sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

MotoGP – Ducati sem Dovizioso em 2021

 

T tripulação da Ducati

 

Uma frase que costuma ser atribuída a Ayrton Senna: “Segundo é o primeiro que perde”, Andrea Dovizioso vai entrar na história da MotoGP como, talvez, o maior dos perdedores. Para os fanáticos torcedores italianos das motos vermelhas, foi a esperança não concretizada de voltar aos tempos vitoriosos de Casey Stoner. Seus críticos mais exaltados dirão que ele repetiu sempre o mesmo discurso: “Temos os mesmos problemas de sempre” & “A moto não gira”.  Enquanto esteve na Ducati, Dovizioso repetiu estas frases como se fosse um mantra e, assim como o personagem bíblico São João Batista, ele foi a voz que clamou no deserto.

 

Andrea Dovizioso & Marc Márquez

 

Desde que se tornou o maior rival de Marc Márquez, o piloto italiano participou do desenvolvimento de uma moto vencedora não apenas em pistas adequadas para as suas características. A Desmosedici é a moto mais veloz das pistas, contudo tem que corrigir o seu comportamento dinâmico, ou seja, superar sua dificuldade na retomada de velocidade, sair mais inteira das curvas para poder despejar potência.

 

Dovizioso insiste que nenhuma das atualizações conseguiu melhorar este comportamento. Talvez reduzir um pouco, mas em circuitos como Phillip Island, Sachsenring ou Jerez, a Ducati continua com dificuldades. Nas palavras de Andrea, ela simplesmente não é competitiva. Ele foi incapaz de enfrentar Márquez e sua Honda, que estabeleceram o padrão de referência.

 

Longe da imprensa, Andrea reclamava que Dall'Igna e os engenheiros de desenvolvimento faziam ouvidos de mercador, aplicavam recursos em melhorias nas áreas onde o protótipo já era competitivo: o motor e a aerodinâmica.

 

Andrea argumentou sobre as deficiências da GP19 com o CEO da Ducati Corse, Claudio Domenicali, em uma longa reunião após o GP da Espanha em Jerez em 2019. O resultado havia sido ruim, Dovizioso terminou em 5º. A réplica de Gigi Dall’Igna foi um comentário pós-corrida em Le Mans, onde Dovizioso e Petrucci terminaram em 2º e 3º. Afirmou que a Ducati tinha amplas condições de vitória, deixando subentendido que os pilotos não estavam aproveitando ao máximo os recursos da moto. A vitória de Petrucci em Mugello, duas semanas depois reforçou o argumento de Dall'Igna, todos os pilotos que correram com a equipe oficial desde sua chegada à Ducati venceram com suas motos. Pilotos com estilos diferentes como Iannone, Dovizioso, Lorenzo ou Petrucci conseguiram ganhar GPs, o que sugere que não é um veículo tão complicado.

 

A relação entre Dall'Igna e Dovizioso certamente passou por momentos tensos. Dovizioso, com razão, reclama que é sistematicamente ignorado. Afinal, foi ele quem colocou a Ducati em uma posição para aspirar o título mundial da MotoGP, venceu 11 corridas entre 2016 & 2018. Com a saída de Lorenzo se tornou a principal referência da Ducati na MotoGP e, portanto, o Departamento de Corridas deveria considerar seus feedbacks. Dall'Igna não escuta.

 

O chefe do Departamento de Corridas da Ducati, em vez disso, dá prioridade ao que acredita. Sua experiência, combinada com a enorme quantidade de dados que gerencia, lhe dá uma visão que parece ser muito diferente da dos pilotos. Não é segredo que Gigi tem uma paixão por motores, o segmento de indústria na qual ele brilhou com mais intensidade durante sua carreira profissional.


Soluções aerodinâmicas da Desmosedici


A segunda área onde não para de trabalhar é a aerodinâmica, um campo onde foi um pioneiro absoluto nos últimos anos. A Ducati continuamente introduz inovações técnicas e soluções que forçam seus rivais a trabalhar 24 horas por dia para se atualizar. Primeiro foram as winglets (asas), depois a ”colher” montada no braço oscilante, a semi carenagem da roda dianteira e, a partir de Mugello 2019 na máquina de Michele Pirro, a mesma proteção na roda traseira.

 

Dovizioso sempre foi cético sobre as últimas “invenções”. Sempre que foi perguntado quais são as vantagens das novas peças ele respondia “zero”. Gostaria que menos peças de fibra de carbono (que quase não têm efeito no desempenho da moto) e uma moto que proporcione mais facilidade nas curvas.

