sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

MotoGP - Vídeo Resumo da Temporada de 2016

BT Sports - Suzi Perry

(Tem um vídeo de publicidade de 45 seg)
http://videos.sapo.pt/A4TIHy8UVCT9WSpsQKlJ

MotoGP – Substitutos

Marc Márquez - Austrália 2016


Todo o alto escalão da Honda esteve presente na última prova da MotoGP em Valência, para assistir “in loco” o final da temporada de 2016. O mundial de pilotos já estava definido desde a prova de Motegi, entretanto os campeonatos de construtores e de equipes ainda permaneciam em aberto. A Honda liderava o de construtores, onde apenas a moto melhor classificada conta pontos, com uma vantagem tranquila de vinte e um pontos (349 a 328), e tinha esperanças no campeonato por equipes (pontuam as duas motos da equipe) onde estava com uma desvantagem de dez pontos (444 a 434).

A presença da direção da fábrica nipônica em Valência atendia dois objetivos, prestigiar o último evento da MotoGP sob a direção de Shuhei Nakamoto (que se aposenta) e lembrar aos condutores que a temporada ainda não havia acabado. O mundial de pilotos, que tem grande apelo na mídia, é considerado uma vitória pessoal, tanto assim é que as estatísticas individuais não discriminam os veículos utilizados, as 114 vitórias de Valentino Rossi em todas as classes no mundial de motos são distribuídas entre Aprilia (26), Honda (33) e Yamaha (55).

O marketing das fábricas e dos patrocinadores explora os resultados dos seus respectivos campeonatos. O regulamento do mundial de fabricantes contempla as todas motos em disputa na pista e, neste caso, a ousadia de Márquez na Austrália, que decidiu experimentar os limites da RC213V e acabou caindo quando mantinha uma liderança folgada, foi compensada pela vitória obtida por Cal Crutchlow (LCR). Para a equipe Repsol Honda o resultado de Phillip Island foi desastroso, não contabilizou um único ponto (o substituto de Dani Pedrosa, Nicky Hayden, foi o 17°) enquanto na mesma prova a Movistar Yamaha somou 30 pontos. A história quase se repetiu na Malásia com nova queda de Márquez, que recuperou a moto e ainda conseguiu a 11a colocação, enquanto Hiroshi Aoyama não pontuou. Em Sepang a Movistar Yamaha conseguiu mais 36 pontos e a Repsol Honda apenas 5. 

Esta sequência de maus resultados conjuntos acendeu um sinal de alerta para a direção da Repsol Honda, que pretende dispor de um Plano B para a temporada de 2017. A equipe entende a importância e o talento de Hiroshi Aoyama como intérprete do comportamento e orientador de soluções para a RC213V, e aceita suas limitações para ser piloto em uma prova. Livio Suppo, gestor da HRC, gostaria de ter sempre Nicky Hayden disponível quando um dos pilotos principais estiver impossibilitado, porém algumas datas de provas são conflitantes com o calendário da WorldSBK, que é prioridade para o piloto. Ter na reserva um talento com capacidade de substituir uma estrela é um problema complicado, bons pilotos preferem competir sempre.

A desventura da Repsol Honda funcionou como um alerta para todas as outras equipes de ponta, a Movistar Yamaha não utilizou nenhum substituto em 2016, mas já teve problemas em anos anteriores. O manager da equipe, Lin Jarvis, reconhece que é heresia pensar em um substituto que possa competir em um nível semelhante ao dos pilotos da equipe oficial. A Movistar Yamaha tem 12 profissionais com contratos de trabalho assinado para 2017, e pode utilizar o recurso de um de uma equipe satélite se houver acordo prévio. Não há como planejar estrategicamente um cenário futuro onde seja possível ter um piloto super-rápido sem competir regularmente. O acordo de cessão de equipamentos para a satélite Tech3 inclui a opção de requisitar, se necessário, um de seus pilotos, porém a equipe tem inscritos provisoriamente os novatos (na principal categoria) Johann Zarco e Jonas Folger. A Ducati, fábrica com o maior número de motos inscritas para 2017, tem mais opções de escolha, mas nenhuma delas com condições mínimas para substituir eventualmente Lorenzo ou Dovizioso.

