sexta-feira, 13 de março de 2020

MotoGP – Metamorfo


Ducati 2020 de Andrea Dovizioso & Mística


A atriz Jennifer Lawrence interpretou a personagem Mística no primeiro filme da série X-Man, uma mutante que tinha o poder de transformação. Conta a lenda que ela se submetia a mais de sete horas de maquiagem para representar o aspecto original da metamorfo.  

No início de uma nova temporada da MotoGP as equipes apresentam os resultados de seus desenvolvimentos para produzirem protótipos mais eficientes e, como de costume, graças a uma capacidade de interpretação muito particular dos regulamentos, a maior parte das novidades é apresentada pela Ducati. Novidade talvez não seja o termo mais adequado, a usina de criatividade da fábrica de Borgo Panigale é adepta da teoria de Lavoisier, “no universo nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”. A equipe de criação de soluções comandada pelo engenheiro Gigi Dall’Igna já apresentou as winglets (asas), apêndices aerodinâmicos importados da Fórmula 1, dispositivos “holeshot” que eram utilizados na motocross, carenagens para as rodas e uma lancheira grudada na rabeta que ninguém explica para o que serve. Este ano apresenta como novidade um mecanismo de ajustar a suspensão, que já foi utilizado nas provas de Montain Bike.

As aspirações da Ducati para 2021 eram ambiciosas, com a provável aposentadoria de Andrea Dovizioso a direção da equipe tinha reservado um farto orçamento para a contratação de pilotos e elencado três nomes: Marc Márquez, Fábio Quartararo e Maverick Vinales. Os movimentos prematuros da Yamaha fechando com Vinales e Quartararo com uma antecedência absurda e a atitude inusitada da Honda em renovar com Marc Márquez por quatro anos abortaram no nascedouro as aspirações da equipe italiana.

O mecanismo de ajuste de suspensão, que estava sendo testado com exclusividade no equipamento de Jack Miller, deve equipar as quatro motos da Ducati do grid de 2020 (Dovizioso, Petrucci, Miller e Bagnaia). A ideia embaraça pela simplicidade, é uma extensão do conceito do holeshot, que modifica a suspensão traseira para proporcionar maior tração. Como tudo em uma moto é uma questão de compromisso, não há como projetar um quadro que funcione otimizado nas três áreas fundamentais de uma prova, frenagem, contorno de uma curva e retomada de velocidade. O dispositivo metamorfo ajusta a suspensão mudando a geometria e o centro de gravidade da moto em cada fase do processo. O quadro baixa a traseira na frenagem, equilibra o equipamento durante a troca de direção e baixa a frente na aceleração para impedir o wheelie (cavalinho). O software atual da Magneti-Marelli é, em uma abordagem otimista, muito tosco. Quando a velocidade de rotação da roda dianteira difere da roda traseira o software entende que a frente perdeu o contato com o solo (wheelie) e comanda uma redução de potência. O dispositivo metamorfo ajuda a evitar o wheelie, mantendo a roda dianteira em contato com a pista e conservando a potência para proporcionar maior eficiência na retomada de velocidade.   

Os equipamentos produzidos para Montain Bike adotaram o termo metamorfo para seu mecanismo de ajuste de geometria, que é o cerne da novidade apresentada pela Ducati. Através da satélite Pramac, a fabricante utilizou o metamorfo no GP da Tailândia de outubro passado do ano passado. O engenho reduz o compromisso do protótipo com a geometria do quadro através de um comando mecânico no guidão da moto. Durante os testes, Miller confirmou que o metamorfo tem um procedimento semelhante ao holeshot e explicou que não há contradição com o esforço dos engenheiros que estão aperfeiçoando o conceito anti agachamento para melhorar o desempenho de saída de curva. Os dois conceitos são complementares e trabalham em sequência, o anti agachamento (antisquad) usa força de corrente para estender a suspensão traseira durante a aceleração, o que força o pneu traseiro contra a pista aumentando a tração. O piloto aciona o metamorfo quando está saindo da curva, quando o equipamento entra na fase wheelie.

O resultado do metamorfo guarda alguma semelhança com a utilização das winglets, reduz os wheelies fisicamente, de modo a inibir que um comando de software corte a entrega de torque para a roda traseira, que prejudicaria a retomada de velocidade.

A Ducati contornou a proibição de ajustes de suspensão e altura do quadro por comando eletrônico instalando uma unidade hidráulica auxiliar, que opera em paralelo com a suspensão, o piloto aciona um interruptor e o dispositivo comprime ou expande o amortecedor traseiro. Os gênios da Ducati “esqueceram” que o equipamento viola a regra que proíbe o uso de ajustes aerodinâmicos móveis – que aumentam o downforce nas curvas e reduzem o downforce nas retas – estão banidos da MotoGP. Não há regra que proíba mudar por comandos mecânicos ou hidráulicos o chassi da moto, porém ao alterar mesmo que por alguns milímetros a frente ou a traseira altera o ângulo de ataque do equipamento, leia-se, muda o ângulo aerodinâmico por alguns graus e ajuda a aumentar a velocidade máxima.

A fábrica de Bologna tem se caracterizado por uma crescente engenhosidade em interpretar o livro de regras da MotoGP e é muito provável que o uso da nova criação seja alvo de algum protesto. Gigi Dall’Igna aprendeu com o caso da “colher” que o mundial está percorrendo um caminho estranho, onde malandragens e argumentos jurídicos significam mais que a realidade.

Tudo acontece como se os responsáveis pela homologação de componentes estejam sofrendo surtos de agnosia visual, uma condição neurológica que deixa as pessoas incapazes de reconhecer objetos e identificar para que eles servem. O Dr. Oliver Sacks, neurologista, escritor e químico amador anglo-americano, é professor de neurologia e psiquiatria na Universidade de Columbia, autor de um livro sobre pacientes que sofrem agnosia visual com o título “O homem que confundiu sua esposa com um chapéu”.

Uma mesma engenhoca foi aceita como um artifício para refrigerar o pneu traseiro quando proposto pela Ducati e por um sistema utilizado para enrijecer o braço oscilante quando apresentado pela Honda. As pessoas que decidem se um componente está alinhado ou não com os regulamentos da MotoGP, incluindo os juízes do tribunal de recurso na Suíça, não conseguem identificar a funcionalidade dos gadgets submetidos para análise.

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