quarta-feira, 31 de agosto de 2016

MotoGP – KTM RC16, A novidade de 2017



A participação da KTM, com uma equipe de fábrica, é uma das novidades anunciadas para a temporada de 2017 do Mundial de MotoGP. A empresa austríaca, maior produtora europeia de motocicletas, tem uma equipe disputando a Moto3 e lidera a atual temporada com Brad Binder, 204 pontos, 86 de vantagem sobre o mais próximo competidor. Poderia ter um domínio ainda maior na categoria se o piloto Romano Fenati, que somava 93 pontos até a nona etapa, não tivesse sido afastado da equipe Sky Racing VR46 por motivos disciplinares. A moto, batizada de KTM RC16, foi apresentada oficialmente na etapa da Áustria da MotoGP, na primeira quinzena de agosto. O blog oficial da empresa (blog.ktm.com) divulga as especificações gerais do protótipo, motor V4 de 1000cc com comando pneumático de válvulas, cambio ultrarrápido (seamless), quadro de aço tubular com estrutura em treliça, braço oscilante de alumínio, freios Brembo, suspensão WP, pneus Michelin (fornecedor exclusivo) e eletrônica Magneti Marelli (padrão).

Os números anunciados de torque, potência e rotações por minuto são para consumo da mídia e não são confiáveis, a KTM afirma que seu motor desenvolve 250hp, este dado não costuma ser divulgado por outros fabricantes, entretanto acredita-se que a maioria deles já está entre 260 e 275hps. A velocidade máxima da RC16, segundo os testes realizados na Áustria, ainda não está no nível da Ducati, mas anda próxima das Yamaha e Honda.

O número anunciado de rotações por minuto, 19.000 RPM, é absurdamente alto. O maior diâmetro permitido para os cilindros de um motor da MotoGP é 81mm, definido para controlar o giro dos motores depois que os fabricantes não chegaram a um consenso sobre um limite máximo. A engenharia convencional, na análise da resistência dos materiais, indica que rotações acima de 16.000 RPM resultam em excesso de tensões nos pistões e bielas, provocando um colapso estrutural, entretanto a genialidade dos fabricantes já superou este limite. Embora os números não sejam oficialmente admitidos, a Ducati alcança 18.000 RPM, a Honda 17.750 RPM e a Yamaha 17.250 RPM (lembrando sempre que as equipes satélite utilizam limitadores para aumentar a durabilidade/confiabilidade do motor). Mesmo considerando que a KTM vai estar inicialmente enquadrada no regime de concessões, o número de 19.000 RPM não parece crível para um motor com expectativa de vida útil de no mínimo 2.000 quilômetros. Existe um compromisso entre as tensões internas e o peso dos componentes móveis, pistões, pinos e bielas, rotações implicam em trocas de direção no curso dos pistões, leia-se acelerar desde o ponto inicial e desacelerar a partir do ponto médio. A mecânica de Newton ensina que força é o resultado do produto da massa pela aceleração e, em um motor, toda a força resulta em tensões e stress do material. Os setores de engenharia das fábricas com certeza estão tentando encontrar maneiras de reduzir os esforços a que os materiais são submetidos, componentes mais leves, redistribuição de peso e tudo o que puder suavizar a transição entre a aceleração e desaceleração interna.

O motor da RC16 é um V4, 90° e a ordem de ignição não está clara, as opções “Big Bang” (cilindros disparando juntos) ou “Screamer” (cilindros disparando separadamente em intervalos regulares) ainda estão sendo analisadas. 

A KTM surpreende na especificação da suspensão e chassi, será a única a optar pela WP em vez da onipresente Öhlins, utilizada por ​​todos outros fabricantes, também a única a escolher um quadro de aço tubular com estrutura em treliça e o braço oscilante em alumínio. Se a Ducati puder ser utilizada como referência, a fábrica italiana abandonou o quadro em treliça por um de fibra de carbono sem moldura, em seguida trocou que para um chassi em viga de alumínio, e a moto só agora está sendo competitiva. A opção da suspensão WP, uma empresa que tem participação acionária da própria KTM, é uma escolha lógica porque já trabalham juntas na Moto3 e as duas fábricas são praticamente contíguas em Mattighofen, Áustria.