Os resultados obtidos por pilotos substitutos em 2016 foram preocupantes, Michele Pirro, que atuou em sete oportunidades, nas equipes Ducati, Avintia e Pramac, sempre com motos da fábrica italiana, conseguiu como melhores resultados um sétimo e um oitavo lugares, Hiroshi Aoyama comandou uma Repsol Honda em duas oportunidades e conseguiu apenas um décimo quinto lugar, o mesmo resultado obtido por Nicky Hayden conduzindo a RC213V uma vez para a equipe oficial e outra para a satélite Marc VDS. Os outros que atuaram como substitutos, Hector Barberá na Ducati, Mike Jones e Javier Fores na Avintia e Alex Lowes na Tech3 estiveram sempre entre os últimos classificados.

Motovelocidade é um esporte de risco, acidentes acontecem. A MotoGP é um campeonato que mobiliza fortunas, a escalada de custos está ascendente, as tarifas de hospedagem de GPs envolvem altas cifras e o crescimento salarial dos principais pilotos é uma realidade. Os números  divulgados do contrato que a Ducati assinou com Jorge Lorenzo são astronômicos, as negociações de Marc Márquez com a Repsol Honda duraram uma eternidade mesmo depois de fecharem todas as opções do piloto em outra equipe de ponta, muito provavelmente por questões financeiras, quando assinado nenhuma das partes vazou qualquer número. Substituir uma destas estrelas é um desafio formidável.

Carlos Alberto


sábado, 24 de dezembro de 2016

O Motoesporte na Mira da Justiça




Em uma época onde ministros do STF são notícia quase todos os dias, a leitura de sites especializados em esportes motorizados na Europa é preocupante. O tradicional “The Times (Londres)” publicou recentemente manchetes que advertiram sobre um desastre iminente: “A regra dos seguros da União Europeia  vai destruir os esportes motorizados no Reino Unido”. É necessária a contextualização, na quarta-feira (21/12) a MCIA (Motor Cycle Industry Association), a ACU e a AMCA (representando provas de motovelocidade em estradas e circuitos) emitiram um comunicado conjunto alertando que os esportes motorizados poderiam ser inviabilizados em território britânico devido a uma sentença do Tribunal Europeu, em Luxemburgo.

A decisão decorre de um acórdão no processo Vnuk/Triglav, número C-162/13, no Tribunal de Justiça da Comunidades Europeia, conhecido simplesmente como diretiva Vnuk. É referente a um caso de 2014 e envolveu um trabalhador agrícola esloveno, Damijan Vnuk, que solicitou a cobertura de uma apólice de seguro de um trator, em relação a um acidente enquanto trabalhava em uma fazenda. Os tribunais inferiores da Eslovênia rejeitaram as suas alegações, mas o Supremo Tribunal do país decidiu submeter o caso para a Corte Europeia de Justiça (ECJ).

O caso de um trabalhador agrícola esloveno evoluiu até ameaçar o esporte motorizado na Europa porque o acidente de Vnuk foi em uma propriedade privada. A legislação da União Europeia exige, para permitir a livre circulação de veículos entre os países associados, que automóveis ou motocicletas devem dispor de seguro de responsabilidade civil, mas não é explicita em relação à sua validade para sinistros ocorridos em vias públicas ou privadas. Esta omissão é a raiz do problema, foi a justificativa para a Suprema Corte da Eslovênia remeter o caso ao tribunal europeu.

