terça-feira, 8 de setembro de 2020

MotoGP - Gravidade da lesão e recuperação de Márquez


Adaptado de original publicado na MotoRaceNation

 

A atual temporada da MotoGP será lembrada pela pandemia de COVID 19 e suas inúmeras consequências no calendário, restrição de mobilidade confinando todo o campeonato na Europa e e pela ausência de Marc Márquez. Muito foi comentado e ainda vai ter manchetes na mídia sobre a lesão do campeão, sua abrangência e a recaída que obrigou o piloto voltar à mesa de cirurgia. Estes acontecimentos resultaram em Márquez descartar definitivamente a temporada 2020 e iniciar a preparação para 2021.

Cadeira vazia

 O que aconteceu para causar esta mudança de atitude e planos, depois de sua fracassada tentativa de competir novamente em Jerez 2?Provavelmente a verdade nunca vai ser divulgada completamente, em busca de uma resposta os editores da MotoRaceNation realizaram um trabalho de pesquisa abrangente, consultando o Dr. Rubén García Ruiz, fisioterapeuta e especialista em osteopatia na avaliação de danos corporais, para emitir a sua opinião baseada nas imagens que foram divulgadas pelo próprio staff do campeão.

Sua primeira avaliação partiu do pressuposto que “coisas ruins acontecem”, o filósofo Forest Gump (personagem fictício criada pela indústria do cinema) imortalizou a gíria em inglês “Shit Happens”. Se uma sucessão de eventos ruins acontece, então as chances de terminarem mal são ainda maiores. Este texto não busca identificar culpados pelo que aconteceu.

O que realmente aconteceu?

Segundo o Dr. Garcia “ a percepção inicial foi que o nervo radial foi afetado, fato descartado na primeira cirurgia. O procedimento cirúrgico foi um sucesso, embora o braço do campeão ficasse parecendo o úmero do exterminador do futuro, todos ficaram surpresos depois de ver o espanhol fazendo flexões três dias após a intervenção. Um atleta profissional deve lutar para estar sempre recuperado o mais rápido possível, mas o que vimos com Márquez foi desumano. O úmero foi submetido a um stress significativo que exigiu um segundo procedimento que, aparentemente, não foi bem sucedido”

 

Twitter de Marc Márquez

O Dr. Ruben entende que a mobilidade da placa “causou uma pseudoartrose no úmero, ou seja, um espaço físico oco que não permite a consolidação óssea adequada”. Esta posição não é oficial porque o sigilo sobre as lesões dos pilotos é absoluto, não sabemos se por razões legais ou de competitividade (já aconteceu outras vezes, por exemplo, com Pedrosa na 250cc quando Alberto Puig, atual diretor da HRC, era seu eu gerente), mas para o especialista “o fato de que desapareceram dos perfis sociais de Marquez todas as fotos sobre a primeira intervenção é um indício...”e oferece pistas sobre a extensão do prejuízo real.




Foi divulgada uma foto de Marquez com um gesso que o cobre até o primeiro dedo da mão direita. E essa foto é significativa: para um resultado normal da segunda intervenção, o gesso não deveria chegar lá. No máximo, até o cotovelo ou talvez um pouco mais baixo.


“Vendo nas redes sociais uma foto não oficial com a placa da primeira intervenção cirúrgica quebrada, é bem possível que o segundo procedimento tenha utilizado um pino intramedular colocado ao longo do eixo do úmero. Esta haste teve que ser inserida do cotovelo e só isso explicaria o gesso ao primeiro dedo da mão direita. É necessário imobilizar completamente o cotovelo. Existe uma segunda hipótese mais arriscada: a segunda intervenção pode não ter sido tão exitosa como deveria”.

O que poderia ter falhado no segundo procedimento?

Para o especialista “o úmero pode, de alguma forma, ter esmigalhado no ponto de ruptura, algo que geralmente acontece neste tipo de intervenção e que poderia explicar o gesso. A verdade é que todo o material e esforço que o osso foi submetido não facilitam a realocar tudo em condições”

A opinião do especialista deve ser avaliada em conjunto com muitos outros fatores para estabelecer um equilíbrio entre o que aconteceu e o contexto da competição: o eterno debate sobre o peso que os pilotos têm ao decidir se podem ou não pilotar a moto ou até onde a opinião médica da organização deve pesar ao declarar um piloto apto ou não para ir à pista, até mesmo o quanto a opinião da equipe deve ser considerada para vetar o piloto ou compartilhar sua ambição competitiva. Talvez seja o caso da Federação Internacional de Motociclismo (FIM) avaliar até que ponto seria intrusivo definir uma escala com dias de recuperação que podem ser exigidos de acordo com o tipo de lesão. Tudo o que aconteceu com Marc Márquez, a pressa para voltar a competir é apenas mais uma consequência do sucesso de sua carreira.



Para estabelecer o alcance da lesão de Márquez, a última foto publicada nas redes sociais do piloto aparece com uma proteção em todo o seu braço direito. Esta proteção só é utilizada para obter uma imobilização total do membro, e só pode ser explicada porque a pseudoartrose no braço do campeão e o deslocamento da fratura foram significativos. Cabe então a pergunta, qual foi o resultado da nova intervenção e que tipo de recuperação está sendo esperada.

A opinião do o Dr. Rubén García Ruiz é que “Márquez terá dificuldade em recuperar o cotovelo e mesmo que volte a pilotar nesta temporada não será com a consolidação completa”.  O cotovelo é uma articulação importante para um motociclista, é por onde é exercida toda a força necessária para pilotar um protótipo.

Todos estes pontos devem ser considerados quando o debate é realizado sobre o equilíbrio entre uma recuperação mais rápida possível para interesses esportivos e o tratamento ou cirurgia mais aconselhável para uma recuperação correta. Na MotoGP usualmente a decisão costuma ser tomada pelo próprio piloto, que assume as consequências.  Um fato não pode ser desprezado, “uma placa é usada para imobilizar, não para substituir a carga de trabalho que um osso está submetido durante a um GP. A MotoGP gira com recursos financeiros vultuosos, o próprio Márquez tem contrato assinado até 2004, não é razoável centrar todas as responsabilidades sobre médicos, este tipo de decisão requer uma análise aprofundada.

Para o bem da MotoGP, só nos resta desejar ao piloto uma pronta recuperação.

