quinta-feira, 13 de agosto de 2020

MotoGP - O pneu mudou o equilíbrio na MotoGP

Pódio de Jerez com Rossi, Quartararo e Vinales

 

A Michelin mudou a construção e introduziu novo pneu slick traseiro na MotoGP em 2020. De acordo com a construtora francesa, este pneu deve aumentar a performance e a estabilidade para todos os pilotos e motos. A nova construção está alinhada com a abordagem de desempenho duradouro da Michelin, o que deve garantir uma performance consistente durante toda a corrida.

Com este novo componente Andrea Dovizioso e a Ducati perderam a maior oportunidade de serem protagonistas na MotoGP deste os tempos áureos de Casey Stoner. Por três anos o talento de Marc Márquez foi o único obstáculo que os impediu de dominarem a categoria, agora que piloto espanhol foi abatido pela adversidade, as esperanças do piloto e equipe italianos são arruinadas pelo novo conceito do pneu traseiro da Michelin.

Azar de uns, sorte de outros. Nas três primeiras provas desta temporada a Yamaha foi a fabricante que melhor assimilou a novidade da Michelin, seis pilotos no pódio em três GPs foi o melhor resultado que conseguiram desde a era dos Bridgestone. O desempenho do novo pneu traseiro mudou o equilíbrio de forças na MotoGP.

A nova traseira slick, com consistência mais macia, deforma com mais facilidade e permite uma área de contato maior com a pista resultando em maior aderência. Em tese, devia tornar todas as motos mais rápidas, porém como frequentemente acontece quando a especificação dos pneus é modificada, algumas motos são mais favorecidas que outras. A especificação traseira anterior talvez tenha favorecido os fabricantes que investiram na potência (motores V4), a atual pode ter alterado o equilíbrio para favorecer os motores com cilindros em linha (Yamaha & Suzuki).

Maior aderência traseira não é necessariamente uma vantagem, o pneu traseiro anterior já tinha um grip superior ao do pneu dianteiro, o novo componente torna esta característica mais acentuada.


Pneu traseiro Michelin com nova concepção

 

Motos que fazem tempos reduzindo a velocidade brutalmente e realizando a troca de direção em curto espaço utilizando o formato V, leia-se Ducati e Honda, perdem desempenho quando comparadas com motores (com cilindros) em linha, que utilizam um formato de U. Em equipamentos que investem em maior potência (motores V4), a mudança no equilíbrio de tração migrando para a traseira faz com que o pneu tenha maior aderência que o dianteiro na entrada de curvas, deste modo que a moto tem a tendência de abrir a curva. Quando isto acontece o piloto precisa ficar inclinado por mais tempo para fazer a moto trocar de direção, acelera mais tarde e perde velocidade na saída. O modo como os pilotos da Ducati e Honda contornam esta dificuldade é forçar o equipamento a deslizar a traseira para compensar a tendência de sair de frente (understeer) quando apontar veículo para o ápice.

Dovizioso está perplexo com seu próprio desempenho: “O pneu é a única diferença em relação ao ano passado. Não consigo usar o potencial da moto, não estou andando de uma maneira eficiente como na temporada passada, quando era capaz de frear com força, controlar a derrapagem e voltar muito perto do ápice para retomar a velocidade”. O próprio piloto reconhece que a dificuldade pode estar no seu modo de pilotar, que não é adequado ao novo componente. Ele lembra que todos os pilotos da Ducati acostumados com a Desmosedici como ele, Petrucci e Miller, estão com a mesma dificuldade, enquanto os resultados dos que estão tendo contato agora com as máquinas equipadas com o novo pneu, Zarco e Bagnaia, conseguem melhor resultado.

A brutal aderência dos dianteiros da Bridgestone foi essencial para o estilo agressivo de Marc Márquez se impor em 2013, agora o novo traseiro da Michelin obriga os pilotos a serem mais suaves, adotarem um estilo semelhante ao chamado “Modo Lorenzo”. Profissionais da imprensa já identificaram a mudança do estilo de pilotagem necessário para utilizar o novo pneu traseiro e lembram do espetáculo apresentado pela Honda de Márquez enquanto esteve na pista em Jerez, quando era (muito) mais rápido que todos os outros competidores. Significa que motos com diferencial de potência, como as V4, podem competir com as motos que respondem melhor com a uma condução comportada. Duas colocações no pódio na prova de Brno (KTM e Ducati) comprovam esta constatação.

