Quino, um cartunista argentino criou a
Mafalda, principal personagem de uma série de tiras publicadas em jornais entre
1964 e 1973. Mafalda era uma menina de seis anos
que odiava sopa, adorava os Beatles e os desenhos do Pica-Pau. Tinha o
comportamento típico de uma menina da sua idade, através da qual o cartunista
realizava uma análise crítica dos costumes da década de 60. Uma tira antológica
da Mafalda define o que se convencionou chamar de conflito de gerações, nos quadrinhos
ela e um amigo acompanhavam com o olhar um rapaz andando aflito na rua e ela
faz o seguinte comentário: “Você já percebeu esta geração que hoje reclama que
os mais velhos não dão oportunidades aos jovens é a mesma que não vai abrir
espaço para nós no futuro”?
A MotoGP está invertendo
esta tendência. Cada vez mais talentos imberbes estão tomando o lugar de
pilotos competentes e experientes. O exemplo de maior sucesso aconteceu em
2013, Marc Márquez acumulava uma carreira de vitórias nas categorias de acesso
e foi promovido à equipe oficial da Honda para uma vaga aberta com a
aposentadoria precoce de Casey Stoner. Márquez foi campeão em sua temporada de
estreia com apenas 20 anos. Em 2019 Fábio Quartararo chegou na MotoGP através
da equipe estreante Petronas, uma satélite da Yamaha. Com apenas uma vitória
(Moto2) no currículo, foi a grande sensação da temporada conquistando 6 poles,
7 pódios e a 5ª colocação no mundial, à frente da Yamaha de Valentino Rossi da
equipe oficial. Para a temporada de 2020 a KTM Tech3 buscou Iker Lecuona (20
anos), que vai assumir uma vaga na categoria principal após disputar pouco mais
de três anos nas classes menores, sem nunca ter vencido. A única proeza
conhecida de Lecuona foi ter viralizado na Internet com a montagem de um vídeo
onde era derrubado por um gato telespectador. No final de 2018 a Suzuki
anunciou a troca do veterano Andrea Iannone (30) por Joan Mir entregando o
desenvolvimento da nova GSX-RR a praticamente dois novatos, Alex Rins (24)
& Joan Mir (22).
Enquanto o mundo da MotoGP
espera, alguns com certa ansiedade, o anúncio da aposentadoria de Valentino
Rossi, 2020 promete ser uma temporada excitante dentro e fora das pistas. Tito
Rabat (Avintia Ducati) é o único piloto que alinha no do grid com presença garantida
em 2021, os contratos de todos os outros pilotos se encerram no final desta
temporada. A dança das cadeiras em parte é um jogo de cartas marcadas, ninguém
acredita que a Honda não vai mover mundos e fundos para manter Marc Márquez na
equipe. Muitos dizem que a contratação do Alex Márquez foi mais para facilitar
a renovação do contrato do campeão que uma opção essencialmente técnica. É
quase certo que Cal Crutchlow deve abandonar ao motovelocidade e deixar os
britânicos dependentes de Bradley Smith na Aprilia, que nem de longe é uma
esperança de pódios.
Valentino Rossi é um
capítulo à parte. O decano dos pilotos já declarou que só deve permanecer na
Yamaha se a equipe desenvolver um protótipo que lhe permita uma real chance de
ser campeão, o que parece cada vez mais improvável. Existe uma regra não
escrita que propulsores com cilindros montados em “V” (Ducati, Honda, KTM &
Aprilia) entregam maior potência em retas e os com cilindros em linha (Yamaha
& Suzuki) são mais eficientes em curvas. Depois dos primeiros ensaios com a
M1 que deve estar nas pistas em 2020, Rossi e Vinales identificaram alguns
aspectos positivos, mas reclamaram muito da velocidade final do equipamento.
Johann Zarco tem um ano para provar que a Avintia não é o que ele próprio rotulou
no fim de 2019, uma equipe medíocre.
O destino do piloto mais
badalado de 2019, Fábio Quartararo, é um ponto de interrogação. Seu empresário
optou por uma estratégia de risco, imagina que quanto mais retardar a
assinatura de um contrato, mais valorizados ficarão os serviços do francês. Há
indícios nas publicações especializadas que o gestor da carreira do piloto e a
direção da equipe oficial da Yamaha já não falam o mesmo idioma. O empresário
teria julgado uma oferta da equipe oficial, um salário superior ao atualmente
pago a Maverick Vinales, como insuficiente. Em 2016 quando JL99, já com um
histórico de piloto multicampeão e com excelentes resultados na Yamaha, foi
seduzido por um caminhão de Euros pela Ducati, o seu período de adaptação até
apresentar resultados durou mais de uma temporada. As pessoas que acompanham a
MotoGP sabem que o desempenho de um piloto depende muito do equipamento, o
sucesso de Quartararo com outra máquina que não seja Yamaha é imprevisível.
Onze dos 22 pilotos
inscritos no mundial de 2020 tem 25 anos ou menos. O mais jovem, Lecuona, tem
apenas 53 largadas e menos que a metade da idade de Valentino Rossi. Existe uma
lógica neste processo, pilotos muito jovens com currículo enxuto ou
inexistente, que ainda não apresentaram bons resultados, custam relativamente
pouco.
Alguns veteranos como
Andrea Dovizioso (33, Ducati) e Aleix Espargaro (35, Aprilia) tem suas
aposentadorias anunciadas, o piloto da Ducati cansou de ser vice e o da Aprilia
de ser figurante. Cal Crutchlow (34) destruiu seu tornozelo direito em um
acidente no TL2 de Philip Island em 2018, desde então não recuperou sua total
funcionalidade. Em repetidas oportunidades declarou que sua intenção é ter uma
vida mais voltada para a família a partir de 2021.
A temporada de
contratações normalmente era centrada depois do recesso de verão (no segundo
semestre), o “timming” foi alterado quando, no início de 2016, Valentino Rossi
renovou com a Yamaha para o biênio de 2017/2018, a antecipação do contrato foi
considerada uma manobra estratégica para inviabilizar a permanência do desafeto
Jorge Lorenzo na equipe. Antes deste evento as contratações aconteciam depois
das férias de verão (na Europa) e os resultados obtidos durante a temporada,
incluindo as classes de acesso (Moto2 e Moto3), eram itens importantes e
considerados na avaliação e um piloto. Desde o início dos bons resultados de
Fábio Quartararo, na Catalunha em 2019, menos da metade de seu primeiro ano de
contrato, existem especulações sobre qual equipamento que o francês vai
utilizar em 2021/2022.
Em tempo, na MotoGP não
são incomuns as situações onde contratos não são respeitados. Em meio a 2019
Johann Zarco pediu o desligamento da KTM, Jorge Lorenzo cancelou a temporada de
2020 com a Repsol-Honda, Alex Márquez ignorou o contrato que havia renovado com
a Marc VDS na Moto2 para compor a dupla de pilotos da equipe oficial da HRC na
MotoGP. Jonas Folger perdeu a vaga já confirmada de piloto de testes da Yamaha
quando a equipe decidiu centrar o desenvolvimento da M1 junto à fábrica no
Japão e Karel Abraham foi defenestrado da equipe Avintia para abrir uma vaga
para Zarco.
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