domingo, 30 de abril de 2017

Meandros da Motovelocidade (III. Como Tudo Começou)






Existem múltiplos registros de competições com motocicletas nos primeiros anos do século passado, o mais significativo indica que, em uma época em que a velocidade máxima em estradas inglesas era apenas 35 Km/h e as disputas com veículos automotores expressamente proibidas, um grupo de entusiastas com o objetivo de testar seus próprios limites de velocidade e resistência sobre motos convergiu para a Ilha de Man,  uma dependência direta da Coroa Britânica com autonomia administrativa, e em 1907 nasceu o Isle of Man TT (Tourist Trophy). A primeira corrida organizada com um regulamento tosco foi realizada no dia 28 de maio daquele ano, uma volta em um percurso de pouco mais de 15 milhas utilizando rodovias públicas, com participação exclusiva para motos de estrada normais, com todos os seus acessórios, silenciador, assento, pedais e guarda lama.

O primeiro campeonato mundial promovido pela Federação Internacional de Motociclismo foi realizado em 1949, constou de 6 Grandes Prêmios (Ilha de Man, Suiça, Alemanha, Bélgica, Irlanda e França), sete marcas de equipamentos (AJS, Gilera, Norton, Moto Guzzi, Velocette, Triumph e BMW) e a participação de 118 condutores. O primeiro piloto a conquistar o título de campeão do mundo da principal classe (500cc) foi o britânico Leslie Graham, com uma AJS, o regulamento vigente na época previa a pontuação dos cinco primeiros classificados e um ponto extra pela volta mais rápida e permitia a participação em mais de uma categoria. O sucesso foi imediato, no ano seguinte o certame contou com as mesmas seis provas, mais cinco marcas de equipamentos (MV Agusta, Bitza, BSA, Rudge-Whitworth e Vincent) participaram e o número de pilotos inscritos cresceu para 129.

Os anos de 1951 a 1955 apresentaram o primeiro multicampeão da motovelocidade, o britânico Geoff Duke, que pilotando motos Norton venceu 4 mundiais da 500cc e dois da 350cc. Os 19 anos seguintes consolidaram a hegemonia das motos MV Agusta, que acumularam 18 mundiais da principal categoria com os pilotos John Surtees, Mike Hailwood e  Giacomo Agostini.

O britânico John Surtees, falecido recentemente, é o único piloto que conseguiu títulos mundiais nos principais campeonatos de duas (motos) e quatro (F1) rodas. Surtees venceu sete títulos com motos MV Agusta (350cc de 1958 a 1960 e 500cc em 1956 e de 1958 a 1960). No automobilismo venceu o mundial de F1 pela Ferrari em 1964 e a temporada da Can-Am em 1966.

A liderança das MV Agusta nas competições de 500cc promovidas pela FIM prosseguiu nos anos seguintes com quatro títulos de Mike Hailwood entre 1962 e 1965.  Até então os campeonatos vencidos pela marca italiana MV Agusta contavam com pilotos britânicos (Surtees e Hailwood), situação alterada em 1966 por Giacomo Agostini que, com a proteção do conde Giovanni Agusta, iniciou uma sequência de títulos "puro sangue", com piloto e equipamento italianos.
A supremacia das motos MV Agusta entre 1958 e 1974 não pode ser contestada, neste período os equipamentos da fábrica italiana venceram 15 mundiais seguidos na principal classe, 500cc, feito improvável de ser repetido. O maior vencedor da história do motociclismo, Giacomo Agostini, foi beneficiado por esta superioridade e obteve números de desempenho impressionantes, não igualados até os dias atuais. Entre 1968 e 1971 participou de 68 GPs promovidos pela FIM, 38 na 500cc e 30 na 350cc, venceu todos. O italiano conquistou quinze campeonatos mundiais, 8 na classe 500cc e 7 na 350cc. Embora as estatísticas de Agostini sejam impressionantes, é necessário ressaltar que durante um longo tempo não enfrentou um rival com um equipamento equivalente ao seu. Mike Hailwood, que havia conquistado o tetracampeonato pela equipe, migrou para a Honda alegando uma indisfarçável preferência do Conde Agusta pelo conterrâneo italiano.
A carreira lendária de Agostini foi desenvolvida em uma época onde os recursos eram limitados, a moto era montada em um quadro rígido de aço tubular, com um enorme tanque de gasolina e o centro de gravidade deslocado para próximo da roda traseira. Os pneus eram convencionais, com as lonas compostas por fibras têxteis e sobrepostas em diagonal, proporcionando um grip (aderência) limitado. A técnica de pilotagem mais eficiente na época recomendava manter a moto na vertical o maior tempo possível.
Depois de perder o título de 1973 para Phill Read, colega de equipe, Agostini surpreendeu o mundo quando anunciou que estava trocando a MV Agusta pela Yamaha para a temporada seguinte, alegando que as máquinas japonesas com motor de dois tempos estavam mais competitivas. Em seu primeiro ano na nova equipe conseguiu o título de 350cc, lesões e problemas mecânicos o impediram de acompanhar os resultados de Read com a MV Agusta na 500cc, o britânico conseguiu 4 vitórias contra apenas 2 do italiano nas 8 provas da temporada. O campeonato de 1975 proporcionou último título mundial de Agostini, então com 33 anos, e marcou a primeira vez que uma máquina japonesa com motor de dois tempos conseguiu vencer na principal categoria. Esta temporada marcou também o primeiro de uma longa série de campeonatos vencidos por máquinas japonesas, que se estende até a temporada atual, com exceção de 2007, quando Casey Stoner foi campeão com uma Ducati.
Em 1976 Agostini competiu com uma Suzuki e optou por utilizar uma MV Agusta para disputar o GP de Nurburgring, sua última vitória em campeonatos mundiais. O piloto encerrou sua carreira em 1977, depois de classificar-se em 6° a bordo de uma Yamaha.