 

Carlos Alberto Goldani

MotoGP – Temporada 2020 até agora

KTM RD16 de Pol Espargaro 


No início dos anos 2000 aconteceu a última grande revolução no principal campeonato de motociclismo do mundo. Alinhada com o esforço global de redução da emissão de gases que prejudicam o meio ambiente, a Federação Mundial de Motociclismo (FIM) e as organizações que administram o campeonato mundial comcordaram em regulamentar motores 4-tempos e baniram os poluidores 2-tempos. Em 2002 o campeonato adotou a marca MotoGP e permitiu um período de transição com o uso simultâneo de motos 990cc 4-tempos e 500cc 2-tempos. Neste ano começou a se impor o talento de Valentino Rossi que em uma temporada de 16 GPs obteve 11 vitórias com uma Honda RC211V, 4-tempos. O tupiniquim Alexandre Barros faz parte desta história, iniciou a temporada com uma Honda NSR500 (2-tempos) e trocou nas últimas provas por uma RC211V (4-tempos), equipamento com que conseguiu 2 vitórias.

 

Em 18 temporadas e meia desde 2002 já foram disputados 321 GPs da principal categoria, quase três quartos foram vencidos por apenas 5 pilotos, Valentino Rossi (65), Marc Márquez (55), Jorge Lorenzo (47), Casey Stoner (38) e Dani Pedrosa (31). Destes apenas 2, Valentino e Marc continuam em atividade, Dani e Jorge atuam como pilotos de testes e Casey frequenta as pistas apenas como espectador.

Casey Stoner com a Desmosedici GP7 na Malásia em 2007

 

Entre 2002 e os tempos atuais houveram diversas mudanças que resultaram em vantagens temporárias para um tipo específico de equipamento, por exemplo, quando houve a redução da capacidade volumétrica para 800cc em 2007, a potência do motor Ducati permitiu à fábrica desenvolver um protótipo com desempenho superior aos demais. Com esta máquina Casey Stoner conseguiu 10 vitórias e o título da temporada, o único mundial conquistado com um protótipo da equipe. A alteração da especificação dos motores para 1000cc em 2012 proporcionou 4 anos de vitórias exclusivas das equipes oficiais da Honda e Yamaha. Em 2016 a eletrônica foi padronizada e as fábricas que monopolizaram as vitórias, em grande parte devido à excelência de seu software proprietário, foram surpreendidas com o protagonismo de novos atores, houve 9 vencedores na temporada representando 4 fabricantes.

 

A temporada de 2020 pode de certa forma ser um ponto de inflexão da correlação de forças entre as equipes que disputam a MotoGP. Um novo pneu traseiro produzido pela Michelin necessita de uma nova forma de pilotar para alcançar o seu máximo desempenho. Esta é, talvez, a principal razão para o sucesso de pilotos que normalmente não seriam considerados candidatos a vitórias. São condutores que não tem os chamados vícios de origem, não desenvolveram sua técnica em equipamentos com outro tipo de comportamento. Depois do fenômeno Márquez em 2013, a vitória de um rookie (novato) não era concebível, no entanto aconteceu com Brad Binder em sua 3ª participação em provas do mundial.

 

Valentino Rossi, um nome que é reconhecido como sinônimo de motociclismo esportivo, tem em seu currículo 65 vitórias, 20% dos GPs disputados desde 2002. Rossi não sobe no degrau mais alto do pódio desde Assen em 2017. Sempre considerando a temporada de 2002 como referência inicial, a Honda é a fábrica com o maior número de vitórias, 153, em 2019 venceu 12 das 19 etapas. Este ano os pilotos da fábrica nipônica, depois de 5 provas realizadas, ainda não conseguiram subir ao pódio. Seu piloto mais bem classificado em pontos é Takaaki Nakagami, da satélite LCR, que atualmente ocupa a 6ª colocação com 46 pontos, a frente de Alex Márquez (15º com 15 pontos) e Cal Crutchlow (21º com apenas 7). Embora com o motor esteja atualizado, o chassi utilizado por Nakagami é o modelo 2019.

 

Valentino Rossi em sua Yamaha YZR-M1

 

Durante alguns anos da última década uma pergunta recorrente era qual seria o futuro da MotoGP sem a presença dos seus principais ídolos, Valentino Rossi & Marc Márquez, que atraem multidões aos circuitos. Os dois inclusive dispõem de arquibancadas exclusivas para as suas torcidas, com ingressos vendidos com muita antecedência que ajudam a garantir o retorno financeiro do evento. As primeiras etapas da temporada de 2020 apresentaram a resposta, absolutamente nada. Valentino Rossi está com sérias restrições de equipamento e ainda não encontrou a maneira ideal de lidar com o novo componente traseiro. Marc Márquez está afastado da competição por optar por uma estratégia errada ao tentar apressar a sua volta depois de ter o braço direito fraturado. O seis vezes campeão já ficou afastado de 5 etapas e é quase certo que fique mais duas. A pandemia também obrigou a realização de GPs sem público nos autódromos, um fator adicional para a ausência dos dois ídolos não ser muito sentida. A ausência de Márquez resulta em um campeonato bem mais disputado que em outras ocasiões, com a vantagem de abrir espaços para novos protagonistas.  

 

A temporada de 2020, depois de uma complexa engenharia dos organizadores para programar 14 etapas em um ambiente com restrições de deslocamento causadas pela pandemia, resultou em GPs confinados na Europa e com início no auge do verão. As duas primeiras em Jerez foram realizadas com clima muito quente, não só a ambiente como também a temperatura da pista, que desafiou ao extremo a habilidade e resistência física dos pilotos. Neste cenário a Yamaha foi bem-sucedida, cinco participações em seis pódios. A superioridade apresentada por Fábio Quartararo foi tanta que, com o acidente de Márquez na primeira prova, os mais afoitos prognosticaram que 2020 seria uma reedição de 2019, com a troca do piloto da Honda pelo condutor da Yamaha Petronas.

 

Quatro pilotos e 3 fabricantes dividem as cinco vitórias de provas realizadas até agora, a Yamaha venceu duas vezes com Quartararo, a KTM também venceu 2 com Binder e Oliveira e a Ducati tem 1 vitória com Dovizioso. A Honda, Suzuki e Aprilia ainda não venceram. Binder e Dovizioso são pilotos de representações oficiais, Quartararo e Oliveira disputam por equipes satélite.