No caso Vnuk, a ECJ interpretou a legislação vigente no sentido de que qualquer veículo motorizado, seja para uso em ambiente público ou privado, deve ser coberto por um seguro para indenizar possíveis vítimas de sinistros. Na letra fria da lei, também é aplicável aos veículos de corrida, sejam eles carros ou motos, para disputas em traçados de rua, estradas ou circuitos particulares. Esta interpretação significa, por exemplo, que em cada rodada europeia da MotoGP, todos os pilotos, do campeão Marc Márquez até Rei Sato, o último classificado na Moto3 em 2016, teriam de ser segurados contra qualquer dano que causassem a outros pilotos em um acidente na pista.

Não há dúvidas que pilotos como Valentino Rossi e equipes de fábrica como a Yamaha podem facilmente arcar com este seguro, mas é mais uma despesa para equipes amadoras ou com pouco patrocínio. Apólices para iniciantes podem ser proibitivamente caras e provavelmente o número de corridas e pilotos no grid reduza sensivelmente. Sem eventos constantes a operação de uma pista dedicada não é economicamente viável, nas condições atuais a entidade que administra Silverstone já é deficitária, se fosse forçada a confiar unicamente na renda de MotoGP e F1, estaria falida em pouco tempo.

A decisão das entidades britânicas em emitir um comunicado conjunto foi alavancada por uma ação do governo, que abriu formalmente em 21 de dezembro uma consulta popular para incorporar o resultado do julgamento Vnuk na legislação do Reino Unido. Ao emitir o comunicado, o MCIA garantiu a exposição máxima para o problema, monopolizou manchetes e convocou as pessoas para participarem do processo, criando um ambiente alarmista.  A realidade é que, embora exista uma causa genuína para preocupações, as chances de afetar significativamente o motociclismo profissional na Europa estão muito próximas a zero, até porque os desportos motorizados são uma parte importante da economia e as implicações da diretiva Vnuk são tão amplas que exigem um processo de reformulação.

No Reino Unido a extensão do dano da diretiva Vnuk é potencializada porque as indenizações de lesões tendem a ser muito mais elevadas que em outros países na Europa e o custo das apólices, portanto, é muito maior, quase proibitivo. Sem legislação específica e detalhada, a securitização também seria extremamente sensível à fraude: dois pilotos podem simular um acidente, um pode fingir uma lesão, apresentar uma demanda de indenização e, em seguida, compartilhar o pagamento do seguro com o outro. Embora o Reino Unido possa ser o mais afetado pelo diretiva Vnuk por causa de peculiaridades da lei britânica, o caso também tem implicações em toda a Europa. Os outros 27 Estados-Membros da União Europeia terão que implementar legislações apropriadas para fazer face a obrigação do seguro, isto pode ter um efeito devastador não só no Reino Unido, mas especialmente em países tradicionais no esporte da velocidade como Espanha, Itália e Alemanha.

A UE reconhece os possíveis desdobramentos da interpretação da lei e está tomando medidas para conter seus efeitos indesejados. A intenção da diretiva nunca foi impor um seguro a todos os tipos de veículos a motor, onde quer que sejam utilizados, objetivo foi garantir que qualquer pessoa que fosse vítima de um acidente de trânsito seria capaz de obter uma indenização. Parece óbvio que a decisão do tribunal é orientada para cobrir o tráfego normal em vias públicas, mas a sua redação abrangente permite interpretar que inclui qualquer veículo automotor em qualquer local, em vias públicas ou privadas. Isso significa, além de motos e carros de competição, Segways em aeroportos, scooters de mobilidade em centros comerciais, empilhadeiras em armazéns, tratores em pátios e carrinhos elétricos em campos de golfe. Forçar todos esses veículos para cobrir seguro de terceiros é absurdamente caro.

O Reino Unido criou fundos de compensação, financiados por contribuições do seguro de automóvel, para cobrir danos causados ​​por motoristas não segurados. Sem modificar a diretiva, os motoristas normais poderiam estar indenizando indiretamente jogadores derrubados acidentalmente por carrinhos de golfe, o pessoal da Fedex atropelado por empilhadeiras ou até Jorge Lorenzo atingido por Andrea Iannone na disputa de um GP.

