocado os dois
pilotos, perdeu também a referência para a escolha do motor de 2017. Tiveram um
ano para corrigir o problema e estão iniciando 2018 bem melhor equipados.
A Yamaha está administrando uma
Escolha de Sofia, indecisa sobre orientar o desenvolvimento da M1 para agradar a
Valentino Rossi ou atender Maverick Vinales. Os dois conseguem estar sempre em desacordo,
se alguma alteração dá maior confiança de Valentino Rossi no controle da roda
dianteira, Vinales reclama da aderência traseira. A M1 ainda se ressente do
desgaste dos pneus, a Yamaha é muito boa com pneus novos, mas do meio para o
fim da s provas a máquina fica complicada para administrar. A engenharia tem
investido muito na eletrônica.
Ironicamente, o único piloto da
Yamaha que não está reclamando o tempo todo é Johann Zarco. O francês testou o
chassi 2016 e 2017, imediatamente decidiu ficar com o mesmo que usou o ano
passado. Para surpresa dos engenheiros seu desempenho foi consistente em todos
os testes. Seu segredo, copiar o estilo de pilotagem de Lorenzo inclinando a moto
o tanto quanto possível.
Aprilia e KTM são os chamados “Outsiders”.
O motor da Aprilia continua sendo o
grande problema, a entrega de potência é muito violenta, de certa maneira semelhante
aos antigos dois tempos. Por sorte a fábrica tem as concessões disponíveis para
as equipes sem pódio no último ano e podem trabalhar tentar domesticar o motor
durante da temporada.
A KTM está evoluindo rapidamente, principalmente
porque estão ainda atrás. Recuperam rápido o atraso, estavam três segundos por
volta mais lentos por volta no Catar em 2017, baixaram para décimos de segundo
na prova de Valência. A KTM precisa principalmente de refinamento, melhorar a eletrônica
para domar o poder da RC16, ajustar o chassi para ajudar a moto a contornar
curvas e trabalhar com a suspensão um pouco mais suave para o pneu traseiro.
Resumindo, a moto precisa mais de tempo de pista.
Marc Márquez está em um período
excepcional de sua carreira. Entendeu que a busca pela volta mais rápida nos
testes implica em muito tempo nos boxes e passou a se concentrar mais em
desenvolver o equipamento para corridas. Ninguém fez mais “long runs” que ele nos testes oficiais. Os tempos onde sua maior
preocupação era exclusivamente ver seu nome no topo da tabela de tempos em cada
sessão ficaram no passado. O atual campeão sacrifica a glória do curto prazo
para melhorar sensivelmente suas chances no longo prazo. A saída de Livio Suppo
e ascensão de Alberto Puig no controle da equipe Repsol Honda abriu um canal de
comunicação do piloto direto com os engenheiros de desenvolvimento, eliminando
intermediários e ruído na comunicação. Márquez é considerado por muitos como o
piloto mais talentoso do grid, com mais maturidade e uma moto
significativamente melhor, vai ser o adversário de ser vencido.
Andrea Dovizioso apostou em 2017 na
consistência e sabe que perdeu o campeonato quando sua regularidade foi
interrompida, O italiano acumulou vitórias e pódios na maioria das pistas,
entretanto quando as coisas deram errado, ele foi muito mal, ficando abaixo da
10ª colocação. O objetivo deste ano é ser coerente e estar sempre entre os
cinco primeiros.
Normalmente
pilotos de equipes satélite não são candidatos ao título, mas em 2018 há uma
chance realista que isto possa acontecer. Na temporada passada Johann Zarco
chegou ao pódio três vezes, em duas perdendo a vitória nas últimas voltas. O
francês foi consistente em todos os testes e confessou que perdeu a última
prova em Valência por um detalhe. Zarco conta que de todos os pilotos que
disputam as primeiras posições Marc Márquez é o que oferece menor resistência
para ser ultrapassado. Ele tem plena consciência que pode recuperar a posição
mais tarde. Em Valência ao percorrer pela última vez a reta abrindo a última
volta, o francês percebeu uma moto laranja grudada em seu equipamento e decidiu
não arriscar, sabia que Márquez tentaria passar de qualquer jeito. Quando
percebeu que era Pedrosa e não o campeão do mundo, saiu alucinado atrás e não
conseguiu recuperar a liderança.
Se bater
Dovizioso já é complicado, bater Márquez parece quase impossível, vencer ambos
em uma satélite Yamaha necessita algo perto de um milagre. Para acontecer um
milagre precisa de boa vontade do santo, neste caso a Yamaha, que não parece
estar muito satisfeita. A Tech3, equipe
de Zarco, já anunciou a troca de fornecedor de equipamento para KTM em 2019,
não é razoável esperar muita ajuda da fábrica, a menos que ele mostre o
potencial para criar problemas para Honda e Ducati. Afinal para a Yamaha, ser
batida por uma satélite é melhor que ver os concorrentes vencendo.
