sexta-feira, 26 de abril de 2019

MotoGP – O fator Márquez e o início da temporada europeia

Marc Márquez & Valentino Rossi no Circuito das Américas - 2019




O Mundial de MotoGP de 2019 começou estranho para a Honda. O fabricante não pôde contar integralmente com seus principais pilotos nos testes pré-temporada realizados em Jerez, Sepang e Losail. Márquez atuou com limitações pela operação no ombro, Lorenzo com uma fratura no escafoide (mão) sofrida quando praticava Motocross e Crutchlow consolidando um tornozelo reconstruído por causa de um acidente em Philip Island no ano passado. Os testes com novos componentes e ensaios de corrida foram realizados por Takaaki Nakagami e Stefan Bradl, profissionais competentes, porém sem o “algo mais” dos hóspedes do que a mídia batizou de “Enfermaria da Honda”.

O aparente atraso no desenvolvimento da RC213V não foi confirmado por resultados no início do mundial. Na abertura em Losail, em uma pista que historicamente não é favorável aos equipamentos nipônicos, duas Honda figuraram no pódio e as outras duas na zona de pontuação. Em Rio Hondo Marc Márquez sobrou na pista, Carl sofreu uma penalização que resultou na perda de mais de 30seg, mesmo assim as quatro máquinas pontuaram. Então aconteceu o desastre de Austin, Marc e Cal caíram, Lorenzo abandonou por um problema mecânico e Nakagami classificou-se em 10º, a fábrica conseguiu só 6 dos 74 pontos possíveis. 

A Honda está convivendo com uma dificuldade inédita, para uma fábrica caracterizada pela confiabilidade dos equipamentos e resiliência da equipe de apoio o início de temporada foi atípico. Nas três primeiras etapas as motos da equipe oficial tiveram múltiplos problemas técnicos, duas ocorrências foram relacionadas com a correia de transmissão, um tipo de defeito que só costumava acontecer nos primórdios do motociclismo esportivo.  A equipe ainda não confirmou o que aconteceu com a moto de Lorenzo em Austin, o próprio piloto apressou-se em esclarecer que não foi a correia e tudo aponta para um problema eletrônico. 

Se não foi exatamente o início de temporada dos sonhos para Marc Márquez, está longe de um desastre irrecuperável. Valentino Rossi, que ocupa a 2ª colocação na corrida pelo mundial, em uma entrevista declarou que ele (óbvio), Alex Rins atualmente em 3º e o atual campeão são, entre outros, candidatos ao título. Estranhamente ele não mencionou o atual líder Andrea Dovizioso e seu colega de equipe Maverick Vinales.  

Os jornalistas especializados em MotoGP já estão acostumados a ampliarem o leque de possibilidades sempre que Marc Márquez está envolvido, para eles o fato dele estar apenas na quarta posição não é muito significativo. Examinando no detalhe, depois de três etapas Marc está exatamente com a mesma pontuação que tinha em 2018, 45 pontos, e ele venceu a temporada com três etapas de antecedência. Historicamente nas três primeiras provas o atual campeão do mundo acumulou 61 pontos em sua primeira participação no mundial de 2013, 75 pontos, o máximo possível em 2014 e apenas 36 em 2015, único ano que participou e não foi campeão. Nos anos seguintes contabilizou 66 em 2016, 38 em 2017 e 45 em 2018, mesmo número deste ano. A única diferença é que no ano passado estava em 2º e agora está em 4º, em 2019 seus concorrentes estão errando menos e são mais competitivos, o campeonato está mais disputado.