Giacomo Agostini venceu 10 vezes o lendário Troféu Turismo da Ilha de Man e 7 vezes o GP da Irlanda (Ulster), considerados os circuitos de estrada mais difíceis do mundo, rompendo uma tradição em que só pilotos de língua inglesa tinham sucesso nestas pistas. Durante os treinos para a corrida de Nurburgring em 1976 o piloto italiano surpreendeu o mundo anunciando que nunca mais disputaria o GP da Ilha de Man, considerava que o circuito de 37 milhas já não era compatível com a segurança necessária para uma competição do campeonato mundial. Na época, o TT era a etapa de maior prestígio no calendário de motociclismo. Outros pilotos anunciaram a sua adesão ao boicote e o evento foi retirado do calendário no ano seguinte.

Meandros da Motovelocidade (II. Limitação do Escopo)





Provavelmente a primeira disputa entre motos aconteceu no encontro casual dos primeiros clientes de uma fábrica de veículos de duas rodas equipado com um motor de combustão interna, na Alemanha em 1894. Poucos anos depois foi realizada a primeira prova organizada, um percurso de 400 km na França. Em 1906 alguns britânicos organizaram uma corrida chamada Troféu Turismo na Ilha de Man, o local foi escolhido porque a legislação vigente na Inglaterra limitava a velocidade permitida nas vias públicas. A organização de corridas com motocicletas, ainda que com regras confusas, prosperou em toda a Europa Central nos anos que antecederam guerra. A primeira corrida promovida e com a regulamentação da Federação Internacional de Motociclismo (FIM), válida para um campeonato mundial, foi realizada na Ilha de Man em junho de 1949.

A FIM promove e regulamenta mais de 60 campeonatos mundiais e classifica provas de motociclismo em quarto categorias principais, Road Racing, Motocross, Enduro & Cross Contry e Track Racing, cada qual com diversas sub-categorias.

Road Racing ou corridas de estrada são disputadas por motos em superfícies pavimentadas, normalmente asfalto, e podem ser disputadas em circuitos dedicados ou vias públicas vedados ao tráfego nos dias de competições.

Motocross (ou MX) é o equivalente ao Road Racing para disputas fora de estrada. Circuitos de motocross são montados em diversos tipos de superfícies não pavimentadas, como terra, areia, lama ou grama, e tendem a incorporar topologias acidentas, naturais ou artificiais. O desenvolvimento tecnológico de componentes das motos, especialmente a suspensão, permitiram a predominância de circuitos com "saltos", que contribuem para criar um espetáculo para os espectadores.

Enduro & Cross-Country é uma forma de competição fora de estrada centrada na resistência dos equipamentos concorrentes. Em uma prova típica os pilotos cumprem um traçado de não menos de dez milhas em uma janela limitada de tempo, por trilhas com piso acidentado. Uma prova normal dura entre 3 e 4 horas, embora eventos mais longos não sejam incomuns. Algumas competições de campeonatos nacionais e mundiais acontecem ao longo de vários dias e exigem que os trabalhos de manutenção sejam realizados durante a realização da prova ou em períodos pré-agendados. Para evitar a evasão das restrições de manutenção, as motos são mantidas durante a noite em armazenamento seguro. O principal campeonato desta modalidade é o World Enduro Championship (WEC) que tem eventos em toda a Europa, com algumas incursões na América do Norte.

Track Racing e uma modalidade de esporte motorizado de duas rodas realizados em pistas curtas e de formato oval, podem ser cobertas ou não. Existem variantes contemplando diversas extensões de traçados e tipos diferentes de piso.

Road Racing

Road Racing tradicional contempla competições realizados em estradas públicas fechadas ao tráfego. Poucos destes eventos resistiram através dos tempos e apenas umas poucas provas são realizadas neste tipo de circuito. Existem dois campeonatos principais, o International Road Racing Championship e o Duke Road Racing Rankings, este último é responsável pela maioria das corridas de estrada que acontecem todos os anos. As corridas mais significativas são O Troféu Turismo Ilha de Man (Isle of Man TT), North West 200, e Ulster Grand Prix, todos disputados em traçados com mais de 10 km, as médias de velocidade na Ilha de Man e North West excedem 215 Km/h. A Irlanda tem muitos circuitos de corridas de estrada ainda em uso, provas também são disputadas em países como Espanha, Bélgica, Alemanha, Grã-Bretanha (Monte Oliver), República Checa, Ucrânia, Nova Zelândia e Macau.

O FIM World Championship Grand Prix, resumidamente MotoGP, é o principal e mais conhecido campeonato de Road Racing, realizado exclusivamente em circuitos dedicados. As 18 etapas de 2016 comercializaram mais de 2,65 milhões de bilhetes de acesso aos circuitos e foram retransmitidas por 90 redes de televisão. A organização do certame é um trabalho conjunto da FIA, de uma empresa que que administra os interesses comerciais (Dorna) e das associações de pilotos, equipes e patrocinadores e dos fabricantes. Este ano conta com a participação de seis fábricas, Yamaha, Honda e Suzuki do Japão, Ducati e Aprilia da Itália e a austríaca KTM. A competição é segmentada em três classes distintas:

·   Moto3 - introduzida em 2012 especifica provas entre motos 250cc, quatro tempos e cilindro único, uma evolução das especificações anteriores de motos 125cc com motores de dois tempos.  A idade máxima para os pilotos é 28 anos (25 anos para contratados que tenham disputado pelo menos um GP como piloto avulso).

·  Moto2: Classe intermediária com motores 600cc quatro tempos. Em épocas anteriores era equipada com motores dois tempos de 250cc.

·  MotoGP: Define a excelência em termos de GPs de motovelocidade. A classe abriga exclusivamente protótipos e durante o passar dos anos a especificação de motores evoluiu, os 500cc dois tempos utilizados até 2002 compartilharam as pistas com os 990cc quatro tempos e a partir de 2003 foram excluídos da competição.  Em 2007 a capacidade máxima foi reduzida para 800cc e em 2012 estabilizou com a atual especificação de 1000cc, quatro tempos. Os equipamentos que disputam a MotoGP não são derivados de qualquer moto de produção industrial.

