The Wing - Silverstone |
O GP da Inglaterra em Silverstone foi a primeira
corrida no calendário da Fórmula 1 em 1950, é um dos eventos mais tradicionais
do campeonato mundial e reuniu mais de 120 mil espectadores em suas últimas
edições. Neste contexto, parece estranho que sua organização enfrente
dificuldades financeiras, de tal ordem que considerem a possibilidade de acionar
a cláusula de “Quebra de Contrato” com a FOM e renunciar a hospedagem das
etapas da F1 a partir de 2019.
Silverstone, a casa do Grande Prêmio da Inglaterra,
é propriedade do British Racing Drivers Club (BRDC), um grupo pertencente a 850
expoentes do automobilismo, incluindo o lendário vencedor da Indy 500 e campeão
de F1 Mario Andretti, Roger Penske e Sir Jackie Stewart.
Os problemas de Silverstone começaram em 2008,
quando Bernie Ecclestone assinou um contrato com a administração de Donington
Park para hospedar o GP britânico por 17 anos, iniciando em 2010. Donington Park nunca havia hospedado um GP da
Inglaterra e foi palco de uma única corrida de F1 em 1993, o GP da Europa, uma
que ficou na lembrança dos brasileiros por uma apresentação fantástica de
Ayrton Senna na chuva.
O plano para mudar o GP da Inglaterra para
Donington não resistiu a crise econômica que abalou o mundo no final da década
passada. Bernie Ecclestone, o executivo chefe da F1, havia exigido uma garantia
bancária dos organizadores e, como ela não foi apresentada, o contrato foi
cancelado.
O GP da Inglaterra ficou no limbo durante algum
tempo, até o BRDC assumir o risco e contratar a corrida por 17 anos a partir de
2010. Uma das razões alegadas pelo Sr. Ecclestone para tentar mudar a corrida
para Donington foi a promessa de o autódromo ser revitalizado, para assinar com
Silverstone a exigência foi mantida. Silverstone foi construído em um antigo
aeródromo e o Sr. Ecclestone exigiu melhorias significativas para manter o
circuito na F1.
O BRDC decidiu construir um novo complexo de pitlane
e paddock, conhecido como 'The Wing', graças ao formato peculiar de sua
arquitetura. A reforma exigiu um aporte muito grande de capital e as finanças
do BRDC começaram a fazer água.
A construção do complexo foi financiada por um
empréstimo de US $ 17,8 milhões do banco britânico Lloyds, além de US $ 17,3
milhões emprestados do conselho local. De acordo com as demonstrações contábeis
da BRDC, durante 2010 o grupo realizou investimentos significativos em ativos
fixos, com as novas instalações do pitlane, paddock e obras associadas. Suas
reservas de caixa foram suplementadas por empréstimos de longo prazo.
As obras drenaram US$ 25,4 milhões do caixa do
BRDC, ao mesmo tempo as dívidas alavancaram os pagamentos de juros, que
alcançaram US$ 4,4 milhões até 2012. Em um esforço para equilibrar o caixa, em
2013 o BRDC vendeu um contrato de arrendamento por 999 anos de 280 acres de terrenos
em torno do circuito. Um grupo privado pagou US$ 44,7 milhões pela área e,
embora tenha ajudado a compensar a dívida, a operação implicou em outras
consequências, a mais imediata foi que o BDRC perdeu a receita do aluguel da
área, US$ 1,7 milhões, que contribuiu para pressionar o caixa da empresa. Em
situação crítica, o BRDC atrasou o pagamento da taxa de hospedagem e foi
necessária uma carta de crédito bancaria para manter o GP da Inglaterra, uma
garantia que a taxa será paga.
Além dos custos das obras e de reduzir as
rendas de aluguel, a venda da terra em torno de Silverstone reduziu o
patrimônio do BRDC. Em 2014 a entidade procedeu uma reavaliação dos ativos do
circuito, que aumentaram seu valor em US$ 11,5 milhões para US$ 35,6 milhões. Com
esta manobra contábil o patrimônio do BRDC ficou US$ 6,8 milhões positivo e
facilitou a obtenção da carta de crédito.
