quarta-feira, 29 de agosto de 2018

MotoGP – GP da Inglaterra- A prova que não houve


MotoGP - Silverstone 2018 

A algum tempo atrás perguntei para um executivo do Banco América do Sul, uma instituição financeira orientada para a colônia japonesa e que já não existe mais, o que diferenciava a cultura nipônica da civilização ocidental. Sem muito pensar ele respondeu: “No Japão quando alguém identifica alguma coisa errada, tenta consertar. Aqui no ocidente a prioridade é encontrar um culpado”. O GP da Inglaterra foi cancelado por uma conjunção de fatores, um nível absurdo de precipitação de chuva talvez tenha sido o mais importante, a baixa capacidade de drenagem da superfície da pista com o recente recapeamento também teve uma contribuição significativa. A maioria da mídia elegeu seu culpado, responsabilizou o piso do circuito.


O prenúncio de um fim de semana atípico aconteceu no sábado, durante o último treino livre. A Ducati de Tito Rabat aquaplanou na zona de frenagem da curva Stowe e causou uma queda sem grandes consequências, o piloto estava sentado na brita quando foi atropelado pela Honda desgovernada de Franco Morbilelli, que caiu pela mesma razão. Rabat fraturou o fémur, a tíbia e a fíbula na perna direita, vai ficar muito tempo em recuperação. A magnitude e as consequências do incidente, principalmente a completa falta de opção para o condutor quando a aquaplanagem acontece afetaram muito a maioria dos pilotos.


A previsão do tempo ainda não é uma ciência exata, mas já está bastante desenvolvida com um alto índice de acertos. Em função do acidente a Dorna, após consultar o serviço de meteorologia do governo britânico, decidiu que antecipar o GP seria a melhor opção. A ordem de largada da Moto3 e MotoGP foi invertida, o início da corrida MotoGP definido para 11:30. O ideal seria mais cedo, mas os organizadores necessitavam de tempo para administrar o acesso do público ao circuito. A chuva, entretanto, não deu tréguas e continuou acumulando água na nova superfície de Silverstone. Depois do warm up alguns pilotos procuraram os representantes da IRTA e Dorna, as motos aquaplanavam em todos os lugares, a pista estava insegura. Um piso molhado é administrável, existem recursos para manter a aderência, água parada é uma situação bem diferente. O início foi postergado até o clima colaborar.


A maioria dos pilotos estava convencida que não havia condições para a corrida. Alguns, porém, viam nas dificuldades uma oportunidade, um cenário hostil aos favoritos de sempre. Jack Miller, que disputa a classe principal desde 2015 e tem uma única vitória obtida em Assen em 2016, estava frustrado por decepcionar os espectadores que afluíram ao circuito, os britânicos Scott Redding e Bradley Smith queriam participar do que provavelmente seria o último GP caseiro em um futuro previsível. Redding especialmente frustrado porque era rápido no molhado e um bom resultado seria importante para conseguir uma vaga na categoria na próxima temporada. Loris Baz, convocado pela KTM para substituir o acidentado Pol Espargaro, queria correr. Os sucessivos replays do acidente de Rabat na TV convenceram a maioria que o GP era inviável. Cal Crutchlow, o britânico com maior evidência no grid foi muito positivo ao afirmar que simplesmente não era seguro. 


Todos lembram do GP de 2015 foi disputado em condições semelhantes, porém na época não havia a formação de poças no piso. A palavra mais ouvida no paddock era desastre e a culpa foi creditada ao contratante responsável pelo recapeamento da pista.


Após sucessivos adiamentos, a Comissão de Segurança decidiu cancelar toda a etapa do GP da Inglaterra às 15:55h. Houve algumas reclamações localizadas de pilotos que não foram consultados, como foi o caso de Andrea Dovizioso, Valentino Rossi, Scott Redding e Loris Baz. Não houve uma convocação por parte dos organizadores, foi uma iniciativa informal de alguns pilotos que ganhou corpo. Dani Pedrosa e Aleix Espargaro foram os primeiros e o movimento se alastrou. Jorge Lorenzo foi avisado por seu manager, Marc Márquez viu a movimentação pela TV e em uma reunião com a Comissão de Segurança a decisão foi aprovada pela maioria dos pilotos, embora com votos contrários de Jack Miller e Johann Zarco a ausência de alguns. 


