terça-feira, 31 de março de 2020

MotoGP – Involução





Desmosedici GP20





Em tese, o campeonato mundial de motovelocidade deveria ser um laboratório de pesquisas, estimular o desenvolvimento de tecnologias que pudessem ser revertidas em lucros após serem transferidas para as motos comerciais. Administrado por quatro entidades, Federation Internationale de Motocyclisme (FIM), Dorna Sports S.L. (comercialização), International Road Racing Teams Association (IRTA – equipes participantes, fornecedores & patrocinadores),  Motorcycle Sports Manufacturers’ Association (MSMA - fabricantes) e utilizando a marca registrada de sua classe principal, MotoGP, é a categoria máxima do motociclismo e o mais antigo campeonato do mundo de esportes motorizados – o primeiro ano de competição oficial aconteceu em 1949.



Aos poucos mudaram as características que orientaram a competição, nem sempre em busca de contribuições tecnológicas criativas. As entidades administradoras entenderam que, sem condições reais de disputa, as equipes privadas sem orçamentos robustos teriam dificuldades em conseguir patrocínios e abandonariam o grid. Em 2011 a Suzuki, que fez história com Barry Sheene em 1976/1977 e conseguiu seu último mundial em 2000 com Kenny Roberts Jr., retirou-se da competição alegando um crescimento de despesas sem nenhuma contribuição significativa para a sua linha de produção comercial (a fábrica japonesa retornou em 2015).



Entre as temporadas de 2011 e 2015 foram realizadas 89 provas, vencidas exclusivamente pelas equipes oficiais da Honda (55) e Yamaha (34). A principal razão desta hegemonia das fábricas nipônicas foram os investimentos em software embarcado, que facilitavam extraordinariamente o trabalho dos pilotos. Em 2016 o regulamento obrigou o uso da ECU (central eletrônica padronizada) para todos os participantes, na época Honda e Yamaha disseram que era um retrocesso colossal, Valentino Rossi chegou a comparar a eficiência do hardware/software da Magneti Marelli com o que sua máquina utilizou mais de 10 anos atrás. Simultaneamente no mesmo ano houve a troca de fornecedor exclusivo de pneus (saiu a japonesa Bridgestone e entrou a francesa Michelin). Os resultados foram imediatos, na temporada de 2016 aconteceram vitórias de 9 pilotos diferentes pilotando protótipos de 4 fabricantes (Honda, Yamaha, Ducati e Suzuki).



O sucesso da iniciativa, que ao restringir o uso de tecnologia elevou o nível de competitividade, animou as equipes com menor capacidade financeira e criou problemas para os projetistas. O engessamento das características dos protótipos não permite grandes exercícios de criatividade, todos os ganhos de desempenho têm que explorar áreas não muito detalhadas (zonas cinzentas) do regulamento geral da competição.    



Como sempre acontece, dificuldades são quase sinônimo de oportunidades. A Ducati concordou em compartilhar resultados e participou ativamente no desenvolvimento e testes da ECU padronizada. A recompensa surgiu quando a Magneti Marelli apresentou o conjunto de hardware/software para ser utilizado compulsoriamente por todos os participantes, os protótipos produzidos em Borgo Panigale foram os que melhor aproveitaram os recursos que a novidade tinha a oferecer. Após um período de ostracismo entre 2011 e 2015 depois da era Stoner sem frequentar o degrau mais alto do pódio, a equipe Ducati voltou a vencer, inclusive se credenciando como uma das principais aspirantes ao título.



As reclamações da Yamaha e Honda foram procedentes. Comparado com as funções abrangentes e específicas dos softwares proprietários das fabricantes, o produto da Magneti Marelli é simplório. A versão tornada obrigatória em 2016 implementa anti-wheelie, aceleração, freio motor e controle de tração, utilizando basicamente a limitação da potência do motor de uma maneira muito simplista, dificultando a condução da moto. Exemplificando, na retomada de velocidade com o software proprietário, o piloto abria totalmente o acelerador nas retomadas de velocidade e a eletrônica controlava a dosagem ideal para não permitir que a roda traseira girasse em falso. A versão obrigatória atual trabalha no resultado coletado por sensores, se a roda motriz excede a capacidade do grip, o software comanda uma redução de potência cortando a ignição de um ou mais pistões. O resultado não é apropriado, o torque é reduzido de uma maneira agressiva prejudicando os tempos por volta.



Em uma competição quase sempre decidida na casa de centésimos ou milésimos de segundo, qualquer vantagem é significativa e os engenheiros da Ducati descobriram que a engenharia reversa do software da Magneti Marelli pode ser útil, utilizando soluções mecânicas e a habilidade dos pilotos para substituir as decisões do computador. O anti-wheelie, por exemplo, foi endereçado na aerodinâmica das motos, a solução mais óbvia foi a utilização de asas (winglets) para criar downforce na roda dianteira. Todas as equipes acabaram copiando a ideia, os protótipos da MotoGP ficaram com o aspecto semelhante aos bandidos dos filmes mexicanos, todos com enormes bigodões. A gestão da MotoGP acabou banindo os apêndices alegando falta de segurança e a aerodinâmica passou a ser gradativamente integrada à carenagem do quadro.



A ausência de um equipamento muito superior aos demais aumentou a importância de pequenos ganhos de desempenho. Desde o final de 2018 alguns equipamentos Ducati utilizam o holeshot, um dispositivo mecânico que aumenta a eficiência na largada. Com uma chave manual o piloto aciona um mecanismo hidráulico que reduz a altura da suspensão traseira, proporcionando maior grip na roda motriz. O mecanismo atua de modo a iludir o controle de aceleração da ECU, o ganho é mínimo, só funciona durante a reta de largada e pode ajudar a colocar o equipamento na liderança por milésimos de segundo, que podem ser valiosos no final de uma prova. Este tipo de recurso já era utilizado no Motocross e como toda a novidade está sujeito a falhas. No GP de Silverstone em 2019, a reta de largada curta limitou a ação dos freios, a desaceleração não foi suficiente para desarmar o mecanismo de Jack Miller, que perdeu muito tempo ao percorrer as primeiras curvas com a suspensão baixa. Existe também um problema que fatalmente vai acontecer, Aprilia e Yamaha já estão testando um dispositivo semelhante e é provável que a Honda também tenha algo neste sentido, ou seja, a pequena vantagem atual da Ducati tem seus dias contados. Considerando que o pior lugar para haver um acidente é a primeira curva depois da largada onde 22 motos estão acelerando muito próximas umas das outras, qualquer acidente pode ser muito complicado. Se todos os fabricantes têm um ganho semelhante e sua utilização pode potencializar problemas, é provável que seja banido pelo regulamento.



Na primeira prova da temporada passada (2019) as GP19 da Ducati apresentaram outra novidade, uma “colher” montada no braço oscilante alegadamente para esfriar o pneu traseiro, na verdade uma maneira de aumentar o downforce para manter a roda motriz em contato com o asfalto nas velocidades mais altas, durante a aceleração e durante a frenagem. Foi uma maneira que a Ducati encontrou para aproveitar omissões do regulamento e burlar o software simplista da ECU que controla a tração, principalmente no uso do freio-motor. O controle de frenagem do motor tem por finalidade fornecer a quantidade correta para ajudar a retardar a moto e permitir a troca de direção nas curvas. Sua atuação é abrindo e fechando os corpos do acelerador no sistema de injeção de combustível para aumentar ou diminuir a rotação. Com muita frenagem do motor e o pneu traseiro derrapa, com pouca a moto não desacelera o necessário. Melhorar o contato entre pneu/asfalto na traseira da moto aumenta a aderência e permite maior eficiência freio-motor. O resfriamento dos pneus também é importante porque a especificação do controle de tração atua sobre o giro das rodas que, se for excessivo, sobreaquece e degrada os pneus rapidamente.