Até que a UE modifique o texto da obrigatoriedade de seguro para veículos automotores, todos os estados membros se encontram num buraco negro legislativo. Originalmente o Parlamento Europeu deveria emitir uma diretiva até o terceiro trimestre de 2016, já estamos no final do quarto trimestre e nenhuma publicação foi emitida. O trabalho está em curso, mas precisa ser apressado, se nada for feito, não vai acabar com as competições na União Europeia, mas com certeza deve criar problemas.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

MotoGP - Aerodinâmica

Estudo Hayabusa



Por imposição do Regulamento Geral de Competições da temporada de 2017, os motores da MotoGP estão silenciosos até o final de janeiro, o chamado recesso de inverno (no hemisfério norte). A restrição nem de longe implica em que a atividade das equipes de desenvolvimento dos fabricantes estejam em compasso de espera, muito pelo contrário, todos estão tentando descobrir o que pode ou não ser feito para compensar o banimento das winglets (asas) anunciado para a próxima temporada.

As novas regras, divulgadas em setembro, permitem interpretações, elas indicam literalmente que: “Dispositivos ou formas salientes da carenagem, não integrados ao corpo da carroceria (asas, aletas, protuberâncias, etc.), que possam proporcionar efeitos aerodinâmicos (downforce) não são permitidos”. A formulação do texto elimina a possibilidade de moldar formas que atuem como winglets ou geradores de vórtice que se projetem a partir da carroçaria. As equipes também estão cientes que: “O Diretor Técnico tem ampla liberdade para decidir se um dispositivo externo ou desenho da carenagem se enquadra na definição acima”.

Quando a Ducati compareceu nos testes de Valência, logo após o término da temporada passada, um fato gerou curiosidade entre os construtores e mídia especializada, as novas Desmosedici 2017 colocadas à disposição de Lorenzo e Dovizioso eram equipadas com winglets. A fábrica informou na ocasião que os apêndices foram mantidos para possibilitar a comparação entre o novo quadro e o utilizado durante a temporada, uma razão para lá de questionável. Na opinião de engenheiros e analistas, foi uma indicação que os italianos encontraram uma maneira de gerar downforce atuando dentro dos limites das novas regras.

O gerente geral da equipe Ducati, Gigi Dall’Igna, afirmou durante os testes que: “Temos que mudar completamente o projeto da carenagem para o próximo ano, com certeza não estamos prontos no momento com a nova aerodinâmica”. O Conselheiro Acácio de Eça de Queiróz (O Primo Basílio) não conseguiria criar uma resposta mais convencional, é óbvio que todos os fabricantes estão trabalhando em projetos de carenagem que consigam replicar o desempenho das winglets.

Danny Aldridge, que vai desempenhar o papel de senhor do raio e do trovão na próxima temporada como diretor técnico da MotoGP, decidirá de forma monocrática o que é admissível ou não nas carenagens em 2017. Danny confirmou que todos os fabricantes já fizeram consultas informais, com desenhos e esboços, perguntando se seriam aceitáveis ou não. Como ainda nada é oficial, ele se limita a indicar o que estaria propenso a aceitar e o que deve ser recusado. O regulamento não indica explicitamente a forma como uma consulta deve ser encaminhada, o que o diretor tem recebido (informalmente) são arquivos em CAD 3D, desenhos artísticos e houve até um caso em que lhe foi apresentado um modelo de protótipo em escala reduzida. Aldridge está imaginando que todos os projetos estejam prontos antes dos testes pré-temporada em Sepang, Phillip Island e no Catar, porém o regulamento não especifica uma data limite (só indica que deve ser aprovado antes da largada da primeira prova).  

