Joan Mir – Campeão mundial de 2020
Marc Márquez, 6 vezes campeão do mundo, declarou
recentemente que, mesmo sem ter protagonizado múltiplas vitórias em provas
excitantes, com disputas incríveis, Joan Mir é o campeão do mundo de 2020. O
regulamento da MotoGP é explícito, reconhece que o concorrente que somar o
maior número de pontos nas provas da temporada deve ser proclamado como campeão.
Em 2020 este prêmio foi conquistado nas pistas por Joan Mir em sua Suzuki.
Em 2002 a MotoGP entrou na era dos motores 4 tempos. Os
organizadores cederam às pressões do movimento ambientalista, que condenavam os
2 tempos pela poluição gerada, e das fábricas que não viam viabilidade
econômica para desenvolver tecnologia que não pudesse ser portada para produtos
para sua linha de produção. Desde então os vencedores de mundiais sempre
pilotaram motos Honda (Hayden, Stoner & Márquez) ou Yamaha (Rossi &
Lorenzo), com duas exceções, a Stoner com Ducati em 2007 e Mir com a Suzuki em
2020.
Márquez vs Rossi
A temporada de 2020 apresentou uma série de peculiaridades
em função da pandemia do Corona Vírus que, além dos riscos inerentes à saúde
pública, desestruturou diversos setores da economia. Para evitar o cancelamento
do mundial, a entidade organizadora foi obrigada a optar por medidas drásticas,
a temporada foi reduzida para 13 GPs (posteriormente a 14ª prova em Portimão
foi incluída), todas as etapas realizadas em território europeu com abrangência
geográfica restrita para evitar a necessidade de longos deslocamentos. Um
calendario compactado, com algumas provas duplicadas em fins de semana
consecutivos para ajudar a reduzir os custos das equipes, um rígido controle
sanitário com períodos de quarentena para todos os participantes, pilotos e
tripulação, que testassem positivo para o vírus e outras providências necessárias.
A MotoGP está em uma cruzada para garantir altos níveis de
competitividade e, em consequência, melhores espetáculos para os (tele)
espectadores. Regulamentos rigorosos e restritivos impedem que um equipamento
seja muito superior que os outros em todos os aspectos da competição. Motores
V4 podem produzir maior velocidade, cilindros em linha respondem melhor em
curvas, porém no geral vantagens e desvantagens são compensadas e as
competições equilibradas. Dificilmente as diferenças de tempos entre os top ten
excedem a poucos segundos e frequentemente entre os primeiros fica abaixo de 1
segundo.
John Surtees no Isle of Man TT 1958
Em todos as 72 temporadas do mundial já realizadas, apenas
em 2 oportunidades o campeão venceu todas as provas. Em 1959 o britânico John
Surtees venceu as 7 etapas realizadas, fato repetido 9 anos mais tarde (1968)
pelo italiano Giacomo Agostini, os dois pilotavam equipamentos MV Agusta, com
desempenho absurdamente superior a todos os outros concorrentes. Para efeitos
de ilustração, no GP Isle of TT, 3ª etapa da temporada de 1968, Agostini abriu
uma diferença de quase 9 minutos em relação ao segundo colocado e sua
velocidade média foi 12,28 km/h maior.
Joan Mir fez história durante 2020. Ele foi o 7º piloto mais
jovem a vencer um mundial da MotoGP, entrando em um seleto clube onde tem a
companhia de Marc Márquez, Freddie Spencer, Casey Stoner, Mike Hailwood, John
Surtees e Valentino Rossi. Foi o 1º campeão com uma Suzuki 4 tempos.
Considerando a relação entre os pontos possíveis (350) e os obtidos (171) a
eficiência de Mir na temporada foi de apenas 48,85%, a segunda menor em 7
décadas de competição, maior apenas que os 43,75 registrados por Umberto
Masetti em 1952 (28 pontos em 64 possíveis). Mir venceu uma única prova na
temporada.
Se de certa forma os resultados obtidos pelo novo campeão
são compatíveis com o alto grau de competitividade da atual MotoGP, contrastam
com os resultados obtidos por Marc Márquez na temporada passada, 420 pontos em
475 possíveis. Considerando que a moto Honda do antigo campeão não era nem de
longe o melhor equipamento do grid, a única explicação é reconhecer que ele é
um piloto excepcional (fora da curva).
