Uma das tendências que surgiram na Fórmula 1, como resultado do pacote de regulamentos de 2009, foi o chamado rake: efeito aproveita a diferença de altura entre os eixos dianteiro e traseiro para gerar maior carga aerodinâmica. Esta característica foi muito bem explorada pela Red Bull no tetracampeonato de Sebastian Vettel entre 2010 e 2013.
Sebastian Vettel & Red Bull em 2010
Com o objetivo equalizar as condições de competição, os regulamentos produzidos tendem a limitar o desempenho aerodinâmico, principalmente para reduzir a turbulência gerada que dificulta ultrapassagens e, consequentemente, o espetáculo. Os projetistas exploram diferentes opções para recuperar parte da carga aerodinâmica com soluções criativas como geradores de vórtices, direcionamento de gases do escapamento e projeto de difusores.
Como um dos resultados desta busca por mais downforce surgiu o conceito do rake, o ângulo de inclinação da carroceria em relação ao piso, diferença de altura entre o centro das rodas dianteiras e traseiras. Se o rake for negativo, significa que o eixo traseiro é mais baixo que o dianteiro, neste caso o difusor está mais próximo da pista. Se positivo, a traseira é mais alta que a dianteira, portanto o spoiler frontal se aproxima da pista.
A altura mínima que a carenagem frontal pode ter em relação ao solo é, por regulamento, 75 milímetros. Não há uma regra específica para a altura do difusor, que dependendo do rake pode ser de vários centímetros.
Durante uma competição, quanto mais baixa a frente de um carro estiver, menor a captação de ar entre o a carroceria e o piso, obrigando este fluxo a circular mais rápido, diminuindo a pressão em relação ao ar que circula acima e, portanto, gerando maior carga aerodinâmica (mais downforce).
O divisor (Splitter) determina qual ângulo máximo de rake o monoposto pode adotar.
Na outra extremidade do carro, ao longo de todo o fundo, há também um efeito como resultado do rake positivo. O difusor se afasta do piso e permite a circulação de mais ar. Mais ar resulta em maior diferencial de pressão, ou seja, mais downforce.
Trabalhar exclusivamente com o rake seria uma maravilha se não causasse uma série de outros problemas. No caso do difusor é necessário evitar que o ar escape pelos lados, causando perda de eficiência e criando efeitos colaterais. Historicamente uma das soluções adotadas foi fazer com que os gases da exaustão selassem as laterais do difusor, esta técnica foi proibida e os engenheiros conseguiram recriar um resultado muito semelhante graças ao “Efeito Coanda” (tendência de um fluido permanecer unido a uma superfície curva adjacente). A evolução dos motores híbridos aposentou estas ideias ao adotar um único escapamento central, que não interage com o difusor.
Os engenheiros agora usam uma combinação de diferentes elementos (geradores de vórtices ao longo do monoposto e 'abas' nas extremidades do próprio difusor) para selar o difusor
Os problemas a serem endereçados não são exclusivos do difusor, o ar frontal também complica. Se o ângulo do rake for exagerado, há o risco de que a frente toque na pista durante frenagens ou em curvas muito acentuadas, causando perda de eficiência. Pode acontecer que mesmo que não toque no chão, fique tão próximo de forma que tenha a sua função prejudicada.
Algo semelhante acontece nas frenagens acentuadas, a transferência de massa faz com que a frente do carro receba todo o peso. Isso faz com que a carenagem dianteira se aproxime da pista e o difusor se afaste, alterando o equilíbrio do fluxo aerodinâmico e, portanto, a estabilidade do monoposto.
Não é uma tarefa simples alterar o rake de um carro. Há uma tênue linha entre um ganho aerodinâmico ou um desbalanceamento de equilíbrio, pode depender de milímetros. O melhor desempenho ocorre quando o difusor está bem selado e as suspensões e a pressão dos pneus são definidas para que o movimento de frenagem seja o mais uniforme possível. Existem sistemas complexos de suspensão para manter o carro o mais estável possível em todas as condições.
Obter o desempenho ideal do rake tem muitas vantagens, a parte inferior do carro é o principal gerador de carga aerodinâmica, responsável por até 45% do downforce em combinação com o difusor.