 

Fábio Quartararo

 

Máquinas com motores com cilindros em V e motores em linha usam pneus traseiros de um modo diferente. As V4 perdem eficiência nas entradas e nas saídas de curvas. Enquanto os pilotos da Yamaha e da Suzuki utilizam linhas suaves e arqueadas, os pilotos da Ducati e da Honda freiam forte, viram a moto fisicamente e liberam potência. Motos em linha utilizam o pneu inteiro, as V4 dependem particularmente do ombro do pneu.

A Ducati identificou uma perda significativa onde sempre foi muito forte, na última parte das curvas onde, ainda com a moto inclinada, acionava o acelerador. Com uma configuração diferente das motos oficiais de fábrica e uma maneira menos agressiva de pilotar Johann Zarco chegou ao pódio em Brno

A KTM (motor V4) encontrou no ajuste adequado do chassi uma maneira de fazer tempo com o pneu traseiro com maior grip. Brad Binder, por ser pouco experiente com a moto, aprendeu rápido. Pol Espargaro tem que reaprender a pilotar e está conformado, ele ainda não dominou as características da novidade da Michelin, no entanto é pragmático; “O pneu não está funcionando como eu gostaria, mas é o único que temos”. Já Valentino Rossi está satisfeito, entende que a aderência entre a borda e o centro do pneu é muito semelhante, consequentemente a moto fica mais fácil de conduzir.

A Ducati admite que a mudança para a Michelin em 2016 foi favorável aos seus equipamentos, assim como a traseira de Michelin 2004 ajudou a Yamaha a conquistar o título. Pneus, por serem as únicas partes da moto em contato com a pista, são um item importante entre os muitos que ajudam uma moto a ser vencedora.

Mais informação em https://stilohouse.com.br/noticia/641/motogp-o-que-pode-decidir-uma-temporada

 

 

 

 

Conceitos importantes:

Understeer ou sair de frente, acontece quando o pneu dianteiro desliza mais que o traseiro, a moto o tem a tendência de seguir reto, não importa o comando do piloto. A única maneira de controlar é reduzindo a velocidade até a aderência voltar.

 Oversteer ou sair de traseira é a condição onde o pneu traseiro desliza mais que o dianteiro. A traseira da moto desgarra e é necessário alguma correção no sentido oposto (opposite lock).

 


Pneu traseiro de Marc Márquez depois de uma prova (2019)

terça-feira, 11 de agosto de 2020

MotoGP – Muito estranho

 

Johann Zarco - Brno 2020

 

Pilotos da MotoGP não podem ser considerados pessoas normais, utilizam critérios curiosos para enfrentar adversidades. O exemplo do cinco vezes campeão do mundo Jorge Lorenzo é didático, para ele o mês de junho da temporada de 2019 foi particularmente acidentado. No dia 19 no GP de Barcelona protagonizou uma lambança na 2ª volta, frenagem da curva 10, não conseguiu controlar a moto e caiu, levando junto Maverick Vinales, Andrea Dovizioso e Valentino Rossi. No dia 28 durante no FP1 do GP de Assen ele sofreu um low side na curva 7 e saiu deslizando pela pista em alta velocidade, foi catapultado ao entrar na brita e caiu de mau jeito, sofreu uma fratura na vertebra T6. Nesta ocasião o diagnóstico do médico foi pragmático, ele ficou a milímetros de uma lesão que o deixaria paraplégico. Jorge ponderou que o risco não compensava e decidiu encerrar a sua carreira. Com o passar do tempo percebeu que não conseguia ser feliz fora da MotoGP e assinou um contrato como piloto de testes da Yamaha, com a promessa que disputaria como wild card o GP de Barcelona. A pandemia atrapalhou seus planos, mas confirma que Lorenzo, mesmo ciente dos riscos, não suportou a ideia de ficar longe das pistas.

O processo de decisão dos pilotos não acessível às pessoas comuns. Em 2012 o britânico Cal Crutchlow quebrou o tornozelo esquerdo no FP3 do GP da Inglaterra, os médicos prescreveram um repouso de oito a 10 semanas, que implicaria em ficar ausente de 4 etapas da temporada. Era o GP na casa do piloto, uma rara oportunidade de estar próximo de seus torcedores. Cal racionalizou o conselho dos médicos, que sugeriram evitar esforços por algum tempo e decidiu que o intervalo entre 8 e dez horas era suficiente, alinhou para a largada e conquistou a 6ª posição. Para pilotos o curto prazo não vai além do próximo treino, médio prazo é a corrida de domingo e longo prazo o final da temporada. Qualquer coisa além disso não é relevante para o objetivo maior, tentar ganhar corridas e títulos.

