No início dos anos 2000 aconteceu a última grande revolução
no principal campeonato de motociclismo do mundo. Alinhada com o esforço global
de redução da emissão de gases que prejudicam o meio ambiente, a Federação
Mundial de Motociclismo (FIM) e as organizações que administram o campeonato
mundial comcordaram em regulamentar motores 4-tempos e baniram os poluidores
2-tempos. Em 2002 o campeonato adotou a marca MotoGP e permitiu um período de
transição com o uso simultâneo de motos 990cc 4-tempos e 500cc 2-tempos. Neste
ano começou a se impor o talento de Valentino Rossi que em uma temporada de 16
GPs obteve 11 vitórias com uma Honda RC211V, 4-tempos. O tupiniquim Alexandre
Barros faz parte desta história, iniciou a temporada com uma Honda NSR500
(2-tempos) e trocou nas últimas provas por uma RC211V (4-tempos), equipamento
com que conseguiu 2 vitórias.
Em 18 temporadas e meia desde 2002 já foram disputados 321
GPs da principal categoria, quase três quartos foram vencidos por apenas 5
pilotos, Valentino Rossi (65), Marc Márquez (55), Jorge Lorenzo (47), Casey
Stoner (38) e Dani Pedrosa (31). Destes apenas 2, Valentino e Marc continuam em
atividade, Dani e Jorge atuam como pilotos de testes e Casey frequenta as
pistas apenas como espectador.
Casey Stoner com a Desmosedici GP7 na Malásia em 2007
Entre 2002 e os tempos atuais houveram diversas mudanças que
resultaram em vantagens temporárias para um tipo específico de equipamento, por
exemplo, quando houve a redução da capacidade volumétrica para 800cc em 2007, a
potência do motor Ducati permitiu à fábrica desenvolver um protótipo com
desempenho superior aos demais. Com esta máquina Casey Stoner conseguiu 10
vitórias e o título da temporada, o único mundial conquistado com um protótipo
da equipe. A alteração da especificação dos motores para 1000cc em 2012
proporcionou 4 anos de vitórias exclusivas das equipes oficiais da Honda e
Yamaha. Em 2016 a eletrônica foi padronizada e as fábricas que monopolizaram as
vitórias, em grande parte devido à excelência de seu software proprietário,
foram surpreendidas com o protagonismo de novos atores, houve 9 vencedores na
temporada representando 4 fabricantes.
A temporada de 2020 pode de certa forma ser um ponto de
inflexão da correlação de forças entre as equipes que disputam a MotoGP. Um
novo pneu traseiro produzido pela Michelin necessita de uma nova forma de
pilotar para alcançar o seu máximo desempenho. Esta é, talvez, a principal
razão para o sucesso de pilotos que normalmente não seriam considerados
candidatos a vitórias. São condutores que não tem os chamados vícios de origem,
não desenvolveram sua técnica em equipamentos com outro tipo de comportamento.
Depois do fenômeno Márquez em 2013, a vitória de um rookie (novato) não era
concebível, no entanto aconteceu com Brad Binder em sua 3ª participação em
provas do mundial.
Valentino Rossi, um nome que é reconhecido como sinônimo de
motociclismo esportivo, tem em seu currículo 65 vitórias, 20% dos GPs
disputados desde 2002. Rossi não sobe no degrau mais alto do pódio desde Assen
em 2017. Sempre considerando a temporada de 2002 como referência inicial, a
Honda é a fábrica com o maior número de vitórias, 153, em 2019 venceu 12 das 19
etapas. Este ano os pilotos da fábrica nipônica, depois de 5 provas realizadas,
ainda não conseguiram subir ao pódio. Seu piloto mais bem classificado em
pontos é Takaaki Nakagami, da satélite LCR, que atualmente ocupa a 6ª colocação
com 46 pontos, a frente de Alex Márquez (15º com 15 pontos) e Cal Crutchlow
(21º com apenas 7). Embora com o motor esteja atualizado, o chassi utilizado
por Nakagami é o modelo 2019.