Estranho foi o fato de uma decisão tão importante ter sido tomada ad hoc. O conselheiro de segurança Loris Capirossi estava prestes a começar uma inspeção da pista quando foi chamado com urgência, o movimento que deveria ser institucional foi atropelado pela iniciativa dos pilotos e não houve uma autoridade com liderança para convocar uma reunião oficial e certificar-se que todos estariam presente. Não mudaria a decisão, se a maioria dos pilotos decidir que não é seguro a Dorna concorda quase sem argumentar. Algumas figuras do paddock com responsabilidades de gestão acreditam que que os pilotos têm muito poder sobre certas decisões, sem endereçar aspectos contratuais ou financeiros. 


O cancelamento do GP da Inglaterra foi um desastre para os organizadores, com consequências ainda não determinadas. Os maiores perdedores são os fãs da MotoGP que pagaram para perder um dia no frio e na chuva, sem a recompensa de ver uma corrida. A administração do circuito teme perder a credibilidade dos gestores e equipes da MotoGP e, talvez, não hospedar o GP nas próximas temporadas, de longe o seu evento mais lucrativo. Existem apenas dois circuitos credenciados na Inglaterra, Silverstone e Donington, o Reino Unido é um mercado muito importante na história do Grand Prix de motociclismo e é inconcebível não ter uma etapa do calendario em uma pista britânica.


Em termos de mundial o cancelamento de um GP favorece em muito o atual líder, Marc Márquez. A manutenção de uma diferença de 59 pontos faltando 7 etapas é uma vantagem considerável. Se acontecer uma improvável conquista de 7 vitórias de Valentino Rossi, seu mais próximo desafiante, nas etapas restantes o atual campeão necessita apenas 2 segundos lugares e 5 terceiros para conquistar seu quinto título. A situação do espanhol é tão tranquila que seus adversários mais prováveis, os dois pilotos da Ducati, já desistiram da corrida ao título. Andrea Dovizioso declarou que seu objetivo nesta temporada é vencer as Yamaha. 



segunda-feira, 13 de agosto de 2018

MotoGP - Áustria 2018 - Previsível, ainda assim emocionante

Red Bull Ring - 2018

O mundo em que vivemos foi moldado por uma evolução cultural que tem suas origens na primeira metade do século XX, quando cientistas do Bell Labs e de outras instituições desenvolveram um novo ramo da ciência conhecido como Tecnologia da Informação (TI). Originalmente concebida para endereçar alguns problemas triviais das telecomunicações da época, como por exemplo, maximizar o número de conversas telefônicas simultâneas em um único fio de cobre, a TI evoluiu para muito além de suas raízes e hoje é a responsável pelas maiores mudanças já ocorridas nos hábitos de vida dos indivíduos. Uma das premissas básicas da TI é que a informação reside no inesperado. O aprendizado acontece quando encontramos algum resultado que não que não havia sido previsto. Um fluxo de dados previsível não contém informações porque não pode descrever nada que já não saibamos.

Existem GPs no calendário do mundial da FIM em que em tese deveriam monótonos, com resultados previsíveis. Por exemplo, no Circuito das Américas e em Sachsenring as disputas são pela segunda colocação, o primeiro lugar é uma exclusividade de Marc Márquez nos últimos anos. Da mesma forma, no GP da Áustria a vitória de um equipamento Ducati é considerada normal. O Red Bull Ring é o circuito mais veloz do calendário, tem um layout relativamente simples com retas conectadas por curvas à direita e um miolo com um longo contorno à esquerda, distribuídas em um desnível de 65m. São características extremamente favoráveis aos protótipos GP18.

Uma vitória em um GP depende de diversos fatores, estratégia, potência do motor, flexibilidade do quadro, adequação de pneus, gerenciamento de consumo e talento do condutor. A Ducati GP 18 é um equipamento que se adapta extraordinariamente bem ao traçado da Áustria, os pilotos são competentes e foi uma surpresa na formação do grid de largada a pole da Honda de Marc Márquez, com uma diferença ínfima (0,002seg) em relação às Ducati de Andrea Dovizioso e (0,123seg) de Jorge Lorenzo.

A história do GP da Áustria de foi um “déjà vu” da prova de 2017, com Lorenzo no lugar de Dovizioso. A emoção nesta etapa também ficou por conta dos equipamentos Ducati e Honda, que batalharam pela liderança literalmente até a última curva.

