A participação da KTM, com uma equipe de fábrica, é uma
das novidades anunciadas para a temporada de 2017 do Mundial de MotoGP. A
empresa austríaca, maior produtora europeia de motocicletas, tem uma equipe
disputando a Moto3 e lidera a atual temporada com Brad Binder, 204 pontos, 86
de vantagem sobre o mais próximo competidor. Poderia ter um domínio ainda maior
na categoria se o piloto Romano Fenati, que somava 93 pontos até a nona etapa,
não tivesse sido afastado da equipe Sky Racing VR46 por motivos disciplinares.
A moto, batizada de KTM RC16, foi apresentada oficialmente na etapa da Áustria
da MotoGP, na primeira quinzena de agosto. O blog oficial da empresa (blog.ktm.com)
divulga as especificações gerais do protótipo, motor V4 de 1000cc com comando
pneumático de válvulas, cambio ultrarrápido (seamless), quadro de aço tubular com estrutura em treliça, braço oscilante
de alumínio, freios Brembo, suspensão WP, pneus Michelin (fornecedor exclusivo)
e eletrônica Magneti Marelli (padrão).
Os números anunciados de torque, potência e rotações por
minuto são para consumo da mídia e não são confiáveis, a KTM afirma que seu
motor desenvolve 250hp, este dado não costuma ser divulgado por outros
fabricantes, entretanto acredita-se que a maioria deles já está entre 260 e
275hps. A velocidade máxima da RC16, segundo os testes realizados na Áustria,
ainda não está no nível da Ducati, mas anda próxima das Yamaha e Honda.
O número anunciado de rotações por minuto, 19.000 RPM, é
absurdamente alto. O maior diâmetro permitido para os cilindros de um motor da
MotoGP é 81mm, definido para controlar o giro dos motores depois que os
fabricantes não chegaram a um consenso sobre um limite máximo. A engenharia
convencional, na análise da resistência dos materiais, indica que rotações
acima de 16.000 RPM resultam em excesso de tensões nos pistões e bielas,
provocando um colapso estrutural, entretanto a genialidade dos fabricantes já
superou este limite. Embora os números não sejam oficialmente admitidos, a
Ducati alcança 18.000 RPM, a Honda 17.750 RPM e a Yamaha 17.250 RPM (lembrando
sempre que as equipes satélite utilizam limitadores para aumentar a
durabilidade/confiabilidade do motor). Mesmo considerando que a KTM vai estar
inicialmente enquadrada no regime de concessões, o número de 19.000 RPM não
parece crível para um motor com expectativa de vida útil de no mínimo 2.000
quilômetros. Existe um compromisso entre as tensões internas e o peso dos
componentes móveis, pistões, pinos e bielas, rotações implicam em trocas de
direção no curso dos pistões, leia-se acelerar desde o ponto inicial e
desacelerar a partir do ponto médio. A mecânica de Newton ensina que força é o
resultado do produto da massa pela aceleração e, em um motor, toda a força
resulta em tensões e stress do material. Os setores de engenharia das fábricas
com certeza estão tentando encontrar maneiras de reduzir os esforços a que os
materiais são submetidos, componentes mais leves, redistribuição de peso e tudo
o que puder suavizar a transição entre a aceleração e desaceleração interna.
O motor da RC16 é um V4, 90° e a ordem de ignição não
está clara, as opções “Big Bang” (cilindros disparando juntos) ou “Screamer”
(cilindros disparando separadamente em intervalos regulares) ainda estão sendo
analisadas.
A KTM surpreende na especificação da suspensão e chassi,
será a única a optar pela WP em vez da onipresente Öhlins, utilizada por
todos outros fabricantes, também a única a escolher um quadro de aço tubular
com estrutura em treliça e o braço oscilante em alumínio. Se a Ducati puder ser
utilizada como referência, a fábrica italiana abandonou o quadro em treliça por
um de fibra de carbono sem moldura, em seguida trocou que para um chassi em
viga de alumínio, e a moto só agora está sendo competitiva. A opção da
suspensão WP, uma empresa que tem participação acionária da própria KTM, é uma
escolha lógica porque já trabalham juntas na Moto3 e as duas fábricas são
praticamente contíguas em Mattighofen, Áustria.
O desempenho da RC16 nos testes até agora realizados é
animador, o motor tem reserva de potência e não pode ser exigido ao máximo nas
saídas de curva porque ainda falta aderência na roda traseira, problema crônico
das motos Honda, que também preocupa o pessoal da Suzuki e deve afetar a Ducati
quando o pacote aerodinâmico (winglets) não puder ser mais utilizado.
A estrutura de aço tubular vai representar um desafio
adicional para Pol Espargaro e Bradley Smith, que hoje pilotam para a Monster
Tech 3 Yamaha, e já assinaram contratos com a KTM para a próxima temporada.
Ambos estão habituados o chassi em viga de alumínio e preferem máquinas com um
bom comportamento em curvas a equipamentos velozes nas retas, porém difíceis de
controlar, característica dos quadros em treliça. A dificuldade de uma
estrutura de aço tubular é o número de componentes e soldas diferentes, que
torna complicado produzir dois quadros idênticos, entretanto a empresa tem
muita experiência em quadro de treliça e total confiança em sua capacidade de
administrar este problema.
A empresa austríaca entra na MotoGP com intenção de ser
protagonista em prazo relativamente curto, tem know-how suficiente e conta com
o apoio da Red Bull, condições técnicas e financeiras para transformar a RC16
em um equipamento competitivo. A KTM quer consolidar a marca de sucesso
no cenário desportivo europeu enquanto mantém a sua identidade, optando por
armações tubulares de aço e suspensão WP. O sucesso na Moto3 indica que não é
uma aspiração descabida.
Carlos Alberto Goldani
Nenhum comentário:
Postar um comentário