Nas últimas etapas da temporada passada a Ducati introduziu um novo recurso hidráulico/mecânico para usar a Lei de Gerson, “Levar vantagem em tudo”. Um mecanismo semelhante ao que já foi utilizado em equipamentos para Mountain Bike e é chamado pela mídia europeia de metamorfo, funciona de modo muito semelhante ao holeshot, comprimindo o amortecedor traseiro para baixar o centro de gravidade da moto. O dispositivo atua em duas áreas, quando acionado (baixa a suspensão traseira) colabora com o anti-wheelie, quando liberado altera o perfil aerodinâmico reduzindo o arrasto para alcançar a velocidade máxima. Também neste item não há propriamente uma inovação, é exatamente o que fazem as asas da Fórmula 1.

Existem duas maneiras de interpretar o regulamento da competição, (1) a leitura convencional e utilizar tudo o que é permitido e (2) aproveitar todos os recursos que não são expressamente proibidos. Os engenheiros da Ducati optaram pela segunda opção com uma leitura criativa das regras, resgatando conceitos que já haviam sido adotados em outras competições (Motocross, Mountain Bike e Fórmula 1) para desenvolver mecanismos que, associados com a habilidade dos pilotos, possam burlar as limitações da ECU Magneti Marelli. A fábrica italiana não poupa esforços para fornecer aos seus pilotos equipamentos para tentar quebrar a hegemonia da Honda.






MotoGP – Detalhes tão pequenos...






A RC211V foi um protótipo desenvolvido pela Honda com motor 4 tempos, lançado em 2001 para substituir a legendária NSR500 2 tempos. A mudança da MotoGP para motores de 4 tempos aconteceu quando os grandes fabricantes foram pressionados a encerrar a produção industrial dos motores de 2 tempos pela emissão excessiva de poluentes. Não havia lógica para os fabricantes continuarem investindo no desenvolvimento destes motores se a tecnologia não puder ser portada para as motos comerciais. A mudança de 2 para 4 tempos exigiu uma nova curva de aprendizado, que resultou, cinco anos depois, na MotoGP V4 (800cc) RC212V, conservando a ideia básica da centralização das massas com o objetivo de melhorar o comportamento dos protótipos ao longo das corridas.



Importante para o balanceamento e bom desempenho é a localização do centro de gravidade do equipamento e uma das opções é utilizar o espaço atrás do assento do piloto para transportar controles eletrônicos, câmera embarcada, amortecedores de massa e outros componentes. Deslocar peso para a parte de trás da moto ajuda a amortecer a ressonância criada por sistemas rotativos como o contato do pneu traseiro com a pista, um dos grandes obstáculos para manter o controle do equipamento em voltas rápidas. Um efeito chamado “chatter” é resultado de uma vibração de alta velocidade identificada entre os pneus e a pista, criada pela incompatibilidade harmônica entre várias partes da moto. “Chatter” excessivo é quase um sinônimo de queda.



A justificativa científica para amortecer a vibração deslocando massa para a traseira do equipamento é simples: o momento da inércia aumenta em relação ao quadrado da distância, então adicionar peso que longe do centro de massa da motocicleta é uma ótima maneira de combater o “chatter”.



Os protótipos de corrida são incrivelmente sensíveis ao efeito “chatter”. Em 2012, quando a Bridgestone, então a fornecedora exclusiva de pneus, mudou no meio da temporada a consistência do componente dianteiro para um composto mais macio, a RC212V da Honda sofreu muito com os fenômenos causados pela ressonância, com sérios problemas de dirigibilidade para Casey Stoner e Dani Pedrosa em algumas corridas. Na época os engenheiros da HRC ficaram perplexos com a extensão das vibrações reportadas pelos pilotos, principalmente porque a telemetria indicava que se manifestavam de forma diferente nas curvas para a direita e para a esquerda. Como os desenhos dos autódromos não são simétricos e o conjunto de forças que atua sobre a moto varia em cada curva, os engenheiros custaram a identificar que a causa era o centro de massa levemente deslocado para um dos lados, uma anormalidade quase imperceptível, mas que causava um resultado devastador. Embora a diferença fosse mínima, a vibração era ampliada pela ressonância gerada pelo movimento rotativo da roda motriz e os outros componentes (virabrequim) do protótipo. O conceito de ressonância na mecânica dos movimentos define o fenômeno que um sistema cíclico, em algumas frequências específicas, provoca a oscilação de outros sistemas com amplitude maior. Nessas condições até mesmo forças periódicas pequenas podem produzir vibrações de grande amplitude, uma vez que o sistema armazena energia vibracional.



Embalar uma moto de corrida compactando componentes revestidos por soluções aerodinâmicas nunca é fácil, mas fica cada vez mais desafiador na MotoGP à medida que as fábricas buscam ganhos cada vez menores em desempenho. Por fim, é importante lembrar que os fabricantes não buscam só maior aceleração em linha reta pelas razões mais óbvias, além de maior equilíbrio durante as frenagens e facilitar a retomada depois das curvas, o aumento da velocidade máxima diminui o estresse no pneu dianteiro, o piloto não precisa deixar a frear a moto muito perto do contorno para compensar tempo perdido. A Honda está particularmente interessada em reduzir o calor em seus pneus dianteiros para que os irmãos Márquez, Cal Crutchlow e Takaaki Nakagami possam completar os GPs utilizando compostos mais macios.



A pandemia do Corona Vírus está gerando um clima de incertezas, não só em relação as datas dos GPs, mas principalmente porque os fabricantes perderam as referências dos testes conjuntos. Algumas equipes e pilotos, e o exemplo mais significativo é do atual campeão do mundo e da Honda, ganharam mais prazo para consolidar a condição física e recuperar o atraso no desenvolvimento de seus protótipos. A especificação dos motores ainda não está lacrada, ou seja, as equipes ainda estão trabalhando em seu desenvolvimento e as observações comparativas coletadas nos últimos testes podem não ser mais válidas.



A parte financeira também foi seriamente afetada, e de modo desigual. Os seis fabricantes que disputam a categoria máxima são em parte subsidiados pela MotoGP. O mesmo ocorre com as equipes das categorias menores (Moto3 e Moto2), embora em valores muito mais baixos. A ausência de GPs interrompeu o fluxo de caixa da entidade organizadora e os orçamentos têm que ser cuidadosamente reavaliados. Existem diversos pontos contratuais pendentes de análise, os prejuízos causados pela pandemia atingiram os também os patrocinadores e a maioria dos contratos está vinculada ao número de GPs, que nesta temporada ainda não está definido.



Os campeonatos de esportes motorizados ficam inviabilizados se houver GPs sem público. Ao contrário de outras modalidades onde os ginásios ou arenas costumam ser propriedade das equipes ou clubes, autódromos são mantidos por instituições autônomas que arcam com os custos de manutenção e pagam valores significativos pela oportunidade de hospedar algum evento. Uma corrida sem assistentes mantém as despesas e priva as entidades de administração de receitas, não só na venda de ingressos, também do aluguel de espaços para comercialização de alimentação e produtos relacionados, sem citar que marcar uma prova sem espectadores acaba com a indústria do turismo na região. O recente cancelamento do tradicional TT Isle of Man privou a dependência britânica de uma fonte importante de recursos (fluxo de turistas) para equilibrar seu orçamento anual.



Nas disputas pessoais ou entre equipes praticadas em quadras ou locais fechados os atletas podem ser incentivados por aplausos ou influenciados por vaias dos espectadores. O motociclismo é um esporte onde desde a autorização da largada o piloto fica solitário, isolado do que acontece fora de seu cockpit. Ovações ou apupos tem pouco significado durante a prova, portanto a presença ou ausência de público não é um fator relevante para o resultado de uma competição. 



Carlos Alberto


sexta-feira, 13 de março de 2020

MotoGP - A vida imita a ficção


Circuit of the Americas Abandonado


A Guerra dos Mundos (The War of the Worlds) é uma livro de ficção escrito por Herbert George Wells, um britânico que publicou a obra em capítulos a partir de 1987. O conteúdo descreve a invasão do planeta Terra por uma raça de extraterrestres com um nível de tecnologia incompatível com os nossos padrões de referência. Após um início avassalador onde colecionaram diversas vitórias, sugerindo inclusive a possibilidade de extinção da raça humana, os invasores alienígenas foram derrotados por um detalhe prosaico, a vulnerabilidade a uma bactéria abundante em nosso meio para a qual não tinham nenhuma defesa.