O desempenho da RC16 nos testes até agora realizados é animador, o motor tem reserva de potência e não pode ser exigido ao máximo nas saídas de curva porque ainda falta aderência na roda traseira, problema crônico das motos Honda, que também preocupa o pessoal da Suzuki e deve afetar a Ducati quando o pacote aerodinâmico (winglets) não puder ser mais utilizado.

A estrutura de aço tubular vai representar um desafio adicional para Pol Espargaro e Bradley Smith, que hoje pilotam para a Monster Tech 3 Yamaha, e já assinaram contratos com a KTM para a próxima temporada. Ambos estão habituados o chassi em viga de alumínio e preferem máquinas com um bom comportamento em curvas a equipamentos velozes nas retas, porém difíceis de controlar, característica dos quadros em treliça. A dificuldade de uma estrutura de aço tubular é o número de componentes e soldas diferentes, que torna complicado produzir dois quadros idênticos, entretanto a empresa tem muita experiência em quadro de treliça e total confiança em sua capacidade de administrar este problema.

A empresa austríaca entra na MotoGP com intenção de ser protagonista em prazo relativamente curto, tem know-how suficiente e conta com o apoio da Red Bull, condições técnicas e financeiras para transformar a RC16 em um equipamento competitivo.  A KTM quer consolidar a marca de sucesso no cenário desportivo europeu enquanto mantém a sua identidade, optando por armações tubulares de aço e suspensão WP. O sucesso na Moto3 indica que não é uma aspiração descabida.

Carlos Alberto Goldani



segunda-feira, 29 de agosto de 2016

MotoGP - Entry List 2017 (Provisório)


Equipe
Piloto
Contrato
Repsol Honda
Marc Marquez 
2017 & 2018

Dani Pedrosa
2017 & 2018
Movistar Yamaha
Valentino Rossi
2017 & 2018

Maverick Vinales
2017 & 2018
Ducati Team
Jorge Lorenzo
2017 & 2018

Andrea Dovizioso
2017 & 2018
Suzuki
Andrea Iannone
2017 & 2018

Alex Rins
2017 & 2018
KTM
Bradley Smith
2017 & 2018

Pol Espargaro
2017 & 2018
Aprilia Gresini
Sam Lowes
2017 & 2018

Aleix Espargaro
2017 & 2018
LCR Honda
Cal Crutchlow
2017
Marc VDS Honda
Jack Miller
2017

Tito Rabat
2017
Monster Yamaha Tech 3
Jonas Folger
2017, opção 2018

Johann Zarco
2017, opção 2018
Avintia Ducati
Hector Barbera [GP16]
2017

Loris Baz [GP15]
2017
Pramac Ducati
Scott Redding
?

Danilo Petrucci
?
Aspar Ducati
Álvaro Bautista [GP16]
2017

Yonny Hernandez [GP15]
?

MotoGP – A Escolha de Laverty

Ducati Desmosedici GP14.2

Foram necessárias onze etapas de 2016 para a MotoGP, finalmente, definir o grid da temporada de 2017. Eugene Laverty, que era a última ponta solta, decidiu voltar para a WorldSBK, desistindo de disputar com Yonny Hernandes a vaga de companheiro do já contratado Álvaro Bautista na equipe Ducati Aspar Racing.

Eugene Laverty construiu uma carreira nas categorias de acesso e principal da WorldSBK, chegou à MotoGP em 2015 na Classe Open com uma moto Honda RC213V-RS da Aspar. Em 2016 a equipe mudou o equipamento para a Ducati Desmosedici GP14.2, Laverty, que esteve à frente das GP16 de fábrica até a sexta etapa, ocupa a décima primeira posição na tabela do campeonato, esteve na zona de pontuação em dez (das onze) provas da temporada e sua melhor colocação foi o quarto lugar em Rio Hondo, na Argentina.

O clube de vencedores da MotoGP é muito seletivo e as vagas são prioritárias para os pilotos das equipes de fábrica. Em uma equipe privada, embora com apoio da fábrica, as únicas chances de conseguir o primeiro lugar dependem de circunstâncias alheias ao esporte, como as condições instáveis de clima que proporcionaram as vitórias de Jack Miller na Alemanha e Cal Crutchlow na República Tcheca.