Pelo apresentado até agora, a Honda conseguiu melhorar o desempenho do motor e está com um chassi mais equilibrado, o equipamento conservou a sua agilidade e ganhou maior velocidade final. Uma má notícia para seus adversários, Marc Márquez em duas ocasiões já mencionou que esta é a melhor moto que já pilotou. Em Losail, uma pista onde a Ducati utiliza a grande reta para obter uma vantagem expressiva, as Honda andaram junto. Em Rio Hondo um fato curioso, alertado pelas placas de sinalização que poderia administrar a vantagem obtida, Marc mudou para modo conservador e ainda assim, poupando o equipamento, pilotava o protótipo mais rápido da pista. Na prova de Austin já tinha aberto 3,5seg de vantagem quando cometeu o erro que causou a sua queda. 

Os resultados obtidos por Márquez não são acompanhados por seu colega de equipe Jorge Lorenzo, que ainda não está em processo de adaptação com a moto, mas Cal Crutchlow do satélite LCR anda muito perto. Nos boxes da MotoGP existe a convicção de que o bom piloto necessita de um bom equipamento para obter vitórias, na Honda esta premissa é mais elástica, a capacidade de Marc Márquez continua uma certeza, o desenvolvimento da tecnologia da Honda é que precisa acompanhar o piloto.

No primeiro domingo de maio começa a temporada europeia da MotoGP, para muitos o início real da competição. Entre 05/05 e 07/07 serão realizadas provas em Jerez, Le Mans, Mugello, Barcelona, Assen e Sachsenring antes da parada de meio de ano. A sequência de provas em circuitos conhecidos e tradicionais costuma ser uma orientação sobre os destinos no mundial. Em 2018 Márquez venceu na Espanha, França, Holanda e Alemanha, Lorenzo obteve as suas duas vitórias com a Ducati na Itália e Catalunha. No início das férias de verão (europeu) do ano passado Márquez tinha uma vantagem de 46 pontos sobre o segundo colocado (Rossi) e o título do ano encaminhado.

A prova de Jerez é também uma oportunidade para o atual campeão do mundo igualar o número de poles na categoria principal com Valentino Rossi. Lembrando que o atual sistema de determinar as posições de largada foi introduzido em 1974, os registros oficiais indicam que o espanhol é o recordista de poles em todas as classes, largou na primeira posição em 82 oportunidades, seguido de Lorenzo em 69 vezes e Rossi em 65. Considerando apenas a principal categoria, 500cc & MotoGP, o recorde é de Mick Doohan com 58 poles, seguido por Valentino Rossi com 55 e Marc Márquez com 54. Ao analisar estes números é importante considerar que Valentino Rossi está em sua 24 temporada e já participou de 386 GPs, 326 na classe principal, Marc Márquez está em sua 11ª temporada, tem 189 largadas, 111 na MotoGP.





sábado, 20 de abril de 2019

MotoGP – CotA 2019 & Numerologia





Alex Rins no Circuito da Americas - 2019


Costuma ser atribuído ao desenhista, humorista, dramaturgo, poeta, escritor, tradutor e jornalista brasileiro Millôr Fernandes o enunciado de um paradoxo: Se toda regra tem exceção, então esta mesma regra também tem exceção e deve haver perdidas por aí algumas regras absolutamente sem exceções. Um dos princípios da matemática, uma ciência exata, confirma este paradoxo, a fórmula de Bhaskara utilizada para a solução de equações de 2º grau não admite exceções.


Um ditado comum que costuma frequentar o ambiente da MotoGP é que existem apenas três certezas na vida: morte, impostos e Marc Márquez vencer um GP organizado nos EUA. Esta regra existe desde que o espanhol disputou a primeira prova de Moto2 em solo americano, a exceção aconteceu recentemente, na terceira etapa da temporada de 2019 no Circuito das Américas. 


A prova deste ano evidenciou duas conclusões lógicas: (1) nos EUA só Marc Márquez consegue derrotar Marc Márquez e (2) para chegar em primeiro, primeiro é necessário chegar. Durante o fim de semana antes de sua queda no transcorrer da prova, Márquez conseguiu a pole (2’03.787) e a volta mais rápida (2’04.277), também conservou a marca de volta mais rápida em corrida no circuito obtida no GP de 2014 (2’03.575) e de pole mais veloz (2’02.135) em 2015. Quando perdeu o controle da sua moto estava com 3seg de vantagem para o segundo colocado (Rossi) e apenas mantendo o seu ritmo, sem exigir muito do equipamento. O próprio Marc não sabe explicar o que aconteceu, mas tem uma certeza, foi erro dele e não uma falha mecânica. 


