Equipes e pilotos do Reino Unido enfrentam entraves burocráticos e novos regulamentos para trabalhar na Europa, incluindo licenças, estadias limitadas, permissões e vistos de trabalho.
Carreta da Pata Yamaha (Crescent Racing) pronta para ir para o continente
O ano de 2021 é o primeiro em que pilotos e equipes britânicas participam de competições como não membros da União Europeia, e terão de enfrentar alguns desafios decorrentes do Brexit. No motociclismo esportivo há apenas duas equipes de porte competindo em campeonatos mundiais com sede na Inglaterra, ambas na Superbike. A BMW Shaun Muir Racing e a da Pata Yamaha Crescent Racing. Ambas têm estrutura financeira e recursos para endereçar e resolver dificuldades decorrentes do Brexit, porém as mesmas questões também afetam equipes com orçamento menor e pilotos avulsos que querem competir na Europa.
A SMR e Crescent estimam que os custos aumentarão e ambas estão considerando mudar suas bases de operações para a Europa, evitando complicações para cruzar fronteiras e transportar regularmente funcionários, carretas, máquinas e equipamentos de apoio para entrar ou sair da UE. A Crescent já está montando uma empresa na República da Irlanda para obter facilidades alfandegarias.
O Brexit acabou com a liberdade de circulação dos cidadãos da UE no Reino Unido e vice-versa, consequentemente acabou com a liberdade de circulação de bens e serviços. A burocracia adicional resultante envolve 3 questões principais: licenças, vistos e o limite de dias para britânicos trabalharem na UE.
Licenças permitem a importação/exportação temporária de bens, com a garantia que não possam ser comercializadas no destino. A licença para uma carreta deve incluir todos os itens embarcados, motocicletas, pneus avulsos e até motores de reposição, abrangendo scooters de paddock, ferramentas e peças individuais, porcas, parafusos e assim por diante.
Equipes menores e pilotos não profissionais também precisam de licenças para levar as motos de/para a Europa. Motos rodoviárias são isentas, porém qualquer Van que transporte mais de uma máquina (para eventos de dia de pista, por exemplo) é considerada um empreendimento comercial e exige uma licença.
O custo básico da licença é cerca de £300 (aproximadamente R$ 2.300,00), mais um depósito reembolsável de 40% do valor da Van/Carreta e todo o seu conteudo, ou um prêmio de seguro não reembolsável para cobrir o valor de 40% dos bens. A Shaun Muir Racing estima o custo anual em licenças por carreta entre £4000 (R$ 30,6 mil) e £5000 (R$ 38,3 mil). A equipe utiliza 4 carretas no continente.
As licenças são válidas por 12 meses e várias viagens, desde que os itens listados não mudem significativamente. Por exemplo, uma licença nova é necessária se os equipamentos na remessa ou se o número de pneus mudar. Os requisitos são exigidos para todas as equipes que entram/saem no Reino Unido.
Apresentação da BMW Shaun Muir Racing com os pilotos Sykes e Reiterberger
“As taxas de licenciamento são bastante dolorosas”, diz Paul Denning, executivo principal da Crescent, que comanda a operação Pata Yamaha com os pilotos Toprak Razgathoglu e Andrea Locatelli. “Somos uma equipe e uma empresa bem estabelecida para que possamos colocar tempo, dinheiro e recursos humanos para administrar a burocracia”. O cenário não é atraente para equipes menores que saem do Reino Unido com orçamentos apertados para disputar World Supersport 300 ou 600. Pode não ser impossível, mas requer um grande sacrifício.
“Não há apenas uma implicação de custo, há também um monte de incômodo, porque é necessário ter certeza de que cada pneu, cada item de roupa de piloto, cada componente de bicicleta que sair do Reino Unido volte”. Há ainda a incerteza de chegar ao destino no prazo. Existe sempre a possibilidade de encontrar algum fiscal que utilize a sua autoridade de forma deliberadamente não cooperativa e decide vistoriar detalhadamente a carga, descarregar todas as motos e esvaziar as caixas de ferramentas para contar o número de chaves, parafusos, e comparar com a licença.