Superbike é o principal campeonato de motos produzidas em série do planeta. Utiliza motos de 1000cc e é uma competição com forte apelo comercial porque é uma vitrine para modelos que estão sendo comercializados nas concessionárias. O Mundial de Superbike obriga, em seu regulamento técnico, que os modelos utilizados sejam produzidos em série, com poucas modificações, as vistas frontal, lateral e de traseira devem corresponder às da moto homologada para utilização em vias públicas, ainda que alguns elementos mecânicos da máquina possam ser modificados.

Supersport é outra categoria Road Racing que emprega motos modificadas de produção. Para ser elegível para a uma prova a moto deve ter um motor de quatro tempos entre 400cc e 600cc para equipamentos de quatro cilindros ou entre 600cc 750cc para dois cilindros e deve ser homologado pela FIM. As especificações técnicas são muito restritivas, as máquinas devem permanecer em grande parte como padrão, modificações no motor são permitidas, mas fortemente regulamentadas.

Superbike e Supersport são categorias mais acessíveis (custo) que a MotoGP. Os campeonatos AMA Supersport, British Supersport, e World Superbike Championship (WSBK) e World Championship Grand Prix (MotoGP) são os mais importantes promovidos pela FIM na categoria de Road Racing.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Meandros da Motovelocidade (I. Prolegômenos)




A Federação Internacional de Motociclismo é uma entidade que promove e administra competições motorizadas sobre duas rodas, representa 111 federações nacionais distribuidas em seis regiões continentais. A FIM também está envolvida em muitas atividades relacionadas com o esporte, sua segurança e políticas públicas relevantes. A federação foi a primeira entidade desportiva internacional a publicar, em 1994, um Código Ambiental, e em 2007 criou uma comissão específica para apoiar o uso de veículos motorizados de duas rodas e práticas esportivas entre mulheres. 

A origem da FIM pode ser rastreada até 1904, ano em que o clube de motociclismo da França organizou um evento internacional e convidou participantes da Áustria, Dinamarca, França, Alemanha e Grã-Bretanha. A França foi declarada vencedora da competição por impor regras que privilegiavam seus participantes e, para equalizar as condições em futuros eventos os cinco países criaram um órgão centralizador, a Fédération Internationale des Clubs Motocyclistes (FICM). A entidade teve vida curta e foi desativada em 1906 por absoluta falta de consenso. A Auto-Cycle Union, entidade britânica que administra o esporte de duas rodas na Inglaterra e Ilha de Man promoveu o renascimento do FICM em 1912, com o objetivo de restabelecer e controlar o desenvolvimento dos aspectos esportivos e de turismo do motociclismo. Os dez países que atenderam à convocação são considerados membros fundadores do FICM: Bélgica, Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Itália, Holanda, Estados Unidos, Alemanha, Áustria e Suíça. O ano seguinte acolheu o primeiro evento internacional realizado sob o patrocínio da FICM: o International Six Days Reliability Trial. Nos anos que antecederam a segunda grande guerra o número de associações nacionais participantes cresceu para três dezenas e em 1936 a entidade promoveu o seu primeiro campeonato internacional atribuindo ao vencedor o título de campeão mundial.

A segunda grande guerra entre 1939 e 1945 provocou a suspensão das atividades esportivas no continente europeu, que foram retomadas em 1946, ano em que a FICM foi reorganizada e rebatizada como FIM, e passou a promover anualmente desde 1949 o campeonato mundial de motovelocidade.

Nos primeiros anos houve o domínio dos pilotos britânicos com os nove campeonatos conquistados por Mike Hailwood, sete de John Surtees e seis de Geoff Duke, nesta época e nas décadas seguintes o regulamento permitia ao piloto competir em mais de uma categoria.

Em 1966 iniciou a era de conquistas de Giacomo Agostini, que até o ano de 1972 com uma MV Agusta e 1975 com uma Yamaha alcançou a marca até hoje inigualada de 15 títulos mundiais, oito na classe principal (500cc) e sete na 350cc.

De 1975 até os dias atuais os fabricantes japoneses (Suzuki, Yamaha e Honda) monopolizaram as vitórias na principal classe, a única exceção foi em 2007, ano em que o australiano Casey Stoner com uma moto italiana (Ducati) foi o campeão. Neste período houve o predomínio dos pilotos britânicos Phil Read e Barry Sheene entre 1973 e 1977, e o protagonismo dos norte-americanos Kenny Roberts, Freddie Spencer, Eddie Lawson, Wayne Rainey e Kevin Schwatz que durou até 1993, quando surgiu o australiano Mick Doohan que enfileirou cinco títulos consecutivos entre 1994 e 1998. 

Valentino Rossi, o segundo melhor currículo da história dos mundiais, começou a pavimentar a sua trajetória ascendente ao estrelato em 1997, quando conquistou o mundial na classe 125, repetiu o feito em 1999 na 250cc e em 2000 foi promovido à principal classe pilotando uma Honda. Rossi conquistou todos os títulos entre 2001 e 2005, apesar ter trocado a Honda pela Yamaha em 2004. Perdeu o campeonato para 2006 para Nicky Hayden (Honda)por cinco pontos, e foi incapaz de enfrentar a Ducati de Stoner em 2007. Rossi voltou ao topo em 2008 e 2009, porém no ano seguinte sofreu um acidente nos testes que precederam a prova de Mugello e permitiu o início da chamada invasão espanhola. 

Em 2010 os pilotos espanhóis venceram as três categorias em disputa no principal campeonato patrocinado pela FIA, Jorge Lorenzo na MotoGP, Toni Elías na Moto2 e Marc Márquez na classe 125cc. Stoner (Australiano) venceu o título de 2011, ano marcado pelo acidente que vitimou Marco Simoncelli. 