O clima colaborou, 27° de temperatura ambiente, 41% de umidade do e o piso com 43°. O desenrolar da corrida com várias ultrapassagens fez a alegria dos fotógrafos. No primeiro terço da prova os três pilotos que largaram na primeira fila andaram muito próximos, Crutchlow, Rins e Danilo Petrucci um pouco mais atrás e o resto do grid não muito afastado. Valentino Rossi, que enfrentou diversos problemas nas tomadas de tempo e largou muito atrás, fez uma prova de recuperação com várias ultrapassagens. Pedrosa e Maverick Vinales perderam terreno como tem acontecido nas últimas provas.

Durante algum tempo houve uma perseguição insana de Dovi no encalço de Lorenzo, com o piloto espanhol adotando com sucesso uma técnica de direção defensiva. Desta vez o box da Ducati não se manifestou, não houve nenhuma sugestão de “Mapping 8”.

Os três líderes haviam optado por escolhas diferentes de pneus, Márquez com médio e hard, Lorenzo com os dois soft e Dovi calçando médios. Faltando sete voltas o “ménage à trois” virou um “pas de deux” com Dovi preferindo garantir o pódio e deixando a disputa para Lorenzo e Márquez. As voltas finais explicam porque o Red Bull Ring é conhecido como a Terra da Ducati, nas longas retas e subidas Lorenzo era mais rápido, no miolo a agilidade da Honda compensava e os dois futuros colegas de equipe levaram a indefinição do vencedor literalmente até a última curva, com a vitória de Lorenzo.

A classificação final apresentou entre os seis primeiros três Ducati, duas Honda e uma Yamaha. Dovizioso terminou um solitário terceiro, sete segundos à frente de Crutchlow. Petrucci chegou em quinto, seguido de Rossi que fez um trabalho excelente de recuperação tendo iniciado na décima quarta posição. Maverick Vinales estava muito decepcionado com sua décima segunda colocação, duas posições atrás da Yamaha versão 2017 de Johann Zarco, que viu reduzido o apoio do fabricante depois da Tech3 notificar o encerramento da parceria com os japoneses e mudar para a KTM. O GP da Áustria completou vinte e três etapas sem vitória de uma moto Yamaha.

Chega a ser um paradoxo, GPs altamente disputados e o atual campeão com uma liderança folgada nos pontos do mundial, 59 de vantagem sobre Rossi faltando 8 etapas para o encerramento. Nas entrevistas os pilotos já reconhecem que é muito difícil Márquez perder este campeonato e admitem apenas lutar pelo segundo lugar, atualmente ocupado por Valentino Rossi, com 12 mais que Lorenzo e 13 em relação a Dovizioso.

Um campeonato à parte está sendo disputado pelos pilotos da equipe de Borgo Panigale. Pela primeira vez, desde que se juntou à equipe, Lorenzo acumula mais pontos, apenas 1, no mundial de pilotos sobre Dovizioso. Este fato talvez explique a falta de entusiasmo do italiano no parque fechado e premiação no pódio. De novo a torcida italiana gritou seu nome, ignorando a vitória foi do espanhol.


terça-feira, 7 de agosto de 2018

MotoGP – A geometria do chassi de um protótipo


Os protótipos da MotoGP são equipamentos complexos, diversos componentes podem ser ajustados de acordo com as características de um circuito para criar um conjunto extremamente competitivo durante uma competição. Existe um conjunto de elementos relacionados com aspectos importantes da geometria do quadro de uma moto de competição que podem ser modificados para cada condição de traçado ou aderência de piso, são conhecidos por seus termos técnicos; rake, trail, wheelbase, centro de gravidade, anti-squat  e outros. Conceitualmente geometria é identificada apenas com as medidas físicas do chassi da moto, entretanto estes números devem ser relacionados de forma adequada para obter o melhor desempenho. Ajustar um equipamento não é simples, enquanto rake e trail são medidas diretas, anti-squat  e outras variáveis resultam de uma combinação de diversas dimensões.

Trail (trilha) é medida da distância do contato do pneu entre a vertical da roda e o ponto onde o eixo de direção encontra o piso. Outras medidas importantes que afetam diretamente a geometria do equipamento são o rake, offset e diâmetro do pneu. Rake é a medida do ângulo do eixo de direção em relação a vertical, offset é o deslocamento entre a distância entre tubos do garfo e o eixo de direção dianteiro.