A temporada de 2020 da MotoGP está sendo sabotada por outro microrganismo, formado basicamente por uma cápsula proteica envolvendo o material genético, uma variante do vírus Corona, que causa sintomas semelhantes a uma gripe extremamente agressiva. O termo vírus em Latim significa fluído venenoso ou toxina e é normalmente utilizado para descrever agentes biológicos, além de designar, metaforicamente, qualquer coisa que se reproduza de forma parasitária e descontrolada como, por exemplo, um vídeo na internet. Não é a primeira vez que este tipo de mutação de um vírus conhecido causa estragos. Um evento semelhante, a Síndrome respiratória aguda grave (SARS - Severe Acute Respiratory Syndrome) foi identificada pela primeira vez no fim de 2002 na China, entre 2002 e 2003 um surto da doença resultou em mais de 8.000 casos e cerca de 800 óbitos em todo o mundo. Desde 2004 que não há registos de novos casos da doença.



Em função de um surto ainda não controlado do Corona Vírus, o  GP da categoria principal no Catar foi cancelado, as programações da Tailândia, EUA e Argentina suspensas e outras remanejadas. As notícias mais recentes indicam que o mundial deve iniciar em 03 de maio em Jerez, etapa originalmente programada para ser o início da temporada europeia. Fatores externos forçando a alteração do calendário da MotoGP não são uma novidade, já ocorreram diversas vezes desde que iniciaram as primeiras provas de motovelocidade.



Um campeonato em 1939 foi encerrado prematuramente, o calendário de provas de 250cc, 350cc e 500cc deveriam terminar em Monza no dia 4 de setembro, porém no primeiro dia do mês as forças da Alemanha nazista de Adolf Hitler invadiram a Polônia e iniciou a Segunda Grande Guerra. Toda a programação foi cancelada.



O período caracterizado por conflitos de ordem política, militar e disputas estratégicas envolvendo os Estados Unidos e a União Soviética entre o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extinção da URSS (1991) é chamado de Guerra Fria. As tensões e ameaças bélicas entre americanos e soviéticos atingiram ao ápice 13 de agosto de 1961, quando a República Democrática Alemã iniciou a construção do Muro de Berlim, uma barreira física circundando toda a Berlim Ocidental separando-a da Alemanha Oriental. Independente da possibilidade de um conflito de grandes proporções, inclusive com ameaças de uso de armas nucleares, poucas semanas depois o GP da Alemanha foi disputado em Sachsenring a menos de 200 quilômetros de distância



Em 1972 os conflitos internos na Irlanda do Norte causaram o cancelamento do GP de Ulster, que havia sido realizado nos anos anteriores apesar do caos e da violência que reinavam em Belfast e arredores. No ano anterior, semanas após o evento, a principal edificação do circuito tinha sido completamente destruída por um atentado terrorista.



Em1980 a Venezuela estava programada para ser palco da etapa de abertura, a prova foi cancelada em função de uma convulsão no ambiente político local.  A etapa seguinte em Salzburg na Áustria não foi realizada porque a pista estava com um metro de neve, o início real da temporada foi em 11 de maio em Misano.  



Por um acaso na escolha de datas o mundial de 1982 não foi impactado, o GP realizado no Autódromo Oscar Galvez em Buenos Aires aconteceu quatro dias antes dos argentinos  ocuparem as Ilhas Falklands, episódio que desencadeou a Guerra das Malvinas. Não há registro de que os estrategistas do General Galtieri, presidente argentino na ocasião, tenham se preocupado com as repercussões no calendário da FIM antes de decidir pela invasão das ilhas britânicas. Um fato bizarro ocorreu quando passageiros e equipamentos que retornavam para a Inglaterra, embarcados em um voo das Aerolineas Argentinas, foram deixados em Madrid. A companhia aérea temia que o avião fosse apreendido se pousasse em um aeroporto londrino.



A contribuição tupiniquim para GPs não realizados aconteceu em 1998, a entidade promotora não conseguiu cumprir com os compromissos assumidos e toda a etapa foi cancelada. O prejuízo maior ficou com Valentino Rossi que, faltando apenas duas provas para o final da temporada, perdeu a oportunidade de vencer o campeonato mundial de 250cc em seu ano de estreia na categoria.



Em 2010 a etapa de Motegi foi adiada por 6 meses porque a poeira lançada na atmosfera por erupções vulcânicas na Islândia inviabilizou o transporte aéreo. No ano seguinte a prova foi adiada após o tsunami que causou danos no complexo nuclear de Fukushima.



O GP do Catar deste ano foi surreal, as duas rodadas de aquecimento, Moto3 e Moto2, foram muito disputadas, porém ficou a sensação de ter faltado um epílogo, um encerramento condizente com o espetáculo. A programação da MotoGP não incluir as provas de acesso aconteciam quando o evento era programado para Laguna Seca, os organizadores locais optavam por substituir as categorias menores por provas da AMA , um estímulo para atrair espectadores com a chance de aplaudir os heróis locais em ação.



O Campeonato Mundial de Motociclismo  utiliza o estado da arte da tecnologia em duas rodas, materiais desenvolvidos sob encomenda, é disputado pela elite dos pilotos do mundo e emprega os melhores profissionais disponíveis no mercado, engenheiros, técnicos e estrategistas, todos contratados por altos salários. Entretanto todo este aparato técnico e respaldo financeiro , assim como ocorre no enredo do livro/filme[CAG1]  “Guerra entre Mundos”, é susceptível a microrganismos parasitas.




 [CAG1]


MotoGP – Metamorfo


Ducati 2020 de Andrea Dovizioso & Mística


A atriz Jennifer Lawrence interpretou a personagem Mística no primeiro filme da série X-Man, uma mutante que tinha o poder de transformação. Conta a lenda que ela se submetia a mais de sete horas de maquiagem para representar o aspecto original da metamorfo.  

No início de uma nova temporada da MotoGP as equipes apresentam os resultados de seus desenvolvimentos para produzirem protótipos mais eficientes e, como de costume, graças a uma capacidade de interpretação muito particular dos regulamentos, a maior parte das novidades é apresentada pela Ducati. Novidade talvez não seja o termo mais adequado, a usina de criatividade da fábrica de Borgo Panigale é adepta da teoria de Lavoisier, “no universo nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”. A equipe de criação de soluções comandada pelo engenheiro Gigi Dall’Igna já apresentou as winglets (asas), apêndices aerodinâmicos importados da Fórmula 1, dispositivos “holeshot” que eram utilizados na motocross, carenagens para as rodas e uma lancheira grudada na rabeta que ninguém explica para o que serve. Este ano apresenta como novidade um mecanismo de ajustar a suspensão, que já foi utilizado nas provas de Montain Bike.

As aspirações da Ducati para 2021 eram ambiciosas, com a provável aposentadoria de Andrea Dovizioso a direção da equipe tinha reservado um farto orçamento para a contratação de pilotos e elencado três nomes: Marc Márquez, Fábio Quartararo e Maverick Vinales. Os movimentos prematuros da Yamaha fechando com Vinales e Quartararo com uma antecedência absurda e a atitude inusitada da Honda em renovar com Marc Márquez por quatro anos abortaram no nascedouro as aspirações da equipe italiana.