Uma maneira de interpretar os resultados de 2020 é que houve
mais perdedores que vencedores. Dos candidatos ao título, Quartararo desabou na
segunda metade da temporada, Vinales e a sua Yamaha aparentemente não falam o
mesmo idioma, Dovizioso levou ao limite as suas diferenças de opinião com a direção
da equipe, Alex Rins viu a sua criação brilhar nas mãos de Mir e Pol Espargaro
saiu da KTM sem ter conseguido a sua primeira vitória.
Pilotos considerados coadjuvantes mostraram serviço,
especial menção para Franco Morbidelli, o vice-campeão de 2020. Franco obteve 3
vitórias na temporada, pilotou um equipamento híbrido baseado no protótipo que Valentino
Rossi utilizou em 2019 com alguns desenvolvimentos 2020, defendendo as cores de
uma equipe satélite da Yamaha. Acumulou mais pontos que os representantes
oficiais de fábrica além de ter ofuscado a estrela ascendente de Fábio
Quartararo. O exemplo de Morbidelli foi seguido por Takaaki Nakagami, que com
uma RC213V modelo 2019 da independente LCR Idemitsu foi a maior contribuição da
Honda no campeonato. Aliás, o primeiro em muitos anos em que a Honda não
consegue nenhuma vitória.
Takaaki Nakagami – A melhor Honda da temporada
A principal questão é por que 2020 foi uma temporada
estranha e existem um sem número de razões que devem ser consideradas. Os
organizadores foram obrigados a trabalhar com um cronograma muito condensado,
que exigiu programar etapas em circuitos fora da época ideal e com temperaturas
ambiente e da pista não ideais. O calor foi excessivo do verão em Jerez e em Le
Mans a temperatura estava muito baixa. Além disso, o que aparentemente devia
facilitar o espetáculo, provas consecutivas disputadas no mesmo circuito, na
prática complicou. Dificilmente o setup de um equipamento na primeira prova foi
o ideal para a segunda corrida. Houve muito pouco tempo, por vezes quase
nenhum, para testes que permitissem a melhor adequação dos protótipos às
pistas.
A janela de temperatura ideal para o novo pneu traseiro da
Michelin é muito estreita e exigiu uma mudança no modo de pilotar, ou seja, a
experiência anterior dos pilotos foi praticamente zerada, todos tiveram que
aprender como trabalhar em uma nova conjuntura. Talvez explique por que pilotos
experimentados como Crutchlow (18º colocado na classificação geral) e Rossi
(15º) tenham enfrentado tantas dificuldades.
A ausência de Marc Márquez também impactou na
imprevisibilidade da temporada. O espanhol é reconhecido, com méritos, como o
melhor piloto dos tempos atuais. Faltou uma referência nas pistas, alguém que
pudesse descobrir ou criar uma maneira de contornar as condições adversas. A
sua insistência e realizar uma volta prematura depois de seu acidente na prova
de abertura da temporada, aliada a falta de postura firme dos médicos, resultou
em seu afastamento em 2020 e talvez no início de 2021. Sem a necessidade de
assumir a postura de profeta do acontecido, é evidente para todos que a função
de uma haste metálica em um membro fraturado é para manter a imobilidade do
osso, não resistir aos esforços necessários para pilotar uma moto.
Não há como comentar a temporada 2020 sem mencionar o fim de
carreira de Andrea Iannone. Se o dopping existe em praticamente todas as
modalidades esportivas, a MotoGP por certo não é uma exceção. Como o assunto
está praticamente ausente do noticiário, é lícito supor que não existe controle
ou, se existir, é insuficiente. Uma declaração de Maverick Vinales é exemplar,
ele disputa a principal categoria desde 2015 e lembra de apenas duas
oportunidades em que participou de controles antidoping. O fato da MotoGP ser
uma modalidade que exige uma perfeita sintonia entre o piloto e a máquina e a
capacidade de concentração do piloto é levada ao extremo, estímulos não
naturais devem ser combatidos sob pena de macular a competição.
A defesa de Iannone não conseguiu comprovar a possibilidade
contaminação acidental e o piloto recebeu a suspenção prevista pelo regulamento,
4 anos.
A ausência de Iannone (Maniac) priva os futuros espectadores
de cenas antológicas da MotoGP, como o atropelamento de um albatroz em 2015 no
GP de Phillip Island, uma ultrapassagem dupla na mesma prova sobre Marc Márquez
e Valentino Rossi, a primeira vitória da Ducati na era pós Stoner no GP da
Áustria (2016) e na mesma temporada a incrível proeza de sonegar um duplo pódio
para a fábrica italiana ao atropelar seu colega de equipe na última curva do GP
de Rio Hondo.
Fim de carreira para Andreia Iannone
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