O principal motivo da decisão de Laverty foi o fato da Aspar optar por Álvaro Bautista para pilotar a GP16 enquanto para ele restou a GP15.  A diferença entre as duas motos é relativamente pequena, a GP16 desgasta menos os pneus, o que representa uma vantagem significativa ao longo da distância de uma prova. Em termos de uma única volta a diferença de desempenho dos dois equipamentos é mínima, mas o acumulado no final de uma corrida pode ser medido em segundos, não em décimos de segundo. Como é esperada uma evolução semelhante para a GP17, a distância de entre o que poderia ser sua moto e a que vai ser pilotada por Jorge Lorenzo e Andrea Dovizioso é estimada em dezenas de segundos ao final de uma prova.

A opção de Eugene Laverty na WorldSBK é uma Aprilia de fábrica. A Aprilia RSV4-RF não contempla muitas atualizações nos últimos anos, mas no paddock todos concordam que, com apoio e assistência técnica da fábrica, pode ser um equipamento altamente competitivo. O piloto irlandês já passou dos trinta anos e não visualiza mais chances de alcançar o panteão dos grandes vencedores da MotoGP.

Houve um tempo em que a MotoGP era considerada a evolução natural para os talentos revelados pela WorldSBK, entretanto nos dias atuais há o consenso que ambas as categorias trilham caminhos próprios e as transferências no sentido inverso não são mais consideradas deméritos. Nick Hayden, campeão da MotoGP em 2006, realizou este caminho no início de 2016, já compareceu em pódios e venceu corridas, resultados impensáveis se continuasse a disputar a MotoGP em uma equipe satélite.

Embora a MotoGP seja, indiscutivelmente, o maior show em termos de competições em duas rodas, com presença de público nos circuitos e audiência da televisão três vezes maior que a WorldSBK, para os pilotos a segunda opção talvez possa ser economicamente mais rentável. Os limites de uma máquina do Mundial de SuperBike, contemplados pelo Regulamento Técnico, implicam em funcionar bem também em velocidades e pisos compatíveis com o trânsito em cidades e as motos são projetadas para ser construídas a um custo baixo. As diferenças são mais visíveis no motor, na WorldSBK os componentes utilizados são compartilhados com veículos comerciais, produzidos para durar mais de 200 mil quilômetros. A maioria dos motores da MotoGP são usinados a partir de um único bloco de alumínio, mantendo apenas o material mínimo necessário, suficiente para rodar no máximo 10 mil quilômetros.

Existem diversas razões que motivam um profissional a escolher a WorldSBK, realização pessoal e financeira são apenas duas. Pilotos são competitivos por definição e a máxima do barão de Coubertin, que o importante é competir, não se aplica a eles. O ego de um piloto é alimentado por vitórias. Se o pódio da MotoGP é monopolizado por pilotos de fábrica, a opção dos “não-fábrica” pela WorldSBK é mais atrativa.

Mudar de categoria pode fazer muito sentido também no lado financeiro. A expressiva exposição da MotoGP resulta em uma violenta distorção nos salários dos pilotos, devido a oferta limitada de assentos e demanda ilimitada de candidatos. Os pilotos de fábrica, com equipamentos mais competitivos, conseguem melhores resultados e bons salários, enquanto outros correm de graça, talvez até incluindo patrocinadores pessoais no pacote para equipes de com lugares disponíveis. Na WorldSBK, por contemplar motos produzidas para serem comercializadas ao público, os custos não são absurdos e parte do orçamento pode ser direcionada para os pilotos. A mudança para o Mundial de Superbike também pode ser lucrativa do ponto de vista dos patrocinadores pessoais, na medida em que podem ser negociados bônus por bons resultados, que não são exclusividade de uns poucos escolhidos.


Eugene Laverty é reconhecido como um dos melhores pilotos que disputam a MotoGP por equipes satélite, porém as chances de ter seu talento recompensado são remotas. A decisão de mudar do paddok da MotoGP para a WorldSBK, para uma equipe com condições de vencer corridas e obter recompensa financeira, parece ser um simples exercício de lógica.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