O GP dos EUA é sempre um evento fantástico, todos adoram o ambiente de festa montado para a etapa, onde todos os recursos estão disponíveis e tudo é muito bem organizado. Os únicos que não ficam maravilhados são os pilotos, que consideram o piso excessivamente ondulado, complicado para manter um ritmo estável. 

Alex Rins venceu a prova com uma Suzuki, Valentino Rossi foi o segundo colocado com a Yamaha e Jack Miller fechou o pódio com uma Ducati independente. Das 6 fábricas representadas no grid, cinco estiveram presentes no top ten (4 Ducati, 3 Yamaha, 1 Suzuki, 1 KTM e 1 Honda), com especial atenção para a participação de Takaaki Nakagami, 10º colocado com a única Honda classificada na prova. Márquez, Lorenzo e Crutchlow não completaram a corrida, Marc e Cal caíram e Jorge teve problemas com o equipamento. Foi um dia nefasto para a equipe nipônica que só conseguiu 6 dos 74 pontos possíveis.


Alguns fatos durante os três dias do GP são dignos de maior análise. Além do desastre total da Honda, a TV captou nos boxes da Ducati a expressão de desconsolo dos gestores da equipe com o resultado do Q1 no sábado quando nos últimos minutos Danilo Petrucci conseguiu a segunda vaga, deixando o líder do campeonato e presumível primeiro piloto da equipe Andrea Dovizioso fora do Q2. A queda de Márquez em um contorno de baixa velocidade também foi notável pela tenacidade demonstrada pelo piloto que ficou com a moto até a sua completa imobilização.  


A Suzuki provou que tem equipamento para vencer provas nesta temporada. Alex Rins mostrou personalidade ao ultrapassar Valentino Rossi nas últimas voltas, prolongando o jejum do “Velho Leão” que não visita o degrau mais alto do pódio desde Assen em 2017. Miller, da equipe independente Pramac foi a melhor Ducati classificada, Franco Morbidelli (5º) e Fabio Quartararo (9º) colocaram as duas Yamaha da Petronas na frente da M1 da equipe oficial de Vinales (11º), a KTM de Pol Espargaró (8º) chegou 5 posições à frente da grande aposta da equipe para 2019, o francês Johann Zarco (13º).


Durante o fim de semana também foi comemorado o milésimo GP de Fórmula 1 em Xangai. Para efeitos de comparação o primeiro mundial de motovelocidade aconteceu em 1949, um ano antes da oficialização do mundial de F1 em 1950.  A motovelocidade contempla mais de uma prova na programação de cada etapa e, no último evento, alcançou a marca de 3.105 provas disputadas em 9 categorias (*). Contabilizando apenas a prova principal de cada etapa (500cc & MotoGP) o número indica um total de 879 GPs. A classe individual com maior número de contribuições para chegar aos 3.105 GPs foi a 125cc, disputada entre 1949 e 2011, com um total de 722 provas. O menor número registrado é da 80cc que participou de disputas entre 1984 e 1989 totalizando 47 competições. 


O atual formato MotoGP foi introduzido em 2002, último ano de equipamentos equipados com motores 500cc 2 tempos, que compartilharam as pistas com os 990cc 4 tempos. Em 2007 a capacidade dos motores foi reduzida para 800cc e no ano de 2012 foi fixada em 1000cc. Devido ao pequeno número de inscritos, a organização dos GPs aceitou a participação em 2012/2013 das subclasses CRT (Claiming Rule Team) e em 2014/2015 da Open, ambas com custos reduzidos por não serem exclusivamente protótipos e utilizarem elementos de motos comerciais. As especificações que individualizam a Moto2 datam de 2010 e da Moto3 de 2012.