Enquanto Rossi penava tentando recuperar os bons tempos da Ducati, Lorenzo reconquistou o mundial em 2012 inaugurando uma época de ouro para os pilotos ibéricos que perdura até os dias atuais. 

É natural que as pessoas tenham suas preferências por pilotos ou fabricantes, o carisma e a eficiência de Valentino Rossi conquistaram milhões de aficionados em todo o planeta e as bandeiras amarelas com o número 46 estão presentes em praticamente todos os circuitos dos cinco continentes (não existem autódromos na Antártica), mas mesmo o torcedor mais apaixonado tem que reconhecer que Marc Márquez em 2013 começou a reescrever a história da MotoGP. Com uma técnica inovadora e agressiva, embora contando também com a infelicidade de seus principais adversários nas pistas, Jorge Lorenzo e Dani Pedrosa, Márquez conquistou o título em sua temporada de estréia e repetiu o feito no ano subsequente. O piloto espanhol aperfeiçoou um estilo próprio de pilotar uma moto de competição, Cal Crutchlow cunhou a definição do “V da Honda” para descrever o modo como ele utiliza o corpo descolado da carroceria do equipamento para atacar curvas com maior velocidade, técnica atualmente replicada por praticamente todos os pilotos.

terça-feira, 25 de abril de 2017

MotoGP – Janela de Temperatura e o GP das Américas


Estado do pneu traseiro de Marc Márquez no final da prova

Uma mudança nas condições de clima da sexta para o sábado resultou na escolha infeliz de pneus para o FP3 do GP das Américas que, combinada com a janela estreita de temperatura ideal para maior aderência dos compostos, ventos fortes e pista ondulada, foi desastrosa para os pilotos. O treino resultou em oito acidentados, dois mais de uma vez e Alex Rins (Suzuki) fraturou o rádio e a ulna, possivelmente só retorne depois de Le Mans. Os pilotos na conferência de imprensa tinham explicações diferentes para tantas quedas, Marc Márquez (caiu duas vezes) explicou que os compostos macios ou médios não resistem toda a corrida às frenagens agressivas que a Honda necessita para ser competitiva, os pneus duros são muito sensíveis à temperatura e com qualquer mudança no aquecimento é fácil perder a frente. Vinales lembrou as condições muito diferentes de clima entre a sexta e o sábado e Rossi complementou dizendo que não esperava tanto efeito na aderência dos compostos, afinal foram apenas cinco ou seis graus de diferença, o maior prejuízo foi causado pelo vento frio. Os três concordam, é complicado exigir o máximo do equipamento quando os pneus não estão na janela de temperatura ideal.

O problema é mais complexo, a escolha dos compostos para a qualificação e corrida é realizada durante os testes de sexta-feira e as equipes mandam as rodas para serem montadas pela Michelin. Muitas equipes indicaram pneus dianteiros médios e duros e mantiveram os traseiros macios para qualificação. No sábado com a menor temperatura ambiente os compostos médios tiveram problemas de aquecimento, a exposição ao vento frio nas longas retas dificultou conseguir a temperatura adequada e, com uma pista ondulada, foi a receita ideal para acidentes.

Explica, mas não justifica. Após a sessão acidentada da MotoGP houve o treino livre da Moto2 nas mesmas condições e, com uma dezena de pilotos a mais na pista, só houve uma queda. Mais, vinte e quatro dos trinta e dois pilotos da Moto2 conseguiram melhorar seus tempos de sexta para sábado, na MotoGP só sete conseguiram. Detalhe, o fornecedor de pneus da Moto2 é a Dunlop.

A trilha de aprendizado é longa, os pneus da Bridgestone, fornecedora até 2015, tinham uma janela operacional em torno de 15°C como condição para a maior aderência, este valor foi reduzido para um terço (5°C) nos pneus Michelin. Este fato é conhecido, o vento nas longas retas do circuito de Austin também não é novidade, o piso não ficou mais ondulado de sexta para sábado e as mudanças no clima foram previstas pelos serviços de meteorologia, todos sabiam que seria mais frio, portanto a mudança de comportamento devia ter sido antecipada pelas equipes.

No dia da prova as motos Yamaha, equipamentos mais equilibrados neste início de temporada, alinharam para a largada com Rossi, Vinales e Zarco calçando pneus médios na dianteira e traseira. As Honda utilizaram pneus duros atrás, Márquez e Crutchlow repetiram o mesmo composto na frente para resistir as frenagens violentas no fim das grandes retas, Pedrosa optou por médios na frente e, sem aderência frontal pela perda de eficiência do pneu, não teve condições para resistir ao ataque de Valentino nas últimas voltas. As Ducati, de Lorenzo e Dovizioso, escolheram médios atrás e macios na frente e ficaram ausentes do bloco dos líderes.

Durante a prova a queda precoce de Vinales causou uma reversão das expectativas, desde os primeiros testes em Austin todos viam no vencedor das duas primeiras etapas o piloto com melhores condições para acabar com a invencibilidade do Márquez nos EUA, onde o espanhol já acumula onze vitórias consecutivas desde 2011. Sua queda na terceira volta não foi capturada com detalhes pela TV, dificultando uma análise mais apurada e é provável que tenha perdido a frente da moto nas ondulações do piso. Vinales e a Yamaha dizem que não tem ideia porque o ex-líder do campeonato caiu, e este é um grande problema, o livro A Arte da Guerra de Sun Tzu ensina que é importante saber onde o inimigo está, não onde não está.

Outra ocorrência inusitada na prova foi a penalização de Valentino Rossi decidida pela direção da prova, acréscimo no tempo total da 0,3 segundos por levam vantagem ao cortar parte do caminho na disputa de posição com Johann Zarco, piloto da satélite da Yamaha Monster Tech 3. Decisão controversa, porque a manobra do ex-bicampeão da Moto2 não deixou nenhuma outra opção. A penalidade não alterou as posições finais, mesmo assim não foi aceita com facilidade, as consequências do comportamento irresponsável de Zarco não foram consideradas e as escolhas que restaram ao multicampeão de 38 anos eram sair da pista ou provocar a queda de ambos. Aparentemente  o estreante na MotoGP ainda não entendeu que mudou de classe e já não é o foco das atenções.