 

Na prova da República Checa, terceira do ano, começaram os bons resultados da KTM. A fábrica Austríaca optou por ter apenas um modelo nas provas, as máquinas de Brad Binder e Pol Espargaro da equipe oficial e de Miguel Oliveira e Iker Lecuona da independente Tech3 são da mesma geração. Em Brno e nas duas provas de Spielberg a KTM mostrou um nível de desenvolvimento que a credencia a lutar pelo título.

 

Durante o fim de semana do Grande Prêmio da Styria, antes da KTM conseguir sua segunda vitória na temporada com Miguel Oliveira, Pol Espargaro, o principal piloto da fábrica disse que toda a extensão do progresso do RC16 não estaria completamente clara até o retorno de Marc Márquez. Lembrou que o atual campeão venceu 12 das 19 corridas da temporada passada e está afastado desde que quebrou o braço na abertura do mundial em Jerez. “Tento sempre ser otimista, porém o melhor piloto do grid não está competindo”, explicou Espargaro. “Eu gostaria de comparar com os melhores. Ele não está aqui e eu não sei o que faria, porque Nakagami é muito rápido (com um modelo 2019) e Marc normalmente é mais rápido que ele”. A RC16 é um equipamento muito bom, mas fracassou no calor excessivo das duas provas de Jerez,

 

Espargaro está surpreso com a evolução do equipamento e lembrou que não houve um único avanço em termos de transformar o RC16 em uma máquina de vencedora nesta temporada. O chassi é o mesmo do ano passado, o motor recebeu algumas atualizações e a configuração da eletrônica está bem melhor. Por alguma razão os pneus traseiros, que causaram problemas para algumas fábricas, funcionaram bem com a KTM. Um fato causou estranheza para Espargaro, a KTM respondeu melhor com o pneu dianteiro hard em Red Bull Ring, enquanto Nakagami e os outros pilotos Honda (Alex Márquez, Cal Crutchlow e Stefan Bradl) optaram pelo médio. Exatamente o inverso da temporada passada, onde a Honda sempre usou compostos mais duros do que a KTM.

O sucesso da fábrica austríaca está sendo espelhando na Suzuki, que também vem impressionando em várias pistas nesta temporada, embora tenha conseguido um único um pódio até agora. A moto japonesa tem velocidade, tração e giro. Quando tem pista livre, a GSX-RR tem um ótimo ritmo, como todas as motos com cilindros em linha não é muito eficiente no tráfego.

  

Joan Mir com a Suzuki

 

A FIM (Federação Internacional de Motociclismo) está recebendo muitas críticas de pilotos e dirigentes de equipes depois do segundo GP em Red Bull Ring pela ausência ou excesso de punições no Mundial de Motovelocidade.

O mais irritado de todos é era Johann Zarco que se considera injustiçado por ter sido penalizado para largar dos boxes devido ao acidente que envolveu Franco Morbidelli na primeira prova em Spielberg. Zarco foi explícito ao dizer que não confia no atual Painel de Comissários.  Depois da corrida ganha por Miguel Oliveira vários pilotos e a direção da equipe Suzuki criticaram a falta de critério para aplicação das regras.

Como diria o comentarista de arbitragem da emissora do Jardim Botânico, a regra é clara, o piloto que ultrapassar os limites da pista na última volta é penalizado com a perda de uma posição. Jorge Martin (Moto2) perdeu a vitória em Spielberg por esse motivo, porém a mesma punição não foi aplicada para Pol Espargaro na prova da MotoGP. “Solicitei na Comissão de Segurança para mudar as regras sobre exceder o limite da pista. O que se passou na última curva no GP da Styria foi diferente, Miller foi agressivo na defesa da sua posição e jogou Pol para fora. A forma como aplicam as regras é estranha. Basta imaginar se o asfalto pintado de verde fosse cascalho ou grama, o resultado seria muito diferente. Posso não estar de acordo, mas as regras existem e temos que competir de acordo” explicou Andrea Dovizioso.

Danilo Petrucci, colega de Dovi na Ducati, também contesta as decisões dos comissários: “A maioria dos pilotos não está satisfeita com os comissários porque não existe coerência, O que vale em uma ocasião não é aplicado em outra”.

Aleix Espargaro emprestou a sua voz ao coro de críticos: ”Tenho muitas dúvidas sobre o Painel de Comissários, não estou de acordo com muitas decisões”. Zarco vai mais longe: “Eles não têm um trabalho fácil, mas não confio neles. Não acho que sejam as pessoas certas para o posto que ocupam”. Muitos defendem que Jorge Martín não tirou vantagem ao colocar as duas rodas na zona verde da pista que limita o traçado, mesmo assim penalização foi aplicada e sua vitória transformou-se em um 2º. Outros acreditam que também Marco Bezzecchi, que herdou a vitória, também saiu da pista e não foi punido.

 

Pol excedendo os limites da pista

 

Depois da discórdia na corrida da classe intermédia as decisões, ou a falta delas – do Painel de Comissários na prova da MotoGP foram muito criticadas. Pol Espargaro não teve opção pela forma como Jack Miller protegeu sua posição, saiu dos limites da pista e foi autorizado a subir ao pódio. Na mesma prova Joan Mir foi obrigado a ceder uma posição e a corrida por ter ultrapassado os limites da pista. A direção da Suzuki queria seu piloto no pódio no lugar de Espargaro. O antigo campeão Freddie Spencer lidera os três elementos que compõe o Painel de Comissários.

MotoGP – A nova MotoGP (Styria)

 

Moto de Vinales depois do acidente no GP da Styria

 

A palavra-chave é compromisso. Todos compreendem que um protótipo de competição deve ter um bom desempenho nas 4 principais etapas de uma volta em um circuito: velocidade em retas; frenagem na aproximação das curvas; agilidade na troca de direção e rapidez na retomada da aceleração. Como há uma relação estreita entre o comportamento de cada componente da moto (chassis, aerodinâmica, motor, freios e pneus) é impossível ter um equipamento com performance próxima da perfeição em todos os pontos de um traçado, o ajuste de uma máquina com a uma configuração próxima da ideal em todas as fases define o seu sucesso em uma prova.

