domingo, 8 de janeiro de 2017

F1 – A escolha de Felipe

Felipe Massa - Williams-Mercedes

A F1 é particularmente perversa com quem se despede das pistas e decide voltar, não importa se é um nome consagrado ou um mero coadjuvante. Os registros oficiais da competição listam diversos exemplos.

Nigel Mansell
Frank Williams nunca gostou de atribuir o sucesso de seus carros na Fórmula 1 ao talento dos pilotos, por esta razão campeões como Nelson Piquet, Nigel Mansell, Alain Prost e Damon Hill, não renovaram com a equipe depois de conquistarem seus títulos. Mansell migrou para a CART Series depois de vencer o mundial de F1 em 1992, e foi o primeiro "rookie" da categoria a conquistar pole e vencer em sua primeira corrida. Campeão em sua temporada inaugural no continente americano, é o único caso conhecido de um piloto que durante algum tempo acumulou o título das duas categorias, a temporada da CART já havia terminado e o mundial de Fórmula 1 ainda não estava decidido.
Mansell retornou para a F1 em 1994 para cobrir a ausência de Ayrton Senna, acidentado em Ímola. Disputou pela Williams quatro corridas, não terminou duas, obteve um quarto e venceu a prova da Austrália, última da temporada. O fato mais notável em seu retorno foi ter faturado 900 mil libras por corrida, enquanto Damon Hill, colega de equipe, recebeu 300 mil libras por toda a temporada. Em 1995 ensaiou um retorno pela McLaren, ficou fora das duas primeiras provas por incompatibilidade de seu físico com o tamanho do cockpit do carro, não terminou a temporada e nunca mais disputou provas da F1.

Michael Schumacher
O detentor de quase todos os recordes da F1 anunciou o fim de sua carreira em 2006, depois de perder o campeonato para Fernando Alonso. Em 2010 voltou contratado pela Mercedes, que retornava como equipe às pistas, após ter comprado o acervo da equipe campeã do ano anterior, a Brawn GP. Para muitos de nós, brasileiros, Schumacher lembra a pantomina protagonizada em 2002 na Áustria imortalizada pela narração de Cléber Machado (“Hoje não! Hoje não! Hoje sim”), e o “payback” de Rubens Barrichello na Hungria em 2010, quando não se intimidou com a “espremida” do multicampeão contra o muro e protagonizou uma das mais memoráveis ultrapassagens da sua carreira na F1.
O retorno de Schumacher rendeu escasso sucesso, seu maior feito em três temporadas foi ter conseguido um único pódio.

Jean-Louis Schlesser
O piloto entra nesta galeria pela porta dos fundos, depois da estreia em 1983, quando não se classificou no GP da França, reapareceu em 1988 no ápice do domínio das McLaren Honda na F1, quinze vitórias nas dezesseis provas da temporada. No GP da Itália disputado em Monza, Schlesser, o então piloto de testes da Williams, substituiu Nigel Mansell. Faltando duas voltas para o final da corrida, estava tomando a segunda volta do líder quando em uma manobra confusa na variante Ascari acabou tirando Ayrton Senna da prova. A fanática torcida italiana presente ao autódromo vibrou com a manobra, que proporcionou um improvável 1-2 da Ferrari duas semanas depois do falecimento do Comendador Enzo Ferrari.
Foi a última aparição do francês na F1.

Luca Badoer
O nome de Luca Badoer evoca diversas lembranças, (1) foi piloto de testes da Ferrari, contribuindo para o desenvolvimento do carro que proporcionou cinco campeonatos consecutivos para Michael Schumacher, (2) foi escolhido para substituir Felipe Massa depois do acidente do brasileiro na Hungria em 2009 e (3) nunca conseguiu um ponto em quase 60 provas na F1. Entre 1993 e 1999 Badoer administrou uma carreira errática no comando de carros da Scuderia Italia, Minardi e Forti Corse, acomodando-se a partir de 2000 como piloto de testes na Ferrari. Promovido para o lugar de Massa, embora familiarizado com o cockpit do carro italiano e dispondo de um bom equipamento, seus resultados nas pistas foram pífios e acabou disputando apenas duas provas sem obter nenhum ponto.

Alan Jones
São poucos os casos em que um piloto decide pela aposentadoria e despede-se vencendo a última prova da temporada, como aconteceu com Alan Jones em 1981. O campeão de 1980 decidiu por sua aposentadoria no ano seguinte, que encerrou com a sua vitória no GP de Las Vegas. Jones aceitou participar do GP dos EUA em 1983 como substituto do brasileiro Chico Serra na Arrows, não concluiu a prova. Em meio a temporada de 1985 foi convidado e aceitou participar do projeto da equipe Haas, infelizmente não obteve bons resultados no resto do ano e na temporada seguinte. O seu fim de carreira em nada lembrou o piloto brilhante do início da década.

