Texto adaptado de um original de Mat Oxley
Motosport Magazine
O GP da Áustria do último fim de semana foi a ilustração
perfeita das dificuldades que os pilotos de motos da MotoGP com cilindros em
linha mais lentas e com manejo mais fácil, enfrentam quando estão lutando com
rivais usando máquinas V4 mais rápidas e mais difíceis de controlar.
As motos 4 cilindros em V desenvolvem maior potência porque
um motor V4 tem um virabrequim mais rígido, menor vibração e menores perdas,
enquanto as motos com cilindros em linha são mais amigáveis nas curvas graças
ao seu virabrequim mais longo.
Parte da corrida de domingo foi uma luta direta entre duas
Suzuki GSX-RR (Mir & Rins) com cilindros em linha e duas Ducati GP21
(Dovizioso & Miller) com motores V4. Os V4 tinham vantagem nas retas,
enquanto os em linha eram mais velozes durante as curvas, quando tinham espaço
para utilizar.
A Yamaha estava em um estado muito pior do que a Suzuki no
circuito Red Bull Ring. Enquanto o GSX-RR atingiu 311,89 km/h antes da Curva
Dois, apenas 2,57 km/h mais lento que a Ducati, o YZR-M1 foi 5,95 km/h mais
lento. Pode parecer uma diferença pequena, mas a MotoGP está tão equilibrada
qualquer perda em qualquer área de desempenho é um grande problema.
Dois pilotos Yamaha se classificaram na primeira fila porque
os pilotos da M1 podem realizar voltas super-rápidas no treino classificatório
com pista livre. Mas quando estão encaixotados por V4s com maior velocidade
final a coisa complica.
O que aconteceu com Franco Morbidelli no domingo foi um
exemplo extremo. Johann Zarco usou a velocidade superior de sua Ducati para
passar Morbidelli e bloqueou sua linha. Não necessariamente de propósito,
porque tomando uma linha mais fechada através da curva sua moto naturalmente
derrapou para a direita. Também vale acrescentar que frear no turbilhão de
alguém é um pesadelo. Assim como o vácuo criado pela motocicleta líder ajuda a
moto perseguidora a acelerar mais rápido, a falta de resistência do ar faz com
que a moto perseguidora desacelere mais lentamente. Esta é uma das razões pelas
quais os pilotos que usam um turbilhão em uma reta sempre se movem para a
esquerda ou direita da moto líder quando freiam.
De qualquer forma, os números indicam que os quatro-em-linha
funcionam melhor sozinhos do que durante disputas. Nas 50 corridas anteriores a
esta temporada, os quatro em linha se saíram muito melhor na qualificação do
que nas corridas, foram 17 poles e 6 vitórias.
Em situações de corrida, a velocidade superior retas dos V4
não é o único problema para os quatro-em- linha. As máquinas V4 não gostam
tanto de curvas, então seus pilotos usam linhas mais agudas em forma de V,
freando até o ápice, girando agressivamente a moto no meio da curva e
acelerando para a saída. Os quatro-em-linha estão no seu melhor ambiente nas
curvas, então os pilotos usam trajetórias em forma de U, percorrendo um arco
para conseguir o máximo de velocidade possível.
A linha V do piloto V4 permite que ele freie mais
agressivamente, por isso é mais fácil conduzir um quatro- em-linha. Uma vez que
o V4 está na frente, o quatro-em-linha não pode usar sua velocidade de curva
superior. A mesma coisa acontece nas saídas de curvas, o piloto do
quatro-em-linha perdeu a velocidade e sai mais lento na retomada de aceleração.
Basicamente, os quatro-em-linha podem ser mais rápidos que
os V4s na maioria dos circuitos se tiverem ampla liberdade, a pista só para
eles. Os V4 são mais eficientes em disputas, e nos dias atuais pouquíssimas
provas da MotoGP são vencidas sem lutar. Joan Mir de Suzuki não podia usar sua
vantagem de velocidade de curva quando tinha uma Ducati na frente.
No domingo Alex Rins usou a vantagem de velocidade de curva
de seu GSX-RR para roubar a liderança do vencedor Andrea Dovizioso, mas teve
que acelerar muito na única parte da pista onde a velocidade da curva realmente
importa, perdeu a frente e caiu.
Joan Mir, companheiro de equipe da Suzuki, aceitou a
disputa. Esteve em cima da Ducati de Jack Miller durante os estágios finais,
visivelmente mais rápido através das curvas, mas não conseguia tentar a
ultrapassagem porque era impossível vencer a velocidade superior da Ducati em
linha reta e entradas de curvas, pelo menos até a última volta.