O maior vencedor desde a introdução da MotoGP em 2002 é o italiano Valentino Rossi, que participou de todas as 18 temporadas e contabiliza 76 vitórias, seguido por Jorge Lorenzo que compete desde 2008 (11 temporadas) conquistou 47 GPs. Marc Márquez em 7 temporadas já venceu 45 provas.


Existe um consenso entre os autoproclamados especialistas da mídia que cobrem o Mundial da MotoGP que o verdadeiro campeonato mundial começa na temporada europeia. As etapas do Catar, Rio Hondo e CotA são consideradas apenas o aquecimento. As atenções agora convergem para Circuito Angel Nieto em Jerez de la Frontera, na Espanha, onde será disputada a próxima prova do mundial programada para 5 de maio.  



(*) 50cc, 80cc, 125cc, 250cc, 350cc, 500cc, Moto2, Moto3 & MotoGP

quinta-feira, 11 de abril de 2019

F1 - Milésimo GP na China? Há controvérsias






Quando é realizado um levantamento de ocorrências, é importante individualizar de modo inequívoco o que está sendo contabilizado. A Fórmula 1 comemora como seu milésimo Grand Prix a prova no Circuito Internacional de Xangai em 2019. A entidade organizadora do evento, Liberty Media, estava fazendo uma contagem regressiva para efeitos de marketing desde 2017. Houve até uma sugestão de alterar o calendário para o evento coincidir com a realização do GP em Silverstone, no berço da F1, para obter melhor retorno comercial.


A mídia passa a considerar o que o GP chinês como o a corrida número mil da Fórmula 1, 69 anos depois da primeira prova em um campeonato mundial patrocinado pela FIA realizada em Silverstone em 1950. Pode não ser bem assim. Os registros são confusos, incluem provas de outras competições que foram realizadas de acordo com os regulamentos da F1, mas que não constavam na programação do mundial como, por exemplo, o GP realizado em Brands Hatch em 1983.


Os prolegômenos da F1 são anteriores ao primeiro campeonato mundial de 1950, um esboço de um conjunto de regras foi divulgado pela entidade em 1947 e um Grand Prix realizado em Turim em 1946 pode ser considerado como sendo a primeira corrida de F1 na história.


Corridas avulsas para divulgação ou visando lucros financeiros, não constantes no calendário oficial, eram comuns depois da oficialização do campeonato em 1950. Emerson Fittipaldi venceu uma prova realizada em Brasília há 45 anos não válida pelo mundial, evento em que Nelson Piquet trabalhou nos boxes da equipe Brabham encarregado da limpeza do carro de Carlos Reutemann. Era uma época em que um piloto de talento era mais valorizado que alguém com um bom respaldo financeiro.


A marca #1000 em Xangai também é distorcida por diversas provas realizadas na década de 50 que, embora listadas no calendário oficial, contemplavam regras distintas e não eram tecnicamente corridas de F1.


Entre 1950 e 1960 as 500 milhas de Indianápolis fizeram parte da programação do Mundial de F1, embora seguissem as regras da American Automobile Association (AAA) de 1950 a 1955 e da United States Auto Club (USAC) entre 1955 e 1960. Os pilotos da F1 ficavam incomodados em disputar pontos em um ambiente hostil, com máquinas e condutores diferentes compartilhando uma pista oval. Em 1958 o multicampeão Juan Manuel Fangio não conseguiu sequer participar da prova, seu tempo na classificação foi considerado inaceitável. A prova foi excluída do calendário em 1961, entretanto estas 11 corridas foram acatadas para a marca obtida na China. Sem estas provas, a milésima prova seria disputada em Monza este ano, na pista que hospedou o maior número de GPs oficiais em toda a história.