Valentino Rossi em sua Yamaha YZR-M1
Durante alguns anos da última década uma pergunta recorrente
era qual seria o futuro da MotoGP sem a presença dos seus principais ídolos,
Valentino Rossi & Marc Márquez, que atraem multidões aos circuitos. Os dois
inclusive dispõem de arquibancadas exclusivas para as suas torcidas, com
ingressos vendidos com muita antecedência que ajudam a garantir o retorno
financeiro do evento. As primeiras etapas da temporada de 2020 apresentaram a
resposta, absolutamente nada. Valentino Rossi está com sérias restrições de
equipamento e ainda não encontrou a maneira ideal de lidar com o novo
componente traseiro. Marc Márquez está afastado da competição por optar por uma
estratégia errada ao tentar apressar a sua volta depois de ter o braço direito
fraturado. O seis vezes campeão já ficou afastado de 5 etapas e é quase certo
que fique mais duas. A pandemia também obrigou a realização de GPs sem público
nos autódromos, um fator adicional para a ausência dos dois ídolos não ser
muito sentida. A ausência de Márquez resulta em um campeonato bem mais
disputado que em outras ocasiões, com a vantagem de abrir espaços para novos
protagonistas.
A temporada de 2020, depois de uma complexa engenharia dos
organizadores para programar 14 etapas em um ambiente com restrições de deslocamento
causadas pela pandemia, resultou em GPs confinados na Europa e com início no
auge do verão. As duas primeiras em Jerez foram realizadas com clima muito
quente, não só a ambiente como também a temperatura da pista, que desafiou ao
extremo a habilidade e resistência física dos pilotos. Neste cenário a Yamaha
foi bem-sucedida, cinco participações em seis pódios. A superioridade
apresentada por Fábio Quartararo foi tanta que, com o acidente de Márquez na
primeira prova, os mais afoitos prognosticaram que 2020 seria uma reedição de
2019, com a troca do piloto da Honda pelo condutor da Yamaha Petronas.
Quatro pilotos e 3 fabricantes dividem as cinco vitórias de
provas realizadas até agora, a Yamaha venceu duas vezes com Quartararo, a KTM
também venceu 2 com Binder e Oliveira e a Ducati tem 1 vitória com Dovizioso. A
Honda, Suzuki e Aprilia ainda não venceram. Binder e Dovizioso são pilotos de
representações oficiais, Quartararo e Oliveira disputam por equipes satélite.
Na prova da República Checa, terceira do ano, começaram os
bons resultados da KTM. A fábrica Austríaca optou por ter apenas um modelo nas
provas, as máquinas de Brad Binder e Pol Espargaro da equipe oficial e de
Miguel Oliveira e Iker Lecuona da independente Tech3 são da mesma geração. Em Brno
e nas duas provas de Spielberg a KTM mostrou um nível de desenvolvimento que a
credencia a lutar pelo título.
Durante o fim de semana do Grande Prêmio da Styria, antes da
KTM conseguir sua segunda vitória na temporada com Miguel Oliveira, Pol
Espargaro, o principal piloto da fábrica disse que toda a extensão do progresso
do RC16 não estaria completamente clara até o retorno de Marc Márquez. Lembrou
que o atual campeão venceu 12 das 19 corridas da temporada passada e está
afastado desde que quebrou o braço na abertura do mundial em Jerez. “Tento
sempre ser otimista, porém o melhor piloto do grid não está competindo”,
explicou Espargaro. “Eu gostaria de comparar com os melhores. Ele não está aqui
e eu não sei o que faria, porque Nakagami é muito rápido (com um modelo 2019) e
Marc normalmente é mais rápido que ele”. A RC16 é um equipamento muito bom, mas
fracassou no calor excessivo das duas provas de Jerez,
Espargaro está surpreso com a evolução do equipamento e
lembrou que não houve um único avanço em termos de transformar o RC16 em uma
máquina de vencedora nesta temporada. O chassi é o mesmo do ano passado, o
motor recebeu algumas atualizações e a configuração da eletrônica está bem
melhor. Por alguma razão os pneus traseiros, que causaram problemas para
algumas fábricas, funcionaram bem com a KTM. Um fato causou estranheza para
Espargaro, a KTM respondeu melhor com o pneu dianteiro hard em Red Bull Ring,
enquanto Nakagami e os outros pilotos Honda (Alex Márquez, Cal Crutchlow e
Stefan Bradl) optaram pelo médio. Exatamente o inverso da temporada passada,
onde a Honda sempre usou compostos mais duros do que a KTM.