Geometria Dianteira - Rake e Trail

Na parte frontal o trail é o principal responsável sobre o comportamento da moto em curvas ou sua estabilidade em linha reta. Trail é definido como a distância do contato entre a vertical do pneu dianteiro e a inserção do eixo de direção com o piso. O maior valor do trail aumenta o esforço necessário para conduzir o equipamento e resulta em maior estabilidade, reduzir o trail torna a direção mais leve e a moto menos estável. A inclinação do eixo de direção é um dos principais parâmetros que definem o trail.

O ajuste do trail não é direto e pode ser obtido alterando duas das três dimensões que o afetam, o rake e offset, já que o diâmetro do pneu é fixo e definido pelo regulamento da competição.


Geometria Traseira: Anti-Squat

Squat não tem uma tradução literal que possa ser aplicada ao comportamento da suspensão de uma moto. O termo mais aproximado é agachamento, a tendência do equipamento em baixar a traseira quando submetida a um conjunto de forças. Com a aplicação do torque gerado pelos motores no eixo da roda traseira os efeitos de squat e anti-squat têm uma disposição natural para aumentar. Squat indica a tendência da moto em baixar a suspenção traseira na aceleração como resultado da transferência de carga em função da tração aplicada. Uma maneira de compensar esta tendência é o anti-squat, uma característica de flexibilidade do chassi que trabalha para inibir a transferência de peso durante a aceleração.

O efeito de anti-squat é uma combinação de duas forças. A primeira é a força motriz do pneu traseiro, que atua apoiada no braço oscilante e tende a estender a suspensão traseira. Um exemplo prático, se a moto for bloqueada por uma parede sólida e uma pressão for exercida sobre o chassi, o ângulo do braço oscilante tende a reduzir estender a distância entre eixos. A segunda força é da correia que atua sobre o eixo e que também trabalha para ampliar a suspensão na maioria dos casos. A magnitude da contribuição de anti-squat da correia depende do ângulo e a da distância em relação ao braço oscilante. Estas duas forças atuam em conjunto com o efeito giroscópio (Autoracing, 23 de maio de 2016, MotoGP – O efeito giroscópio) para criar o melhor compromisso entre velocidade em retas e facilidade no contorno de curvas. 

Existem diversos modos para expressar a magnitude do efeito anti-squat. O mais simples é usar uma porcentagem para indicar o quanto da transferência de peso é compensada, por exemplo, se seu efeito compensa 75% da transferência de peso na aceleração e a suspensão vai sofrer alguma pressão para baixo. Com 100% a transferência de peso é perfeitamente equalizada e a suspensão não apresenta efeitos devido à aceleração. Em mais de 100% reduz ângulo do braço oscilante e a suspensão é alongada. Este valor pode ser calculado pela localização exata da roda dentada dianteira, em conjunto com outras dimensões. O anti-squat é importante porque pode alterar o comportamento do chassi na saída de uma curva. Normalmente algum squat é desejável para carregar o pneu traseiro para maior tração, mas não pode ser suficiente para a roda dianteira perder o contato com o piso. 

Quando a suspensão traseira desce, o ângulo do braço oscilante pode mudar consideravelmente em função das características anti-squat. Em traçados de circuitos com equilíbrio entre retas e curvas a maioria das motos responde melhor se configuradas com o anti-squat pouco mais de 100% com a suspensão totalmente estendida, o que significa maior eficiência na aceleração e dirigibilidade nas saídas de curvas pela compensação da transferência de peso.


Centro de gravidade





Até este ponto nos referimos a ajustar o comportamento da frente ou traseira da moto, alterando o rake, offset ou trail. Evidente que em qualquer mudança que levanta ou baixa o equipamento inteiro é importante controlar, porque a altura da moto tem importância vital em sua dirigibilidade. Um modo de avaliar a contribuição de todos estes atributos é o conceito de Centro de Gravidade (CG), o ponto onde convergem todas as forças que atuam na transferência de carga, aceleração, frenagem e inclinação em curvas, ou seja, o ponto de equilíbrio da moto inteira. Na maioria das motos de competição o CG, incluindo o piloto, deve estar a meio caminho entre a roda dianteira e traseira. 