A rodada dupla de Red Bull Ring centrou os holofotes nos freios, que na MotoGP são fornecidos pela Brembo, uma empresa italiana especializada em sistemas de travagem. Embora não tenha como a Michelin (pneus) um contrato de exclusividade a Brembo pela excelência de seus produtos, é a única fornecedora destes sistemas vitais para todos os protótipos terem condições de reduzir a rapidamente a velocidade para as 6 fábricas que participam do principal campeonato mundial de motociclismo.

Na avaliação dos engenheiros e técnicos da Brembo, a configuração atual do traçado de Spielberg caracteriza o circuito mais exigente da MotoGP nesta temporada atípica, com um nível de dificuldade pouco superior ao de Barcelona. O estranho desta situação é que a moto mais lenta do grid, a M1 da Yamaha, foi o equipamento que apresentou os maiores problemas de frenagem devido ás às técnicas de condução dos pilotos. As motos mais potentes, basicamente as que utilizam motores com cilindros em V, conseguem maior velocidade nas retas e os pilotos costumam ser mais calmos e controlados ao utilizar os freios. Os que não conseguem um diferencial na velocidade final, motores com cilindros em linha, procuram compensar o tempo perdido travando mais perto das curvas e de maneira mais agressiva, exigindo um esforço extra dos freios.

O incidente com Maverick Vinales que causou a bandeira vermelha na segunda prova na Áustria foi causado por uma falha estrutural no sistema de freios. De certa forma os problemas que atormentaram Fábio Quartararo nas duas etapas realizadas em Red Bull Ring tem a mesma gênese, ele e Vinales estavam freando de uma maneira perto do limite da capacidade dos sistemas da Brembo. Red Bull Ring é a pista mais rápida da MotoGP. As circunstâncias da corrida no último fim de semana contribuíram, várias voltas consecutivas no limite e com os equipamentos muito próximos limitaram o fluxo de ar para o resfriamento dos componentes. Os freios de carbono têm uma janela de temperatura para a sua eficiência, quando ultrapassam os1.000 graus Celsius surgem oxidações, o desgaste dos discos e das pastilhas aumenta drasticamente e o sistema entra em colapso. Alex Márquez que estava atrás da moto de Vinales na curva 1 da volta 17 diz ter visto pedaços de peças, provavelmente pastilhas, saindo da Yamaha antes do sinistro. O relato do piloto é dramático: “Pior experiência de toda aminha carreira. A moto estava fantástica nas primeiras voltas, naturalmente sem velocidade máxima, então comecei a perder a pressão do freio dianteiro. Saí da pista uma vez, fiz três voltas lentas para resfriar o sistema e acelerei para seguir na prova. Quando estava recuperando o tempo, sem aviso os freios sumiram. Decidi saltar para não bater de frente”.

Possivelmente a Yamaha errou nas configurações de seus sistemas de freio na Áustria. Os problemas de Vinales e Quartararo não apareceram nas motos Suzuki, que tem um comportamento muito parecido nas pistas. As escolhas da fabricante não foram adequadas para o nível de exigência do circuito. Todos os pilotos sem exceção tiveram dificuldades com os freios no Red Bull Ring, não foi uma surpresa uma vez que a pista solicita uma contribuição maior dos freios que qualquer outro traçado da MotoGP.

Andrea Dovizioso, com a autoridade de quem venceu a primeira prova da Áustria explica que as motos evoluíram desde a temporada anterior, então os pilotos estão freando cada vez mais. Os técnicos da Brembo acreditam em duas razões principais para o aumento da demanda por freios este ano: melhoria da aerodinâmica dos protótipos e o pneu traseiro da Michelin para 2020. O aero responde pelo maior downforce na área de desaceleração e permite que freiem mais forte. O novo pneu traseiro tem maior aderência, mais tração e obriga aos pilotos a usar mais o freio dianteiro.

 

.Pinça 2019 reforçada utilizada pelo KTM

 

A Brembo disponibiliza para todos os pilotos a mesma variedade de especificações que considera adequadas para cada layout de pista. Quatro discos frontais, dois 320mm (padrão e reforçado) e dois 340mm (padrão e reforçado) e três tipos diferentes de pinça, GP4 2020 e duas variantes da 2019 (padrão e reforçada). As pinças diferem na pressão que exercem sobre os discos e no tamanho das pastilhas para dissipação de calor.

Todos os pilotos usaram discos reforçados de 340mm em Red Bull Ring e a maioria dos competidores escolheram para a frente a pinça reforçada de 2019 ou a pinça 2020 que aumenta a dissipação de calor e tem menos fluido para melhorar a consistência e reduzir o efeito esponja na alavanca. Na primeira prova na Áustria Fabio Quartararo usou a pinça padrão 2019, ficou sem freios na curva 4 e perdeu muitas colocações, na segunda prova mudou para a 2020 e ainda assim enfrentou problemas para manter a temperatura dos freios. Vinales utilizou as pinças 2019 padrão nos dois GPs e não identificou nenhum indício de problema nos treinos, foi o único piloto Yamaha que manteve esta configuração.

Em 2012 a MotoGP alterou os regulamentos de 800cc para 1000cc, as máquinas ficaram mais rápidas e mais pesadas (7 kg), exigindo mais dos freios. No mesmo ano houve um acidente grave com a Yamaha de Ben Spies, porque os freios se mostraram ineficientes. No ano seguinte a Brembo introduziu os discos de 340mm, que atualmente são obrigatórios em alguns circuitos (inclui Red Bull Ring e Barcelona). O maior diâmetro resultou em um aumento da potência de frenagem em 20% e reduziu as temperaturas em 100 graus, mantendo-se bem abaixo do limite de 1.000 graus. A fábrica sugere que a temperatura das pinças seja mantida abaixo de 200 graus, para não aquecer o fluído e não reduzir o curso da alavanca. Administrar a temperatura dos freios é mais uma das preocupações dos pilotos durante uma prova.

Classificação Brembo – Circuitos 2020

 

Um ponto a favor da Yamaha é que apenas o circuito de Barcelona, das 9 etapas que restam na compacta temporada de 2020, tem as características de solicitar muito dos freios. A Brembo utiliza uma escala de 1 a 5 para classificar o nível de exigência do piso e layout dos circuitos em relação as necessidades de frenagens. Misano, Le Mans  & Valência são médios, enquanto Aragon é difícil. O circuito de Portimão no Algarve (Portugal) nunca sediou um GP e pelas características parece um circuito médio.