Existem poucas pistas sobre aparência das novas motos em 2017. Já houve um vazamento da Ducati sugerindo que a atual GP17 ainda não endereçou satisfatoriamente o problema de dirigibilidade dos modelos anteriores, que exige um enorme esforço físico do piloto, uma indicação clara que o projeto contempla muita carga aerodinâmica (leia-se downforce). A permissão limitada de modificações na estrutura da carenagem (uma por piloto, por temporada) abre a possibilidade de algumas equipes esperarem até o último momento para mostrar seus projetos de 2017, por exemplo, apenas no último teste no Catar. Esta estratégia permitiria ao fabricante verificar se o comportamento da carenagem trabalha como planejado para os seus pilotos e dificulta aos competidores clonar soluções antes do início da temporada. Afinal, as winglets, a grande novidade da Ducati em 2015, só foram apresentadas ao público nos testes uma semana antes do início do campeonato. O recurso na época foi tratado como uma excentricidade dos italianos e outros fabricantes só apresentaram artifícios semelhantes no início da temporada seguinte.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

WEC - Le Mans


Porsche 919 Hibrid
 
 
Competições internacionais de resistência existem desde a década de 50. O primeiro World Sportscar Championship foi disputado em 1953 e até os dias atuais sucederam-se diversas disputas com abrangência mundial, que alteravam nome e regulamentação para adequar-se às novas tecnologias e condições de mercado. A última grande mudança para campeonatos de resistência ocorreu em 2012 quando a FIA criou o World Endurance Championship (WEC), que estabelece um novo referencial para as corridas de longa duração. O WEC recebe o apoio de fabricantes tradicionais, incluindo Aston Martin, Audi, Corvette, Ferrari, Nissan, Porsche e Toyota, e tem etapas programadas na Itália (Monza), UK (Silverstone), Bélgica (Spa-Francorchamps), França (Le Mans), Alemanha (Nurburgring), México (Hermanos Rodriguez), USA (Circuito das Américas), Japão (Fuji), China (Shanghai) e Bahrain. Todas as provas, à exceção das 24 Horas de Le Mans, serão realizadas com 6 horas de duração.

Os protótipos que disputam o WEC são carros de cockpit aberto ou fechado, sem exigência de um número mínimo de produção, desenvolvidos especialmente para as 24 Horas de Le Mans e utilizados em provas da ELMS (European Le Mans Series) e IMSA (International Motor Sports Association, principal organização de competições de carros esportivos na América do Norte).

Os equipamentos são preparados para competições em pista, divididos em quatro categorias: LMP1 (Le Mans Prototype 1), LMP2, GTE PRO (Grand Touring Endurance) e GTE-AM.A categoria LMP1 é reservada exclusivamente para equipes privadas, independentes, que não utilizam qualquer apoio do fabricante além do fornecimento do motor e serviços relacionados, a LMP2 é exclusiva para equipes sem relações com fabricantes e/ou fornecedores de motores. A classe GTE especifica carros de duas portas, dois ou quatro lugares, em condições de serem utilizados legalmente no tráfego em estradas e disponíveis para venda em redes de concessionários de uma fábrica credenciada pelo Comitê de Endurance. Esta categoria inclui dois grupos, um destinado para pilotos profissionais (LMGTE-PRO) e outro para diletantes (LMGTE-AM).

A principal prova do calendário da WEC são as 24 Horas de Le Mans, disputada desde 1923 com exceção do ano de 1936, em função de uma greve, e entre 1940 e 1948 devido à guerra e seus desdobramentos. É a mais tradicional prova automobilística de resistência disputada no mundo. A corrida é realizada no circuito de Sarthe, traçado semipermanente composto de parte do circuito Bugatti (onde são disputadas as provas de MotoGP) e estradas locais, bloqueadas para o trânsito durante a realização do evento.

O traçado tem uma extensão de 13650 metros e inclui uma reta de 5 km onde os protótipos mantém velocidades acima de 300 km/h durante um longo tempo. Esta porção do circuito foi dividida em três trechos pela instalação de duas chicanes em 1990, medida necessária porque alguns protótipos, com carga aerodinâmica reduzida para alcançar velocidades maiores, apresentavam tendência de levantar voo nesse trecho, situação agravada pelas pressões muito intensas dos pneus nestas condições e pela presença dos carros de GTE, que rodam entre 100 a 150 km/h mais lentos. A prova é realizada com o acelerador a pleno em 85% do tempo, as exigências sobre os componentes do motor e transmissão são brutais.