Os pilotos que participam do mundial de motovelocidade constituem uma elite de atletas que não exige biótipo específico, jogadores de basquete tem na altura um diferencial, em jóqueis o tamanho e peso reduzidos são atributos que facilitam a prática da equitação. Um dos pilotos com maior sucesso na história da MotoGP é Valentino Rossi, 1,81 m de altura e pesa 69 kg, Dani Pedrosa tem apenas1,60 m e 51 kg, isto não o impediu de nos 13 anos em que esteve na principal categoria acumular 31 vitórias. Idade também não é um fator significativo, o mais velho (Valentino Rossi) tem 41 anos e o atual líder da temporada, Fábio Quartararo, apenas 21. Todos os que alinham no grid de largada tem em comum a extrema competitividade, assumem riscos extraordinários e utilizam toda a sua habilidade e talento no comando dos protótipos.


Queda de Jorge Lorenzo em Barcelona 2019

 Todas as pessoas com um mínimo de 2 neurônios sabiam que a decisão de Marc Márquez, em participar da segunda etapa em Jerez 4 dias depois de uma cirurgia para redução da fratura no úmero, era uma má ideia. O procedimento utilizou uma placa de platina fixada com 12 parafusos em seu braço direito. A necessidade de uma segunda cirurgia confirma que a vontade nem sempre é o bastante, tem coisas que simplesmente não podem ser apressadas como, por exemplo, recompor um osso fraturado.

Pilotos, via de regra, são incapazes de tomar decisões sensatas sobre sua própria saúde, seja a curto, médio ou longo prazo. Este comportamento diferenciado os habilita a participar da principal classe do motociclismo esportivo mundial, a capacidade de excluir do processo de decisão tudo o que não envolva corridas. Pela ótica das pessoas normais certas atitudes parecem despropositadas, porém quando analisadas pela perspectiva de um piloto, têm consistência e lógica.

É fácil condenar a imprudência de Marc Márquez ao tentar disputar o 2º GP da Andaluzia 4 dias depois de uma cirurgia no braço direito. Considerando que a tentativa causou a necessidade de um segundo procedimento o que parecia insensatez materializou-se como um colossal erro de avaliação. A única circunstância atenuante é que ficar com zero pontos em duas etapas podia inviabilizar a manutenção do seu título mundial. Seus adversários na temporada continuam pontuando. Fábio Quartararo acumulou mais 9 pontos no GP de Brno, agora tem 59 e Marc Márquez nenhum. 

Como o show deve continuar os pilotos sempre têm uma escolha complicada, tentar correr mesmo sem as condições ideais e acumular uns poucos pontos, ou ficar de fora da corrida e ter a certeza de zero pontos. O GP acontece com ou sem a sua presença. As redes sociais foram pródigas em espalhar versões contraditórias sobre a volta prematura do atual campeão, ora culpando a irresponsabilidade do piloto, ora indicando que houve pressões por parte da equipe e patrocinadores. O próprio Marc declarou que a decisão de correr foi sua e contrariou as recomendações da equipe. Na avaliação do atual campeão a possibilidade de um ganho de curto prazo sempre vence as consequências de longo prazo.

A MotoGP de 2020 está muito estranha. As entidades organizadoras realizaram intensas negociações para viabilizar um calendário com um número mínimo de competições para a temporada. Soluções criativas como limitação geográfica para evitar grandes deslocamentos e duas provas em fins de semana consecutivos no mesmo circuito possibilitaram a programação de 14 provas, todas no Europa. As tratativas envolveram governos, administrações de autódromos e autoridades sanitárias. A ausência de público nos eventos obrigou uma reengenharia financeira invertendo o fluxo dos recursos. Antes desta temporada a administradora cobrava dos circuitos uma taxa para hospedar um GP, que era compensada pelo aumento de turismo na região, locação de espaços internos e venda de ingressos. Sem público e com o turismo limitado pela pandemia, a administradora aluga o circuito e tem nas transmissões de TV e patrocínios as suas fontes de receita.