 

A bandeira vermelha causada pela perda de freios de Vinales foi benéfica para os pilotos que tinham se acomodado na pista e um pesadelo para Joan Mir, que estava a caminho de sua primeira vitória. No GP anterior, Mir e Alex Rins disputaram as primeiras posições com o vencedor Dovizioso e Jack Miller que foi ultrapassado na penúltima curva da última volta por Mir e ficou com a 3ª colocação.

As duas provas no Red Bull Ring foram didáticas, a única maneira de um 4 em linha sonhar com a vitória é evitar o tráfego com os V4. Aconteceu nas duas corridas de Jerez quando Quartararo disparou na liderança, o único sobressalto ocorreu quando Marc Márquez estava na corrida de recuperação antes de seu acidente. A Honda de Márquez era disparada a moto mais veloz da pista, porém o espanhol e sua RC213V não podem ser analisados pela ótica normal, são a exceção que confirmam a regra. A maneira de um piloto equipado com um 4 em linha explorar a sua extraordinária velocidade de curvas é não encontrar V4s no caminho. Se não tiver que defender posições ou ultrapassar motos mais potentes e puder andar despreocupado, será muito difícil de pegar.


Joan Mir,Jack Miller e Taka Nakagami

 

Foi o que Mir fez no último GP, assumiu a liderança e colocou meio segundo entre ele o grupo que o perseguia na 4ª volta. Sem ser atrapalhado pelas V4, pode fazer linhas perfeitas e com 16 das 28 voltas, estava com uma vantagem de 2,4 segundos quando Vinales estourou as proteções de ar causando a bandeira vermelha. A vantagem de Mir foi construída mesmo com quase 6,5 km/h de velocidade máxima a menos que as KTM e Ducati (V4), a interrupção da prova o jogou no meio do tráfego onde não conseguiu desenvolver sua melhor característica. Pelas circunstâncias da prova, o 4º lugar ficou de bom tamanho.

A vantagem da Suzuki (e por extensão das Yamaha) é a velocidade de curva, que permite ao piloto iniciar a retomada de aceleração partindo de uma velocidade inicial mais alta. O novo pneu traseiro, introduzido pela Michelin nesta temporada, aparenta ser mais adequado para os equipamentos com cilindros em linha, as curvas agressivas dos V4 trabalham mais o ombro do pneu, enquanto os propulsores com cilindros em linha utilizam a superfície do pneu traseiro de maneira mais uniforme porque a traseira 2020 da Michelin tem mais aderência entre a borda do pneu e sua área de tração.

O próximo GP está programado para Misano, daqui a três fins de semana. Em 2019 a vitória foi de Marc Márquez com uma Honda e as quatro colocações seguintes foram obtidas por máquinas Yamaha (Quartararo, Vinales, Rossi & Morbidelli). As V4, à exceção da moto do campeão, fracassaram. Esta temporada já ensinou que existem novos atores no espetáculo e que o que aconteceu não serve de base para indicar um favoritismo, Resta uma constatação, Misano tem mais curvas e menos retas que Red Bull Ring. Muita coisa pode mudar.

Uma palavra sobre lealdade. A relação entre Marc Márquez e a Honda nunca foi posta em dúvida, não existe uma única declaração pública do espanhol indicando desagrado com o produto do fabricante. Pelo contrário, na queda de Márquez em Austin no ano passado, a maioria da mídia especializada indicou como causa uma falha do equipamento, o piloto assumiu que tinha sido erro seu. Este comportamento não comum na MotoGP, ao contrário, reclamações contundentes são frequentes quando os resultados não aparecem. Todos lembram da maneira grosseira e chula como Johann Zarco classificou os protótipos KTM em meio a temporada de 2019. Este ano Danilo Petrucci, piloto da equipe oficial da Ducati, declarou que não vê a hora de mudar para uma KTM (tem contrato assinado com a Tech3 para 2021). Os resultados nesta temporada de Dovizioso, Jack Miller e Johann Zarco comprovam que, quando pilotada com competência, os resultados com a moto italiana aparecem. Se Petrucci não consegue, é quase certo que não seja limitação do protótipo. Existe muito pouco respeito de alguns pilotos ao avaliar o produto disponibilizado por seus empregadores. Muitos se comportam como o técnico de futebol que repete o mantra para atender aos entrevistadores: “Eu ganho, nós empatamos, eles perdem”.

MotoGP - Déjà Vu

 

Miguel Oliveira – A primeira vitória do Português

 

Déjà vu é um galicismo que descreve a reação psicológica da ideia de que já esteve em determinada situação, o evento que está sendo vivenciando já aconteceu antes. O termo é uma expressão da língua francesa que significa: "Já visto”.

 

O início desta temporada atípica é um déjà vu do campeonato mundial de 2017. Contextualizando, 2 anos antes em 2015, a equipe oficial da Yamaha conseguiu seu último mundial com uma disputa feroz entre os pilotos oficiais da fábrica nipônica. Jorge Lorenzo, que conquistou o campeonato, foi acusado por Valentino Rossi de ter formado um complô com Marc Márquez para evitar o seu 9º título. Este fato deteriorou a harmonia nos boxes da equipe e gerou um clima belicoso nos boxes em 2016 e, no final da temporada, o espanhol de Mallorca mudou para a Ducati. Agindo com rapidez direção da Yamaha contratou o então piloto líder da Suzuki, Maverick Vinales, para compor com Rossi a representação oficial de fábrica no binômio 2917/2018. Vinales, que já havia obtido sua primeira vitória em 2016 com a Suzuki, conseguiu um início de temporada perfeito na Yamaha, dominou os testes pré-temporada e venceu com autoridade as duas primeiras etapas (Catar e Rio Hondo). Os mais afoitos previram o fim da superioridade da Honda na MotoGP, um novo campeão pilotando uma Yamaha havia surgido. O resto da temporada contou outra história. No final das 18 provas Marc Márquez da Honda venceu o campeonato e só foi desafiado pela Ducati de Andrea Dovizioso. Maverick Vinales ficou com a terceira colocação a 68 pontos do líder. Detalhe, 2017 foi a temporada que marcou a última vitória (Assen) de Valentino Rossi na categoria.