 

A Ducati aprendeu com a desastrosa passagem de Valentino Rossi (2011 & 2012) que não devia basear toda a linha de desenvolvimento em um só piloto, que pode facilmente trocar de equipe. Os engenheiros são muito renitentes em permitir que um único indivíduo defina a linha de evolução de seus equipamentos.

 

Casey Stoner como piloto de testes da Ducati

 

Andrea Dovizioso não é o primeiro piloto a afirmar que Gigi Dall'Igna desconsidera opiniões dos condutores. As palavras de Casey Stoner ao abandonar o contrato de piloto de testes da Ducati seguem na mesma linha: “Não há razão para eu continuar, ninguém leva a sério minhas sugestões e feedbacks”. Tudo indica que deve haver alguma verdade no que é dito sobre o Diretor da Ducati Corse.

 

Dall’Igna à parte, o verdadeiro problema, talvez, não é o que tem disponível porque quando você está lutando com um “alienígena”, nunca é suficiente. “Se não houvesse o Marquez, eu era bicampeão mundial.  O problema é que Marc está na disputa, então meu equipamento tem que ser muito melhor”, disse Dovizioso após Le Mans 2019. Ele sabe que quando a competição é exasperada como na MotoGP, cada detalhe conta.  “Se o objetivo é o título, precisamos encontrar algo. Estamos perto de Márquez, mas não é suficiente: atualmente a Ducati não tem cartas na manga para desafiar a Honda".

A experiência de Dovizioso com a Ducati é indiscutível, mesmo que não concorde com seu piloto, Dall'Igna deveria ter considerado a sua opinião. Se tivesse dado certo teria sido maravilhoso. Como não aconteceu, o alívio que Andrea diz sentir ao sair do box da equipe faz sentido.

 

Não está em pauta se a Desmosedici de Dall'Igna é uma moto vencedora, todos os pilotos que correram com a equipe oficial desde que Gigi assumiu o Departamento de Corridas venceram pelo menos um GP. Iannone venceu o GP da Áustria em 2016, Dovizioso venceu 15 vezes, Lorenzo venceu em Mugello, Catalunha e Áustria em 2018 e Petrucci nas temporadas de 2019 e 2020. Todos são pilotos com diferentes estilos de condução. As Ducati venceram em no Catar, Brno, Valência, Mugello, Barcelona, Áustria, Motegi, Misano, Sepang e Silverstone, a moto provou ser competitiva em 13 dos 19 circuitos do mundial, então não tem lógica a afirmação que só é eficaz em determinadas pistas.

 

Há pouca discussão que a Desmosedici seja uma motocicleta com características especiais, incluindo um “quadro rígido”, porém nenhuma máquina é perfeita. A Honda tem uma frente crítica, o motor Yamaha é tão lento quanto o motor Suzuki, a KTM não tem um ponto forte e aposta no equilíbrio e por aí vai. Moto perfeita não existe, todas têm prós e contras. Jorge Lorenzo teve que reaprender a pilotar um protótipo da MotoGP quando chegou no box da Ducati em 2017. Em diversas ocasiões o espanhol disse que tinha que ir contra seu estilo natural de condução para se adaptar e ter sucesso.

 

Lorenzo & Dovizioso – Valência 2018

 

Há uma crença generalizada que Ducati não sabe gerenciar seus pilotos e são recorrentes conflitos entre colegas de equipe. Houve problemas entre Iannone e Dovizioso, a “novela” da não renovação de Lorenzo, a confusa demissão de Petrucci e decisões dos boxes ignoradas (Mapping 8). Paolo Ciabatti é o diretor de esportes da Ducati, Gigi Dall'Igna dirige o Departamento de Corridas. Junto com Davide Tardozzi administram a gestão dos pilotos. Claudio Domenicali também tem voz nas decisões. O ruído surgiu porque Jorge Lorenzo, o maior investimento na área, levou uma temporada e meia para ser competitivo.  Avaliar o desempenho de um piloto implica em analisar a resposta nas pistas considerando seu custo. Na prova de Le Mans em 2018, face a ausência de resultados, em má hora a Ducati decidiu não renovar com Lorenzo. Parece que foi a senha para ele começar a vencer. A incontinência verbal com muita gente emitindo opiniões desencontradas foi desastrosa para a fábrica, antes de ser comunicado que não estaria na equipe em 2019 Lorenzo assinou com a Honda.