O mecanismo de ajuste de suspensão, que estava sendo testado com exclusividade no equipamento de Jack Miller, deve equipar as quatro motos da Ducati do grid de 2020 (Dovizioso, Petrucci, Miller e Bagnaia). A ideia embaraça pela simplicidade, é uma extensão do conceito do holeshot, que modifica a suspensão traseira para proporcionar maior tração. Como tudo em uma moto é uma questão de compromisso, não há como projetar um quadro que funcione otimizado nas três áreas fundamentais de uma prova, frenagem, contorno de uma curva e retomada de velocidade. O dispositivo metamorfo ajusta a suspensão mudando a geometria e o centro de gravidade da moto em cada fase do processo. O quadro baixa a traseira na frenagem, equilibra o equipamento durante a troca de direção e baixa a frente na aceleração para impedir o wheelie (cavalinho). O software atual da Magneti-Marelli é, em uma abordagem otimista, muito tosco. Quando a velocidade de rotação da roda dianteira difere da roda traseira o software entende que a frente perdeu o contato com o solo (wheelie) e comanda uma redução de potência. O dispositivo metamorfo ajuda a evitar o wheelie, mantendo a roda dianteira em contato com a pista e conservando a potência para proporcionar maior eficiência na retomada de velocidade.   

Os equipamentos produzidos para Montain Bike adotaram o termo metamorfo para seu mecanismo de ajuste de geometria, que é o cerne da novidade apresentada pela Ducati. Através da satélite Pramac, a fabricante utilizou o metamorfo no GP da Tailândia de outubro passado do ano passado. O engenho reduz o compromisso do protótipo com a geometria do quadro através de um comando mecânico no guidão da moto. Durante os testes, Miller confirmou que o metamorfo tem um procedimento semelhante ao holeshot e explicou que não há contradição com o esforço dos engenheiros que estão aperfeiçoando o conceito anti agachamento para melhorar o desempenho de saída de curva. Os dois conceitos são complementares e trabalham em sequência, o anti agachamento (antisquad) usa força de corrente para estender a suspensão traseira durante a aceleração, o que força o pneu traseiro contra a pista aumentando a tração. O piloto aciona o metamorfo quando está saindo da curva, quando o equipamento entra na fase wheelie.

O resultado do metamorfo guarda alguma semelhança com a utilização das winglets, reduz os wheelies fisicamente, de modo a inibir que um comando de software corte a entrega de torque para a roda traseira, que prejudicaria a retomada de velocidade.

A Ducati contornou a proibição de ajustes de suspensão e altura do quadro por comando eletrônico instalando uma unidade hidráulica auxiliar, que opera em paralelo com a suspensão, o piloto aciona um interruptor e o dispositivo comprime ou expande o amortecedor traseiro. Os gênios da Ducati “esqueceram” que o equipamento viola a regra que proíbe o uso de ajustes aerodinâmicos móveis – que aumentam o downforce nas curvas e reduzem o downforce nas retas – estão banidos da MotoGP. Não há regra que proíba mudar por comandos mecânicos ou hidráulicos o chassi da moto, porém ao alterar mesmo que por alguns milímetros a frente ou a traseira altera o ângulo de ataque do equipamento, leia-se, muda o ângulo aerodinâmico por alguns graus e ajuda a aumentar a velocidade máxima.

A fábrica de Bologna tem se caracterizado por uma crescente engenhosidade em interpretar o livro de regras da MotoGP e é muito provável que o uso da nova criação seja alvo de algum protesto. Gigi Dall’Igna aprendeu com o caso da “colher” que o mundial está percorrendo um caminho estranho, onde malandragens e argumentos jurídicos significam mais que a realidade.

Tudo acontece como se os responsáveis pela homologação de componentes estejam sofrendo surtos de agnosia visual, uma condição neurológica que deixa as pessoas incapazes de reconhecer objetos e identificar para que eles servem. O Dr. Oliver Sacks, neurologista, escritor e químico amador anglo-americano, é professor de neurologia e psiquiatria na Universidade de Columbia, autor de um livro sobre pacientes que sofrem agnosia visual com o título “O homem que confundiu sua esposa com um chapéu”.

Uma mesma engenhoca foi aceita como um artifício para refrigerar o pneu traseiro quando proposto pela Ducati e por um sistema utilizado para enrijecer o braço oscilante quando apresentado pela Honda. As pessoas que decidem se um componente está alinhado ou não com os regulamentos da MotoGP, incluindo os juízes do tribunal de recurso na Suíça, não conseguem identificar a funcionalidade dos gadgets submetidos para análise.

terça-feira, 10 de março de 2020

MotoGP – Reversão das expectativas





Batman captura Petrucci



Otavio Gouveia de. Bulhões foi ministro da fazenda no governo transitório de Ranieri Mazzilli depois que o congresso nacional declarou a vacância da presidência em 1964, e foi confirmado pelo presidente Castelo Branco, que dirigiu o Brasil entre 1964 e 1969 no primeiro período dos presidentes militares. Foi criador do Banco Central e das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs), o indexador da economia que ajudou a acabar com hiperinflação que causava erosão da moeda nacional. Uma contribuição marcante de Gouveia de Bulhões foi pregar a Reversão das Expectativas, um trabalho de convencimento aos empresários e ao público em geral de que as coisas neste país podem dar certo. Temos que erradicar este tipo de Complexo de Vira-latas que imagina que todas as iniciativas que demandem muitos recursos sejam obrigatoriamente uma fonte interminável de trapaças.



Em maio do ano passado foi anunciada, com a presença do presidente da república, a assinatura de um contrato com a Dorna, entidade com sede na Espanha e detém os direitos de comercialização da MotoGP, para o Rio de Janeiro hospedar uma etapa do mundial de motociclismo a partir de 2021, em um Autódromo a ser construído em General Deodoro. Foi uma descrença geral. Com exceção de uns poucos, a maioria dos tupiniquins leu nas entrelinhas da reportagem que estava em curso mais uma oportunidade de assalto aos cofres públicos com uma obra faraônica. Ainda está na lembrança dos brasileiros a farra dos estádios da Copa de 2014, com a construção de elefantes brancos por todo o país. A rigor, as duas únicas construções que não fizeram a alegria dos empreiteiros neste evento foram os dois estádios particulares, o Beira Rio do Internacional de Porto Alegre e Arena da Baixada do Athlético Paranaense em Curitiba.



Contra a construção do circuito do Rio de Janeiro houve até uma frase lapidar do hexa campeão de F1, Lewis Hamilton: “Se uma única árvore tiver que ser derrubada o empreendimento não se justifica, até porque o Brasil já existe o Autódromo de Interlagos”. Hamilton não se importa com nenhum tipo de evento esportivo motorizado que não seja a Fórmula 1, o fato de interlagos em dois anos registrar quatro óbitos em provas de motovelocidade em modo algum o incomoda.



No início deste ano os aficionados do esporte de duas rodas foram surpreendidos (alguns nem tanto) com a notícia que a emissora que transmitiu o mundial de motos nos últimos anos não renovou o contrato para 2020, acabando com a área que cuidava do esporte, inclusive demitindo seus profissionais especializados. Na ocasião foi noticiado que as transmissões não trariam retorno financeiro e que, portanto, não tinham viabilidade econômica. Esta semana surgiu a notícia que Consórcio Rio Motorsports, que venceu a concorrência para construção de autódromo em Deodoro, teria contribuído para viabilizar a transmissão desta temporada por um canal de TV fechada. Com certeza é uma maneira de manter o interesse pelo esporte até o novo autódromo ficar pronto. Importante, ao que se saiba nenhum centavo público foi utilizado nesta empreitada. Cinquenta e seis anos depois da pregação de Gouveia de Bulhões, as expectativas estão sendo revertidas, um investimento substancial para gerar lucros para grupos privados pode prescindir da necessidade de dinheiro público.



Um dos fatos que que fazem da MotoGP um espetáculo diferenciado é o fato de protótipos concebidos e construídos com projetos distintos, com seis fabricantes distribuídos em três nacionalidades, conduzidos por 24 pilotos diferentes, percorrem um circuito perto de cinco quilômetros com diferença de milésimos de segundo. Os equipamentos são construídos no estado da arte da tecnologia, os propulsores embora obedeçam uma limitação de número de cilindros e capacidade cúbica, são conceitualmente diferentes. Alguns utilizam cilindros montados em V, outros em linha, muitos preferem o comando pneumático de retorno das válvulas (as molas não são suficientemente rápidas), outros utilizam meios mecânicos (desmodrômicos). A Yamaha utiliza uma configuração Crossplane, que em tese é inviável para os 4 cilindros devido à alta vibração gerada. A empresa patenteou uma tecnologia com materiais especiais na concepção de bielas, virabrequim e o uso de contrabalanços que reduziram drasticamente essa vibração, fazendo seu motor o mais moderno da categoria.