Em 1955 Le Mans foi palco de um acidente que resultou em mais de 77 fatalidades (até hoje não há consenso sobre um número exato). Na época as condições de segurança eram outras, os pilotos não utilizavam cintos de segurança por medo de ficarem presos a carros em chamas e os boxes eram separados da pista por uma faixa pintada no asfalto. Havia naquele ano muita expectativa para o desempenho dos carros Jaguar, Ferrari e Mercedes. Um dos inscritos na prova era Pierre Levegh, um francês de 50 anos que em 1952 havia conduzido um Talbot por 22 horas seguidas, e estava em primeiro na classificação geral quando o motor do carro quebrou.

Por volta da terceira hora da prova o Jaguar então líder da prova, pilotado por Mike Hawthorn, era seguido por duas Mercedes, de Levegh e Juan Manuel Fangio. Ao ser chamado para reabastecimento, Hawthorn ultrapassou um Austin-Healey retardatário perto da entrada do pitlane e reduziu a velocidade rapidamente para entrar nos boxes, os carros da Jaguar eram os únicos da pista equipados com freio a disco, muito mais eficientes que todos os outros. Para evitar uma colisão, o Austin-Healey desviou freando para o centro da pista e foi atingido por Levegh. O francês não conseguiu evitar o choque, a roda dianteira esquerda bateu na traseira do Austin-Healey, a Mercedes alçou voo e capotou várias vezes sobre fardos de feno que delimitavam a pista, desintegrando-se no processo. Partes da carroceria e o motor atingiram os espectadores, muitos foram decapitados pelo capô que se desprendeu e voou contra a multidão. Fragmentos da carroceria, moldados em magnésio, entraram em combustão, o metal é altamente inflamável e suas chamas não se extingue com água.

Apesar da gravidade do acidente e do caos estabelecido no local, a direção não interrompeu a prova, alegando que o movimento de saída do público poderia prejudicar o deslocamento dos carros de socorro. A equipe Mercedes retirou-se da prova em respeito aos mortos, cedendo a vitória para a Jaguar. A Mercedes posteriormente abandonou o automobilismo esportivo, só retornando como fornecedora de motores em 1989.  Como consequência deste acidente provas de velocidade foram proibidas na Suíça. França, Espanha e Alemanha ensaiaram decisões semelhantes, que foram posteriormente revogadas.

Le Mans também reservou uma tragédia para os brasileiros, em 1963 o piloto Christian Heins faleceu disputando as 24 horas. Heins pilotava um Alpine, um carro cujo projeto clonado era produzido no Brasil com o nome de Willys Interlagos. Na sexta hora da competição, Christian liderava em sua categoria e era terceiro na geral quando o motor do carro de Bruce McLaren estourou e derramou muito óleo na pista. O neozelandês tentou sinalizar aos demais competidores do perigo no local, onde os carros passavam a mais de 200 Km/h. Três competidores rodaram no óleo e saíram da pista, o quarto, Jean Pierre Manzon, não conseguiu evitar e bateu forte, foi projetado para fora do carro e seu corpo ficou estirado na pista. O Alpine conduzido pelo brasileiro que vinha a seguir desviou do corpo no asfalto, mas perdeu o controle e chocou-se com um poste, seu carro explodiu em chamas. Christian Heins, aos 28 anos de idade, morreu instantaneamente.

