terça-feira, 8 de setembro de 2020

MotoGP – A nova MotoGP (Styria)

 

Moto de Vinales depois do acidente no GP da Styria

 

A palavra-chave é compromisso. Todos compreendem que um protótipo de competição deve ter um bom desempenho nas 4 principais etapas de uma volta em um circuito: velocidade em retas; frenagem na aproximação das curvas; agilidade na troca de direção e rapidez na retomada da aceleração. Como há uma relação estreita entre o comportamento de cada componente da moto (chassis, aerodinâmica, motor, freios e pneus) é impossível ter um equipamento com performance próxima da perfeição em todos os pontos de um traçado, o ajuste de uma máquina com a uma configuração próxima da ideal em todas as fases define o seu sucesso em uma prova.

A rodada dupla de Red Bull Ring centrou os holofotes nos freios, que na MotoGP são fornecidos pela Brembo, uma empresa italiana especializada em sistemas de travagem. Embora não tenha como a Michelin (pneus) um contrato de exclusividade a Brembo pela excelência de seus produtos, é a única fornecedora destes sistemas vitais para todos os protótipos terem condições de reduzir a rapidamente a velocidade para as 6 fábricas que participam do principal campeonato mundial de motociclismo.

Na avaliação dos engenheiros e técnicos da Brembo, a configuração atual do traçado de Spielberg caracteriza o circuito mais exigente da MotoGP nesta temporada atípica, com um nível de dificuldade pouco superior ao de Barcelona. O estranho desta situação é que a moto mais lenta do grid, a M1 da Yamaha, foi o equipamento que apresentou os maiores problemas de frenagem devido ás às técnicas de condução dos pilotos. As motos mais potentes, basicamente as que utilizam motores com cilindros em V, conseguem maior velocidade nas retas e os pilotos costumam ser mais calmos e controlados ao utilizar os freios. Os que não conseguem um diferencial na velocidade final, motores com cilindros em linha, procuram compensar o tempo perdido travando mais perto das curvas e de maneira mais agressiva, exigindo um esforço extra dos freios.

O incidente com Maverick Vinales que causou a bandeira vermelha na segunda prova na Áustria foi causado por uma falha estrutural no sistema de freios. De certa forma os problemas que atormentaram Fábio Quartararo nas duas etapas realizadas em Red Bull Ring tem a mesma gênese, ele e Vinales estavam freando de uma maneira perto do limite da capacidade dos sistemas da Brembo. Red Bull Ring é a pista mais rápida da MotoGP. As circunstâncias da corrida no último fim de semana contribuíram, várias voltas consecutivas no limite e com os equipamentos muito próximos limitaram o fluxo de ar para o resfriamento dos componentes. Os freios de carbono têm uma janela de temperatura para a sua eficiência, quando ultrapassam os1.000 graus Celsius surgem oxidações, o desgaste dos discos e das pastilhas aumenta drasticamente e o sistema entra em colapso. Alex Márquez que estava atrás da moto de Vinales na curva 1 da volta 17 diz ter visto pedaços de peças, provavelmente pastilhas, saindo da Yamaha antes do sinistro. O relato do piloto é dramático: “Pior experiência de toda aminha carreira. A moto estava fantástica nas primeiras voltas, naturalmente sem velocidade máxima, então comecei a perder a pressão do freio dianteiro. Saí da pista uma vez, fiz três voltas lentas para resfriar o sistema e acelerei para seguir na prova. Quando estava recuperando o tempo, sem aviso os freios sumiram. Decidi saltar para não bater de frente”.

Possivelmente a Yamaha errou nas configurações de seus sistemas de freio na Áustria. Os problemas de Vinales e Quartararo não apareceram nas motos Suzuki, que tem um comportamento muito parecido nas pistas. As escolhas da fabricante não foram adequadas para o nível de exigência do circuito. Todos os pilotos sem exceção tiveram dificuldades com os freios no Red Bull Ring, não foi uma surpresa uma vez que a pista solicita uma contribuição maior dos freios que qualquer outro traçado da MotoGP.