Na BMW Shaun Muir Racing as pessoas que trabalham no escritório estão totalmente focadas nos problemas de fronteiras, quase 24 horas por dia, 7 dias por semana. “É claro que ajuda com quem você trabalha – usamos o serviço da DSDF (empresa norueguesa) de balsas para transporte de/para o continente e eles têm muito úteis com papelada e documentação”.
Paul Denning da Crescent está trabalhando ao lado das equipes da Fórmula 1 sediadas no Reino Unido que estão passando pelos mesmos processos em uma escala bem maior. Algumas equipes de F1 já enviaram Vans e caminhões para a UE para detectar possíveis problemas antes do início da temporada de corridas. Alguns desses veículos passaram um ou dois dias esperando para atravessar o canal.
A SMR faz seus próprios ensaios. "Já tivemos problemas com uma Van indo para a França”, diz Shaun Muir, que dirige a equipe BMW Motorrad e tem como pilotos Michael van der Mark e Tom Sykes. "O procedimento não é ruim se a papelada estiver certa, mas sempre há a chance de encontrar um cara da alfândega de mau humor. Para evitar atrasos estamos antecipando as viagens em 4 dias, apenas para ter certeza de que estaremos no circuito no dia das provas”.
Um problema ainda não bem endereçado é a atividade de pilotos em provas e testes na Europa. Atualmente há muita confusão em relação ao status dos funcionários das equipes do Reino Unido que precisam trabalhar nos países da UE, devido a ambiguidades significativas nos documentos oficiais dos váruis países. Os pilotos britânicos e os funcionários da equipe precisarão de vistos de trabalho e permissões para cada país da EU? Ninguém parece ter 100% de certeza.
“Os vistos são um pesadelo totalmente diferente”, acrescenta Denning. “O problema real é que as regulamentações são contraditórias. Algumas pessoas dizem que vistos ou licenças de trabalho não são necessários, outras dizem tem que ser feitos. Se tivermos que trilhar por esse caminho, temos que considerar que a estimativa para um visto abrangente de trabalho na Itália está entre £1500 (R$ 11,5 mil) e £3000 (R$ 23 mil) por pessoa. Em uma única prova a equipe utiliza entre 20 e 30 profissionais.
Pata Yamaha WSBK Official Team (Crescent Racing)
Por não terem conhecimento na área, a Crescent e algumas equipes de Fórmula 1 recorreram a empresas especializadas em imigração e vistos, como por exemplo a Newland Chase, uma organização britânica sediada em Londres, que acredita que vistos de trabalho e permissões serão necessários em alguns países da UE para que os funcionários estejam totalmente em conformidade com as regulamentações.
“Fazendo uma comparação com o trabalho dos músicos, não há nenhuma disposição no Acordo de Comércio e Cooperação entre o Reino Unido e a UE para facilitar o trabalho destes profissionais, bem como de esportistas”, diz Jason Rogers, advogado especializado em imigração global em Newland Chase, a demanda de serviços prestados pela empresa está desde que a Grã-Bretanha deixou a UE. Para o caso dos músicos, pilotos e mecânicos, vale a regulamentação individual de cada país.
Um visto de trabalho é normalmente emitido no posto diplomático do país de destino. Por exemplo, um piloto que deve participar de uma prova na Itália e reside no Reino Unido pode solicitar um visto de trabalho no Consulado Italiano. Uma licença de trabalho geralmente é emitida pelas autoridades de imigração no país de destino. No exemplo acima, a autorização de trabalho seria emitida pelas autoridades de imigração na Itália.
Pode eventualmente ocorrer que os oficiais de imigração no aeroporto ou porto de entrada possam emitir o visto de trabalho quando o indivíduo chegar. Também é possível que alguns países exijam uma permissão de trabalho e um visto de trabalho para que o indivíduo esteja totalmente em conformidade com as regras e regulamentos de imigração, mesmo que temporária.