Os GPs foram programados para as datas possíveis, significa que alguns foram realizados em pleno verão europeu. O calor foi protagonista nas duas provassem Jerez, a primeira realizada com 32°de temperatura ambiente e 53° na pista, a segunda com respectivamente 36°e 59°, condições longe das ideais para a prática do motociclismo (em 2019 as temperaturas eram 21° e 42°). Em ambas as provas houve a supremacia das Yamaha, com um piloto da equipa satélite vencendo os oficiais de fábrica. As duas provas foram mais lentas que em 2019. Jerez também mostrou que motos com cilindros em linha, que realizam curvas em U mantendo a velocidade foram favorecidas com o novo pneu traseiro da Michelin. Motos potentes que utilizam o conceito de curvas em V (troca rápida de direção) tem dificuldades com o maior grip, que não facilita o deslizamento da traseira da moto nos contornos.

A prova em Brno foi a realização dos sonhos de competitividade entre fabricantes da administradora da MotoGP, não apenas o pódio que contrariou todas as previsões dos que acompanham o campeonato. Três fábricas diferentes, KTM (Binder), Yamaha (Morbidelli) e Ducati (Zarco), com uma Suzuki (Rins) chegando a meio segundo do 3º, foi a consagração da política de igualdade de condições para todos os pilotos que alinham no grid. Nas primeiras colocações houve a ausência de uma marca que é sinônimo de vitórias, a Honda, a máquina de Nakagami, a melhor colocada da fábrica, foi apenas o 8º.

A primeira vitória de uma KTM na MotoGP, do novato Brad Binder, o primeiro rookie a vencer desde Marc Márquez em 2013, é uma recompensa merecida pelos esforços da fábrica austríaca. Johann Zarco colocou uma Ducati da Avintia no pódio, longe da satélite de Jack Miller (9º), ambos à frente dos protótipos oficiais de Andrea Dovizioso e Danilo Petrucci. Outra máquina não de equipe oficial foi a do 2º colocado, Franco Morbidelli, que não tomou conhecimento da moto da equipe de fábrica de Valentino Rossi (5º).


Franco Morbidelli

 

Os resultados da corrida de Brno provocaram calafrios nos dirigentes das duas equipes oficiais que desde 2016 tem monopolizado os resultados nas pistas. As características do circuito da República Checa são favoráveis aos motores potentes, Honda e Ducati, e o resultado obtido por ambas foi, como diria um locutor esportivo, profundamente lamentável. Dovizioso e Petrucci (Ducati) ficaram em 11º e 12º, Alex Márquez em 15º e a outra Honda oficial (Stefan Bradl) fora da zona de pontuação. Não há uma explicação razoável mesmo porque, embora já exista a confirmação oficial que Marc Márquez não irá participar da primeira das duas provas na Áustria, poucos se animam a garantir que ele está fora da disputa pelo título.

A próxima etapa é no circuito Red Bull Ring, que já foi descrito como um traçado de 3 quilômetros de arrancada e um trecho em curva. Nos quatro anos em que participa do calendário da MotoGP só pilotos Ducati ocuparam o lugar mais alto do pódio, Iannone (2016), Dovizioso (2017 & 2019) e Lorenzo (2018). A topologia e o layout do circuito apresentam características favoráveis aos motores com cilindros em V, uma oportunidade ímpar da Ducati voltar a assumir o protagonismo na temporada. A Honda depende do pulso fraturado de Crutchlow e das possíveis mágicas de Nakagami (um dos três únicos pilotos do grid que utilizam equipamentos da temporada passada). Sobre Alex Márquez e Stefan Bradl se aplica a máxima do Barão de Itararé: “ de onde menos se espera, não sai absolutamente nada”.



Stefan Bradl & Alex Márquez

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

MotoGP - DesmoDovi

 Andrea Dovizioso com uma Desmosedici GP20

 

A versão da história costuma ser contada pela ótica dos vencedores. Os que acompanham os esportes motorizados certamente lembram de uma frase atribuída a Ayrton Senna, “Segundo é o primeiro que perde”. Uma organização não governamental (ONG) nos EUA, destas que procuram um motivo qualquer para minorias serem indenizadas por ocorrências históricas, realizou um levantamento dos filmes de guerra produzidos nos últimos dez anos e constatou que cada heroico soldado dos exércitos aliados causou, em média, 16,7 fatalidades nos contingentes do eixo (Hungria, Alemanha e Itália) durante a segunda grande guerra. A indústria do cinema é mais justa, existem premiações equivalentes para os principais atores e para os coadjuvantes.