Andrea Dovizioso, com a autoridade de quem venceu a primeira prova da Áustria explica que as motos evoluíram desde a temporada anterior, então os pilotos estão freando cada vez mais. Os técnicos da Brembo acreditam em duas razões principais para o aumento da demanda por freios este ano: melhoria da aerodinâmica dos protótipos e o pneu traseiro da Michelin para 2020. O aero responde pelo maior downforce na área de desaceleração e permite que freiem mais forte. O novo pneu traseiro tem maior aderência, mais tração e obriga aos pilotos a usar mais o freio dianteiro.

 

.Pinça 2019 reforçada utilizada pelo KTM

 

A Brembo disponibiliza para todos os pilotos a mesma variedade de especificações que considera adequadas para cada layout de pista. Quatro discos frontais, dois 320mm (padrão e reforçado) e dois 340mm (padrão e reforçado) e três tipos diferentes de pinça, GP4 2020 e duas variantes da 2019 (padrão e reforçada). As pinças diferem na pressão que exercem sobre os discos e no tamanho das pastilhas para dissipação de calor.

Todos os pilotos usaram discos reforçados de 340mm em Red Bull Ring e a maioria dos competidores escolheram para a frente a pinça reforçada de 2019 ou a pinça 2020 que aumenta a dissipação de calor e tem menos fluido para melhorar a consistência e reduzir o efeito esponja na alavanca. Na primeira prova na Áustria Fabio Quartararo usou a pinça padrão 2019, ficou sem freios na curva 4 e perdeu muitas colocações, na segunda prova mudou para a 2020 e ainda assim enfrentou problemas para manter a temperatura dos freios. Vinales utilizou as pinças 2019 padrão nos dois GPs e não identificou nenhum indício de problema nos treinos, foi o único piloto Yamaha que manteve esta configuração.

Em 2012 a MotoGP alterou os regulamentos de 800cc para 1000cc, as máquinas ficaram mais rápidas e mais pesadas (7 kg), exigindo mais dos freios. No mesmo ano houve um acidente grave com a Yamaha de Ben Spies, porque os freios se mostraram ineficientes. No ano seguinte a Brembo introduziu os discos de 340mm, que atualmente são obrigatórios em alguns circuitos (inclui Red Bull Ring e Barcelona). O maior diâmetro resultou em um aumento da potência de frenagem em 20% e reduziu as temperaturas em 100 graus, mantendo-se bem abaixo do limite de 1.000 graus. A fábrica sugere que a temperatura das pinças seja mantida abaixo de 200 graus, para não aquecer o fluído e não reduzir o curso da alavanca. Administrar a temperatura dos freios é mais uma das preocupações dos pilotos durante uma prova.

Classificação Brembo – Circuitos 2020

 

Um ponto a favor da Yamaha é que apenas o circuito de Barcelona, das 9 etapas que restam na compacta temporada de 2020, tem as características de solicitar muito dos freios. A Brembo utiliza uma escala de 1 a 5 para classificar o nível de exigência do piso e layout dos circuitos em relação as necessidades de frenagens. Misano, Le Mans  & Valência são médios, enquanto Aragon é difícil. O circuito de Portimão no Algarve (Portugal) nunca sediou um GP e pelas características parece um circuito médio.

 

A bandeira vermelha causada pela perda de freios de Vinales foi benéfica para os pilotos que tinham se acomodado na pista e um pesadelo para Joan Mir, que estava a caminho de sua primeira vitória. No GP anterior, Mir e Alex Rins disputaram as primeiras posições com o vencedor Dovizioso e Jack Miller que foi ultrapassado na penúltima curva da última volta por Mir e ficou com a 3ª colocação.