MotoGP – Depois de Onze Etapas



Jorge Lorenzo em Mugello, Valentino Rossi na Catalunha, Jack Miller na Holanda, Marc Márquez na Alemanha, Andrea Yannone na Áustria e Cal Crutchlow na República Tcheca, seis vencedores diferentes nas seis últimas provas, algo inédito nos últimos anos. A diversidade dos resultados pode indicar que os esforços da Dorna limitando desenvolvimentos tecnológicos para trazer maior equilíbrio às corridas esteja atingindo seus objetivos. Talvez, mas nestas últimas quatro provas a influência de outros fatores, principalmente do clima, foram fundamentais. Mugello e Catalunha foram resultados típicos da MotoGP, vitória da melhor moto com os melhores pilotos. Miller sobreviveu a um dilúvio na Holanda, Márquez contou com uma excelente estratégia, alguns afirmam muita sorte, de pneus na Alemanha e Crutchlow aproveitou-se dos problemas generalizados dos concorrentes em um piso traiçoeiro. O único ponto fora da curva foi a dobradinha da Ducati na Áustria, um traçado om quase todas as curvas para um lado só e que parece ter sido construído para as características das motos italianas.

Com onze das dezoito provas da temporada já realizadas, Marc Márquez da Honda lidera o campeonato com uma margem confortável. Estranho para quem já declarou em entrevistas que o problema da RC213V é de concepção, a moto nasceu errada. A Honda está em tentando administrar o motor, que entrega pouca potência na aceleração e a sua curva de resposta é muito acentuada, dificultando aos pilotos controlarem o equipamento. Já existe a certeza que não é efeito da inversão de rotação do motor, a novidade da fábrica neste ano, a dificuldade aparenta estar relacionada com a excessiva inércia da árvore de manivelas. Nos últimos anos a Honda utilizou virabrequins muito leves e compensou os problemas de controle e equilíbrio com um desenvolvimento eletrônico sofisticado. Na atual temporada o uso obrigatório da ECU desenvolvida pela Magneti Marelli retirou o apoio de software e os engenheiros decidiram agregar mais peso na árvore de manivelas para tentar estabilizar curva de geração de potência. O problema é que a decisão foi realizada antes da fábrica descobrir os limites do novo software e resultou em um superdimensionamento do virabrequim, gerando maior inércia e com os efeitos colaterais de limitar a aceleração e reduzir a estabilidade nas curvas.

A Honda não está enquadrada no regime de concessões e, portanto, está com a especificação congelada deste a primeira prova da temporada, impossibilitada de realizar qualquer modificação do motor. Os engenheiros da fábrica buscam outras maneiras para compensar a pouca potência no propulsor e velocidade final para a RC213V. Márquez testou e, aparentemente, rejeitou um novo projeto de chassis, que está sendo utilizado por Dani Pedrosa. O quadro tem a largura da seção intermediária menor para proporcionar uma maior flexibilidade lateral, e é mais estreito para auxiliar a estabilidade quando o freio é aplicado. Este desenvolvimento aparentemente não combina com o estilo agressivo de Márquez, mas tem vantagens expressivas para estilos de pilotagem convencionais, como mostra evolução dos tempos de Pedrosa. É provável que, ainda nesta temporada, os pilotos “não Márquez” da Honda recebam esta versão do quadro, até para mostrar aos proprietários e patrocinadores de equipes satélites que a fábrica está investindo para corrigir os problemas e tornar o controle e desempenho dos equipamentos mais competitivos.

Na temporada de 2015, a classificação depois da décima primeira prova apresentava Rossi e Lorenzo rigorosamente empatados com 211 pontos cada, em 2016, os dois estão muito próximos, 144 e 138 respectivamente. Um ponto, entretanto, é intrigante, em 2015 os dois pontuaram em todas as onze primeiras etapas, este ano ambos contabilizam três etapas (cada) com zero pontos. Até a última prova os pilotos da equipe oficial da Yamaha utilizaram o quadro desenvolvido para a temporada passada. Embora com o mesmo projeto básico, os pilotos trabalham com configurações diferentes, normalmente moto de Lorenzo é mais longa e mais baixa, enquanto a de Rossi é mais curta e mais alta. Os pneus Michelin mudaram muito durante a primeira metade da temporada e o conjunto da Yamaha está melhor adaptado para tirar o máximo proveito dos novos níveis de aderência. Já existe o consenso que as características do pneu dianteiro, quando adequadamente aquecido, funcionam melhor para travar o equipamento na vertical, os freios podem ser acionados em curvas, porém os limites para a perda de controle são muito mais estreitos. Isto significa que o quadro deve ter um comportamento mais rígido na frenagem enquanto na vertical, e um pouco mais tolerante quando a moto inclina.