Rossi soube da penalidade depois da prova encerrada, a equipe evitou avisar por uma placa de sinalização para não preocupar o piloto, nunca houve um precedente e Valentino teria dificuldades em interpretar qualquer tipo de informação. Poderia, por exemplo, entender 3 segundos e correr riscos desnecessários na pista.

A equipe Honda, que esteve ausente do pódio nas duas etapas anteriores, comemorou o duplo pódio e o reencontro com a vitória que não acontecia desde o GP do Japão de 2016, entretanto a peculiaridade do circuito das Américas não serve de parâmetro para as próximas provas, Jerez, Le Mans e Mugello são traçados com características diferentes, estilo europeu. A prova foi mais lenta que a temporada passada, o vencedor Marc Márquez confessou que tinha condições para melhorar os tempos, entretanto, segundo suas próprias palavras, a vitória vale os mesmos vinte e cinco pontos se você chegar 2 ou 10 segundos na frente.

Carlos Alberto




terça-feira, 18 de abril de 2017

MotoGP – Coach


Michele Pirro & Jorge Lorenzo


Michele Pirro é um piloto italiano que competiu na MotoGP entre 2003 a 2016, considerando todas as classes já participou de 93 largadas e conseguiu uma única vitória na Moto2, GP de Valência em 2011. Em 2016 acumulou 36 pontos participando de nove etapas da temporada como piloto substituto para as equipes Ducati, Octo Pramac e Avintia, com equipamentos Ducati, modelos GP16, GP15 e GP14. Com este currículo modesto foi contratado como coach, termo que pode ser traduzido como conselheiro, treinador ou analista de pista, do piloto que recebe o maior salário entre os que disputam o campeonato, o multicampeão Jorge Lorenzo. Foi uma notícia inesperada, ainda assim tem lógica.

Ampliando mais o campo de visão, Luca Cadarola com um histórico de 34 vitórias e 3 títulos mundiais tem um acordo semelhante com Valentino Rossi, dono de 114 vitórias e 9 mundiais, Wilco Zeelenberg trabalhou com Lorenzo na Yamaha e agora assessora Maverick Vinales e Sete Gibernau realiza um trabalho semelhante com Dani Pedrosa.

Ser coach de um piloto da principal categoria da MotoGP não é uma função com atributos e responsabilidades rígidas, ele não existe apenas para abastecer o piloto com dicas sobre como pode melhorar seu desempenho, sua principal utilidade é coletar e fornecer informações para, em conjunto com os engenheiros e a equipe de apoio dos boxes, melhorar a competitividade. Um dos papeis mais importantes de um treinador ou analista de pista não é aconselhar piloto sobre o que está fazendo de certo ou errado, mas qual o resultado que pode obter em comparação com os concorrentes. Eventualmente é útil como um mediador interpretando o sentimento do piloto para os engenheiros e chefes de equipe, contribuindo assim para a melhoria do equipamento.

Wilko Zeelenberg, ex de Lorenzo e atualmente colaborando com Vinales, exemplifica que em uma ocasião Jorge estava insatisfeito com o desempenho em uma curva, ele observou a maneira como vários outros pilotos realizavam o contorno e descobriu que ele estava entrando com velocidade excessiva a perdia tempo ao corrigir a traseira. O simples fato de frear um átimo antes da entrada resultou em um ganho de décimos de segundo por volta.

Cada piloto tem um uma técnica própria de condução, há os que, como Rossi e Vinales, preferem um equipamento equilibrado, outros, como Márquez e Crutchlow, obtém melhores resultados com maior aderência na roda dianteira e administrando o que acontece com a roda de trás. O trabalho do coach é obter o melhor compromisso entre os atributos dos equipamentos, as preferências pessoais dos condutores e as características das pistas, avaliando o ambiente como um todo, incluindo a análise atenta do que acontece com os outros competidores. Ele é um observador que pode avaliar as ocorrências e classificar os eventos sem a carga emocional que o piloto está submetido. Muitas vezes o sentimento dos condutores é que não estão obtendo os melhores resultados porque acreditam que estão com um ou outro problema, o analista de pista pode observar outros pilotos e verificar se é o único com a dificuldade. Nesses casos deve tranquilizar o piloto e tomar as providências necessárias, com decisões racionais e desprovidas de pressão emocional.

As provas da MotoGP são disputas entre pilotos, desde a largada para a volta de apresentação até a bandeirada final todas as decisões são exclusivas dos condutores. O máximo que a equipe pode fazer para ajudar é sinalizar com instruções em placas apresentadas no muro da reta de chegada, que o piloto segue se quiser. Na prova de Sachsering de 2016, as placas de diversas equipes chamaram seus pilotos para a troca de equipamentos, mudar de pneus de chuva para intermediários porque a pista estava secando rapidamente. Nos boxes as equipes acompanhavam a evolução de Marc Márquez recuperando mais de cinco segundos por volta, enquanto na pista Dovizioso, Rossi, Barbera e Crutchlow perdiam tempo em uma disputa insana. Os pilotos não acreditaram no apoio externo e seguiram seus próprios instintos, abrindo espaço para uma vitória improvável da Honda. Parte do trabalho dos analistas de pista é conquistar a confiança dos pilotos para, quando for adequado, acreditar em seu pessoal de apoio.

A utilização de treinadores abre novas oportunidades e novas perspectivas para o piloto, que passa a contar com um par de olhos extra. O coach pode interagir nas reuniões de acompanhamento com a equipe, incluindo engenheiros e projetistas, e propor alterações de procedimentos ou melhorias no equipamento. Ele acompanha as motos na pista, só assim pode verificar, por exemplo, se uma Honda em uma curva se comporta de forma diferente que uma Yamaha. O piloto sobre a moto e a equipe no box não tem esta possibilidade.