Utilizando um critério mais rígido, nenhuma prova disputada nos anos de 1952 e 1953 poderia entrar nesta contagem. A decisão da Alfa Romeu em não disputar as temporadas e a ausência forçada da BRM por motivos financeiros desfalcaram o grid, que ficou com um número insuficiente de participantes. Para incluir mais equipamentos e compor um espetáculo mais atraente, a organização passou a permitir a participação de concorrentes com especificações da F2. Funcionou até 1953 quando a situação foi normalizada com a participação da Mercedes.


Se forem excluídos os 11 GPs da Indy 500 (1950 a 1960) e 15 outras etapas com regulamentos alterados para incluir mais equipamentos, o GP da China seria o número 974 e a comemoração do milésimo evento ocorreria durante a temporada europeia de 2020. A China comemora o GP 1.000, mas dependendo de como os eventos são contados, ele pode ter ocorrido antes ou talvez ainda vá acontecer.


Dois registros de números cabalísticos indicam particularidades interessantes para os brasileiros. O de número 700 aconteceu no Brasil em 2003, uma corrida caótica em função do clima, que foi encerrada prematuramente (bandeira vermelha) e os comissários de prova consideraram como vencedor Kimi Raikkonen, o líder duas voltas antes da interrupção. Um protesto julgado cinco dias depois comprovou que Giancarlo Fisichella já havia iniciado a volta 56 quando a prova foi interrompida e, pelo regulamento, foi declarado retroativamente como vitorioso.


O GP número 800 entrou na história como sendo palco do “Crashgate”, a pantomina protagonizada por Nélsinho Piquet que deliberadamente bateu com seu carro em Cingapura para provocar uma bandeira amarela, uma manobra urdida pela equipe Renault para possibilitar a vitória de Fernando Alonso.


O número 900 ocorreu em Bahrein em 2014, com uma disputa incrível entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg, no tempo em que ainda havia amizade entre eles e competiam pela mesma equipe.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

MotoGP – “Hors Concours"


MM #93 no Circuito das Américas


Clóvis Bornay foi um museólogo e carnavalesco brasileiro, criou o Baile de Gala do Carnaval no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (1937) e ganhou notoriedade por participar de concursos de fantasias. Nos tempos que antecederam a TV e a internet, os principais meios de divulgação da mídia eram jornais e revistas Bornay foi um mestre em fantasias de carnaval, venceu praticamente todos os concursos que participou. Como a simples menção de sua inscrição desencorajava a participação de outros competidores, acabou sendo declarado “Hors Concours”, um concorrente de honra que se apresentava nos desfiles, porém não era considerado em termos de premiação.


Talvez este seja um caminho para a MotoGP nos EUA, ao promover a competição declarar Marc Márquez como “Hors Concours”, permitindo que outros pilotos tenham a chance de comemorar a vitória. Os registros oficiais da MotoGP indicam que desde 2011 Márquez disputou 11 provas em solo norte-americano, venceu todas. O piloto espanhol acumula vitórias em Indianápolis em 2011 e 2012 pela Moto2, e desde 2013 na MotoGP. Venceu as provas disputadas em Laguna Seca (1), Indianápolis (3) e no Circuito das Américas (6). Um currículo impecável. A menor diferença em uma prova nos EUA foi Indianápolis em 2015, 0,688seg em relação a Jorge Lorenzo (Yamaha), no ano seguinte em Austin conseguiu a maior folga, 6,107seg contra o mesmo adversário. A expectativa para o próximo GP, estimulada pelo resultado da corrida anterior, uma vitória com larga margem em Rio Hondo, é que a história se repita. Um indicativo claro do alcance desta tendência é que as casas de apostas de Londres devolvem o valor para os prognósticos cravados no atual campeão. Esta previsibilidade associada à ausência de pilotos americanos na disputa não contribui para promover o mundial nos EUA.