Houve também uma série de mudanças nos pneus desde a primeira prova, indicando que o atual estágio da MotoGP é bem mais complexo que as expectativas iniciais do fabricante francês. É natural que a Michelin busque melhorar de forma constante o desempenho de seus pneus, mas as alterações realizadas são uma fonte de problemas para os projetistas de chassis, cada mudança implica provavelmente em adequações no quadro e/ou braço oscilante.

A construção básica do atual pneu traseiro é derivada do pneu de emergência utilizado para a prova de Rio Hondo, na Argentina. A construção mais rígida é utilizada desde então e o problema de decapagem não voltou a ocorrer. A fábrica está buscando uma solução para suavizar a construção e distribuir a carga do pneu em uma área maior, com consequente aumento de aderência, a principal solicitação dos pilotos. Pneus representam um fator importante no comportamento da moto, na Áustria, uma pista foi conhecida por muitas curvas rápidas e topologia acidentada, o casamento dos pneus com a potência das Ducati foi fundamental para a dobradinha da fábrica, já na prova seguinte ambos os pilotos reclamaram dos compostos utilizados.

Não é necessária uma bola de cristal bem calibrada para prognosticar que o campeão deste ano será um dos atuais três primeiros colocados na tabela, principalmente se as sete provas que faltam forem disputadas em pista seca. O despertar da Ducati na temporada foi tardio e a promessa da Suzuki ainda não se confirmou. Embora os ensinamentos de Juan Manuel Fangio (“carreras son carreras”) desautorizem uma conclusão deste tipo, o mundial de protótipos deste ano está mais para as máximas do Barão de Itararé, “De onde menos se espera, normalmente não sai nada”.


Carlos Alberto Goldani

terça-feira, 16 de agosto de 2016

MotoGP – Pilotos e Técnicas de Pilotar



Cal Crutchlow pilota uma RC213V para a equipe LCR, satélite da Honda, é talvez uma das vozes mais autênticas da MotoGP e criou o conceito do “V” da Honda, observando em testes e corridas o modo como Marc Márquez e Dani Pedrosa contornam curvas. O “V” é formado pelo eixo da moto, não tão inclinada, e pelo eixo do corpo do piloto, com cotovelos e joelhos raspando a pista. A observação de Crutchlow descreve, de uma maneira simplista, apenas uma das diferentes técnicas de obter maior rendimento aproveitando as características individuais de cada equipamento. As máquinas da Honda são configuradas para atacar curvas com frenagens agressivas e mudar de trajetória em um espaço muito curto, talvez com uma derrapagem controlada da roda traseira, para permitir que o condutor rapidamente levante a moto para retomar a velocidade. O “V” é necessário para manter o equilíbrio de forças e conservar a aderência durante o contorno. Outros pilotos, o campeão Jorge Lorenzo por exemplo, preferem abordagens mais fluidas, utilizando um traçado com um raio maior, mantendo a mesma velocidade angular em ambas as rodas na frenagem e na retomada. Uma das técnicas privilegia maior velocidade na aproximação e retomada mais cedo, a outra obtém maior velocidade no meio da curva.
  
Na história dos mundiais de motovelocidade as técnicas de conduzir um equipamento sempre estiveram em constante evolução, na transição entre as décadas de 60 e 70 os pilotos utilizavam a ponta da bota como referência para indicar a inclinação da moto. Nesta época o piloto mantinha uma postura estável e formava um conjunto único com o equipamento.
  
Nos anos 70 a aderência dos pneus experimentou um avanço considerável e os motores 500cc dois tempos entregavam uma brutal capacidade de aceleração. Para aproveitar melhor este novo cenário surgiu um modo de pilotar caracterizado pelo arrasto do joelho (“knee drag”), desenvolvido por Kenny Roberts, um “dirty rider” como eram (e são) chamados os pilotos formados em pistas de terra ou em competições de estrada, que consiste em inclinar a moto utilizando o joelho como referência. Dominando esta técnica Roberts venceu três campeonatos e iniciou uma longa dominação de pilotos norte-americanos que, com poucas interrupções, durou até os primeiros anos da década de 90 e foi interrompida pelos cinco campeonatos consecutivos conquistados pelo australiano Michael Doohan.

