sábado, 14 de janeiro de 2017

F1 - Silverstone

The Wing - Silverstone

O GP da Inglaterra em Silverstone foi a primeira corrida no calendário da Fórmula 1 em 1950, é um dos eventos mais tradicionais do campeonato mundial e reuniu mais de 120 mil espectadores em suas últimas edições. Neste contexto, parece estranho que sua organização enfrente dificuldades financeiras, de tal ordem que considerem a possibilidade de acionar a cláusula de “Quebra de Contrato” com a FOM e renunciar a hospedagem das etapas da F1 a partir de 2019.
Silverstone, a casa do Grande Prêmio da Inglaterra, é propriedade do British Racing Drivers Club (BRDC), um grupo pertencente a 850 expoentes do automobilismo, incluindo o lendário vencedor da Indy 500 e campeão de F1 Mario Andretti, Roger Penske e Sir Jackie Stewart.

Os problemas de Silverstone começaram em 2008, quando Bernie Ecclestone assinou um contrato com a administração de Donington Park para hospedar o GP britânico por 17 anos, iniciando em 2010.  Donington Park nunca havia hospedado um GP da Inglaterra e foi palco de uma única corrida de F1 em 1993, o GP da Europa, uma que ficou na lembrança dos brasileiros por uma apresentação fantástica de Ayrton Senna na chuva.

O plano para mudar o GP da Inglaterra para Donington não resistiu a crise econômica que abalou o mundo no final da década passada. Bernie Ecclestone, o executivo chefe da F1, havia exigido uma garantia bancária dos organizadores e, como ela não foi apresentada, o contrato foi cancelado.

O GP da Inglaterra ficou no limbo durante algum tempo, até o BRDC assumir o risco e contratar a corrida por 17 anos a partir de 2010. Uma das razões alegadas pelo Sr. Ecclestone para tentar mudar a corrida para Donington foi a promessa de o autódromo ser revitalizado, para assinar com Silverstone a exigência foi mantida. Silverstone foi construído em um antigo aeródromo e o Sr. Ecclestone exigiu melhorias significativas para manter o circuito na F1.

O BRDC decidiu construir um novo complexo de pitlane e paddock, conhecido como 'The Wing', graças ao formato peculiar de sua arquitetura. A reforma exigiu um aporte muito grande de capital e as finanças do BRDC começaram a fazer água.

A construção do complexo foi financiada por um empréstimo de US $ 17,8 milhões do banco britânico Lloyds, além de US $ 17,3 milhões emprestados do conselho local. De acordo com as demonstrações contábeis da BRDC, durante 2010 o grupo realizou investimentos significativos em ativos fixos, com as novas instalações do pitlane, paddock e obras associadas. Suas reservas de caixa foram suplementadas por empréstimos de longo prazo.

As obras drenaram US$ 25,4 milhões do caixa do BRDC, ao mesmo tempo as dívidas alavancaram os pagamentos de juros, que alcançaram US$ 4,4 milhões até 2012. Em um esforço para equilibrar o caixa, em 2013 o BRDC vendeu um contrato de arrendamento por 999 anos de 280 acres de terrenos em torno do circuito. Um grupo privado pagou US$ 44,7 milhões pela área e, embora tenha ajudado a compensar a dívida, a operação implicou em outras consequências, a mais imediata foi que o BDRC perdeu a receita do aluguel da área, US$ 1,7 milhões, que contribuiu para pressionar o caixa da empresa. Em situação crítica, o BRDC atrasou o pagamento da taxa de hospedagem e foi necessária uma carta de crédito bancaria para manter o GP da Inglaterra, uma garantia que a taxa será paga.

Além dos custos das obras e de reduzir as rendas de aluguel, a venda da terra em torno de Silverstone reduziu o patrimônio do BRDC. Em 2014 a entidade procedeu uma reavaliação dos ativos do circuito, que aumentaram seu valor em US$ 11,5 milhões para US$ 35,6 milhões. Com esta manobra contábil o patrimônio do BRDC ficou US$ 6,8 milhões positivo e facilitou a obtenção da carta de crédito.