O contrato de Silverstone com o Sr. Ecclestone
prevê um aumento anual da taxa de hospedagem de 5%. Não existe uma regra fixa
sobre este reajuste, para alguns circuitos a taxa aumenta 10% ao ano, no
entanto, mesmo que o reajuste da taxa de hospedagem do GP da Inglaterra seja
inferior a de outros, ainda assim alcançou o valor de US$ 25,5 milhões em 2016,
uma soma considerável em um cenário de recessão econômica. A loquacidade de
Bernie Ecclestone não ajuda, em uma entrevista sobre o futuro do GP da
Inglaterra ele comentou que a insistência da BDRC em divulgar que o GP é
deficitário só faz os bancos aumentarem o custo da carta de crédito.
A situação é complexa. O BDRC pretende vender o
contrato de arrendamento do circuito, válido por 249 anos, e acredita que com o
valor obtido possa pagar as taxas de hospedagens atrasadas, assim evita qualquer
ameaça iminente à corrida e cancela a necessidade de cartas de créditos. A
ideia é alugar o circuito, não o controle do GP da Inglaterra. Os riscos e
obrigações de organizar a corrida permaneceriam nas mãos do BRDC através de sua
subsidiária Silverstone Circuits Limited. De acordo com as demonstrações
financeiras da BRDC, cerca de metade da receita da empresa vem do Grande Prêmio
da Grã-Bretanha e a grande maioria é composta por vendas de ingressos, já que a
corrida não recebe financiamento do governo, apenas as receitas limitadas da
hospitalidade corporativa. A metade restante da receita vem de outras atividades
no circuito, que geraram um lucro de US$ 4,7 milhões em 2014, o último ano para
o qual as demonstrações financeiras estão disponíveis.
2010 - US$ 19 milhões
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2016 - US$ 25,5 milhões
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2022 - US$ 34,1 milhões
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2011 - US$ 20 milhões
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2017 - US$ 26,7 milhões
|
2023 - US$ 35,8 milhões
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2012 - US$ 20,9 milhões
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2018 - US$ 28,1 milhões
|
2024 - US$ 37,6 milhões
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2913 - US$ 22 milhões
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2019 - US$ 29,5 milhões
|
2025 - US$ 39,5 milhões
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2014 - US$ 23,1 milhões
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2020 - US$ 30,9 milhões
|
2026 - US$ 41,5 milhões
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2015 - US$ 24,2 milhões
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2021 - US$ 32,5 milhões
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Taxa de hospedagem do
Grande Prêmio da Grã-Bretanha ao longo dos anos
Os dados na tabela acima mostram que se a
receita permanecer estável na próxima década, o dinheiro da venda de ingressos
será apenas para pagar a taxa de hospedagem e insuficiente para cobrir os
custos da corrida. Se o BRDC for obrigado a investimentos de melhoria da pista
neste período não tem como arcar com os custos, uma vez que não gera lucros
substanciais e não teria ativos significativos sobre os quais uma dívida
poderia ser garantida.
Quando perguntado se seria bom para o BRDC
vender o contrato de arrendamento de Silverstone, Bernie Ecclestone foi
incisivo, "Honestamente, qualquer coisa a ver investidores externos ao
automobilismo, eu realmente não acho que seja uma boa ideia. Eles não vão
querer investir para cumprir nossas exigências”. A única certeza é que se
houver um negócio, o BRDC perderia o seu principal ativo, incluindo ironicamente
“The Wing”, cujo custo de construção abalou a sua estabilidade financeira.
O BDRC tem prazo até um dia antes do GP da
Inglaterra deste ano para exercer a cláusula de “Quebra de Contrato” e é
possível que até aquela data o Liberty Media, um conglomerado de
telecomunicações dos Estados Unidos que assumiu o controle do Formula One
Group, responsável pela promoção do campeonato de F1 e pelos direitos
comerciais da categoria, possa negociar algum acordo que seja vantajoso para
ambos.
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