A Federação Internacional de Motociclismo é uma entidade que promove e administra competições motorizadas sobre duas rodas, representa mais de 111 federações nacionais distribuídas em seis regiões continentais. A FIM sempre esteve envolvida em muitas atividades relacionadas com a segurança e políticas públicas relevantes. A federação foi a primeira entidade desportiva internacional a publicar, em 1994, um Código Ambiental e, em 2007, criou uma comissão específica para apoiar o uso de veículos motorizados de duas rodas em práticas esportivas entre mulheres.



É óbvio que algumas entidades vão tentar impedir a construção do novo autódromo utilizando todas as chicanas jurídicas que tem direito. Pode acontecer até que uma entidade ambientalista identifique uma raríssima espécie de formigas com risco de ser extinta e resolva exigir que a área seja declarada de proteção ambiental.  As ONGs de preservação do meio ambiente ainda não identificaram a óbvio, a questão que mais degrada o planeta onde vivemos é a pobreza. Sociedades pobres não conseguem limpar a água que sujam, nem replantar as árvores que cortam. Não existe nenhuma passeata programada ou movimento previsto para apoiar a erradicação da pobreza do planeta.


MotoGP – Todas as coisas boas um dia acabam

Valentino Rossi



Nelly furtado é uma compositora e cantora luso-canadense que em 2006 emplacou um sucesso que pode ser portado na íntegra para o estágio atual da MotoGP. Embora em um contexto diferente, o ensinamento da letra da música é didático: Todas as coisas boas um dia acabam (All good things come to the end).

Em uma época do ano em que as notícias da MotoGP costumavam ser apenas em torno da apresentação dos novos modelos dos protótipos que participarão da próxima temporada, os aficionados da categoria tiveram diversas novidades. Uma notícia importante para os tupiniquins foi que a emissora do Jardim Botânico cancelou as transmissões ao vivo das provas pela TV, inclusive demitindo seus profissionais que eram uma referência na cobertura do esporte. 

A equipe oficial da Yamaha radicalizou, em um intervalo de poucos dias noticiou a permanência de Maverick Vinalles para o biênio 2021/2022, a contratação de Fabio Quartararo para ser seu companheiro e emitiu uma declaração de amor indicando que, se o decano das pistas Valentino Rossi optar por continuar competindo, disponibilizaria para ele um equipamento no estado da arte, com todas as atualizações disponíveis. Em outras palavras, a Yamaha admira e respeita o velho campeão, porém quer atrelar seu futuro em talentos mais jovens. Há inúmeros indícios que esta solução tenha sido negociada com Rossi, poucas semanas atrás ele fez diversos elogios à satélite SIC Petronas e não descartou a hipótese de pilotar para a equipe. Uma outra opção, a inclusão da Sky VR46 no grid da MotoGP está, por hora, descartada.

Valentino Rossi venceu o último mundial de 500cc (motores 2 tempos) em 2001 e os dois primeiros da era 4 tempos com equipamentos Honda em 2002 e 2003. Migrou para a Yamaha conquistando na sequência os títulos de 2004 e 2005. Em 2006 perdeu a temporada para Nicky Hayden (Honda) por uma queda na última prova em Valência. Em 2007 foi atropelado pela estrela ascendente de Casey Stoner (Ducati) e conquistou seus dois últimos títulos em 2008 e 2009.    

O ponto de inflexão na carreira vitoriosa de Valentino Rossi aconteceu em julho de 2010 na pista de Mugello, no 3º treino livre antes do GP da Itália. O piloto sofreu um acidente grave que resultou em uma fratura exposta na perna direita. A infelicidade de Rossi coincidiu com a melhor fase de seu companheiro de equipe, Jorge Lorenzo, que fora contratado em 2008 como segundo piloto. Em 2010, o espanhol de 23 anos fez uma temporada perfeita. Terminou todas as corridas, conquistou 9 vitórias, 7 pódios e marcou um recorde de pontos (383) que só foi batido por Marc Márquez em 2019. 

Quando Lorenzo conquistou o título mundial em 2010, a Yamaha condicionou a permanência de Rossi na equipe se aceitasse um corte no salário e o status de número dois.  Depois de uma década como um dos desportistas mais bem pagos do mundo, uma renumeração menor não era problema, mas Rossi sempre fora o número um. Casey Stoner ficou com a melhor moto disponível em 2011, deixou a Ducati pela Repsol Honda, a equipe do seu herói de infância, Mick Doohan. Rossi tomou a atitude que todos esperavam, despediu-se da sua amada Yamaha e foi para a Ducati compondo a equipe dos sonhos dos italianos. Na época alguém escreveu que uma vitória de Rossi com uma Ducati seria equivalente ao Papa vencer o GP de Monza pilotando uma Ferrari. Tinha tudo para ser uma história fantástica, foi um desastre completo.

Depois de dois anos horrorosos para um piloto vencedor, o ídolo italiano voltou para a Yamaha em 2013, porém o contexto havia mudado. Lorenzo conquistou o título de 2012 e Casey Stoner anunciou a sua aposentadoria, abrindo espaço para o talento de Marc Márquez. A carreira de Valentino ainda apresentou algum brilho em 2015, com 4 vitórias em 18 provas, desde então subiu no degrau mais alto do pódio apenas 3 vezes, 2 em 2016 e uma em 2017.

Em seus 24 anos competindo nas diversas categorias do mundial de motociclismo até o acidente em 2010 Rossi nunca passou uma temporada inteira sem vitórias, que aconteceu em seus anos de Ducati (2011/2012) e repetiu agora nos dois últimos anos. Os resultados de Marc Márquez estão mudando os padrões de referência para o esporte das duas rodas. Desde 2013 o espanhol conquistou 56 vitórias contra apenas 10 de Rossi. O recorde de vitórias por temporada, que desde a introdução do regulamento da MotoGP em 2002 foi estabelecido por Rossi em 2005 (11 vitórias em 17 etapas), foi batido por Márquez em 2014 (13 em 18) e 2019 (12 em 19).

A importância de Valentino Rossi para a MotoGP excede aos resultados nas pistas. Seu carisma, paixão pelo motociclismo e tino comercial fizeram dele mais que um simples líder, sua participação em qualquer evento arrecada uma multidão de torcedores com bandeiras amarelas e o número 46. Rossi administra o complexo comercial VR46, que inclui uma divisão de marketing com um faturamento que excedeu a 20 milhões de Euros no último ano, além de controlar a VR46 Riders Academy para formação de pilotos e as equipes Sky VR46 que disputam Moto2 & Moto3. Quase com certeza o piloto, depois que se aposentar das pistas, deve assumir a função de Embaixador da Yamaha no esporte.

Não existe na MotoGP um protótipo que seja nitidamente superior aos demais em todos os circuitos. A linha de desenvolvimento de um equipamento impõe alguns compromissos, veículo com excelente poder de aceleração tem dificuldades no contorno de curvas, motores V4 desenvolvem maior potência, com cilindros em linha são mais equilibrados. Franco Morbidelli, que chegou na MotoGP com uma Honda da Marc VDS e migrou para uma Yamaha da SIG Petronas, declarou que são duas motos completamente diferentes, a RC213V exige ser dominada pelo piloto, a YRZ M1 é mais amigável, requer carinho. Neste contexto fica estranho as constantes reclamações dos pilotos Yamaha por maior velocidade final em retas, assim como as exigências dos pilotos Ducati por maior desempenho em curvas. O conceito que orientou o desenvolvimento dos equipamentos endereçava estas restrições.