Não há como fazer um exercício de futurologia confiável, mas uma análise dos números de mundial de motociclismo da FIM em território americano serve como uma referência. Os protótipos Honda sempre apresentaram bons resultados nos EUA, dos 31 GPs disputados, 2 em Daytona, 15 em Laguna Seca, 8 em Indianápolis e 6 em Austin, 15 foram vencidos por equipamentos do fabricante nipônico. Desde que o mundial foi reformulado e assumiu o nome de MotoGP em 2002, máquinas Honda cruzaram a linha de chegada na frente em 18 das 23 provas. No ano passado a sequência poles obtidas por Márquez no circuito foi interrompida, não por ter aparecido um desafiante mais veloz, o campeão foi penalizado por supostamente ter atrapalhado a volta de outro concorrente, caso contrário teria um histórico perfeito de 6 poles e 6 vitórias nas 6 provas disputadas no circuito. Curiosidade, o último piloto a obter uma vitória com equipamento de outro fabricante nos EUA foi Jorge Lorenzo em 2012, na oportunidade a bordo de uma Yamaha. Lorenzo este ano é colega de Márquez na Repsol-Honda. Só três pilotos relacionados no mundial deste ano já venceram nos EUA desde 2002, Valentino Rossi, Jorge Lorenzo e Marc Márquez.


Na MotoGP atual os fabricantes de estão na busca constante de soluções técnicas, algumas exóticas, para melhorar cada vez mais o desempenho de seus equipamentos. Todas as equipes têm especialistas dedicados a esmiuçar os regulamentos em busca de possíveis detalhes que possam ser explorados para obter vantagens durante as provas. Neste cenário um personagem está se notabilizando por sua eficiência e criatividade. Em 2013 Gigi Dall’Igna assumiu o departamento de competições da Ducati com o objetivo explícito de conquistar título para a fábrica italiana. Recebeu uma equipe como a autoestima em baixa por não ter conseguido nos dois anos anteriores (2011 & 2012) fornecer um equipamento para o herói italiano Valentino Rossi vencer uma única corrida. Dall’Igna percebeu que o pessoal era engenhoso e competente, porém carente de organização, orientou seu trabalho estimulando a criatividade e técnicas da administração.


O resultado pode ser percebido no visual externo dos protótipos, nos últimos anos a Ducati inovou nas winglets (asas), criou uma lancheira acoplada na rabeta da moto cuja finalidade é um dos segredos mais bem guardados da categoria, testou o uso de um braço de torque, renasceu o dispositivo holeshot e, no  Catar, protagonizou toda uma celeuma com a sua “colher”, alegadamente para resfriar o pneu traseiro. São soluções práticas, talvez até exóticas, sempre em busca de alguma vantagem para vencer seus concorrentes. O trabalho de Dall’Igna está apresentando resultados, desde o último terço da temporada de 2016, a Ducati está se credenciando como protagonista do mundial de pilotos, superando Yamaha e Suzuki na tarefa de desafiar a supremacia da Honda.


Gigi Dall’Igna sabe que a fábrica japonesa tem uma vantagem extra difícil de ser igualada, o talento do piloto que ocupa o assento da moto #93. A importância de Marc Márquez fica evidente quando se analisa os últimos resultados, em 2018 ele foi campeão tendo conquistado mais de 70% dos pontos possíveis na temporada, a segunda melhor colocação de uma Honda no mundial foi de Cal Crutchlow, que classificou-se em sétimo.


Este é o cerne da beleza da MotoGP. As equipes investem somas consideráveis para fornecer aos pilotos recursos próximos ao estado da arte da tecnologia, os organizadores tentam equalizar as oportunidades com regulamentos rígidos e, depois que as luzes de largada se apagam, o que prevalece é a determinação e o talento dos pilotos.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

MotoGP – O “Spoilergate” e as duas provas de Rio Hondo


Gigi Dall'Igna durante a premiação em Rio Hondo

A esperança da Ducati era utilizar o dispositivo “holeshot” para contornar a primeira curva na liderança em Rio Hondo. A distância da largada até a curva é curta e o resultado não foi o esperado. A fábrica apostava todas as fichas em Dovizioso na primeira fila (3º) e Miller logo atrás (5º), já que Petrucci largaria da quarta fila (10º) e teria poucas chances. A ilusão durou pouco, o pole Marc Márquez ignorou toda a parafernália de apoio engendrada pela mente criativa de Gigi Dall’Igna, pulou na frente e abriu um quase segundo só na primeira volta. 