 

Este ano a história se repete. O francês Fabio Quartararo dominou sem oponentes as primeiras etapas do mundial deste ano (ambas as corridas em Jerez). Depois de duas vitórias convincentes e com o acidente que tirou Marc Márquez da competição, a via parecia aberta para coroar um novo campeão, com uma Yamaha em uma equipe satélite. Até a pouca idade do francês foi lembrada para citar uma possível reedição do fenômeno Márquez. O próprio Quartararo em conversas informais dizia que estava tomando cuidados redobrados porque o seu maior adversário este ano seria a Covid-19.

 

As provas em circuitos não tão favoráveis à extraordinária velocidade de curva da Yamaha contam uma história diferente. O primeiro acidente de percurso para o piloto da Petronas aconteceu em Brno (República Checa), onde sua moto fracassou e ele obteve apenas a 7ª colocação, enquanto seu colega de equipe chegou em 2º lugar. A maionese desandou em Red Bull Ring, onde seu desempenho caiu para 8º no primeiro GP e 13º na segunda prova. A reação de Quartararo foi o padrão destas ocasiões, culpou o equipamento. A liderança folgada que se desenhava nas duas provas iniciais foi drasticamente reduzida, agora apenas 4 pontos o separam das Ducati de Dovizioso e Miller.

 

A boa notícia para os pilotos que ambicionam o título deste ano é que Marc Márquez deve perder as 2 ou 3 próximas provas, resultado de sua insistência em voltar a competir sem ter a fratura consolidada. As más notícias são mais numerosas, a KTM está em uma crescente evolução, não só com os pilotos da equipe oficial, um da satélite Tech3, Miguel Oliveira, conseguiu uma vitória na última etapa. Pol Espargaro tem apresentado um ritmo consistente de prova e obter bons resultados é só uma questão de detalhes, lembrando que foi envolvido em dois incidentes em Brno e na primeira prova da Áustria. A Suzuki, embora sem contar com Alex Rins em plena forma, disputou em condições de igualdade com os motores V4 em Red Bull Ring, Joan Mir pilotou um equipamento com condições de desafiar os líderes na segunda prova e foi prejudicado com a paralização da prova pela bandeira vermelha. A Ducati já venceu nesta temporada e as satélites Pramac (Miller)  e Avintia (Zarco) são assíduos na disputas pelas  primeiras colocações.

 

Oliveira, Miller & Espargaro na última curva – Styria 2020

 

Depois de 5 etapas neste estranho campeonato, uma constatação é evidente, a dinâmica da MotoGP está diferente. Quando Marc Márquez está no grid, as chances de pódio dos outros pilotos reduzem em 1 terço. No ano passado a campeão esteve presente no pódio 17 vezes em 18 GPs e abriu uma diferença de mais de 150 pontos sobre o segundo colocado, lembrando que todos os que acompanham a MotoGP são unânimes em dizer que a sua Honda não era a melhor moto do grid. O histórico do piloto espanhol justifica a fama de ser um ponto fora da curva. A sabedoria popular ensina que que quando o gato não está presente os ratos tomam conta. As disputas nesta temporada estão muito equilibradas, metade do grid tem legítimas aspirações de vitória Quatro vencedores em cinco provas mostram que é grande a disputa.  O último pódio na Áustria, com duas KTM e uma Ducati, foi a primeira vez em 47 ano em que não tinha um representante de uma fábrica japonesa (o GP da Suécia em 1973 foi de duas MV Agusta italianas e uma  Konig alemã).

 

Em 1999 quando Mick Doohan sofreu o acidente, por coincidência em Jerez, que encerrou sua carreira um fenômeno semelhante aconteceu. Houve seis vencedores diferentes em 16 GPs. Sem a presença de Doohan, o pódio mais próximo de todos os tempos aconteceu na Austrália em 1999, apenas 0,124 segundos separaram o vencedor do 3º colocado. Em 2020 já houve 4 vencedores em 5 provas, resultado que comprova que os pilotos de pelo menos 5 fabricantes diferentes (a Aprilia ainda não está no nível das outras) tem condições de vencer.

 

Um outro indicativo que os equipamentos estão andando mais próximos é o número de toques, acidentes e incidentes que aconteceram na MotoGP nos últimos três fins de semana (Brno Red Bull Ring). A tendência é que esta situação seja mantida até a última semana de novembro.


Bandeiras vermelhas decidiram a prova

 

As bandeiras vermelhas foram decisivas nas duas etapas de Red Bull Ring. Na primeira prova deu fôlego para Andrea Dovizioso que estava apagado e de certa forma estava prejudicou Pol Espargaro, que estava em ritmo excelente abrindo na liderança. Neste último fim de semana possibilitou a correção de um erro de escolha de Miguel Oliveira, que largou com o pneu dianteiro médio e nas primeiras voltas sentiu que não era adequado. Durante a bandeira vermelha trocou para o composto hard que melhorou em muito o desempenho da sua KTM. O desfecho da prova também foi influenciado por um erro de sinalização dos boxes, que induziu Pol Espargaro a uma alteração no modo de conduzir a moto. O box sinalizou na última volta que ele estava +0 na frente de Miller. O cronometro na verdade indicava que havia alguma distância entre eles. Baseado na informação recebida o piloto adotou uma linha defensiva, utilizando um percurso diferente do que estava fazendo e freando onde havia menos borracha na pista. Pela frenagem não ser tão eficiente acabou abrindo demais uma curva e foi ultrapassado. Conseguiu recuperar a liderança, mas voltou a abrir demais na última curva, desta vez induzindo Jack Miller a cometer o mesmo erro e ambos entregaram a vitória para Miguel Oliveira.

 

Maverick Vinales – Nervos de aço

 

Lupcínio Rodrigues, cantor e compositor brasileiro conhecido por ter inventado a dor de cotovelo, descreveu em uma das suas composições o tipo ideal de piloto para a MotoGP: “Pessoas com nervos de aço”. O acidente que causou a bandeira vermelha na última etapa aconteceu com o piloto da Yamaha Maverick Vinales. O Red Bull Ring pode ser definido como 3 km de arrancada com um miolo, as retas do autódromo permitem velocidades de mais de 300 km/h. Quando se aproximou do final da reta mais veloz, o piloto descobriu que estava totalmente sem freios e um choque frontal com a proteção de ar que antecede a defensa metálica era inevitável. Vinales não hesitou, apesar da velocidade, (segundo a telemetria a 230 km/h)  pulou da moto em movimento e deslizou pelo asfalto e brita, enquanto sua Yamaha se chocava violentamente com a proteção.  O equipamento ficou destruído, o piloto íntegro. A Brembo, fornecedora da Yamaha havia recomendado que todos os protótipos deveriam usar o novo sistema de freios desenvolvido para 2020, com pinças maiores e melhor desempenho. A moto de Vinales era a única da fábrica que não estava utilizando este novo mecanismo.