Crédito para Mir por não desistir. Em vez de se contentar
com o primeiro pódio na MotoGP, ele manteve a pressão sobre Miller, fez o
australiano tomar uma linha muito defensiva na curva 9, abriu demais e permitiu
que o espanhol o ultrapassasse. Miller não foi ajudado por sua escolha de um
pneu dianteiro macio, era sua única opção possível porque tinha usado todos os
dianteiros médios disponíveis.
“Temos que jogar nossas cartas porque sabemos que nossa moto
não é a mais rápida do grid, mas temos um bom ritmo na velocidade da curva e me
sinto ótimo na frenagem”, disse Mir na Áustria. “Posso fazer alguns metros nos
freios, mas é nos primeiros metros da saída onde se pode ganhar mais. Todos
entre os dez primeiros sabem frear tarde, então é mais sobre como você usa a
moto para a saída, porque não há muitos pilotos que conseguem fazer isso bem.
Se começarmos a disputar com as Ducati, fica muito difícil.”
Fabio Quartararo venceu as duas primeiras corridas do ano da
única maneira que realmente parece funcionar para os quatro-em-linha, sair na
frente o mais rápido possível e não deixar os V4 se aproximarem o suficiente
para interferir na velocidade de curva.
Foi assim que Jorge Lorenzo venceu o último campeonato com
um quatro-em-linha, fugia na largada e fazia a sua própria corrida, liderando
da primeira até a última volta em todas as suas 7 vitórias. É significativo que
isso tenha acontecido em 2015, quando a Ducati não estava em alta e a Honda
errou a especificação do motor, causando problemas para Marc Márquez durante
todo o ano.
Poucos duvidam que os quatro-em- linha foram beneficiados
pelo novo pneu traseiro da Michelin. Mir cruzou a linha 1,4 segundos atrás de
Dovizioso no domingo. Historicamente melhor resultado por um quatro-em-linha no
Red Bull Ring tinha sido o terceiro lugar da Yamaha de Lorenzo em 2016, 3,4
segundos atrás do vencedor, a Ducati de Andrea Iannone.
Dovizioso ficou feliz com sua primeira vitória no ano, mais
ainda por ter reduzido seus problemas de frenagem causados pelo novo pneu
traseiro adaptando sua técnica de pilotagem. Não é surpresa que ele não contou
para ninguém o que está fazendo diferente. Enquanto isso, o companheiro de
equipe Danilo Petrucci lutou para alcançar a 7ª colocação, reclamando do novo
pneu traseiro.
“Estamos tentando andar com cada vez menos freio-motor, ser
menos dependente dos eletrônicos, até porque não estão funcionando bem”, disse
Petrucci. “Sempre gosto de andar com muito peso na traseira e com muita
frenagem do motor para me ajudar a parar a moto. Este era, digamos, meu segredo
quando eu era rápido no ano passado. Mas isso não é mais possível por causa da
nova construção do pneu traseiro, então uso mais o freio dianteiro”.
Dovizioso vai para o próximo GP de Styrian (no circuito Red
Bull Ring) neste fim de semana 11 pontos atrás de Fabio Quartararo, com a
chance de assumir a liderança do campeonato no domingo. Depois estão previstas
duas corridas consecutivas em Misano, onde os quatro-em-linhas devem ter uma
chance melhor.
Tem ainda a variável Marc Márquez. Supondo que ele retorne
na primeira corrida de Misano, ele entrará na pista talvez 80 pontos atrás de
Dovizioso ou Quartararo, com nove corridas restantes. A lógica indica que não
tem mais chance, mas em uma temporada complicada e sabendo o que o espanhol é
capaz, quem sabe?
As RC16 V4 da KTM 2017, 2018 e 2019 se comportavam como a
maioria das motos V4, rápidas na entrada de curvas, rápidas nas saídas, mas
muito complicadas para mudar de direção. Foi o que horrorizou Johann Zarco na
equipe, não conseguia ser veloz nas curvas.
O RC16 deste ano não é nada disso. "É como um outro
mundo", informou Brad Binder. Binder e Pol Espargaro tiveram ritmo de
vitória em cada uma das quatro primeiras corridas de 2020, nas duas rodadas de
Jerez onde a velocidade de Binder foi ofuscada, em Brno, onde venceu, e no Red
Bull Ring, onde Espargaro liderou a corrida até a bandeira vermelha. O espanhol
poderia ter feito o mesmo na relargada, porém tinha usado todos os pneus
traseiros médios, seus preferidos, teve que usar um macio que não forneceu a
aderência necessária.
O segredo do RC16 2020 é a velocidade final do tipo V4, a
máquina foi a segunda moto mais rápida da MotoGP no domingo, a 313,50 km/h,
apenas 0,96 km/h mail lenta que a Ducati, e a velocidade de curva muito
melhorada, semelhante aos quatro-em-linha.