Valentino Rossi e Maverick Vinales
não entram na temporada só para competir, o objetivo é vencer. Rossi
provavelmente assine por mais uma ou duas temporadas, buscando ser o piloto
mais vitorioso da história do motociclismo esportivo (faltam sete vitórias),
embora muitos considerem que já é hora dele abrir caminho para jovens talentos.
Na prática Rossi ainda é muito rápido, competitivo e muito motivado, venceu em
Assen na última temporada e não há razão para acreditar que se sairá pior em
2018.
Seu colega de equipe, Maverick Vinales,
aparenta estar atordoado e confuso.
Durante os períodos de testes esteve perdido o tempo todo, alternando voltas
mais rápidas um dia e fora do “top 10”
no dia seguinte. Ele e Rossi decididamente não falam o mesmo idioma, ele culpa
o italiano pela moto perder a competitividade na temporada passada, quando teve
um início arrasador.
Se um piloto satélite com chance pelo
título parece improvável, dois é quase uma insanidade total, entretanto é isto
que acontece com Zarco e Crutchlow. O piloto da LCR Honda tem equipamento e
participa ativamente do desenvolvimento da RC213V. Nos períodos de testes seu desempenho foi
semelhante, por vezes até superior ao de Marquez e Pedrosa, não há porque crer
que no campeonato seja diferente. Para os observadores mais atentos ao que
acontece nos boxes da Honda, impressiona a sintonia do britânico com os pilotos
da fábrica. Nos testes Crutchlow sempre esteve perto do topo das tabelas de
tempos, mas mais importante, com o ritmo consistente. As melhorias da RC213V devem
ajudar o inglês a abordar seu pecado original, a tendência de queda. Com menos
pressão para obter o máximo da zona de frenagem, Cal pode trabalhar mais com a
aceleração e reduzir sensivelmente o seu número de 24 quedas na última
temporada para uma cifra mais razoável. A sintonia de Cal Crutchlow com a
equipe Repsol-Honda é replicada por Danilo Petrucci com a Ducati Corse.
A perspectiva mais interessante de
2018 é, sem dúvida, Alex Rins. O espanhol teve um pesadelo ao começar a
carreira de MotoGP, acidente no primeiro teste em Valência e outro em uma prova
de motocross o tiraram de várias provas do início da temporada. Rins
impressionou nos testes superando seu companheiro de equipe, o talentoso e
instável Andrea Iannone.
As intenções de Jorge Lorenzo quando
migrou para a Ducati eram vencer onde Rossi não conseguiu, ganhar corridas e
lutar pelo campeonato. O primeiro semestre com a marca italiana foi decepcionante,
com o espanhol lutando com a falta de sensibilidade da frente da moto. Quando a Ducati mudou a carenagem em Brno,
com um grande upgrade aerodinâmico com mais “downforce”, ele ficou mais confortável
e o seu desempenho melhorou consideravelmente. Quase com certeza as vitórias
virão este ano.
Aleix Espargaro está conformado com
as dificuldades da Aprilia e seu novo motor. Se apresentar o torque necessário
ele tem alguma chance, caso contrário só resta esperar. Seu companheiro de equipe,
Scott Redding está ainda se ajustando para o papel de um piloto de fábrica. O
inglês está sofrendo com seu estilo inapropriado para o equipamento, que exige
uma capacidade insana de acionamento do freio na aproximação de curvas,
combinada com a falta de aceleração causada pela combinação imprópria de falta
de torque e sua compleição física.
Pol Espargaro vai ter mais um ano
desenvolvendo a KTM, em parceria com o contestado Bradley Smith, que enfrenta
uma temporada decisiva. Se falhar, perde o seu lugar entre os melhores pilotos
do mundo.
Takaaki Nakagami foi o melhor rookie
dos testes, favorecido com dispor de uma RC213V com a especificação mais
recente. É um equipamento melhor que o utilizado por Franco Morbidelli na Marc
VDS.
A MotoGP vive o seu melhor momento, nunca
houve tantos candidatos ao título antes do início da temporada. A quantidade de
talento no grid é da grelha é simplesmente absurda, treze campeões do mundo em
várias classes. Motos de três, talvez quatro fábricas com plenas condições de
vencer. A única desvantagem para tudo isso é que é quase impossível antecipar o
resultado de cada corrida. É o preço que a mídia paga para cobrir uma temporada
tão competitiva.
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