A edição deste ano das 24 Horas de Le Mans apresentou um final eletrizante, a 11 minutos do final o Porsche número 2, que liderava a prova, foi obrigado a realizar uma parada não programada nos boxes para a troca dos quatro pneus e foi ultrapassado pelo Toyota número 5. Eram os únicos carros que estavam na mesma volta. Faltando pouco mais de 6 minutos o Toyota reportou uma perda severa de potência e a 4 minutos para esgotar as 24 horas a diferença entre os carros estava reduzida a 38 segundos e caindo rápidamente. A Toyota tinha de decidir se mantinha o carro na pista para chegar em segundo ou recolhia aos boxes, optou por continuar na prova e o piloto estacionou logo depois da linha de chegada, para tentar completar o circuito depois do relógio marcar o encerramento da prova. Entretanto as condições do carro estavam muito deterioradas e o Toyota cruzou a linha de chegada 11 minutos e cinquenta e três segundos depois da bandeirada final. Este gap excede o tempo máximo permitido pelo regulamento, que limita a classificação aos equipamentos que passarem pela linha final até 6 minutos depois da bandeirada para o líder, o carro número 5 foi desclassificado e o segundo lugar foi atribuído ao seu companheiro de equipe, que estava com três voltas de atraso.

Na prova deste ano o Brasil foi representado na classe LMP1 pelos pilotos Lucas de Grassi (terceiro na classificação geral) e Nelson Piquet Jr., na LMP2 por Oswaldo Negri Jr., Bruno Senna e Pipo Derani e por Fernando Rees na LMGTE.