As tentativas de equalizar a competitividade na Fórmula 1 pelo gerenciamento de regras, a exemplo do que é feito com sucesso na MotoGP, em 2021 trouxeram problemas para a Mercedes. As regras que disciplinam a aerodinâmica nos carros penalizaram os projetos baseados em distâncias menores da carroceria em relação ao solo, “low Rake” no jargão utilizado pela categoria.
Só dois projetos dos carros atuais que alinham no grid foram desenvolvidos com low rake, Mercedes e Aston Martin (até a temporada passada apelidada de Mercedes Rosa). O desafio dos engenheiros da equipe que tem dominado as últimas temporadas é recuperar o downforce extra, que foi sonegado com as novas regras.
A Red Bull a mais de uma década explora o que acontece abaixo do assoalho para gerar downforce.
Como em termos de tecnologia tudo se copia, todos os carros do grid são projetados para aproveitar este auxilio extra, e como regra geral é aceito que um rake alto, leia-se um ângulo maior entre a frente e a traseira resulta em mais downforce. Em outras palavras, a pressão aerodinâmica é proporcional ao volume de ar existente entre o piso e o difusor. O alto rake da Red Bull aumenta o volume de ar embaixo da carroceria do carro.
Os projetistas da Mercedes exploraram outra linha de desenvolvimento, um rake baixo combinado com uma distância mais longa entre-eixos cria um espaço volumétrico maior na frente do difusor que, bem administrado, pode gerar pressão aerodinâmica e criar downforce. Foi uma opção de compromisso, se não houver um confinamento deste ar, qualquer downforce extra é perdido e podem surgir efeitos colaterais imprevisíveis. Nas sessões que antecederam a prova na Bahrain os pilotos Bottas e Vettel indicaram um comportamento arisco de seus carros, o finlandês chegou a afirmar que o carro era muito complicado para pilotar.
O cerne da questão foi o anúncio das novas regras que disciplinam os pisos dos carros, com o cotte de uma seção na frente do pneu traseiro. Enquanto os projetistas trabalhavam para se adaptar às novas regras, houve uma complementação proibido o uso de aberturas e ranhuras no piso, o que dificultou a Mercedes a manter o fluxo de ar confinado.
Uma solução simplista, que com certeza não funcionaria, seria a Mercedes levantar a traseira do carro para aumentar o volume na área do difusor, porém teria implicações em todo o conceito aerodinâmico que lastreou o desenvolvimento do projeto, a forma e o design de sua suspensão são baseados para trabalhar com ângulo de rake baixo. Elevar a traseira do W12 atual causaria mais problemas.
Aston Martin AMR21
Não é apenas o rake baixo que está prejudicando a Mercedes e a Aston Martin, a situação complica ainda mais com as trocas produzidas pela Pirelli para 2021. O pneu revisado para esta temporada não apenas endereça às demandas dos pilotos, também permite que o fabricante italiano prescreva pressões mínimas mais baixas durante a temporada.
Isso é crucial, pois significa que as equipes não só têm novas regras para se concentrar, como também têm que lidar com uma construção revisada de pneus. Isso aumenta significativamente o desafio aerodinâmico, pois eles agora têm uma variável desconhecida no meio de todas as outras mudanças técnicas.
Mas, embora seja fácil pensar em como o pneu traseiro se comporta no centro desta tempestade, há também o pneu dianteiro a considerar. Uma característica diferente de deformação aqui significa que qualquer estrutura de fluxo criada para lidar com a turbulência que gera também terá que ser ajustada para recuperar esse desempenho.
Isso significa que as equipes não só têm que alterar as peças diretamente afetadas pelas mudanças de regras, mas praticamente reexaminar todas as superfícies relacionadas com a aerodinâmica do carro, considerando ainda os novos pneus.
Para a hegemônica Mercedes é uma tempestade perfeita, significa ajustar a parte dianteira, a parte central e a traseira do carro, enquanto defende a sua liderança na categoria. Os problemas são replicados na Aston Martin e também acontecem com outros fabricantes, mas em uma escala bem menor.