Na união europeia os requisitos para a emissão de vistos variam de país para país. Por exemplo, a Embaixada alemã afirma que “atletas profissionais e funcionários contratados das equipes participantes” estão entre os cidadãos britânicos que estão isentos da exigência de vistos para estadias curtas de trabalho. A situação com outros países da UE parece mais nebulosa.
Paul Denning está se cercando de todas as opções possíveis. Por exemplo, acredita que a apresentação de cartas do detentor dos direitos da MotoGP/WSB, Dorna Sports, e da FIM, solicitando liberdade de passagem ajudará no controle alfandegário. A questão é como os funcionários individuais de fronteiras interpretam a multiplicidade de diferentes regulamentos. “No momento, estamos com nossas esperanças centradas nessas cartas, mas definitivamente há muita incerteza: pode funcionar com alguns agentes de fronteiras, se funcionários alfandegários têm interpretações diferentes pode acontecer que não haja mecânicos para montar as motos na quarta ou quinta-feira que precedem um GP”.
Uma questão igualmente não definida é o limite de 180 dias por ano para os funcionários britânicos que trabalham na Europa. “Este é o maior problema com o que temos que lidar agora. Com as corridas e testes que planejamos, já estamos em 108 dias” acrescenta Muir.
Shaun Muir e Paul Denning estão considerando seriamente mudar suas equipes para a Europa, porque as implicações de custos do Brexit para disputar o campeonato WSB estão estimadas entre £ 50.000 e £ 100.000 a mais este ano (entre R$ 380 mil e R$ 760 mil). “Já havia estudos avançados em mudar a sede da equipe antes do Brexit por razões logísticas e para centralizar as operações”, diz Muir. “Agora a decisão é urgente, sabendo que mudar para a Europa não resolverá o problema em 90 dias. Não vou dispensar meu pessoal britânico e contratar funcionários europeus, então temos de lidar com a decisão do acordo da UE. Já existe precedente, 2 colaboradores franceses têm vistos de trabalho válidos por 5 anos no Reino Unido, tudo o que temos que fazer é o equivalente inverso se decidir mudar para a Europa”.
O comboio de carretas da BMW SMR a caminho do Continente
Denning está desenvolvendo ideias muito semelhantes. “Estamos seriamente analisando a mudança de nossa empresa para a Itália se as coisas não mudarem para melhor no que diz respeito à flexibilidade”, diz ele. “É provável que recadastraremos nossas carretas na Itália, o que já é uma perda de receita para o Reino Unido porque os veículos não terão mais a manutenção e as reformas executadas em solo britânico”.
Muir está procurando respaldo na área política, já teve reuniões com deputados e com o Secretário de Estado da Cultura, Mídia e Esporte britânico na esperança de melhorar a situação. “A situação foi colocada, eles reconhecem que há um problema, então vamos ver o que acontece” diz ele.
Paul Denning, da Pata Yamaha Crescent Racing não está confiante em soluções rápidas porque qualquer relaxamento das regulamentações que abrangem pessoas e mercadorias que entram na UE teria que ser recíproco pelo governo britânico para pessoas e mercadorias que entram no Reino Unido. “Não esperamos que nada fique mais fácil no curto prazo”, diz ele.
Como dificilmente um problema vem desacompanhado, pilotos e equipes ainda tem que enfrentar a pandemia Covid-19. Há um complicador enorme quando o Brexit se entrelaça com as questões de Covid, tudo indica que o enfrentamento do vírus seria mais fácil se não houvesse a saída do Reino Unido da União Europeia.
Por exemplo, equipes britânicas podem ter que ficar na Europa para evitar a quarentena se a Espanha ou outro país que hospedar um GP entrar na zona vermelha para a reentrada no Reino Unido. Tudo isto implica em custos adicionais em um cenário onde a economia está muito debilitada.
Resumindo, não há nenhuma vantagem potencial do Brexit para pilotos e equipes britânicas que desejam participar de campeonatos mundiais. Apenas desvantagens. Nas palavras de Paul Denning “Um absurdo - administrar uma enorme quantidade de energia negativa e recursos financeiros para nada”.
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