Carlos Alberto

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

MotoGP - Entressafra


Yamaha M1- Vinales
 
Os que acompanham trajetória da Honda desde que começou a disputar os mundiais concordam com duas assertivas: (1) os japoneses nem sempre acertam e (2) são muito rápidos para corrigir seus erros. Nos últimos anos a MotoGP inovou com uma regulamentação para equilibrar as oportunidades entre os competidores, congelando o desenvolvimento de motores depois da primeira prova do ano e impondo um pacote eletrônico padronizado. Este procedimento criou limitações para a capacidade de reação dos engenheiros e técnicos de desenvolvimento durante o transcorrer do campeonato, ainda assim o pessoal da fábrica japonesa conseguiu inverter os prognósticos pessimistas dos testes pré-temporada de 2016.
A RC213V conviveu todo o ano com um propulsor temperamental, com  a entrega de torque difícil de ser administrada. Em nenhuma das previsões no início da temporada a equipe da fábrica nipônica figurou como favorita, estava muito atrás das concorrentes, com dificuldades de convivência entre o motor e o software. Não houve sequer um consenso entre os próprios pilotos da equipe sobre qual a especificação do motor deveria ser lacrada antes da corrida de abertura no Catar, Márquez optou pela geração de maior potência, Pedrosa preferiu uma versão com comportamento mais previsível (prevaleceu a que conseguiu a maior velocidade no último teste).
Na contramão das expectativas, Marc Márquez venceu com folga o mundial de pilotos faltando ainda três provas para o final e, com o seu segundo lugar em Valência, a Honda, consolidou o título de construtores (só a moto melhor colocada de cada fábrica na prova conta pontos). Não conseguiu o campeonato por equipes pela exígua contribuição de Dani Pedrosa, que esteve ausente em um número excessivo de provas, e de seus substitutos Hiroshi Aoyama (piloto de testes da fábrica) e Nicky Hayden (que disputa a WorldSBK). Os títulos conquistados pela Honda não podem ser creditados exclusivamente aos seus méritos, também têm muito a ver com a infelicidade de seus principais concorrentes, os desencontros da Michelin e uma cumplicidade do clima, porém a lição a ser aprendida é que é que a Honda nunca deve ser subestimada.
Os seis fabricantes que estão inscritos no mundial de MotoGP utilizam duas linhas de desenvolvimento para motores, cilindros em linha ou dispostos em V. Ducati, Aprilia, Honda e a estreante KTM optam pela arquitetura V4, com ângulos de 75° (Aprilia) e 90°, enquanto Yamaha e Suzuki preferem em linha. Em tese, cilindros em linha resultam em motores mais compactos melhorando a distribuição de peso e facilitando a velocidade em curvas, e os V4 habilitam maior torque em baixas rotações.
Por imposição do regulamento da MotoGP os motores são quatro tempos, o que implica em duas rotações do eixo de manivelas por ciclo, 720 graus na nomenclatura radiano. Uma das possibilidades dos projetistas é trabalhar na distribuição dos tempos de ignição dos cilindros ao longo destes 720°, aproximar as ignições resulta em um motor forte, porém o intervalo sem explosões nos pistões reduz a potência, ignições distribuídas simetricamente produzem um motor com maior potência final e menos forte em baixas rotações. Os propulsores utilizados pela Honda em 2016 contemplavam tempos de ignição distribuídos equitativamente durante o ciclo, ou seja, separados por 180° de giro do virabrequim. Este tipo de motor, por produzir um ruído característico, é chamado genericamente de “Screamer”, a contrapartida são os que concentram as ignições em intervalos menores, conhecidos como “Big Bang”.
Os primeiros testes para a próxima temporada, realizados em Valência, comprovaram o que estava sendo especulado desde o meio do ano, o propulsor da RC213V para 2017 tem uma mudança conceitual na temporização da ignição, o ruído característico do motor “Screamer” foi substituído pelo som gerado por um “Big Bang”. Esta mudança não representa um recuo da convicção do staff técnico da Honda sobre a maior eficiência do “Screamer”, mas foi a única maneira de melhorar a gestão de potência e torque com o pacote eletrônico Magneti-Marelli.
Os testes realizados em Valência logo após a conclusão da temporada de 2016 foram o primeiro evento oficial da nova temporada. O calendário incluído no Regulamento da Competição indica que a nova temporada se inicia no dia seguinte à última corrida do ano anterior e termina no dia da prova final do próximo ano. As comparações de desempenho entre equipes deste primeiro teste têm pouca utilidade, cada fabricante segue uma agenda própria e as equipes técnicas ainda estão trabalhando no desenvolvimento dos equipamentos para 2017, algumas mais adiantadas que outras. Como exemplo, algumas das Desmosedici que estiveram na pista ainda utilizaram carenagem com “winglets”, que estão banidas pelo regulamento. A KTM, estreante da temporada, mostrou sua RC16 com conceitos cuja eficiência foi desconsiderada por outras equipes, como um quadro de aço tubular com estrutura em treliça e motor com sequência de ignição simétrica (Screamer), os tempos cronometrados da equipe austríaca não impressionaram, porém, sem saber exatamente qual o objetivo do teste, é difícil avaliar o nível de sucesso.
O trabalho da mídia nos testes de Valência foi extremamente prejudicado, não por falta de novidades, por excesso de zelo das equipes em não comentar os resultados. Fábricas não tem interesse em anunciar linhas de desenvolvimento, diversos pilotos que mudaram de equipe e tiveram o primeiro contato com os equipamentos que devem utilizar em 2017 ainda estão com contratos atuais em vigência. As primeiras impressões de Jorge Lorenzo sobre a GP17, talvez o fato que despertasse maior curiosidade, não foram divulgadas, o vínculo do piloto com a Yamaha encerra no último dia deste ano e, até lá, Lorenzo está proibido de falar sobre a Ducati.
Nenhum teste com pilotos contratados por equipes pode ser realizado entre 30 de novembro e 31 de janeiro, o chamado recesso de inverno (na Europa). Fora deste período, equipes não incluídas no regime de concessões são autorizadas a participar de eventos com máquinas da classe MotoGP em três testes organizados pela Dorna/IRTA, cada um de três dias, entre 1 de fevereiro e o primeiro evento da temporada. Com o campeonato em andamento, são permitidos no máximo três testes, cada um de um dia, na segunda-feira posterior a eventos indicados pela Dorna/IRTA na Europa. Durante a temporada, as equipes podem testar com seus pilotos contratados, em qualquer circuito, um máximo total de 5 dias durante a temporada.
O trabalho interno das fábricas e equipes é intenso, porém só após o primeiro teste oficial no Catar em fevereiro é que se poder especular sobre como deve ser a próxima temporada.
 
Carlos Alberto