Alex Zanardi
Personagem singular, Alessandro Zanardi estreou na F1 em 1991 pela equipe Jordan, disputando três provas sem marcar pontos. Entre 1992 e 1994 defendeu as cores da Minardi e Lotus com pouco sucesso e desistiu (ou foi desistido) da F1.  Encontrou espaço na CART, onde foi bicampeão (1997 & 1998) pela equipe Chip Ganassi. O sucesso na categoria norte-americana o credenciou para o retorno na F1 em 1999, ocupando o cockpit de um Williams, onde participou da temporada completa sem marcar pontos. Para efeitos de comparação, no mesmo ano com um carro igual ao seu, Ralf Schumacher conseguiu três pódios e pontuou em onze das dezesseis provas.
Zanardi sofreu um grave acidente em setembro de 2001 em um circuito oval na Alemanha, seu carro rodou na pista e foi violentamente atingido na lateral, o piloto teve os membros inferiores severamente comprometidos e ambas as pernas amputadas pouco acima do joelho. O italiano é um exemplo de superação, nos anos seguintes participou de diversas competições com carros adaptados, com acelerador e freios manuais. Em 2007 adotou o paraciclismo como seu novo esporte, nos jogos de Londres em 2012 conquistou três medalhas e, quatro anos depois, nas Paralimpíadas do Rio de Janeiro, repetiu o feito. Alessandro Zanardi é atualmente o maior medalhista de paraciclismo dos Jogos Paralímpicos.
A lembrança que Zanardi deixou na F1, entretanto, é a de um dos poucos pilotos que conduziram um Williams durante toda uma temporada sem marcar pontos.

“De gustibus et coloribus non est disputandum” ou, em tupiniquim, não há discussão possível sobre gostos e cores. Opiniões pessoais tem esta característica, são pessoais, e a decisão de Felipe Massa em rever a sua aposentadoria deve ser muito bem analisada, alguns pontos devem obrigatoriamente serem considerados.
Inicialmente, se o roteiro tivesse sido escrito por um profissional de Hollywood e ensaiado até a exaustão, provavelmente a despedida de Massa da F1 em Interlagos não teria sido tão perfeita. A perda de controle do carro próximo a entrada dos boxes e a prova paralisada pelas condições da pista permitiram o seu retorno pelo pitlane sob o aplauso (merecido) do pessoal técnico de todas as equipes. O encontro emotivo com a família ainda na pista, sob a aclamação dos espectadores presentes no autódromo, foi apoteótico. O adeus da torcida brasileira ao seu ídolo rivalizou com a vitória de Hamilton em termos de cobertura na mídia mundial. Felipe Massa teve uma despedida fantástica em 2016, não há como imaginar algo semelhante em um futuro próximo.
Como diria o folclórico personagem de Dias Gomes, o prefeito Odorico Paraguassú, os “antigamente” das tratativas evidenciam que os dólares do canadense Lance Stroll são muito mais importantes para Claire Williams, manager da equipe Williams, que o carisma, talento e experiência de Massa. O retorno do piloto só é viável em razão de um arranjo não programado para permitir a mudança de Valtteri Bottas para a Mercedes.
A técnica de administração de listar e valorizar os prós e contras pode ser útil. Na coluna de prós podem ser relacionados ajudar a manter o interesse dos brasileiros na F1, continuar fazendo o que gosta e um possível ganho financeiro. A coluna dos contra é um pouco mais extensa, existe a possibilidade de a temporada ser desastrosa para a Williams, em termos de disputa com Mercedes, Red Bull e Ferrari, e ainda o risco real de perda de espaço para a McLaren e Force Índia. Como principal provedor da equipe, é lícito imaginar que Lance Stroll deva ser priorizado, e perder a disputa direta com um novato seria desastroso para o currículo do piloto. Na brilhante carreira de Felipe Massa constam duas ocorrências embaraçosas, o infame rádio da Ferrari “Fernando is faster than you” no GP da Alemanha em 2010 e o dialogo surreal com a equipe durante a prova da Malásia em 2014, onde a Williams insistiu para que permitisse a ultrapassagem de Valtteri Bottas na disputa pelo sétimo lugar, orientação que não foi obedecida. Em função da importância que Claire Williams credita aos dólares de Lance Stroll, a reedição de um destes diálogos não pode ser desconsiderada. 


A decisão de retorno ou não é pessoal de Felipe, o julgamento posterior da história não depende só dele.

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