A posição do CG influi no comportamento geral do equipamento. Uma moto com o CG mais elevado gerencia melhor a retomada de velocidade, frenagem e amplia os efeitos da transferência de peso, tende a trocar de direção mais rápido e exige menor ângulo de inclinação para contornar uma curva. Adiantar o CG ajuda a manter a extremidade dianteira para baixo, aquece melhor o pneu dianteiro, contribui para ajudar com aderência frontal, mas a extremidade traseira terá maior facilidade para subir durante a travagem e o conjunto perder aderência. Baixar o CG pode significar menor arrasto, retomadas de velocidade mais eficientes e velocidade em trechos retos.


Geometria dinâmica

O problema do ajuste ideal de uma moto é que fazer uma mudança em uma variável afeta um sem número de outros comportamentos na geometria, especialmente em protótipos que devem obedecer a padronizações draconianas como os equipamentos da MotoGP. Ainda assim as equipes conseguem ajustes limitados com alterações realizadas de modo indireto. Por exemplo, a Yamaha M1 pode mudar a altura de pivô do braço oscilante para conseguir maior anti-squat, mas isso também muda rake, trail e a altura do centro de gravidade. Muitas vezes uma única alteração pode introduzir mais problemas que soluções. Aumentando a complexidade, tudo o que foi citado acima é relacionado com o equipamento na vertical e na maior distância entre eixos, condição que quase não acontece durante uma prova. 

Os números de geometria mudam constantemente à medida que a suspensão trabalha. Em travagem, por exemplo, a suspensão frontal é quase totalmente comprimida e a traseira estendida. Mudanças de peso, até pelo consumo de combustível alteram significativamente o rake, trail e CG. Os movimentos do braço oscilante e os ângulos da correia alteram o comportamento da suspensão e podem até transformar um comportamento anti-squat em pró-squat em algumas condições. 

As equipes de utilizam complexos software de simulação para prever o comportamento de mudanças na geometria dos equipamentos, que calculam características importantes baseadas em várias variáveis de entrada, entretanto nada compara a sensibilidade dos pilotos em testes para encontrar as condições ideais.

MotoGP - Brno 2018



Última curva em Brno


O circuito de Brno na República Tcheca tem uma topologia diferenciada mesclando aclives e declives, neste cenário foi disputado o 3072º GP dos mundiais da FIM no último domingo. Mais de 84 mil pessoas compareceram ao vivo para acompanhar a décima etapa da temporada e assistiram a uma corrida muito disputada. Com um terço da prova realizada um grupo compacto de onze pilotos competia pela liderança, no final os três primeiros colocados foram separados por 0,378 segundos, a menor diferença registrada entre pilotos no pódio da MotoGP nos últimos dez anos.


Este resultado não foi uma surpresa, Brno é um traçado concebido para corridas de motos, a exemplo de Assen, Mugello e Phillip Island. Neste tipo de pista a estratégia é tão importante quanto o ajuste do equipamento e o talento do piloto.


A definição da prova só aconteceu nas últimas quatro voltas, com o protagonismo de Dovizioso, Lorenzo e Márquez na luta pela liderança e de Rossi e Crutchlow pela quarta colocação.  Lorenzo tomou a segunda posição de Márquez faltando três voltas para o final, em uma manobra oportunista em que ultrapassou também o líder Dovizioso, porém perdeu linha ideal e permitiu que o italiano recuperasse a posição. Com os três andando juntos foi possível visualizar a diferença de comportamento os equipamentos Ducati e Honda, no plano ou declives Márquez encostava nas Ducati e nos trechos em subida o motor da moto italiana falava mais alto. Pela ótica do helicóptero, a diferença entre eles parecia uma sanfona abrindo e fechando.


Quem acompanhou a prova percebeu uma nova postura de Marc Márquez, mais preocupado com o campeonato que em colecionar mais uma vitória para suas estatísticas. Considerando os pontos já acumulados, com 4 segundos lugares e 5 terceiros o atual campeão só perderia o título se Rossi, que não ainda não venceu nesta temporada, enfileirasse 9 triunfos consecutivos. Em tempo, o espanhol esteve em oito pódios nas dez provas desta temporada.


