sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

MotoGP – 2020, o mundial de Joan Mir

 

Joan Mir – Campeão mundial de 2020

 

Marc Márquez, 6 vezes campeão do mundo, declarou recentemente que, mesmo sem ter protagonizado múltiplas vitórias em provas excitantes, com disputas incríveis, Joan Mir é o campeão do mundo de 2020. O regulamento da MotoGP é explícito, reconhece que o concorrente que somar o maior número de pontos nas provas da temporada deve ser proclamado como campeão. Em 2020 este prêmio foi conquistado nas pistas por Joan Mir em sua Suzuki.

 

Em 2002 a MotoGP entrou na era dos motores 4 tempos. Os organizadores cederam às pressões do movimento ambientalista, que condenavam os 2 tempos pela poluição gerada, e das fábricas que não viam viabilidade econômica para desenvolver tecnologia que não pudesse ser portada para produtos para sua linha de produção. Desde então os vencedores de mundiais sempre pilotaram motos Honda (Hayden, Stoner & Márquez) ou Yamaha (Rossi & Lorenzo), com duas exceções, a Stoner com Ducati em 2007 e Mir com a Suzuki em 2020.


                                                                   Márquez vs Rossi

 

A temporada de 2020 apresentou uma série de peculiaridades em função da pandemia do Corona Vírus que, além dos riscos inerentes à saúde pública, desestruturou diversos setores da economia. Para evitar o cancelamento do mundial, a entidade organizadora foi obrigada a optar por medidas drásticas, a temporada foi reduzida para 13 GPs (posteriormente a 14ª prova em Portimão foi incluída), todas as etapas realizadas em território europeu com abrangência geográfica restrita para evitar a necessidade de longos deslocamentos. Um calendario compactado, com algumas provas duplicadas em fins de semana consecutivos para ajudar a reduzir os custos das equipes, um rígido controle sanitário com períodos de quarentena para todos os participantes, pilotos e tripulação, que testassem positivo para o vírus e outras providências necessárias.

 

A MotoGP está em uma cruzada para garantir altos níveis de competitividade e, em consequência, melhores espetáculos para os (tele) espectadores. Regulamentos rigorosos e restritivos impedem que um equipamento seja muito superior que os outros em todos os aspectos da competição. Motores V4 podem produzir maior velocidade, cilindros em linha respondem melhor em curvas, porém no geral vantagens e desvantagens são compensadas e as competições equilibradas. Dificilmente as diferenças de tempos entre os top ten excedem a poucos segundos e frequentemente entre os primeiros fica abaixo de 1 segundo.


John Surtees no Isle of Man TT 1958


Em todos as 72 temporadas do mundial já realizadas, apenas em 2 oportunidades o campeão venceu todas as provas. Em 1959 o britânico John Surtees venceu as 7 etapas realizadas, fato repetido 9 anos mais tarde (1968) pelo italiano Giacomo Agostini, os dois pilotavam equipamentos MV Agusta, com desempenho absurdamente superior a todos os outros concorrentes. Para efeitos de ilustração, no GP Isle of TT, 3ª etapa da temporada de 1968, Agostini abriu uma diferença de quase 9 minutos em relação ao segundo colocado e sua velocidade média foi 12,28 km/h maior.

 

Joan Mir fez história durante 2020. Ele foi o 7º piloto mais jovem a vencer um mundial da MotoGP, entrando em um seleto clube onde tem a companhia de Marc Márquez, Freddie Spencer, Casey Stoner, Mike Hailwood, John Surtees e Valentino Rossi. Foi o 1º campeão com uma Suzuki 4 tempos. Considerando a relação entre os pontos possíveis (350) e os obtidos (171) a eficiência de Mir na temporada foi de apenas 48,85%, a segunda menor em 7 décadas de competição, maior apenas que os 43,75 registrados por Umberto Masetti em 1952 (28 pontos em 64 possíveis). Mir venceu uma única prova na temporada.

 

Se de certa forma os resultados obtidos pelo novo campeão são compatíveis com o alto grau de competitividade da atual MotoGP, contrastam com os resultados obtidos por Marc Márquez na temporada passada, 420 pontos em 475 possíveis. Considerando que a moto Honda do antigo campeão não era nem de longe o melhor equipamento do grid, a única explicação é reconhecer que ele é um piloto excepcional (fora da curva).