 


Gigi Dall’Igna conversa com Andrea Dovizioso

 

Gigi Dall'Igna encarna David na luta bíblica contra Golias, administra uma empresa do tamanho da Ducati contra as três gigantes nipônicos, Yamaha, Honda e Suzuki. O engenheiro italiano sabe perfeitamente que deve encontrar competitividade de maneiras alternativas: “A prioridade é definitivamente o chassi, porém como o desenvolvimento do quadro e dos motores demanda equipes diferentes, a Ducati trabalha em ambas as frentes. Os pilotos querem uma moto mais amigável e certamente temos que endereçar esta área, quando este objetivo for alcançado é importante ter a velocidade necessária para vencer a corrida. É mais fácil vencer um GP se tiver a moto mais rápida da pista. Quando você tem poder, você pode decidir se o usa ou não. Para controlar a corrida é importante ter mais cavalos do que seus oponentes. Se você não tem os cavalos que precisa, você tem que estar disposto a lutar muito mais para vencer a corrida”.

 

A temporada passada, além de todas as dificuldades decorrentes das incertezas causadas pela pandemia, ainda teve o complicador do novo pneu traseiro da Michelin. Foi uma mudança importante em termos de desempenho e alterou o modo de gerenciar o componente. O novo pneu tem mais aderência e resulta em um equipamento mais nervoso, dificultando a encontrar a configuração certa não só para o quadro, mas também em termos de eletrônica.

 

Cansado de esperar, magoado com o desprezo da Ducati, Dovizioso anunciou publicamente uma decisão muito bem pensada, romper o vínculo com a fábrica, encerrando um relacionamento que pode ser resumido em 15 vitórias e 3 segundos lugares no Campeonato Mundial. Embora haja alguns que duvidem, a decisão foi de Andrea Dovizioso. A Ducati por um tempo considerou um novo contrato com ele, mas Dovi antecipou a mudança com uma declaração: “Obrigado, foi bom enquanto durou, mas não há razão para continuar”. Foi esta instrução que Andrea passou ao seu empresário Simone Battistella, que então comunicou à Ducati. Reuniões subsequentes serviram para concordar sobre como divulgar a notícia.


Andrea Dovizioso e seu empresário Simoni Battistella

 

O AD04 nos últimos tempos sofreu todo tipo de afronta da Ducati. Ao invés de perder a paciência e fazer como, por exemplo, Danilo Petrucci que jurou amor eterno a um concorrente (KTM) ainda recebendo salário dos italianos, Andrea foi profissional. O comportamento da Ducati foi acintoso, antes de iniciar negociações com Dovizioso a Ducati perseguiu todos os pilotos livres, fazendo ofertas, contratando Jack Miller e Peco Bagnaia, procrastinando negociar com o piloto que obteve os melhores resultados com o Desmosedici em GPs nos últimos anos.

 

Surgiu até uma versão de falta de acordo financeiro, em realidade a Ducati não fez nenhuma oferta concreta a Dovizioso. Ridícula foi a desculpa que estavam esperando pelas provas na Áustria (Andrea venceu uma), para quem tem mais de dois neurônios entendeu que a fábrica já havia decidido, porém queria evitar demitir um vencedor, como aconteceu com Lorenzo.

 

Assim termina uma história que começou em 2013, quando Dovizioso se juntou à Ducati como substituto de Valentino Rossi. Ele diz que teve muita sorte porque era impossível ter uma estadia pior que a do Doutor. A entrada de Gigi Dall’Igna agregou método de trabalho e no início houve uma harmonia total.

 

A contratação de Lorenzo para o biênio 2017/2018 entornou o caldo. Em 2017 Andrea disputou o título mundial até a última prova, dividindo o box com Jorge Lorenzo com um contrato de 25 milhões de Euros por 2 anos, enquanto seu rendimento era de 1,5 milhão por ano. Enquanto Dovi vencia, Lorenzo ficava nas posições intermediárias. Se não fosse o piloto italiano, a temporada da Ducati teria sido um desastre, mas Dall'Igna nunca mostrou gratidão por Andrea ter evitado o fracasso total da equipe na temporada.

 

Áustria 2020 – A última vitória de Andrea Dovizioso

 

Em 2019, na Áustria, Dovizioso teve que engolir um sapo de bom tamanho quando descobriu que a Ducati estava fazendo todo o possível para trazer Lorenzo de volta às suas fileiras negociando com a vaga de Jack Miller na equipe Pramac, para depois de tentar colocá-lo na equipe de fábrica.


A Ducati tem inscritos para 2021 6 equipamentos, Jack Miller/Francesco Bagnaia na equipe oficial, Johann Zarco/Jorge Martin no Pramac, e Luca Marini/Enea Bastianini na Esponsorama (Avintia). De todos eles só Jack Miller venceu um GP (em 2016 no GP de Assen TT com uma Honda da equipe independente Marc VDS Racing), 3 são novatos egressos da Moto2. Mesmo que Márquez não volte, as chances de vencer o mundial são complicadas.

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