Cal Crutchlow pilota uma RC213V para a equipe LCR,
satélite da Honda, é talvez uma das vozes mais autênticas da MotoGP e criou o
conceito do “V” da Honda, observando em testes e corridas o modo como Marc
Márquez e Dani Pedrosa contornam curvas. O “V” é formado pelo eixo da moto, não
tão inclinada, e pelo eixo do corpo do piloto, com cotovelos e joelhos raspando
a pista. A observação de Crutchlow descreve, de uma maneira simplista, apenas
uma das diferentes técnicas de obter maior rendimento aproveitando as características
individuais de cada equipamento. As máquinas da Honda são configuradas para
atacar curvas com frenagens agressivas e mudar de trajetória em um espaço muito
curto, talvez com uma derrapagem controlada da roda traseira, para permitir que
o condutor rapidamente levante a moto para retomar a velocidade. O “V” é
necessário para manter o equilíbrio de forças e conservar a aderência durante o
contorno. Outros pilotos, o campeão Jorge Lorenzo por exemplo, preferem
abordagens mais fluidas, utilizando um traçado com um raio maior, mantendo a
mesma velocidade angular em ambas as rodas na frenagem e na retomada. Uma das
técnicas privilegia maior velocidade na aproximação e retomada mais cedo, a
outra obtém maior velocidade no meio da curva.
Na história dos mundiais de motovelocidade as técnicas de
conduzir um equipamento sempre estiveram em constante evolução, na transição
entre as décadas de 60 e 70 os pilotos utilizavam a ponta da bota como
referência para indicar a inclinação da moto. Nesta época o piloto mantinha uma
postura estável e formava um conjunto único com o equipamento.
Nos anos 70 a aderência dos pneus experimentou um avanço
considerável e os motores 500cc dois tempos entregavam uma brutal capacidade de
aceleração. Para aproveitar melhor este novo cenário surgiu um modo de pilotar
caracterizado pelo arrasto do joelho (“knee drag”), desenvolvido por Kenny
Roberts, um “dirty rider” como eram (e são) chamados os pilotos formados em
pistas de terra ou em competições de estrada, que consiste em inclinar a moto
utilizando o joelho como referência. Dominando esta técnica Roberts venceu três
campeonatos e iniciou uma longa dominação de pilotos norte-americanos que, com
poucas interrupções, durou até os primeiros anos da década de 90 e foi interrompida
pelos cinco campeonatos consecutivos conquistados pelo australiano Michael
Doohan.
Os motores “Big Bang”, caracterizados por encurtar os
intervalos na ordem de ignição e compensar com uma pausa estendida até a
retomada do ciclo, domesticaram a potência dos 500cc e oportunizaram um cenário
onde estilos de pilotagem não tão agressivos permitiam melhor desempenho. Nesta
mesma época surgiram na Europa novos talentos, representados magistralmente
pelo multicampeão Valentino Rossi. A adaptabilidade do piloto italiano, capaz
de mesclar abordagens de condução em trilhas preestabelecidas ou agressivas
quando conveniente, foi responsável pela conquista de títulos em todas as
categorias, totalizando 9 em 12 anos (de 97 a 2009).
Desde que a gestão do mundial de motociclismo foi
entregue a uma empresa comercial (Dorna), em 2002, há uma crescente
pasteurização das características dos protótipos via o Regulamento das
Competições. O objetivo declarado é criar um “espetáculo” mais competitivo e
atrativo para a TV e patrocinadores, aumentando o número de marcas e pilotos na
pista. Neste projeto não há espaço para o domínio amplo de uma equipe ou
piloto, o peso do suporte financeiro de pesquisa e desenvolvimento é limitado
por medidas coercitivas como eletrônica padronizada e fabricante único de
pneus. Esta ótica, mais próxima de um “Reality Show” que de um esporte, de
inegável sucesso financeiro, não é consenso entre as fábricas e a mais
insatisfeita parece ser a Honda. A empresa nipônica tem por característica não
seguir modismos, mesmo quando apresentam resultados comprovados, e o diretor da
HRC recita como um mantra que a fábrica está nas competições para aprender, não
exclusivamente para vencer.
Entretanto não existe regulamento que consiga padronizar
o talento de um piloto e, como nas pistas o objetivo maior é ganhar tempo,
frear o mais tarde e retomar a aceleração mais cedo foi uma solução possível.
Casey Stoner inovou ao trazer, para a aderência do asfalto com pneus slick, a
técnica de acelerar na entrada da curva para retomar velocidade, provocando um
“drift”, uma escorregada resultante de aceleração, não da aplicação de freios.
Para obter o máximo do desempenho de equipamentos muito
potentes e muito pesados, os pilotos necessitam de uma excelente forma física e
mental. Os competidores de ponta utilizam os programas de treinamento
semelhantes aos desenvolvidos pela marinha americana na Fight Weapons Scholl
(imortalizada no filme Top Gun de 1986) e o modo de preparação das forças
especiais israelitas, como forma de fortalecer o corpo e a mente. Nada é
realizado ao acaso, ao observar, por exemplo, Marc Márquez aproximar-se de uma
curva, ele costuma afastar a perna do lado interno da moto. A estética fica
comprometida, porém a perna aberta enquanto o equipamento está nivelado tem
duas finalidades, auxiliar a frenagem pelo aumento de área exposta e ser
utilizada como um recurso aerodinâmico para forçar a inclinação rápida da
moto.
Apesar das restrições impostas pelo Regulamento das
Competições limitarem a vocação da MotoGP em ser um laboratório de
desenvolvimento de inovações para o mercado, ainda assim é um esporte
apaixonante e um dos seus maiores mistérios é o fato que dois pilotos com
estilos distintos, como Márquez e Lorenzo, com equipamentos produzidos por empresas
concorrentes, conseguem percorrer uma pista de 5 km separados apenas por uma
fração de segundo. Márquez domando uma máquina aparentemente indócil, Lorenzo
com uma precisão que parece estar correndo sobre trilhos.
Carlos Alberto Goldani
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