Os motores “Big Bang”, caracterizados por encurtar os intervalos na ordem de ignição e compensar com uma pausa estendida até a retomada do ciclo, domesticaram a potência dos 500cc e oportunizaram um cenário onde estilos de pilotagem não tão agressivos permitiam melhor desempenho. Nesta mesma época surgiram na Europa novos talentos, representados magistralmente pelo multicampeão Valentino Rossi. A adaptabilidade do piloto italiano, capaz de mesclar abordagens de condução em trilhas preestabelecidas ou agressivas quando conveniente, foi responsável pela conquista de títulos em todas as categorias, totalizando 9 em 12 anos (de 97 a 2009).

Desde que a gestão do mundial de motociclismo foi entregue a uma empresa comercial (Dorna), em 2002, há uma crescente pasteurização das características dos protótipos via o Regulamento das Competições. O objetivo declarado é criar um “espetáculo” mais competitivo e atrativo para a TV e patrocinadores, aumentando o número de marcas e pilotos na pista. Neste projeto não há espaço para o domínio amplo de uma equipe ou piloto, o peso do suporte financeiro de pesquisa e desenvolvimento é limitado por medidas coercitivas como eletrônica padronizada e fabricante único de pneus. Esta ótica, mais próxima de um “Reality Show” que de um esporte, de inegável sucesso financeiro, não é consenso entre as fábricas e a mais insatisfeita parece ser a Honda. A empresa nipônica tem por característica não seguir modismos, mesmo quando apresentam resultados comprovados, e o diretor da HRC recita como um mantra que a fábrica está nas competições para aprender, não exclusivamente para vencer.

Entretanto não existe regulamento que consiga padronizar o talento de um piloto e, como nas pistas o objetivo maior é ganhar tempo, frear o mais tarde e retomar a aceleração mais cedo foi uma solução possível. Casey Stoner inovou ao trazer, para a aderência do asfalto com pneus slick, a técnica de acelerar na entrada da curva para retomar velocidade, provocando um “drift”, uma escorregada resultante de aceleração, não da aplicação de freios.

Para obter o máximo do desempenho de equipamentos muito potentes e muito pesados, os pilotos necessitam de uma excelente forma física e mental. Os competidores de ponta utilizam os programas de treinamento semelhantes aos desenvolvidos pela marinha americana na Fight Weapons Scholl (imortalizada no filme Top Gun de 1986) e o modo de preparação das forças especiais israelitas, como forma de fortalecer o corpo e a mente. Nada é realizado ao acaso, ao observar, por exemplo, Marc Márquez aproximar-se de uma curva, ele costuma afastar a perna do lado interno da moto. A estética fica comprometida, porém a perna aberta enquanto o equipamento está nivelado tem duas finalidades, auxiliar a frenagem pelo aumento de área exposta e ser utilizada como um recurso aerodinâmico para forçar a inclinação rápida da moto. 

Apesar das restrições impostas pelo Regulamento das Competições limitarem a vocação da MotoGP em ser um laboratório de desenvolvimento de inovações para o mercado, ainda assim é um esporte apaixonante e um dos seus maiores mistérios é o fato que dois pilotos com estilos distintos, como Márquez e Lorenzo, com equipamentos produzidos por empresas concorrentes, conseguem percorrer uma pista de 5 km separados apenas por uma fração de segundo. Márquez domando uma máquina aparentemente indócil, Lorenzo com uma precisão que parece estar correndo sobre trilhos.

Carlos Alberto Goldani


terça-feira, 2 de agosto de 2016

MotoGP – Os Números de Agostini e Rossi

Giacomo Agostini


A base da equipe Movistar Yamaha MotoGP está situada em Lesmo, Itália, a menos de três quilômetros do circuito de Monza (as curvas 6 e 7 do traçado são chamadas de “Duas de Lesmo”). A sede operacional da MV Agusta, cuja participação na motovelocidade está atualmente centrada na Superbike, é em Varese, Itália, a menos de cinquenta quilômetros de distância de Lesmo. Em ambas as localidades, aficionados das corridas de motos acompanham os esforços de Valentino Rossi para alcançar e ultrapassar alguns dos recordes estabelecidos por Giacomo Agostini entre 1964 e 1977, cuja carreira foi desenvolvida em sua fase mais vitoriosa a bordo de motos MV Agusta.

