MotoGP - Silverstone 2018 |
A
algum tempo atrás perguntei para um executivo do Banco América do Sul, uma
instituição financeira orientada para a colônia japonesa e que já não existe
mais, o que diferenciava a cultura nipônica da civilização ocidental. Sem muito
pensar ele respondeu: “No Japão quando alguém identifica alguma coisa errada,
tenta consertar. Aqui no ocidente a prioridade é encontrar um culpado”. O GP da
Inglaterra foi cancelado por uma conjunção de fatores, um nível absurdo de
precipitação de chuva talvez tenha sido o mais importante, a baixa capacidade
de drenagem da superfície da pista com o recente recapeamento também teve uma
contribuição significativa. A maioria da mídia elegeu seu culpado, responsabilizou
o piso do circuito.
O
prenúncio de um fim de semana atípico aconteceu no sábado, durante o último
treino livre. A Ducati de Tito Rabat aquaplanou na zona de frenagem da curva
Stowe e causou uma queda sem grandes consequências, o piloto estava sentado na
brita quando foi atropelado pela Honda desgovernada de Franco Morbilelli, que
caiu pela mesma razão. Rabat fraturou o fémur, a tíbia e a fíbula na perna
direita, vai ficar muito tempo em recuperação. A magnitude e as consequências
do incidente, principalmente a completa falta de opção para o condutor quando a
aquaplanagem acontece afetaram muito a maioria dos pilotos.
A
previsão do tempo ainda não é uma ciência exata, mas já está bastante
desenvolvida com um alto índice de acertos. Em função do acidente a Dorna, após
consultar o serviço de meteorologia do governo britânico, decidiu que antecipar
o GP seria a melhor opção. A ordem de largada da Moto3 e MotoGP foi invertida,
o início da corrida MotoGP definido para 11:30. O ideal seria mais cedo, mas os
organizadores necessitavam de tempo para administrar o acesso do público ao
circuito. A chuva, entretanto, não deu tréguas e continuou acumulando água na nova
superfície de Silverstone. Depois do warm up alguns pilotos procuraram os
representantes da IRTA e Dorna, as motos aquaplanavam em todos os lugares, a
pista estava insegura. Um piso molhado é administrável, existem recursos para
manter a aderência, água parada é uma situação bem diferente. O início foi
postergado até o clima colaborar.
A
maioria dos pilotos estava convencida que não havia condições para a corrida.
Alguns, porém, viam nas dificuldades uma oportunidade, um cenário hostil aos
favoritos de sempre. Jack Miller, que disputa a classe principal desde 2015 e
tem uma única vitória obtida em Assen em 2016, estava frustrado por decepcionar
os espectadores que afluíram ao circuito, os britânicos Scott Redding e Bradley
Smith queriam participar do que provavelmente seria o último GP caseiro em um futuro
previsível. Redding especialmente frustrado porque era rápido no molhado e um
bom resultado seria importante para conseguir uma vaga na categoria na próxima
temporada. Loris Baz, convocado pela KTM para substituir o acidentado Pol
Espargaro, queria correr. Os sucessivos replays do acidente de Rabat na TV
convenceram a maioria que o GP era inviável. Cal Crutchlow, o britânico com
maior evidência no grid foi muito positivo ao afirmar que simplesmente não era
seguro.
Todos
lembram do GP de 2015 foi disputado em condições semelhantes, porém na época
não havia a formação de poças no piso. A palavra mais ouvida no paddock era
desastre e a culpa foi creditada ao contratante responsável pelo recapeamento
da pista.
Após
sucessivos adiamentos, a Comissão de Segurança decidiu cancelar toda a etapa do
GP da Inglaterra às 15:55h. Houve algumas reclamações localizadas de pilotos
que não foram consultados, como foi o caso de Andrea Dovizioso, Valentino
Rossi, Scott Redding e Loris Baz. Não houve uma convocação por parte dos
organizadores, foi uma iniciativa informal de alguns pilotos que ganhou corpo. Dani
Pedrosa e Aleix Espargaro foram os primeiros e o movimento se alastrou. Jorge
Lorenzo foi avisado por seu manager, Marc Márquez viu a movimentação pela TV e em
uma reunião com a Comissão de Segurança a decisão foi aprovada pela maioria dos
pilotos, embora com votos contrários de Jack Miller e Johann Zarco a ausência
de alguns.
Estranho
foi o fato de uma decisão tão importante ter sido tomada ad hoc. O conselheiro
de segurança Loris Capirossi estava prestes a começar uma inspeção da pista
quando foi chamado com urgência, o movimento que deveria ser institucional foi
atropelado pela iniciativa dos pilotos e não houve uma autoridade com liderança
para convocar uma reunião oficial e certificar-se que todos estariam presente. Não
mudaria a decisão, se a maioria dos pilotos decidir que não é seguro a Dorna concorda
quase sem argumentar. Algumas figuras do paddock com responsabilidades de
gestão acreditam que que os pilotos têm muito poder sobre certas decisões, sem
endereçar aspectos contratuais ou financeiros.
O
cancelamento do GP da Inglaterra foi um desastre para os organizadores, com
consequências ainda não determinadas. Os maiores perdedores são os fãs da
MotoGP que pagaram para perder um dia no frio e na chuva, sem a recompensa de
ver uma corrida. A administração do circuito teme perder a credibilidade dos
gestores e equipes da MotoGP e, talvez, não hospedar o GP nas próximas
temporadas, de longe o seu evento mais lucrativo. Existem apenas dois circuitos
credenciados na Inglaterra, Silverstone e Donington, o Reino Unido é um mercado
muito importante na história do Grand Prix de motociclismo e é inconcebível não
ter uma etapa do calendario em uma pista britânica.
Em
termos de mundial o cancelamento de um GP favorece em muito o atual líder, Marc
Márquez. A manutenção de uma diferença de 59 pontos faltando 7 etapas é uma
vantagem considerável. Se acontecer uma improvável conquista de 7 vitórias de
Valentino Rossi, seu mais próximo desafiante, nas etapas restantes o atual
campeão necessita apenas 2 segundos lugares e 5 terceiros para conquistar seu
quinto título. A situação do espanhol é tão tranquila que seus adversários mais
prováveis, os dois pilotos da Ducati, já desistiram da corrida ao título.
Andrea Dovizioso declarou que seu objetivo nesta temporada é vencer as Yamaha.
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