 

Uma maneira de interpretar os resultados de 2020 é que houve mais perdedores que vencedores. Dos candidatos ao título, Quartararo desabou na segunda metade da temporada, Vinales e a sua Yamaha aparentemente não falam o mesmo idioma, Dovizioso levou ao limite as suas diferenças de opinião com a direção da equipe, Alex Rins viu a sua criação brilhar nas mãos de Mir e Pol Espargaro saiu da KTM sem ter conseguido a sua primeira vitória.

 

Pilotos considerados coadjuvantes mostraram serviço, especial menção para Franco Morbidelli, o vice-campeão de 2020. Franco obteve 3 vitórias na temporada, pilotou um equipamento híbrido baseado no protótipo que Valentino Rossi utilizou em 2019 com alguns desenvolvimentos 2020, defendendo as cores de uma equipe satélite da Yamaha. Acumulou mais pontos que os representantes oficiais de fábrica além de ter ofuscado a estrela ascendente de Fábio Quartararo. O exemplo de Morbidelli foi seguido por Takaaki Nakagami, que com uma RC213V modelo 2019 da independente LCR Idemitsu foi a maior contribuição da Honda no campeonato. Aliás, o primeiro em muitos anos em que a Honda não consegue nenhuma vitória.

 


Takaaki Nakagami – A melhor Honda da temporada

 

A principal questão é por que 2020 foi uma temporada estranha e existem um sem número de razões que devem ser consideradas. Os organizadores foram obrigados a trabalhar com um cronograma muito condensado, que exigiu programar etapas em circuitos fora da época ideal e com temperaturas ambiente e da pista não ideais. O calor foi excessivo do verão em Jerez e em Le Mans a temperatura estava muito baixa. Além disso, o que aparentemente devia facilitar o espetáculo, provas consecutivas disputadas no mesmo circuito, na prática complicou. Dificilmente o setup de um equipamento na primeira prova foi o ideal para a segunda corrida. Houve muito pouco tempo, por vezes quase nenhum, para testes que permitissem a melhor adequação dos protótipos às pistas.

 

A janela de temperatura ideal para o novo pneu traseiro da Michelin é muito estreita e exigiu uma mudança no modo de pilotar, ou seja, a experiência anterior dos pilotos foi praticamente zerada, todos tiveram que aprender como trabalhar em uma nova conjuntura. Talvez explique por que pilotos experimentados como Crutchlow (18º colocado na classificação geral) e Rossi (15º) tenham enfrentado tantas dificuldades.

 

A ausência de Marc Márquez também impactou na imprevisibilidade da temporada. O espanhol é reconhecido, com méritos, como o melhor piloto dos tempos atuais. Faltou uma referência nas pistas, alguém que pudesse descobrir ou criar uma maneira de contornar as condições adversas. A sua insistência e realizar uma volta prematura depois de seu acidente na prova de abertura da temporada, aliada a falta de postura firme dos médicos, resultou em seu afastamento em 2020 e talvez no início de 2021. Sem a necessidade de assumir a postura de profeta do acontecido, é evidente para todos que a função de uma haste metálica em um membro fraturado é para manter a imobilidade do osso, não resistir aos esforços necessários para pilotar uma moto.

 

Não há como comentar a temporada 2020 sem mencionar o fim de carreira de Andrea Iannone. Se o dopping existe em praticamente todas as modalidades esportivas, a MotoGP por certo não é uma exceção. Como o assunto está praticamente ausente do noticiário, é lícito supor que não existe controle ou, se existir, é insuficiente. Uma declaração de Maverick Vinales é exemplar, ele disputa a principal categoria desde 2015 e lembra de apenas duas oportunidades em que participou de controles antidoping. O fato da MotoGP ser uma modalidade que exige uma perfeita sintonia entre o piloto e a máquina e a capacidade de concentração do piloto é levada ao extremo, estímulos não naturais devem ser combatidos sob pena de macular a competição. 

 

A defesa de Iannone não conseguiu comprovar a possibilidade contaminação acidental e o piloto recebeu a suspenção prevista pelo regulamento, 4 anos.

 

A ausência de Iannone (Maniac) priva os futuros espectadores de cenas antológicas da MotoGP, como o atropelamento de um albatroz em 2015 no GP de Phillip Island, uma ultrapassagem dupla na mesma prova sobre Marc Márquez e Valentino Rossi, a primeira vitória da Ducati na era pós Stoner no GP da Áustria (2016) e na mesma temporada a incrível proeza de sonegar um duplo pódio para a fábrica italiana ao atropelar seu colega de equipe na última curva do GP de Rio Hondo.

 

Fim de carreira para Andreia Iannone

Nenhum comentário:

Postar um comentário