 

sexta-feira, 14 de abril de 2017

MotoGP - Hospedagem & Audiência


Vista Panorâmica do Circuito dos Cristais - Curvelo (MG)

Hospedar uma etapa do Mundial da MotoGP é uma tarefa complexa, os custos envolvidos são astronômicos, as exigências para condições de segurança das pistas e em infraestrutura são draconianas e a concorrência é acirrada. O mundial tem um número limitado de provas, 18, e possibilidade de expandir para um máximo de 20. A MotoGP é um produto rentável, seus organizadores conseguiram um raro equilíbrio entre disputa esportiva e espetáculo.
O regulamento da competição é consistente e endereça todas as partes envolvidas no processo, a Federação Internacional de Motociclismo (FIM), entidade criada em 1904 é a organizadora do campeonato em conjunto com Dorna Sports, desde 1988 proprietária dos direitos comerciais relacionados com o mundial, International Road Racing Teram Association (IRTA) que congrega todas as equipes, fornecedores e patrocinadores e os construtores reunidos na Motorcycle Sports Manufacturers Association (MSMA).
A ideia original de campeonatos mundiais era estimular o desenvolvimento de soluções tecnológicas pudessem ser portadas para motos comerciais, entretanto as condições desiguais de poder econômico desvirtuaram a competição, fabricantes com orçamentos mais robustos monopolizavam os bons resultados. As quatro entidades então decidiram orientar seus esforços para equalizar as disputas e priorizar o espetáculo.
A Dorna, entidade responsável pelos aspectos comerciais da MotoGP, seleciona as sedes com infraestrutura adequada para fazer parte do calendário anual da competição, especificam a taxa de hospedagem e retém os valores cobrados pelos direitos de transmissão pela televisão. As entidades proprietárias dos circuitos realizam lucros financeiros (se houverem) através da venda de “Naming Rights”, espaços para veiculação de publicidade, patrocínios, licenças para comercialização no local, renda da bilheteria e subsídios em função dos lucros intangíveis para a localidade como maior movimento do comércio local, incremento do turismo e ocupação de rede hoteleira.
Estes prolegômenos são necessários para avaliar a importância dos números abaixo, baseados em dados oficiais fornecidos pela Dorna. Um total de 2.676.632 ingressos foram adquiridos para assistir as dezoito etapas da temporada de 2016, praticamente repetindo os números da temporada de 2015 (2.717.314).

Números Significativos:
·    A corrida com menor número de espectadores em 2016 foi a etapa noturna do Catar, 24.866 ao longo dos três dias. Considerando que as despesas de hospedagem da prova foram em torno de US$ 12 milhões, o custo por espectador presente no circuito de Losail pode ser calculado em pouco mais de US$ 400, com certeza altamente subsidiado pelo emirado árabe;
·    O menor custo unitário por espectador foi o do GP de Mugello, os US$ 6  milhões divididos entre o público presente, 152.443 pessoas, resultaram em pouco menos de US$ 40.00;
·      Três GPs (Valência, Alemanha e Áustria) contabilizaram mais de 200 mil espectadores em 2016;
·      Em quatro circuitos (Brno, Phillip Island, Jerez e Valência) o público de 2016 foi menor que em 2015, destaque para o GP de Jerez, que contabilizou menos da metade dos espectadores;
·     O GP com o maior número de espectadores em 2016 foi realizado no circuito Red Bull Ring, na Áustria, com a presença de um número impressionante 215.850 pessoas ao longo dos três dias;
·      O recorde absoluto de público em uma competição da MotoGP foi alcançado na terceira prova do campeonato de 2009, em Jerez de la Frontera, nos três dias da competição o circuito recebeu 263.648 pessoas;
·   O GP Brasil esteve presente no calendário da MotoGP nas temporadas de 1987 a 1989  em Goiânia,  1992 em São Paulo e entre 1995 e 2004 (com exceção de 1998) no Rio de Janeiro. Nos nove anos em que a prova foi disputada no autódromo Nelson Piquet público médio foi de 52 mil pessoas, o maior número de ingressos vendidos foi alcançado em 2004, 73.582 unidades.


Números de espectadores presentes aos circuitos nos Mundial de 2016 & 2015  - Resumo