As duas provas no Red Bull Ring foram didáticas, a única maneira de um 4 em linha sonhar com a vitória é evitar o tráfego com os V4. Aconteceu nas duas corridas de Jerez quando Quartararo disparou na liderança, o único sobressalto ocorreu quando Marc Márquez estava na corrida de recuperação antes de seu acidente. A Honda de Márquez era disparada a moto mais veloz da pista, porém o espanhol e sua RC213V não podem ser analisados pela ótica normal, são a exceção que confirmam a regra. A maneira de um piloto equipado com um 4 em linha explorar a sua extraordinária velocidade de curvas é não encontrar V4s no caminho. Se não tiver que defender posições ou ultrapassar motos mais potentes e puder andar despreocupado, será muito difícil de pegar.


Joan Mir,Jack Miller e Taka Nakagami

 

Foi o que Mir fez no último GP, assumiu a liderança e colocou meio segundo entre ele o grupo que o perseguia na 4ª volta. Sem ser atrapalhado pelas V4, pode fazer linhas perfeitas e com 16 das 28 voltas, estava com uma vantagem de 2,4 segundos quando Vinales estourou as proteções de ar causando a bandeira vermelha. A vantagem de Mir foi construída mesmo com quase 6,5 km/h de velocidade máxima a menos que as KTM e Ducati (V4), a interrupção da prova o jogou no meio do tráfego onde não conseguiu desenvolver sua melhor característica. Pelas circunstâncias da prova, o 4º lugar ficou de bom tamanho.

A vantagem da Suzuki (e por extensão das Yamaha) é a velocidade de curva, que permite ao piloto iniciar a retomada de aceleração partindo de uma velocidade inicial mais alta. O novo pneu traseiro, introduzido pela Michelin nesta temporada, aparenta ser mais adequado para os equipamentos com cilindros em linha, as curvas agressivas dos V4 trabalham mais o ombro do pneu, enquanto os propulsores com cilindros em linha utilizam a superfície do pneu traseiro de maneira mais uniforme porque a traseira 2020 da Michelin tem mais aderência entre a borda do pneu e sua área de tração.

O próximo GP está programado para Misano, daqui a três fins de semana. Em 2019 a vitória foi de Marc Márquez com uma Honda e as quatro colocações seguintes foram obtidas por máquinas Yamaha (Quartararo, Vinales, Rossi & Morbidelli). As V4, à exceção da moto do campeão, fracassaram. Esta temporada já ensinou que existem novos atores no espetáculo e que o que aconteceu não serve de base para indicar um favoritismo, Resta uma constatação, Misano tem mais curvas e menos retas que Red Bull Ring. Muita coisa pode mudar.

Uma palavra sobre lealdade. A relação entre Marc Márquez e a Honda nunca foi posta em dúvida, não existe uma única declaração pública do espanhol indicando desagrado com o produto do fabricante. Pelo contrário, na queda de Márquez em Austin no ano passado, a maioria da mídia especializada indicou como causa uma falha do equipamento, o piloto assumiu que tinha sido erro seu. Este comportamento não comum na MotoGP, ao contrário, reclamações contundentes são frequentes quando os resultados não aparecem. Todos lembram da maneira grosseira e chula como Johann Zarco classificou os protótipos KTM em meio a temporada de 2019. Este ano Danilo Petrucci, piloto da equipe oficial da Ducati, declarou que não vê a hora de mudar para uma KTM (tem contrato assinado com a Tech3 para 2021). Os resultados nesta temporada de Dovizioso, Jack Miller e Johann Zarco comprovam que, quando pilotada com competência, os resultados com a moto italiana aparecem. Se Petrucci não consegue, é quase certo que não seja limitação do protótipo. Existe muito pouco respeito de alguns pilotos ao avaliar o produto disponibilizado por seus empregadores. Muitos se comportam como o técnico de futebol que repete o mantra para atender aos entrevistadores: “Eu ganho, nós empatamos, eles perdem”.

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