Logo ficou evidente para todos os espectadores presentes no circuito ou assistindo pela TV que estavam presenciando duas provas distintas, uma contra o relógio do atual campeão e outra com a participação de todos os outros competidores. Perto do final da prova Marc chegou a estar com 15 segundos de vantagem sobre os concorrentes que disputavam a 2ª colocação, uma eternidade em termos de MotoGP. Durante toda a realização da prova só dois pilotos conseguiram consistentemente percorrer os 4.850 metros do traçado do circuito com tempos abaixo de 1’39, o vencedor Marc Márquez e a Honda de Cal Crutchlow que, mesmo penalizado com um “pass through” por ter queimado a largada, chegou em 13º. 

A segunda corrida, envolvendo todos os outros pilotos, só foi decidida na última volta quando Valentino Rossi ultrapassou Andrea Dovizioso por dentro na curva 7 para assumir a 2ª colocação. A disputa entre eles foi o ponto alto do espetáculo e durou quase toda a prova. Jack Miller, na GP19 da Pramac e com bom desempenho em todo o fim de semana chegou em 4º, na frente Alex Rins da Suzuki, que com uma excelente participação na corrida progrediu da 16ª posição na largada para a 5ª no final. Danilo Petrucci repetiu a 6ª colocação do Catar, resultado aceitável para uma equipe satélite, mas claramente insuficiente para uma Ducati de fábrica. Franco Morbidelli e Maverick Vinales protagonizaram uma excelente disputa até decidirem afrontar o princípio físico que dois corpos não podem, a um mesmo tempo, ocupar o mesmo lugar no espaço. Colidiram faltando pouco mais de meia volta, deixando as colocações seguintes para Takaaki Nakagami (7º), Fabio Quartararo (8º), Aleix Espargaro (9º) e Pol Espargaró (10º). Todas as seis fábricas incluíram representantes entre os top ten. 

Alguns resultados desta prova foram significativos, Rossi voltou ao pódio depois de uma ausência que durou 11 GPs, lembrando que sua última vitória foi Assen em junho de 2017. Continua o calvário de pilotos renomados como Jorge Lorenzo e Johann Zarco, que mesmo competindo por equipes de fábrica (Repsol-Honda e Red Bull KTM) conseguiram classificarem-se apenas em 12º e 15º. 

A cobertura de TV, com geração de imagens da própria MotoGP, mostrou o desalento do gestor da Ducati Gigi Dall’Igna sentado em uma mureta observando as comemorações no final da prova. Perder a segunda colocação na última volta teve um gosto amargo. 

Depois de duas etapas Marquez lidera a corrida ao título da temporada com 45 pontos, Dovizioso tem 41 e Rossi em terceiro com 31 pontos. O campeonato está no início, historicamente as três primeiras provas são realizadas em circuitos com características não homogêneas, diferentes das encontrados na etapa europeia. O próximo GP é no Circuito das Américas em Austin, que desde a sua inauguração conheceu um único vencedor. Marc Márquez disputou dez provas nos EUA, incluindo as realizadas em Laguna Seca e Indianápolis e nas classes de acesso, ganhou todas. 

Spoilergate 

A Honda, literalmente, chutou o balde. Houve na última semana de março o julgamento do recurso interposto pela equipe, em conjunto com a Aprilia, Suzuki e KTM, contra o uso do spoiler fixado no braço oscilante da Ducati GP19. A direção da HRC ficou extremamente irritada com a explicação da fábrica italiana que foi aceita pelos juízes, o apêndice foi projetado para resfriar o pneu traseiro, se resultou em “downforce”, como efetivamente resultou, foi apenas um efeito colateral. 