O ambiente não está nada bom nos boxes da Yamaha, embora lidere o mundial por equipes com 3 pontos de vantagem sobre a Honda. Brno foi a 20ª corrida sucessiva sem vitórias, a equipe está muito próxima de seu recorde anterior de abstinência, 22 corridas entre 1997 e 1998. Rossi até lutou por um lugar no pódio, mas seu equipamento não permitiu por causa das dificuldades de sempre, desgaste excessivo de pneus e falta de aceleração. Seu colega Maverick Vinales, que foi envolvido em um múltiplo acidente e abandonou na primeira volta, ele e seu engenheiro chefe já não falam o mesmo idioma. O espanhol anunciou na sexta-feira passada que Ramon Forcada não continuará comandando seu box na próxima temporada, Esteban Garcia, atualmente na KTM, será seu novo chefe de mecânicos.


O fim de semana de Vinales só não foi mais complicado que o completo desastre que se abateu sobre a KTM. Sem contar com o piloto de testes Mika Kallio, afastado por conta de lesões, perdeu Pol Espargaró em um acidente que resultou na fratura de uma das suas clavículas no warm up. Bradley Smith não conseguiu utilizar o novo motor com o sentido do eixo de manivelas invertido, que durante os testes oficiais, apresentou quatro problemas diferentes. A equipe decidiu equipar a moto com o motor antigo por razões de confiabilidade (a KTM tem esta liberdade porque está no regime de concessões). Apesar de todo o esforço dos mecânicos, Bradley não chegou a concluir a primeira volta, envolvido por um múltiplo acidente no início da corrida. A lesão de Espargaró deixa a KTM sem tempo para encontrar um substituto para a sua corrida caseira no próximo fim de semana. O projeto da KTM RC16 que alternou altos e baixos nos dois anos da sua vida, em Brno amargou seu pior resultado.


No cômputo final entre os melhores colocados, a Ducati colocou seus pilotos nas duas primeiras e na sexta posição, a Honda em terceiro e quinto, e a Yamaha no quarto lugar. Três Ducati, duas Honda e uma Yamaha é um resultado que de certa forma espelha o sentimento que no momento atual o melhor equipamento nas pistas é a GP18 da Ducati, seguida da RC213V da Honda e da M1da Yamaha.


Pilotos de equipes oficiais ocuparam as quatro primeiras posições, o quinto e o sexto colocados, embora de equipes independentes, utilizam desenvolvimentos das versões 2018 de fábrica. A solicitação de Cal Crutchlow de equipar sua RC213V com o braço oscilante de fibra de carbono, já utilizado por Márquez e Pedrosa, deve ser atendida nas próximas provas. Com esta alteração o britânico acredita que seu chassi fique mais flexível e proporcione condições para obter melhores resultados.