O contrato de Silverstone com o Sr. Ecclestone prevê um aumento anual da taxa de hospedagem de 5%. Não existe uma regra fixa sobre este reajuste, para alguns circuitos a taxa aumenta 10% ao ano, no entanto, mesmo que o reajuste da taxa de hospedagem do GP da Inglaterra seja inferior a de outros, ainda assim alcançou o valor de US$ 25,5 milhões em 2016, uma soma considerável em um cenário de recessão econômica. A loquacidade de Bernie Ecclestone não ajuda, em uma entrevista sobre o futuro do GP da Inglaterra ele comentou que a insistência da BDRC em divulgar que o GP é deficitário só faz os bancos aumentarem o custo da carta de crédito.


A situação é complexa. O BDRC pretende vender o contrato de arrendamento do circuito, válido por 249 anos, e acredita que com o valor obtido possa pagar as taxas de hospedagens atrasadas, assim evita qualquer ameaça iminente à corrida e cancela a necessidade de cartas de créditos. A ideia é alugar o circuito, não o controle do GP da Inglaterra. Os riscos e obrigações de organizar a corrida permaneceriam nas mãos do BRDC através de sua subsidiária Silverstone Circuits Limited. De acordo com as demonstrações financeiras da BRDC, cerca de metade da receita da empresa vem do Grande Prêmio da Grã-Bretanha e a grande maioria é composta por vendas de ingressos, já que a corrida não recebe financiamento do governo, apenas as receitas limitadas da hospitalidade corporativa. A metade restante da receita vem de outras atividades no circuito, que geraram um lucro de US$ 4,7 milhões em 2014, o último ano para o qual as demonstrações financeiras estão disponíveis.


2010 - US$ 19 milhões
2016 - US$ 25,5 milhões
2022 - US$ 34,1 milhões
2011 - US$ 20 milhões
2017 - US$ 26,7 milhões
2023 - US$ 35,8 milhões
2012 - US$ 20,9 milhões
2018 - US$ 28,1 milhões
2024 - US$ 37,6 milhões
2913 - US$ 22 milhões
2019 - US$ 29,5 milhões
2025 - US$ 39,5 milhões
2014 - US$ 23,1 milhões
2020 - US$ 30,9 milhões
2026 - US$ 41,5 milhões
2015 - US$ 24,2 milhões
2021 - US$ 32,5 milhões

Taxa de hospedagem do Grande Prêmio da Grã-Bretanha ao longo dos anos


Os dados na tabela acima mostram que se a receita permanecer estável na próxima década, o dinheiro da venda de ingressos será apenas para pagar a taxa de hospedagem e insuficiente para cobrir os custos da corrida. Se o BRDC for obrigado a investimentos de melhoria da pista neste período não tem como arcar com os custos, uma vez que não gera lucros substanciais e não teria ativos significativos sobre os quais uma dívida poderia ser garantida.

Quando perguntado se seria bom para o BRDC vender o contrato de arrendamento de Silverstone, Bernie Ecclestone foi incisivo, "Honestamente, qualquer coisa a ver investidores externos ao automobilismo, eu realmente não acho que seja uma boa ideia. Eles não vão querer investir para cumprir nossas exigências”. A única certeza é que se houver um negócio, o BRDC perderia o seu principal ativo, incluindo ironicamente “The Wing”, cujo custo de construção abalou a sua estabilidade financeira.

O BDRC tem prazo até um dia antes do GP da Inglaterra deste ano para exercer a cláusula de “Quebra de Contrato” e é possível que até aquela data o Liberty Media, um conglomerado de telecomunicações dos Estados Unidos que assumiu o controle do Formula One Group, responsável pela promoção do campeonato de F1 e pelos direitos comerciais da categoria, possa negociar algum acordo que seja vantajoso para ambos. 

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