O risco que as recorrentes alertaram, e queriam evitar, é de uma possível uma escalada de custos no desenvolvimento de soluções aerodinâmicas. O CEO da Aprilia Racing, Massimo Rivola, que assumiu suas funções na equipe em janeiro deste ano depois de 21 anos na Fórmula 1 com passagens pela Minardi/Toro Rosso e Ferrari, sabe que o custo do desenvolvimento da área aerodinâmica é alto e os resultados na maioria das vezes não são os esperados. Muito da contrariedade da Aprilia, que é compartilhada por Honda, Suzuki e KTM, é o uso recorrente da chamada Lei de Gérson (levar vantagem em tudo) pelo gestor da Ducati Gigi Dall’Igna. A Yamaha havia utilizado um recurso semelhante no final da temporada passada, em tese para remover a água da chuva da frente dos pneus. Abandonou o projeto por produzir força descendente e, talvez por esta razão, não tenha se associado com as outras fábricas na reclamação ao FIM. Para licenciar seu dispositivo em pistas secas a Ducati alegou que era para refrigerar o pneu traseiro, estranho foi utilizar a geringonça em Losail, onde a maioria dos pilotos teve problemas para manter o pneu aquecido. 

Desde que o tribunal de apelação da FIM estabeleceu seu veredicto, o principal assunto da MotoGP voltou a ser aerodinâmica, que estava em compasso de espera desde que o uso das winglets foi disciplinado. A estrovenga no braço oscilatório da Ducati redirecionou o foco das equipes de engenharia para este objetivo. 

A decisão do tribunal, longe de encerrar a questão que na mídia europeia é chamado de “Spoilergate”, contribuiu para acirrar os ânimos. Informações que circularam na sexta-feira anterior ao GP em Rio Hondo indicam que a Honda apresentou um projeto de spoiler para o braço oscilante da RC213V, que recebeu a aprovação de Danny Aldridge, Diretor Técnico da MotoGP. Seria um fato corriqueiro, caso a equipe não tivesse apresentado o mesmo spoiler no dia anterior que foi considerado ilegal. A justificativa para esta aparente contradição é que na quinta-feira a equipe apresentou o spoiler especificando que sua função principal era reorientar o fluxo de ar na roda e criar downforce aerodinâmico, como contraria as diretrizes em vigor foi rejeitado. No dia seguinte a explicação era de aumentar a rigidez do braço oscilante, não havia nenhuma referência a efeitos colaterais, Aldridge não teve escolha senão permitir. 

Em tempo, as diretrizes especificam que anexos no braço oscilante são permitidos desde que “seu propósito não seja gerar forças aerodinâmicas”. Quando a Honda apresentou seu spoiler na quinta mencionou downforce, na sexta o propósito para a peça era outro. Tudo se resumiu a uma questão de semântica. 

A Honda conseguiu com este pequeno artifício expor a lacuna escancarada nas regras, mas não impressionou o grupo de trabalho que formalmente codifica e monitora as regras técnicas do MotoGP. O grupo que inclui Danny Aldridge, o Diretor de Tecnologia da MotoGP Corrado Cecchinelli e o diretor de provas Mike Webb têm a função de interpretar as regras apresentadas pela MSMA, a associação dos fabricantes de equipamentos para a MotoGP. A razão para existir a brecha é que a MSMA permitiu. 

Não parece razoável que a RC213V apareça com spoilers fixados no braço oscilante nas próximas provas. A finalidade da aplicação da Honda junto ao diretor Aldridge foi mais foi simbólica que prática. Se a intensão era expor ao ridículo como as regras estão sendo aplicadas, com certeza obtiveram êxito. 

Carlos Alberto