O sucesso da fábrica austríaca está sendo espelhando na
Suzuki, que também vem impressionando em várias pistas nesta temporada, embora
tenha conseguido um único um pódio até agora. A moto japonesa tem velocidade,
tração e giro. Quando tem pista livre, a GSX-RR tem um ótimo ritmo, como todas
as motos com cilindros em linha não é muito eficiente no tráfego.
Joan Mir com a Suzuki
A FIM (Federação Internacional de Motociclismo) está
recebendo muitas críticas de pilotos e dirigentes de equipes depois do segundo
GP em Red Bull Ring pela ausência ou excesso de punições no Mundial de
Motovelocidade.
O mais irritado de todos é era Johann Zarco que se considera
injustiçado por ter sido penalizado para largar dos boxes devido ao acidente
que envolveu Franco Morbidelli na primeira prova em Spielberg. Zarco foi
explícito ao dizer que não confia no atual Painel de Comissários. Depois da corrida ganha por Miguel Oliveira
vários pilotos e a direção da equipe Suzuki criticaram a falta de critério para
aplicação das regras.
Como diria o comentarista de arbitragem da emissora do
Jardim Botânico, a regra é clara, o piloto que ultrapassar os limites da pista
na última volta é penalizado com a perda de uma posição. Jorge Martin (Moto2)
perdeu a vitória em Spielberg por esse motivo, porém a mesma punição não foi
aplicada para Pol Espargaro na prova da MotoGP. “Solicitei na Comissão de
Segurança para mudar as regras sobre exceder o limite da pista. O que se passou
na última curva no GP da Styria foi diferente, Miller foi agressivo na defesa
da sua posição e jogou Pol para fora. A forma como aplicam as regras é
estranha. Basta imaginar se o asfalto pintado de verde fosse cascalho ou grama,
o resultado seria muito diferente. Posso não estar de acordo, mas as regras
existem e temos que competir de acordo” explicou Andrea Dovizioso.
Danilo Petrucci, colega de Dovi na Ducati, também contesta
as decisões dos comissários: “A maioria dos pilotos não está satisfeita com os
comissários porque não existe coerência, O que vale em uma ocasião não é
aplicado em outra”.
Aleix Espargaro emprestou a sua voz ao coro de críticos:
”Tenho muitas dúvidas sobre o Painel de Comissários, não estou de acordo com
muitas decisões”. Zarco vai mais longe: “Eles não têm um trabalho fácil, mas
não confio neles. Não acho que sejam as pessoas certas para o posto que
ocupam”. Muitos defendem que Jorge Martín não tirou vantagem ao colocar as duas
rodas na zona verde da pista que limita o traçado, mesmo assim penalização foi
aplicada e sua vitória transformou-se em um 2º. Outros acreditam que também
Marco Bezzecchi, que herdou a vitória, também saiu da pista e não foi punido.
Pol excedendo os limites da pista
Depois da discórdia na corrida da classe intermédia as
decisões, ou a falta delas – do Painel de Comissários na prova da MotoGP foram
muito criticadas. Pol Espargaro não teve opção pela forma como Jack Miller
protegeu sua posição, saiu dos limites da pista e foi autorizado a subir ao
pódio. Na mesma prova Joan Mir foi obrigado a ceder uma posição e a corrida por
ter ultrapassado os limites da pista. A direção da Suzuki queria seu piloto no
pódio no lugar de Espargaro. O antigo campeão Freddie Spencer lidera os três
elementos que compõe o Painel de Comissários.
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