terça-feira, 11 de abril de 2017

MotoGP – Ecos do GP da Argentina


Rossi, Vinales & Crutchlow no GP da Argentina

A Repsol Honda estava confiante antes da prova em Rio Hondo, os pilotos da fábrica estavam otimistas em relação ao desempenho de suas motos, que apresentaram sensíveis melhorias desde a abertura da temporada no Catar. A dupla da Movistar Yamaha largando na sexta e sétima posições não era motivo de preocupações, embora no warm-up Vinales tenha sido o mais veloz.
Quando as luzes que autorizam a largada foram apagadas, Marc Márquez pulou na frente e abriu uma distância considerável, entretanto sua liderança foi curta, depois de três voltas caiu na curva 2. A transmissão da TV mostrou com detalhes que o atual campeão estava furioso, não se sabe se por ter cometido um erro ou por alguma falha do equipamento.
Uma máxima das provas de Fórmula 1 pode ser portada para a MotoGP, uma prova não é ganha, mas pode ser perdida nas primeiras voltas. A mídia que cobriu o evento foi unânime em culpar o piloto pelo acidente, afinal ele estava em um ritmo alucinante, Márquez se insurgiu contra esta interpretação, quando a queda ocorreu ele não estava andando excepcionalmente rápido, seus tempos eram semelhantes aos dos três que o seguiam e no final subiram no pódio.  Como então explicar a perda de controle ao frear na curva 2 com a pista livre? Considerando que o piloto é exímio em controlar seu equipamento e insiste que estava confortável com a moto, as suposições recaem sobre os suspeitos de plantão, ainda mais depois que Dani Pedrosa caiu quase no mesmo lugar.
Márquez insinua que as investigações devem ser concentradas no pneu dianteiro, ele explicou que a escolha de compostos duros foi em função da necessidade de frear mais perto da curva para compensar a falta de retomada de velocidade da Honda, e que na etapa anterior do Catar suas chances de lutar pelo pódio acabaram junto com os pneus no terço final da prova. Tem um lado bom, a Honda esta endereçando todos os problemas e o equipamento está bem melhor, comparando com os testes pré-temporada e com a corrida no Catar.
Embora seja tentador terceirizar as responsabilidades, o staff técnico da Honda reconhece que por uma combinação de fatores o composto da Michelin simplesmente não é apropriado para as frenagens nada suaves que as RC213V necessitam, o que obriga a escolha do componente mais rígido, que é complicado para aquecer e rápido para esfriar. A frente mais dura implica em maior risco em curvas e menor estabilidade.
O atual equipamento Honda obriga os pilotos a buscarem o maior desempenho possível nas frenagens porque a aceleração ainda não é satisfatória, não é exatamente uma novidade, mas continua a ser verdade mesmo com o novo motor. O problema da fábrica não é a geração de potência, é o modo como ela é entregue para a roda motriz.
Sem poder utilizar software para domesticar a plena capacidade de geração de potência de seu motor, a Honda orientou seus esforços para explorar o seu ponto mais forte, a moto freia com muita eficiência e pode trocar de direção rapidamente em curtos espaços. Para obter este comportamento, a frente da moto é incrivelmente dura, condição necessária para suportar as pesadas cargas da frenagem, ou seja, sacrifica a estabilidade em favor da agilidade. O piso irregular do circuito de Rio Hondo não facilitou o trabalho dos pilotos.
 O GP da Argentina não foi um desastre total para a Honda, Cal Crutchlow, que desde a sua vitória em Phillip Island em 2016 ainda não havia terminado uma corrida, conseguiu um lugar no pódio. O britânico acomodou-se em terceiro e não buscou uma melhor colocação nas voltas finais para evitar surpresas. Os técnicos da HRC identificaram que o biótipo do britânico é mais adequado que o dos espanhóis da equipe de fábrica, enquanto as reações da suspensão em relação ao piso irregular faziam o peso leve Pedrosa pular na moto e incomodavam Márquez, Crutchlow, por ser mais pesado, aparentava maior conforto.
A Honda não foi a única fabricante a lamentar os resultados na Argentina, das doze motos oficiais no grid, só cinco cruzaram a linha de chegada, na zona de pontuação só as duas Yamaha e as duas KTM, a Ducati de Andrea Dovizioso ficou na décima sexta colocação. Os pilotos da Aprilia e Suzuki, assim como as Honda, não terminaram a prova.
A grande vencedora de Rio Hondo foi a Yamaha, que parece em lua de mel no início desta temporada, com 100% de eficiência. Duas vitórias de Vinales em duas corridas, dois pódios de Rossi e liderança no mundial de equipes com 59 pontos de vantagem sobre a segunda colocada, a satélite Monster Yamaha Tech 3. Se havia dúvidas sobre a maturidade de Vinales, a única que existe ainda é a sua capacidade em liderar a pontuação do campeonato participando de uma equipe onde seu colega de box é Valentino Rossi.
A capacidade de administração da equipe Yamaha vai ser colocada à prova nas próximas etapas do mundial, Valentino quer seu décimo título, oitavo na MotoGP, Vinales só tem um na Moto3 e busca seu primeiro na categoria. Valentino Rossi participou em Rio Hondo do seu GP número 350, e conquistou seu 223° pódio, comprovando que continua extremamente competitivo.

Pela amostragem destas duas primeiras provas, a Yamaha M1 é a moto mais completa das envolvidas na disputa, é eficiente em todos os detalhes, o motor de 2017 é mais potente que o anterior, bons freios, velocidade inigualável nas curvas, aderência mecânica excelente e boa retomada de velocidade. Entretanto faltam 16 provas e, embora os resultados não tenham surgido, Ducati e Honda aparentam não estar muito longe.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

MotoGP - 8 Histórias


Alex Barros - 2001
GP do Rio, 2001 (500cc)

Cerca de 50.904 espectadores passaram pelas catracas (nos três dias) do circuito Nelson Piquet para acompanhar o último GP do campeonato de 2001, um evento para cumprir o calendário porque Valentino Rossi já tinha assegurado o título. As regras para a temporada especificavam o somatório dos tempos de cada segmento de prova em caso de haver interrupções. Com apenas quatro voltas a corrida foi suspensa por uma bandeira vermelha porque a drenagem da pista foi insuficiente para a quantidade de chuva, Carlos Checa estava em quarto, 0,195 segundos atrás de Rossi em terceiro. A corrida foi reiniciada quando as condições melhoraram e ao final das vinte voltas Checa cruzou a linha em primeiro, seguido por Rossi a 0,052 segundos. Ficou estranho, o público viu um magnifico duelo com um vencedor na pista (Checa) e, em seguida, outro piloto (Rossi) ocupar o lugar mais alto do pódio. Depois deste incidente a regra foi reconsiderada e o regulamento passou a privilegiar o resultado da pista.




Bandeira Quadriculada

GP da Malásia, 2002

Erros acontecem. O pior pesadelo para os organizadores de uma corrida é uma decisão extra-pista influenciar decisivamente o resultado de uma prova. Na disputa da classe 125cc em 2002, em Sepang, uma sequência de decisões infelizes dos comissários resultou na apresentação da bandeira quadriculada antes de completar a distância regulamentar. Para minorar os contratempos causados, o resultado final da prova foi atribuído à classificação de uma volta antes da confusão ser estabelecida, com isso o piloto Manuel Poggiali, que se acidentou na última volta, ficou com a quarta colocação e a brilhante ultrapassagem de Dani Pedrosa sobre Lucio Checchinelo, também na última volta, não foi considerada.