“Normalmente com esse tipo de motor a moto pode fazer menos
velocidade de curva”, disse Espargaro no fim de semana. “Então usamos mais um
canto estilo V, indo para o ápice, freando a moto, mudando a direção
rapidamente e acelerando usando a potência para sair rápido. Agora temos uma
sensação muito boa com a frente, o que nos permite soltar o freio um pouco mais
cedo do que o normal, parar a moto onde precisamos e continuar para mais
velocidade de curva. É super-legal.”
Se o RC16 continuar a permitir que seus pilotos usem mais
velocidade de curva nas próximas corridas, significa que a KTM conseguiu
resolver um problema que ainda perturba a Ducati e a Honda. Quase com certeza
não será só o chassi. Provavelmente é uma combinação de fatores, acertar o
chassi, dinâmica do motor na aceleração e estratégias de freio–motor, para que
os pilotos possam utilizar em curvas uma velocidade extra.
O que provavelmente vai acontecer é engenheiros da Ducati e
da Honda examinando cada ponto do desempenho do RC16 na pista nas próximas
corridas, tentando descobrir o que os austríacos fizeram.
A largada mais
difícil da Honda na MotoGP desde 1981
A Honda tem sofrido seu início de temporada mais complicado
desde os dias do pistão oval da NR500 em 1981. Tudo deu errado no primeiro dia
da nova temporada quando perdeu os dois melhores pilotos da fábrica, Cal
Crutchlow quebrou o escafoide esquerdo no aquecimento e Marc Márquez fraturou o
úmero direito na corrida.
Qualquer fábrica estará em dificuldades se perder seus dois
melhores pilotos. “A realidade é que não temos um piloto de ponta... você não
pode esperar estar sempre na frente”, disse o chefe da Repsol Honda, Alberto
Puig, em Red Bull Ring.
Assim como a Ducati, a Honda está sofrendo com o traseiro de
2020 da Michelin, mas com o agravante de não ter um piloto totalmente em forma
e rápido para ajudar a adaptar a RC213V ao pneu.
No ano passado, a Honda teve problemas em curvas, Marc
Márquez caiu no Circuito das Américas, mas foram rapidamente resolvidos. O
RC213V deste ano parece ter problemas semelhantes, provavelmente ampliados pela
combinação do novo pneu traseiro e possivelmente inércia extra do motor 2020.
“A inércia está nos acelerando o tempo todo”, diz cal Crutchlow, piloto da LCR
Honda. “Parece que temos muita inércia, que está acelerando a moto na entrada
da curva, então você tem que utilizar o freio dianteiro por muito tempo, o que
faz com que o pneu traseiro perca contato com a pista”.
"Resolvemos isso no ano passado com a moto de 2019,
então talvez Taka Nakagami que pilota Honda de 2019 não esteja tendo os mesmos
problemas que nós”.
"Está tudo na fase de desaceleração, então quando você
gira a moto e abre o acelerador a moto está no pedaço errado de asfalto, porque
não parou bem o suficiente e não entrou na curva da melhor maneira. Então é um
círculo vicioso com frear, trocar de direção e sair da curva”.
"Com a RC213V podemos ganhar tempo na frenagem, mas
quando temos que frear mais cedo perdemos um segundo por volta, fazer tempo na
zona de frenagem é a única maneira de ir rápido com a nossa moto”.
“Se nossos problemas são devidos exclusivamente ao pneu
traseiro com muito mais aderência não sabemos, mas também sinto muita flutuação
do pneu traseiro no meio da curva. Precisamos melhorar isso porque é uma coisa
complexa, se não pode frear e está flutuando no meio da curva, então sempre
será uma corrida longa”.
Sem dúvida, os problemas da Honda desaparecerão quando Marc
Márquez voltar à ação em Misano no próximo mês, porque isto é o que ele faz,
resolve problemas.
Márquez foi o piloto mais rápido no GP da Espanha, apesar
dos problemas com os pneus traseiros. "O pneu tem melhor aderência",
disse ele durante o treino do GP da Espanha. “Mais aderência nas saídas de
curvas é bom, mas faz a frente acelerar mais na entrada da curva”.
A capacidade do atual campeão de administrar esse problema
durante a corrida foi surpreendente, mesmo que tenha errado algumas voltas
antes do final. Quem sabe a queda foi ocasionada pela aderência do pneu
traseiro tracionando para a Curva 3? Alguns engenheiros no pitlane acreditam
que em Jerez o problema era ainda pior nas condições ultra-quentes, porque a
frente perdia aderência mais cedo que a traseira, multiplicando a dificuldade à
medida que a corrida avançava.
Uma nota positiva para a Honda, o que quer que a KTM tenha
feito ao seu RC16 este ano, a Pol Espargaro poderá revelar aos engenheiros da
HRC daqui a três meses.
Carlos Alberto Goldani
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