Não existe um modo de estabelecer uma comparação justa entre pilotos ou equipes.  A MV Agusta tem realizações difíceis de serem igualadas, entre 1958 e 1974 venceu dezessete mundiais seguidos da classe principal, realização improvável de ser repetida, e entre os anos de 1968 e 1971 Agostini participou com motos MV Agusta de 68 provas, 38 da 500cc e 30 da 350cc, venceu todas. A equipe, entretanto, não acompanhou em tempo a evolução tecnológica dos fabricantes japoneses e abandonou a categoria máxima do motociclismo no meio dos anos 70.

É necessária e oportuna uma contextualização, a superioridade da MV Agusta na época era esmagadora e Agostini nunca enfrentou um rival com um equipamento equivalente ao seu. Mike “The Bike” Hailwood, que havia conquistado o tetracampeonato pela equipe, migrou para a Honda alegando uma indisfarçável preferência do Conde Agusta pelo conterrâneo italiano.

Os tempos e a tecnologia eram outros. A moto de Agostini utilizava quadro tubular de aço, tanque de combustível enorme e centro de gravidade próximo da roda traseira. Os pneus sequer eram radiais, o grip limitado e a técnica de pilotagem mais eficiente recomendava manter a moto aprumada o maior tempo possível. Existem poucos registros visuais da época e todos mostram o capacete do piloto perfeitamente alinhado com eixo longitudinal do equipamento durante as curvas.

Os números dos dois pilotos são impressionantes. Os arquivos oficiais indicam que na principal categoria, desde a primeira temporada em 1949, já foram disputadas 831 provas, com 104 vencedores diferentes. Valentino, em sua décima sexta temporada (500cc e MotoGP) chegou em primeiro em 88 delas e Agostini em 68. A diferença entre estes números pode ser creditada à maior frequência de participações, Rossi esteve no grid de largada (500cc + MotoGP) em 279 ocasiões, o número de provas por temporada na época de Agostini era menor e em 14 anos de atividade participou de 117 corridas (550cc).

Considerando todas as categorias Agostini tem 122 vitórias em 194 corridas e Valentino 114 em 339. Em termos de eficiência, a vantagem de Agostini é imensa, venceu 63% das provas que participou, enquanto o número de Rossi é muito menor, 34%. Agostini reinou soberano em uma época onde tinha de longe o melhor equipamento e prioridade absoluta na equipe, o caminho de Valentino tem sido mais árduo, disputas equilibradas entre fabricantes e concorrência acirrada com novos pilotos. Enquanto Agostini desistiu das pistas quando houve um ponto de inflexão na tecnologia, Rossi continua se reinventando para ser competitivo e acumula vitórias em um esporte cada vez mais exigente e disputado.  

O mundo da MotoGP mudou muito desde a ascensão do Grupo Dorna, o estímulo à inovação e o desenvolvimento de soluções criativas está sendo desencorajado em função de proporcionar maior competitividade para equipes com menor orçamento. A limitação gradativamente do gap tecnológico entre participantes via Regulamento das Competições indica que dificilmente haverá espaço para uma equipe exercer amplo domínio, como foi o da MV Agusta no apogeu da era Agostini. Nos dias atuais é impensável um único piloto monopolizar as vitórias de toda uma temporada e, nestes termos, a perseguição de Valentino aos números de Agostini é muito mais complicada. Acrescente-se a isto a concorrência de uma talentosa geração de novos pilotos da escola espanhola, representada por Jorge Lorenzo e Marc Márquez, que dividiram juntos os últimos cinco campeonatos mundiais.


Faltam 8 vitórias para Valentino Rossi alcançar as 122 de Giacomo Agostini em todas as categorias. Na temporada de 2015, a sua melhor desde seu regresso para a Yamaha, venceu 4 vezes, este ano, com metade das etapas cumpridas, já conseguiu dois primeiros lugares. Com mais meia temporada e o contrato fechado com a equipe para o próximo biênio, é muito provável que ele consiga igualar e superar a lenda italiana. Isto credencia Valentino Rossi a obter o consenso em ser reconhecido como o melhor piloto de todos os tempos? Dificilmente. Não é apenas um conflito de numerologia ou gerações, quem é o melhor sempre depende da idade e nacionalidade de quem opina.