Valentino na Chuva

GP da Itália, 2004

Arrojo e estratégia definiram a vitória de Valentino Rossi no GP da Itália em 2004. Um aguaceiro repentino interrompeu uma disputa acirrada entre Rossi (Yamaha), Sete Gibernau (Honda), Max Biaggi (Honda) e Makoto Tamada (Honda). A relargada foi autorizada ainda com a pista úmida, mas secando rapidamente, Rossi largou com pneus slick, e nas seis voltas que faltavam pulou da quinta colocação para a liderança, vencendo a prova.



Lorenzo & Dovizioso - 125cc (2004)
GP do Catar, 2004

As provas de motovelocidade são pródigas em resultados eletrizantes, decididas nos detalhes, com diferenças mínimas. No GP disputado no circuito de Brno, em 1996, Alex Criville venceu Mick Doohan por exatos 0,002 segundos, diferença igual à da vitória de Toni Elias sobre Valentino no GP de Portugal em 2006. Recentemente, no último GP da Itália, Jorge Lorenzo ultrapassou Marc Márquez nos metros finais (diferença de apenas 0,019 segundos).  O ápice da competitividade aconteceu na prova inaugural do circuito de Losail no Catar em 2004, na classe 125cc o espanhol Jorge Lorenzo com uma Derbi e o italiano Andrea Dovizioso com uma Honda concluíram a prova rigorosamente juntos, a cronometragem oficial registrou ambos com exatamente o mesmo tempo, com 0,000 segundos de diferença. A decisão da prova foi feita pela análise das fotos ultrarrápidas da linha de chegada, que mostraram a moto do espanhol centímetros à frente.




Bandeira Preta para Marc Márquez

Phillip Island, 2013

A piada nos boxes depois da prova de 2013 em Phillip Island era um mecânico perguntar a outro com as duas mãos espalmadas: “Quantos dedos você pode contar”? Ao ouvir a resposta óbvia – dez – complementava “a Repsol Honda está desesperada atrás de alguém com suas habilidades”. A brincadeira foi resultado de um dos maiores erros de uma equipe durante uma prova na história da MotoGP. O circuito em Phillip Island foi recapado e o piso ficou muito abrasivo, a Bridgestone, fornecedora exclusiva de pneus, identificou que nestas condições os compostos aqueciam demais e recomendou a troca obrigatória, sugestão aceita pelos organizadores. Foi determinado em conjunto com as equipes que a troca deveria ser feita até a décima volta. No limite especificado Márquez e Lorenzo travavam uma disputa acirrada pela liderança, Lorenzo entrou para trocar de equipamento e Márquez continuou na pista, por desrespeitar uma resolução da direção de prova, foi penalizado com bandeira preta (desclassificação). Os dois espanhóis estavam em disputa direta pelo campeonato, o piloto da Honda conseguiu nas provas restantes acumular os pontos necessários para vencer, em sua primeira participação na classe principal, o seu primeiro mundial.



14 pilotos largando do pit
GP Alemanha – Sachsering 2014

O início da prova de Sachsenring em 2014 foi caótico. O clima com chuva que esteve presente nos momentos que antecederam a largada mudou rapidamente para o céu limpo, bagunçando a estratégia das equipes em relação a regulagens e escolhas de pneus. Todos os protótipos alinhados no grid estavam equipados com pneus de chuva e, depois da volta de apresentação, 14 pilotos decidiram trocar para os slick e entraram no pit, incluindo as duas Movistar Yamaha e as duas Repsol Honda, nove motos permaneceram na pista, seis da então Open Class. O início da prova proporcionou uma das mais bizarras imagens da MotoGP, o grid espaçado com apenas nove motos e outras catorze enfileiradas largando do pit.

Stefan Bradl, um dos pilotos que ficou na pista, concluiu a primeira volta com uma vantagem de 7,722 segundos sobre a primeira Honda, foi ultrapassado na quinta volta por Marc Márquez e terminou a prova em décimo sexto lugar, 53 segundos atrás do líder.




Pneu dechapado de Scott Redding em Rio Hondo


GP Argentina, 2016

A Michelin substituiu em 2016 a Bridgestone como fornecedora exclusiva de pneus para a MotoGP. Um longo e bem-sucedido programa de testes foi desenvolvido, o único contratempo foi um estouro do pneu traseiro de Loris Baz durante testes da pré-temporada na Malásia, atribuído a calibragem fora das especificações. Não houve incidentes na abertura do Mundial no Catar. A confiança nos compostos franceses foi abalada na segunda prova da temporada na Argentina, em Rio Hondo, uma falha no processo de construção provocou o descolamento da cobertura externa do pneu traseiro da Ducati de Scott Redding no FP4. A fabricante, por razões de segurança, decidiu retirar os compostos originais e introduziu um pneu “de segurança”, com processo de fabricação diferente, entretanto o fator clima jogou contra, a chuva no warm-up extra e impediu que os pilotos rodassem com o novo pneu. A solução encontrada foi voltar ao composto original e fracionar a prova com um pit-stop obrigatório.



Márquez sai da pista no GP da Alemanha 2016
GP da Alemanha, Sachsering 2016

Esta prova entra para a história como o grande resultado estratégico, embora tenha sido circunstancial. Uma escolha inicial errada de pneus resultou em uma improvável vitória de Marc Márquez da Honda. O clima foi um complicador para todas as equipes e a escolha inicial da Honda, compostos macios com o piso molhado foi infeliz, seus pneus duraram só dez voltas. Depois de perder posições gradativamente e até dar um passeio fora da pista caindo para nona colocação, Márquez foi obrigado a trocar de moto e, apesar da pista ainda estar molhada, o equipamento alternativo estava calçado com pneus slick. O improvável aconteceu, a pista secou, seus adversários foram prejudicados pelos compostos intermediários e um início desastroso foi transformado em uma vitória maiúscula. Estratégia brilhante foram as manchetes da mídia, muita, mas muita sorte compensou os erros de avaliação era a certeza no box da Honda.