A carreira de Valentino Rossi só não foi perfeita por ele não ter conseguido bater os recordes de Giacomo Agostini de número de mundiais e de vitórias em GPs, mesmo considerando que esses números foram obtidos em outras circunstâncias. Muitos nunca entenderam a razão pela qual em 2015, depois de uma corrida onde Marc Márquez ultrapassou Jorge Lorenzo na disputa pela liderança na última volta e onde ele perdeu a 3ª colocação para Andrea Iannone a poucos metros da bandeira quadriculada (Phillip Island), Rossi denunciou uma conspiração espanhola para evitar seu nono título mundial. Esta acusação elevou as tensões entre os pilotos e resultou no chamado Incidente em Sepang, que causou a sua punição para largar na última posição do grid na prova de Valência, que decidiu o campeonato em favor de Jorge Lorenzo.

Conta a lenda que a picada da mosca azul inocula nas pessoas doses concentradas de ambição e poder. De certa forma todos os pilotos que experimentaram algum sucesso na MotoGP foram picados e procuram de alguma forma manter a proximidade com o esporte. Giacomo Agostini e Mick Doohan, que brilharam em suas respectivas épocas, até hoje são presenças frequentes em todos os GPs. Aqui em Pindorama existe o exemplo de Alex Barros que depois de uma carreira brilhante abandonou a MotoGP em 2006. Próximo aos 50 anos de idade (tem 49) ainda brilha nas pistas. Seja qual for o futuro de Valentino Rossi, até um retorno à Aprilia onde conquistou seus primeiros títulos mundiais já foi especulado, vai manter “The Doctor” próximo das pistas. O seu nome é, e vai ser durante muito tempo, sinônimo de motovelocidade.

Assim como ensina o sucesso de Nelly Furtado, todas as coisas boas um dia acabam. A equipe oficial da Yamaha decidiu que a partir de 2021 vai centrar seus esforços em Maverick Vinales (25 anos) e Fábio Quartararo (20). Valentino (41) terá, se quiser, o total apoio da fábrica em qualquer equipe que queira competir.

MotoGP – Disputa de gerações




Quino, um cartunista argentino criou a Mafalda, principal personagem de uma série de tiras publicadas em jornais entre 1964 e 1973. Mafalda era uma menina de seis anos que odiava sopa, adorava os Beatles e os desenhos do Pica-Pau. Tinha o comportamento típico de uma menina da sua idade, através da qual o cartunista realizava uma análise crítica dos costumes da década de 60. Uma tira antológica da Mafalda define o que se convencionou chamar de conflito de gerações, nos quadrinhos ela e um amigo acompanhavam com o olhar um rapaz andando aflito na rua e ela faz o seguinte comentário: “Você já percebeu esta geração que hoje reclama que os mais velhos não dão oportunidades aos jovens é a mesma que não vai abrir espaço para nós no futuro”?



A MotoGP está invertendo esta tendência. Cada vez mais talentos imberbes estão tomando o lugar de pilotos competentes e experientes. O exemplo de maior sucesso aconteceu em 2013, Marc Márquez acumulava uma carreira de vitórias nas categorias de acesso e foi promovido à equipe oficial da Honda para uma vaga aberta com a aposentadoria precoce de Casey Stoner. Márquez foi campeão em sua temporada de estreia com apenas 20 anos. Em 2019 Fábio Quartararo chegou na MotoGP através da equipe estreante Petronas, uma satélite da Yamaha. Com apenas uma vitória (Moto2) no currículo, foi a grande sensação da temporada conquistando 6 poles, 7 pódios e a 5ª colocação no mundial, à frente da Yamaha de Valentino Rossi da equipe oficial. Para a temporada de 2020 a KTM Tech3 buscou Iker Lecuona (20 anos), que vai assumir uma vaga na categoria principal após disputar pouco mais de três anos nas classes menores, sem nunca ter vencido. A única proeza conhecida de Lecuona foi ter viralizado na Internet com a montagem de um vídeo onde era derrubado por um gato telespectador. No final de 2018 a Suzuki anunciou a troca do veterano Andrea Iannone (30) por Joan Mir entregando o desenvolvimento da nova GSX-RR a praticamente dois novatos, Alex Rins (24) & Joan Mir (22).



Enquanto o mundo da MotoGP espera, alguns com certa ansiedade, o anúncio da aposentadoria de Valentino Rossi, 2020 promete ser uma temporada excitante dentro e fora das pistas. Tito Rabat (Avintia Ducati) é o único piloto que alinha no do grid com presença garantida em 2021, os contratos de todos os outros pilotos se encerram no final desta temporada. A dança das cadeiras em parte é um jogo de cartas marcadas, ninguém acredita que a Honda não vai mover mundos e fundos para manter Marc Márquez na equipe. Muitos dizem que a contratação do Alex Márquez foi mais para facilitar a renovação do contrato do campeão que uma opção essencialmente técnica. É quase certo que Cal Crutchlow deve abandonar ao motovelocidade e deixar os britânicos dependentes de Bradley Smith na Aprilia, que nem de longe é uma esperança de pódios.



Valentino Rossi é um capítulo à parte. O decano dos pilotos já declarou que só deve permanecer na Yamaha se a equipe desenvolver um protótipo que lhe permita uma real chance de ser campeão, o que parece cada vez mais improvável. Existe uma regra não escrita que propulsores com cilindros montados em “V” (Ducati, Honda, KTM & Aprilia) entregam maior potência em retas e os com cilindros em linha (Yamaha & Suzuki) são mais eficientes em curvas. Depois dos primeiros ensaios com a M1 que deve estar nas pistas em 2020, Rossi e Vinales identificaram alguns aspectos positivos, mas reclamaram muito da velocidade final do equipamento. Johann Zarco tem um ano para provar que a Avintia não é o que ele próprio rotulou no fim de 2019, uma equipe medíocre.



O destino do piloto mais badalado de 2019, Fábio Quartararo, é um ponto de interrogação. Seu empresário optou por uma estratégia de risco, imagina que quanto mais retardar a assinatura de um contrato, mais valorizados ficarão os serviços do francês. Há indícios nas publicações especializadas que o gestor da carreira do piloto e a direção da equipe oficial da Yamaha já não falam o mesmo idioma. O empresário teria julgado uma oferta da equipe oficial, um salário superior ao atualmente pago a Maverick Vinales, como insuficiente. Em 2016 quando JL99, já com um histórico de piloto multicampeão e com excelentes resultados na Yamaha, foi seduzido por um caminhão de Euros pela Ducati, o seu período de adaptação até apresentar resultados durou mais de uma temporada. As pessoas que acompanham a MotoGP sabem que o desempenho de um piloto depende muito do equipamento, o sucesso de Quartararo com outra máquina que não seja Yamaha é imprevisível.



Onze dos 22 pilotos inscritos no mundial de 2020 tem 25 anos ou menos. O mais jovem, Lecuona, tem apenas 53 largadas e menos que a metade da idade de Valentino Rossi. Existe uma lógica neste processo, pilotos muito jovens com currículo enxuto ou inexistente, que ainda não apresentaram bons resultados, custam relativamente pouco.



Alguns veteranos como Andrea Dovizioso (33, Ducati) e Aleix Espargaro (35, Aprilia) tem suas aposentadorias anunciadas, o piloto da Ducati cansou de ser vice e o da Aprilia de ser figurante. Cal Crutchlow (34) destruiu seu tornozelo direito em um acidente no TL2 de Philip Island em 2018, desde então não recuperou sua total funcionalidade. Em repetidas oportunidades declarou que sua intenção é ter uma vida mais voltada para a família a partir de 2021. 



A temporada de contratações normalmente era centrada depois do recesso de verão (no segundo semestre), o “timming” foi alterado quando, no início de 2016, Valentino Rossi renovou com a Yamaha para o biênio de 2017/2018, a antecipação do contrato foi considerada uma manobra estratégica para inviabilizar a permanência do desafeto Jorge Lorenzo na equipe. Antes deste evento as contratações aconteciam depois das férias de verão (na Europa) e os resultados obtidos durante a temporada, incluindo as classes de acesso (Moto2 e Moto3), eram itens importantes e considerados na avaliação e um piloto. Desde o início dos bons resultados de Fábio Quartararo, na Catalunha em 2019, menos da metade de seu primeiro ano de contrato, existem especulações sobre qual equipamento que o francês vai utilizar em 2021/2022.