MotoGP – Etapa 4 de 2020 (Red Bull Ring)

 


Na reta mais rápida do Red Bull Ring, que não é uma das mais rápidas do campeonato, os pilotos atingem velocidades perto de 315 km/h, contornam a curva 2 e reduzem para entrar na 3, que é feita a 75 km/h. Uma sequência arriscada e complexa, principalmente quando os pilotos estão disputando posições e tem equipamentos com performance muito semelhante. É um procedimento complicado, a moto está desenvolvendo mais de 300 km/h, o piloto precisa acionar o freio dianteiro com uma inclinação de 50° na curva 2, com a certeza que, se algo acontecer, é possível que as motos deslizem até a curva 3.

 

Johann Zarco – Avintia

 

No final do ano passado a Dorna, administradora da MotoGP, realizou um grande esforço para arrumar uma equipe para Johann Zarco. Foi uma decisão pragmática endereçando o mercado francês, onde o piloto tem grande popularidade. Os franceses defendem os interesses de sua pátria e, por extensão, de seus conterrâneos. Fabio Quartararo é francês de nascimento e embora seja mais bem-sucedido, desenvolveu toda a sua carreira na Espanha, Zarco é considerado um francês legítimo e tem a preferência do público. Negociando com fabricantes e donos de equipes independentes, a Dorna conseguiu colocar Zarco na Avintia, com uma moto Ducati de 2019 e garantia de assistência técnica da fábrica. Nas três etapas que antecederam o primeiro GP em Red Bull Ring, Zarco foi 11º e 9º nas provas escaldantes de Jerez e surpreendentemente o 3º colocado em Brno, na frente das Ducati GP20 da equipe oficial e da satélite Pramac. É considerado um piloto impetuoso, suas manobras na pista nem sempre são bem aceitas por outros competidores. Na República Checa ele esteve envolvido em uma colisão que que causou a queda de Pol Espargaro e na primeira prova na Áustria foi acusado de causar o acidente que causou a bandeira vermelha ao tentar defender a sua posição.

 

Na 8ª volta da prova no Red Bull Ring Zarco abriu demais a curva 2 e a partir deste ponto as versões divergem. Zarco diz que não teve opção e buscou a tomada para a curva 3 sem ter notado a presença da moto de Morbidelli. Alguns observadores entendem que o francês sabia a posição da Yamaha 21 e tentou proteger a sua colocação fazendo uma manobra defensiva, Morbidelli ficou sem opção e sua roda dianteira chocou com a traseira da Ducati. Lembrando, era um dos trechos de velocidade mais alta de toda a pista. Morbidelli caiu e sua moto desgovernada foi capotando até a curva 3, onde passou como um projétil pelo estreito espaço entre Vinales e Valentino que estavam saindo da curva. O equipamento de Zarco, depois de descartar o piloto, continuou rodando alinhado e em linha reta, comandado pelo movimento giroscópio, até bater na proteção da defensa metálica e ser catapultado de volta para a pista, passando a centímetros do capacete de Vinales. Por milagre os dois pilotos da Yamaha oficial não foram atingidos e os dois diretamente envolvidos no incidente não sofreram ferimentos graves.

 

Moto de Morbidelli passando entre Vinales e Rossi

 

Ducati de Zarco passando sobre Vinales

 

Destroços da Ducati GP19 de Johann Zarco

 

No calor da emoção as críticas ao piloto francês foram excepcionalmente cáusticas, Morbidelli disse que Zarco é um assassino em potencial e Valentino Rossi apelou para a intervenção dos organizadores porque, em suas palavras, “Ele está louco”. Muitos pilotos quando reduzem a velocidade procuram fechar a porta para impedir a oportunidade de ultrapassagem de quem vem atrás. Na opinião de Valentino, Zarco abriu demais e travou para Morbidelli não o ultrapassar. “Isto é muito perigoso quando se está acima de 300km/h, Morbidelli nunca teve qualquer oportunidade de evitar a batida”.  A atitude do francês pôs em risco todos os que estavam na pista.

 

O comportamento de Johann Zarco nas pistas não é exatamente de um piloto preocupado com a segurança. Dani Pedrosa lembra que ele sempre está envolvido em situações controversas. Um toque de Zarco derrubou Dani na Argentina em 2017, no mesmo ano nas vésperas da última e decisiva etapa em Valência a mãe de Marc Márquez afirmou para a mídia que temia que um acidente com Zarco impedisse a conquista do campeonato pelo filho. A equipe do gaulês liberou dados da telemetria que, segundo afirmam, comprova que o piloto não causou o acidente, a Federação Francesa de Motociclismo também saiu em defesa do piloto. Valentino Rossi abrandou as críticas ao dizer que talvez não tenha sido proposital, mas com certeza foi uma ação irresponsável que colocou em risco todos os pilotos. Por sorte Zarco não vai estar presente na segunda prova de Red Bull Ring, o que pode servir para acalmar os ânimos.

 

Parte da culpa pode ser repartida entre as características do autódromo e os regulamentos da MotoGP. O livro de regras da competição está orientado para todos os participantes terem possibilidades de vitória, os protótipos que disputam a competição estão com o desempenho muito semelhante. Durante os últimos dez anos, as regras técnicas para MotoGP, Moto2 e Moto3 foram reescritas inúmeras vezes para reduzir a diferença de performance entre diferentes máquinas de modo a tornar as corridas mais emocionantes.

 

Esses regulamentos criaram provas com muitas disputas. Novos recordes, quando acontecem, sempre são com uma diferença mínima sobre os anteriores. Um documento publicado pela organizadora da MotoGP, com estatísticas elencando as 10 corridas com a menor diferença entre os 15 primeiros colocados nos 71 anos do mundial indicou que todas são das últimas 3 temporadas.