domingo, 5 de agosto de 2018

MotoGP - Jorge Lorenzo vs Andrea Dovizioso



Andrea Dovizioso & Jorge Lorenzo


Jorge Lorenzo e Andrea Dovizioso iniciaram nos mundiais da FIA praticamente juntos, a primeira temporada completa de ambos aconteceu na classe 125cc em 2002. Dovizioso estreou um pouco antes, em 2001, participando de uma única prova isolada sem conseguir pontuar. 
Os dois competiram na 125cc até 2004, Jorge pilotando uma Derbi e Andrea com uma Honda. Nesta primeira etapa da carreira de ambos a vantagem do italiano foi total, Dovi inclusive foi campeão em 2004. Os dois foram promovidos para a classe 250cc em 2005 onde ficaram por três temporadas, o fiel da balança inverteu em favor de Lorenzo, que conquistou os títulos de 2006 e 2007 tendo Dovi como vice.
Ambos migraram para a categoria principal em 2008, o espanhol contratado pela equipe oficial da Yamaha para fazer sombra a Valentino Rossi e o italiano como o único piloto de uma independente utilizando equipamento Honda. A participação em uma equipe com muito mais recursos e bem melhor estruturada garantiu a Jorge Lorenzo uma vantagem avassaladora até 2016, conseguiu três títulos mundiais (2010, 2012 & 2015). A evolução de Andrea Dovizioso foi mais variada, pilotou para a equipe de fábrica da Honda entre 2009 e 2011, mudou para uma Yamaha da independente Tech3 em 2012 e desde 2013 é piloto oficial da Ducati. Em seu último ano na Honda participou da estranha equipe de três pilotos montada para abrigar Casey Stoner, que ficou com o título do ano, Lorenzo foi vice e Dovi terceiro. 
Em 2017 tudo mudou. Contando com o suporte financeiro da Audi a Ducati Corse apostou alto, aproveitando o péssimo ambiente estabelecido nos boxes da Yamaha como resultado da falta de sintonia entre Valentino Rossi e o espanhol, a equipe baseada em Borgo Panigale, Bolonha, contratou Jorge Lorenzo. Um manager da marca italiana comentou na oportunidade que Lorenzo era um campeão do mundo e tinha contrato já assinado de 10 milhões, a Ducati cobriu a oferta. Os comentários que circularam, sem nenhuma confirmação oficial, foram que a cifra era maior que 12 milhões de euros. Havia um problema óbvio, o contrato de Dovizioso era 1/6 deste valor. A GP17, embora em uma versão muito superior à dos anos anteriores, tinha um comportamento muito diverso da M1 que Lorenzo estava acostumado e os resultados do espanhol foram decepcionantes. Os de Dovizioso, entretanto, foram excelentes para a Ducati a ponto de um piloto da equipe chegar à última corrida da temporada com possibilidades (remotíssimas) de vencer o mundial. Dovi encerrou a temporada com 261 pontos, pouco menos que o dobro dos 137 de Lorenzo. O relacionamento interno da equipe deteriorou quando Lorenzo recusou obedecer uma ordem expressa dos boxes para permitir a ultrapassagem do colega em Valência. 
A vitória do italiano no primeiro GP de 2018 entornou o caldo de vez. Na prova seguinte, em Rio Hondo, Lorenzo declarou que Dovizioso não perdia uma única oportunidade para tentar abater a sua moral na equipe.
O histórico resultado da Ducati no GP da Itália, dobradinha e primeira vitória de Lorenzo na equipe, serviu para potencializar as diferenças. Algum tempo antes quando o contrato de Dovi foi renovado para o biênio 2019/2020 houve um ruído na “Rádio Padock” sobre uma cláusula específica que seus ganhos em hipótese nenhuma seriam inferiores aos de Lorenzo se houvesse prorrogação do vínculo do espanhol. A informação é improvável, estes números costumam ser guardados a sete chaves e são resultado de uma composição de diversas fontes. No parque fechado depois da prova, a torcida italiana deixou evidente a sua preferência, gritava pelo nome de Dovi, o segundo colocado. Na prova seguinte, em Barcelona, o espanhol venceu de novo e declarou no encontro obrigatório com a imprensa que não iria permanecer na equipe na próxima temporada.
Antes da prova em Brno no retorno das férias de verão, que terminou com uma dupla vitória da Ducati com Dovi em primeiro e Lorenzo em segundo, houve uma guerra de entrevistas. Dovi declarou para o Marca, publicação espanhola, que Lorenzo era incapaz de entender uma Ducati e seu modo de pilotar não era apropriado para a GP18. A resposta veio no mesmo tom, Lorenzo replicou que seu modo de trabalho já resultou em três mundiais, o do companheiro conseguiu no máximo um segundo lugar. Em outra entrevista, ao jornal castelhano AS, o espanhol garantiu que o atual colega de equipe se supervaloriza. "Ele se acha melhor do que realmente é, porém em velocidade pura e talento sempre esteve atrás de Rossi, Márquez, Lorenzo, inclusive de Pedrosa e Vinales. Tem sorte que (Casey) Stoner e (Marco) Simoncelli não estão mais aqui, porque também estaria atrás deles" completouf, citando o australiano que se aposentou e o italiano, que morreu em 2011. Lorenzo ainda se disse cansado das declarações do companheiro, lembrando que em momento de má fase, nunca deixou de apoiar Dovizioso, a recíproca nunca aconteceu. "Quando, no ano passado eu tinha dificuldades e ele vencia, ficava ali abaixo do pódio aplaudindo e comemorando", garantiu.
Historicamente os resultados das carreiras de Lorenzo e Dovizioso são muito diversos. Com um número muito semelhantes em GPs disputados, o espanhol em 278 tem 67 vitórias e o italiano em 286 venceu apenas 19. Em 10 anos na categoria MotoGP Jorge conquistou 3 títulos, 3 segundos lugares e 2 terceiras colocações, Andrea apenas um vice e um terceiro lugar.  Em total de pontos contando todas as categorias a vantagem também é de Lorenzo, 3.889 contra 3.233. Na presente temporada ambos contabilizam duas vitórias cada.