Em tempo, na MotoGP não são incomuns as situações onde contratos não são respeitados. Em meio a 2019 Johann Zarco pediu o desligamento da KTM, Jorge Lorenzo cancelou a temporada de 2020 com a Repsol-Honda, Alex Márquez ignorou o contrato que havia renovado com a Marc VDS na Moto2 para compor a dupla de pilotos da equipe oficial da HRC na MotoGP. Jonas Folger perdeu a vaga já confirmada de piloto de testes da Yamaha quando a equipe decidiu centrar o desenvolvimento da M1 junto à fábrica no Japão e Karel Abraham foi defenestrado da equipe Avintia para abrir uma vaga para Zarco.   


MotoGP – Pneus, desempenho e durabilidade



Circuito de Le Mans Bugatti



A pior curva para os pilotos da MotoGP em 2019 foi a Curva Três do circuito Le Mans Bugatti na França, um contorno à esquerda realizado em 80 km/m depois de um longo trecho em alta velocidade. Houve neste e em outros trechos do circuito um considerável número de situações onde a destreza dos pilotos foi insuficiente para manter as motos na pista durante no fim de semana. O GP começou estranho com as quedas de Joan Mir e Karel Abraham, ambos perderam a frente em incidentes separados durante a volta de apresentação. Uma explicação possível é que o lado esquerdo do pneu dianteiro muitas vezes chega neste trecho da pista sem a temperatura ideal.

 Os pneus são a única parte do protótipo em contato com a pista, responsáveis pela adesão (grip) necessária para frear e acelerar e contornar curvas. A escolha do composto adequado é um fator importante para o resultado dos GPs, a Michelin tem consultores trabalhando no aconselhamento aos pilotos nos boxes de todas as equipes.

 A Michelin, uma das principais fabricantes de pneus do mundo com sede em Clermont-Ferrand, França, desde 2016 é a fornecedora exclusiva de pneus da MotoGP e recentemente prorrogou seu contrato até 2023. A indústria francesa oferece uma gama de compostos selecionados de acordo com as condições previstas pela meteorologia, desenho (layout), topologia da pista e características do piso.

 É um trabalho hercúleo, em cada fim de semana com clima seco a empresa fornece um conjunto de 22 pneus (10 dianteiros e 12 traseiros) para cada piloto, distribuídos por característica de aderência e durabilidade em macios (soft), médios (medium) ou resistentes (hard), cada equipe seleciona a quantidade da opção mais adequada. Para o piloto que participar de todas as seções de classificação (ou seja, praticamente todos) é concedido como bônus, um par adicional. Em condições adversas de clima, os pilotos terão disponíveis 13 pneus específicos para a pista molhada (6 dianteiros e 7 traseiros). Se por caprichos do tempo durante pelo menos quatro das sessões realizadas entre sexta-feira e sábado a pista estiver molhada, todos os pilotos recebem mais um conjunto de pneus.

 A engenharia da Michelin especifica para cada pista uma composição diferente para pneus macios, médios ou resistentes, o que implica que existem múltiplos processos de produção, de acordo com as condições do piso um pneu considerado médio em um circuito pode receber a classificação de macio ou resistente em outro.

 Os circuitos da MotoGP podem ter orientação horária (mesmo sentido dos ponteiros de um relógio) ou anti-horária, o desenho da pista define se existem mais curvas à direita ou à esquerda. Marc Márquez, formado pistas de saibro (dirty tracks) anti-horário, já declarou diversas vezes ter predileção por curvas para a esquerda. Buscando o melhor aproveitamento das características dos pneus em relação ao lay-out das pistas, a Michelin pode fornecer compostos assimétricos, com composição da borracha diferente em cada lado do pneu, permitindo maior resistência ao desgaste ou facilidade de aquecer e manter a temperatura nas bordas mais solicitadas, de acordo com o número de curvas para um lado ou outro.

 Um item importante para o correto funcionamento dos pneus é a pressão interna, conhecida como calibragem. A MotoGP implementa sensores de temperatura e pressão para que todas as especificações do fabricante sejam seguidas e resultem em condições de segurança de operações para todos os pilotos. Em 2016 Loris Baz pilotando uma Ducati sofreu um acidente na reta de Sepang a 290 km/h por causa da falha estrutural do pneu traseiro. Na época uma das razões indicadas para o colapso do componente foi que o pneu rodava com pressão menor que a indicada, manobra tentada para produzir maior grip. Desde então as equipes são obrigadas a utilizar as pressões recomendadas pela Michelin, amostradas por sensores dedicados que, dependendo das condições (clima, aderência do piso), ficam por volta de 29 psi (libras por polegada quadrada - pound per square inch) nas rodas dianteiras e 26,1 psi nas rodas traseiras, respectivamente 2 e 1,8 bares. A calibragem deve ser realizada na temperatura ambiente e com ar seco. Pneus com pressão inadequada deformam em condições de uso e dificultam conseguir e manter a temperatura ideal de funcionamento. Durante uma prova a temperatura de um pneu alcança mais de 100°C na roda dianteira e 120°C na traseira (60°C e 80°C na chuva). Os pneus Michelin oferecem o melhor desempenho (grip) em uma janela pequena de temperatura.

 A pressão inadequada pode deformar o pneu durante o uso, resultando em maior dificuldade para obter a temperatura de trabalho correta, tornando a dirigibilidade mais perigosa.

 Os pneus, como mencionamos no início, são os únicos pontos da moto em contato com o solo, o que faz com que todas as forças geradas pelo motor, aceleração, frenagem e movimento do piloto no assento passem para o asfalto através da sua superfície de contato mínima.

O ponto de contato tem uma área equivalente a um cartão de crédito. Através desta pequena área, o piloto transfere toda a energia gerada pelo motor e freios das motos mais avançadas do planeta. Ao suportar estas forças, o pneu deve manter sua forma não apresentar deformações.

 Os esforços que são solicitados dos pneus durante uma aceleração em uma reta na roda traseira são da ordem de 2.200 Newtons (224 kg) e durante uma forte frenagem o pneu dianteiro excede 2.500 Newtons (254 kg). Durante as curvas as forças laterais excedem 2.000 Newtons (203 kg). A principal atividade dos pilotos nos testes que antecedem aos GPs é escolher o tipo de pneu mais adequado, o que apresenta o melhor compromisso entre desempenho e durabilidade.

 Imagine todos estes esforços nos pneus em uma prova de 45 minutos, curva após curva, frenagem após frenagem, rodando em um piso em que a temperatura pode chegar a 60 como já aconteceu em Sepang. Não é fácil gerenciar a durabilidade dos pneus em situações tão críticas, porém é exatamente isso que separa bons pilotos de campeões.






O guerreiro no fim da batalha



Carlos Alberto


MotoGP – O sonho (pesadelo) da Aprilia



RS-GP de Espargaro, Sepang, fevereiro 2019


O Grupo Piaggio com sede corporativa localizada em Pontedera, uma comuna italiana da região da Toscana, província de Pisa, administra um complexo industrial que atua na produção de veículos automotores de duas rodas e equipamentos comerciais compactos. As industrias controladas pelo grupo produzem viaturas comercializadas por sete marcas, Piaggio, Vespa, Gilera, Moto Guzzzi, Scarabeo, Derbi e Aprilia.


Na MotoGP a Aprilia sempre foi considerada o “primo pobre”, a menor fábrica a participar da competição e com o menor contingente de técnicos e engenheiros nos boxes durante os GPs. Na temporada de 2019 a equipe foi a 6ª e última colocada no campeonato dos construtores marcando apenas 88 pontos (59 de Aleix Espargaro e 29 de Andrea Iannone). A Aprilia, assim como a Suzuki, não tem equipe satélite, que implica em menor número de pilotos coletando dados para alimentar a retaguarda técnica.