 

Quando os pilotos usam protótipos e pneus muito semelhante, os tempos por volta tem uma diferença mínima e durante as provas os pilotos ficam muito próximos. Esta é a magia da MotoGP, é ótimo para os espectadores, porém tem consequências. Aumenta a possibilidade de contatos entre os pilotos como também torna as ultrapassagens mais complicadas, o comportamento das motos é semelhante nas frenagens, em curvas ou em retas. Nos dias atuais é quase impossível fazer uma ultrapassagem limpa, a menos que o piloto na frente cometa um erro.

 

 

A consequência é que pilotos se arriscam e usam mais agressividade quando estão tentando passar uns aos outros, ou tentam bloquear os que vem atrás. Nestas condições as colisões são inevitáveis. A natureza humana indica que é necessário procurar um culpado, quando em muitas vezes a responsabilidade por uma ocorrência é difusa.

 

O GP da Áustria

A sabedoria popular é baseada no senso comum, está presente em nosso cotidiano e passa de geração a geração. É lícito afirmar que esse tipo de conhecimento é culturalmente aceito, o que não garante a sua validade. A cultura popular resulta da observação de fatos que se repetem e não obrigatoriamente está correta.  Não é possível confiar nesse tipo de conhecimento como se acredita na ciência, mas também não pode ser desconsiderado, não estabelecer uma metodologia de testes comprobatórios não implica necessariamente que está errado.

 

Os exemplos encontrados na MotoGP são inúmeros. A Honda, fabricante mais vitoriosa desde que as bases das regras atuais foram estabelecidas em 2002 (motores de 4 cilindros e quatro tempos), devia saber o que todos os comentaristas esportivos, usualmente profetas do acontecido, sempre afirmam: “Quem tem um, pode não ter ninguém”. Quando Dani Pedrosa foi aposentado no final de 2018, todas as esperanças da equipe foram centradas na habilidade de Marc Márquez e no currículo de Jorge Lorenzo. A junção de dois pilotos campeões do mundo não funcionou, Márquez continuou a apresentar bons resultados, porém diversos acidentes prejudicaram Lorenzo que, desencantado, solicitou desligamento da equipe no final da temporada passada. Sem alternativas no mercado, a Honda acreditou que competência era genética e contratou o campeão da Moto2 Alex Márquez, irmão de Marc, que ainda não justificou o investimento. Com o acidente de Marc Márquez na prova de abertura da temporada (fraturou o úmero), somado com a infelicidade de Cal Crutchlow, principal piloto da equipe satélite LCR no mesmo fim de semana (fraturou o escafoide), a Honda ficou sem os seus dois melhores pilotos e conseguiu zero pódios nas 4 provas já realizadas. Os poucos pontos que somou para o mundial de construtores foram em sua maioria obtidos com uma RC213V modelo antigo (2019), tripulada por Takaaki Nakagami, Alex Márquez e Stefan Bradl comparecem apenas como figurantes. Nada indica que vai haver mudanças no próximo fim de semana (segunda prova no Red Bull Ring), considerando que o campeão do mundo continua ausente e o britânico ainda não está nas melhores condições.

 

A KTM, que investiu muito nesta temporada, também está amargando os resultados de outro ditado popular: “Goleiro azarado não joga na seleção”. Embora a fábrica tenha conquistado a primeira vitória na República Checa com o novato Brad Binder, seu principal piloto, Pol Espargaro, foi afastado da disputa em Brno por uma manobra atrapalhada de Johann Zarco (sempre ele) quando tinha um ritmo consistente que o creditava para a vitória. No primeiro GP da Áustria, onde liderava, a prova foi interrompida por bandeira vermelha. Depois da relargada não reprisou o seu desempenho brilhante do início e caiu em consequência de um toque com Miguel Oliveira.

 

Pol Espargaro e Miguel Oliveira

 

Nesta temporada o protagonista tem sido do clima. Nas duas provas Jerez foi o calor, em Spielberg, embora o radar meteorológico de grande confiabilidade tenha previsto chuva, o dia da primeira corrida na Áustria esteve ensolarado. Foi um drama em dois atos, um acidente entre Zarco e Morbidelli causou uma bandeira vermelha, que serviu para quebrar o ritmo da KTM de Pol Espargaro, que estava liderando a prova. A corrida foi atípica, com muitos acidentes.

 

Previsível foi o resultado, vitória de Andrea Dovizioso, que manteve o histórico perfeito de cinco vitórias da Ducati nas cinco GPs realizados no circuito. Dovizioso, que no dia anterior havia confirmado que não estaria na equipe no próximo ano, conquistou a 50ª vitória da fábrica, ratificou o seu histórico pessoal de, em número de vitórias para a Ducati na classe principal, só perder para Casey Stoner (23 de Casey e 15 de Dovi). As Ducati, que utilizam recursos que alteram por comandos mecânicos/hidráulicos o ajuste da geometria (metamorfo), são particularmente eficazes nas grandes retas de Red Bull Ring.

 

As Yamaha que assombraram nas etapas de Jerez (5 pódios em 6 possíveis) não repetiram o bom desempenho, Valentino Rossi obteve a 5ª colocação, a melhor classificação entre os equipamentos da fábrica. As esperanças no desempenho de Quartararo, Vinales e Morbidelli não corresponderam às expectativas, o francês, atual líder do campeonato, ficou desconsolado. Como Alex Márquez venceu o mundial de Moto2 na temporada passada por escassos 5 pontos, o seu objetivo era abrir uma vantagem na liderança da pontuação que proporcione alguma tranquilidade quando Marc Márquez voltar a competir, os poucos pontos obtidos na Áustria foram decepcionantes.

 

A fábrica que desafiou a superioridade das Ducati neste traçado (que parece ter sido projetado para as características do equipamento) foi a Suzuki, garantiu o primeiro pódio de Joan Mir com uma ultrapassagem fantástica por Jack Muller na última volta, conseguindo a 2ª colocação. Alex Rins, ainda sem as melhores condições, caiu enquanto tentava alcançar a liderança. 

 

A referência da 3.155º GP do Mundial de Motociclismo com certeza vai ser o incidente entre Zarco e Morbidelli, não pelo que foi, mas pelo que poderia ter sido. Como sempre acontece nestes casos houve uma divergência de narrativas, muitos acusando a temeridade de Johann Zarco, uns poucos dividindo as consequências com falhas do circuito.