A fábrica anuncia o único equipamento original na temporada de 2020, com motor e chassi radicalmente novos, resultantes de aumento expressivo de investimento financeiro do Grupo Piaggio. A Aprilia ainda não anunciou a especificação do novo equipamento, é provável que ele seja impulsionado por um motor V4 90°, substituindo os V4 75° que aparentemente atingiram seu limite na geração de potência. Em 2012 a Honda substituiu o RC212V de 75° de 800cc pelo seu RC213V 90° 1000cc, inspirada no sucesso do lay-out utilizado pela Ducati, a Aprilia pode seguir este mesmo caminho. Um V4 90° não é tão esguio quanto um V4 75°, porém os engenheiros da Honda encontraram maneiras de produzir um protótipo compacto, a fábrica italiana tem este mesmo objetivo. O V4 90° entrega melhores resultados na aceleração, freio motor (torque negativo) e habilita configurações mais efetivas na temporização de disparos (big bang). Diferentes ordens de disparos permitem maior eficiência na gestão da travagem do motor. Estima-se que o novo motor da Aprilia entregue 280 cavalos de potência, um acréscimo de 10% sobre o atual, o que sugere que o novo equipamento Aprilia deve ter um desempenho competitivo em linha reta.


Na MotoGP o torque negativo é quase tão importante como a retomada de velocidade nas curvas porque o comportamento dos pneus dianteiros da Michelin não é tão eficiente como eram os Bridgestone, que obriga os pilotos a usar o pneu traseiro para parar a moto. Em seu primeiro ano na Ducati Jorge Lorenzo disse que as GP17 o obrigaram a reaprender a pilotar, preocupar-se em utilizar mais a traseira, “como num barco” em suas próprias palavras. Em 2019 Aleix Espargaro e Andrea Iannone tiveram sérios problemas para frear a RS-GP porque o freio motor era ineficaz, a esperança é que um novo propulsor corrija este problema.  


Coincidindo com o início das novas regras que elevaram a capacidade cúbica do motor para 1000cc (2012) a FIM permitiu, para aumentar o número de participantes no grid, as motos classe CRT (Claiming Rules Team) que utilizavam motores comerciais e tinham uma série de concessões para obter um desempenho semelhante aos dos protótipos, além da classe Open, sem apoio da eletrônica.

A construtora italiana obteve um expressivo ganho de qualidade com a contratação de Andrea Iannone. Até então, por ter desenvolvido sua carreira em equipes CRT o piloto Aleix Espargaro começou na MotoGP competindo com motores comerciais sem grandes recursos, com a experiência de Iannone houve expressivo avanço na eletrônica e consequente melhor desempenho. A Aprilia, com o apoio incondicional do Grupo Piaggio, está investindo muitos recursos (pessoas, tempo e $) para superar o gap que a separa das outras equipes, recontratou um eng. eletrônico da equipe Ferrari de Fórmula 1 que já havia trabalhado para fábrica e resgatou outro eng. eletrônico que a Suzuki roubou há alguns anos. Também buscaram um especialista em aerodinâmica da Ferrari, reforçando todos os departamentos.


Todos esperam muito de 2020. A reorganização comandada pelo CEO da Aprilia Racing, Massimo Rivola, ajudou a libertar o engenheiro-chefe Romano Albesiano para projetar uma nova RS-GP a partir do zero. A esperança é que a moto seja muito mais competitiva do que a V4 75° atual. Com a notícia do doping de Andrea Iannone agora a equipe fica sem um recurso importante do programa de MotoGP, um piloto experiente e comprovadamente veloz. O advogado de Iannone declarou que a amostra B do teste de drogas confirmou a anterior (nem poderia ser diferente, o material foi colhido na mesma ocasião). De acordo com os regulamentos da FIM o italiano está automaticamente banido por quatro anos por uso do esteroide anabolizante Drostanolona.


As quantidades encontradas na amostra foram mínimas, o advogado de Iannone informa que a contraprova indicou mostrou a presença de metabólitos igual a 1,15 nanogramas por mililitro. Considerando que a amostra estava extremamente concentrada por ter sido colhida com o piloto desidratado logo após a corrida quente e húmida na Malásia, indicaria uma presença ainda menor em condições normais, apoiando a teoria da contaminação acidental através de alimentos. Em favor de Iannone, foi a primeira vez que foi testado em 2019, no ano passado foi um dos cinco pilotos escolhidos para seguir o programa ADAM (Arrestee Drug Abuse Monitoring), sistema onde os atletas têm de informar continuamente onde estão e o que estão fazendo para habilitar a colheita de amostras a qualquer tempo. Suas opções de defesa agora são limitadas, a FIM, como a maioria das federações esportivas internacionais, adotou o código WADA (Agência Mundial Antidopagem), que afirma explicitamente que os atletas são responsáveis por todas as substâncias encontradas em seus corpos. Pode haver circunstâncias atenuantes, mas a Drostanolona, um esteroide androgênico anabolizante, conhecido no jargão da medicina esportiva como "substância não especificada", é visto como extremamente improvável de ser encontrado como resultado de processos naturais ou contaminação acidental.


As chances de evitar ou reduzir uma condenação são escassas. Se a defesa é contaminação acidental, Iannone tem o ônus da prova. O vetor comum para a contaminação com esteroides anabolizantes é o consumo de carne. Clenbuterol é amplamente utilizado no México, América do Sul e partes da Ásia para o gado ganhar peso, então a contaminação por este esteroide é comprovadamente uma possibilidade real, assim como a contaminação com uma série de outros produtos semelhantes. No entanto, a Drostanolona, por reduzir a gordura corporal, expelir a água e ser um produto cuja produção demanda um custo bem maior que a maioria dos esteroides comuns, não é atraente para os produtores de proteína animal, assim a chance de ser ingerido através de carne contaminada é extremamente improvável. Normalmente esta substância é encontrada em fisiculturistas, pugilistas e lutadores MMA que buscam o enquadramento em determinadas categorias do esporte. Pode ser usado em ciclos relativamente curtos - duas a quatro semanas – e seus componentes são expelidos normalmente do corpo de forma relativamente rápida, desaparecendo totalmente após cerca de três semanas. Para um piloto da MotoGP o resultado da ingestão do produto seria perder peso e obter mais massa muscular. A quantidade encontrada é consistente com o fim de um ciclo anabolizante, ou seja, pouco mais de duas semanas depois do esteroide ser ingerido.


Iannone admite que estava seguindo um programa de perda de peso até 2019, mas disse o foco era alimentação controlada e exercícios aeróbicos. A Aprilia estava ciente e o objetivo era reduzir a diferença corporal entre ele e seu companheiro de equipe Aleix Espargaro, cujo vício em ciclismo moldou em um atleta extremamente leve.


O teste positivo de drogas de Iannone coloca a Aprilia em uma situação complicada. A fábrica italiana decidiu apoiar (e pagar salários) ao seu piloto até o fim do processo legal (argh, o tal Trânsito em Julgado). O italiano está proibido de participar de qualquer atividade oficial e a equipe precisa urgentemente de um substituto. A nova moto deve ser apresentada no teste de Sepang, uma máquina que se espera muito mais competitiva do que a antiga RS-GP. O candidato mais óbvio é o piloto de testes Bradley Smith, o inglês é veloz e competente, fornece um bom feedback para os engenheiros e a sua relação com toda a Aprilia é boa. Não é a única opção, mas certamente faz dele o favorito. Karel Abraham também está disponível e existem outras opções fora do restrito ambiente da MotoGP.

Mesmo uma sanção reduzida, um ano talvez, pode ser fatal para a carreira do piloto. Com exceção de Tito Rabat, todos os contratos da MotoGP vencem no final de 2020, as equipes acompanham atentas os jovens pilotos da Moto2 visando repetir o fenômeno Quartararo, que com certeza vai tornar muito mais difícil uma vaga para Iannone.