A MotoGP tem os seus protagonistas, que merecem o destaque que ocupam na mídia, porém o espetáculo só é completo se houver um grid composto também por participantes que não costumam aparecer sob os holofotes. Andrea Dovizioso é um participante do show que dificilmente é reconhecido por seus méritos. Venceu um único mundial, em 2004 na antiga 125cc, é o terceiro piloto na história do mundial de motovelocidade em número de GPs disputados, 315 em 20 temporadas, número menor apenas que Valentino Rossi (404 em 25 anos) ainda em atividade e  Loris Capirossi (321 em 22 campeonatos) já aposentado.

Dovizioso foi promovido para a classe principal da MotoGP em 2008, realizou uma incrível temporada de estreia pela equipe JiR Team Scot, satélite da Honda, foi o quinto colocado na classificação geral e o melhor piloto entre as equipes independentes. Em 2009, no comando de uma Repsol-Honda, conquistou sua primeira vitória no circuito de Donington Park. Em 2012 competiu com uma Yamaha pela equipe Monster Tech 3 e no ano seguinte migrou para a Ducati oficial, onde se encontra até os dias atuais.


 


Fábrica da Ducati em Borgo Panigale - Bolonha

 

Fundamental para o retorno da Ducati ao protagonismo da MotoGP, “DesmoDovi” é um piloto extremamente competente, difícil de ser ultrapassado principalmente por sua apurada técnica nas frenagens em aproximações de curvas, é um dos competidores mais éticos e responsáveis nas pistas. Depois de longas temporadas de trabalho em conjunto com os engenheiros e equipe administrativa, em 2017 a Desmosedici GP17 atingiu um alto nível de competitividade e foi consistente durante todo o ano, cujo título foi decidido na última prova em Valência. Nesta temporada Dovizioso conseguiu 6 vitórias, o mesmo número do campeão Marc Márquez, e ficou com a segunda colocação do campeonato.

Márquez e a Honda monopolizaram temporadas de 2018 e 2019, em ambos os anos DesmoDovi conquistou o vice-campeonato. No ano passado Andrea Dovizioso entrou na seleta lista dos pilotos que ultrapassaram o número de 100 pódios. Em sua carreira o piloto obteve 23 vitórias em GPs, 14 na principal categoria, 102 pódios, 20 poles e 22 voltas mais rápidas.

Este ano é a oitava temporada em que o piloto compete pela equipe oficial da Ducati. A fábrica de Borgo Panigale se esforça para repetir os resultados obtidos por Casey Stoner, o único que conseguiu um mundial com um protótipo produzido em seu parque industrial. Os principais fabricantes, Yamaha (Vinales & Quartararo), Honda (Marquez & Pol Espargaro) e Suzuki (Rins & Joan Mir) já contrataram os pilotos para a temporada de 2021, a equipe italiana garantiu a participação de Jack Miller e descartou Danilo Petrucci, o contrato de Dovizioso ainda não foi renovado.

Não tem como saber exatamente a razão de um acordo ainda não ter sido fechado, o que se comenta - certamente porque alguém vazou a informação - é que, além de suas relações com o chefe da equipe Gigi Dall’Igna não estar nos melhores dias, o piloto quer soluções que contemplem maior velocidade em curvas e a engenharia prefere investir em aerodinâmica. Existe um desconforto na gerência da equipe, Claudio Domenicali, CEO da Ducati, sugere que “talvez lhe falte um pouco de loucura, algo que os Ducatistas apreciam”, Luigi dall'Igna, chefe de equipe da Ducati, admite que “gostaria de ver ele mais instintivo e menos calculista”. Além disso a  proposta da equipe incluiu um corte salarial, não apenas para 2021, mas também para o restante de 2020, alterando o seu contrato atual. A empresária de Dovizioso, Simone Battistella, sugeriu que o piloto de 34 anos poderia ficar afastado em 2021.

Se por um lado um ano sabático não é uma boa opção para o piloto, perder os préstimos do italiano também não é um bom negócio para a Ducati, as opções de mercado são limitadas, não há uma alternativa disponível com sua experiência e talento. Depois dos anos de ouro da Ducati com Casey Stoner, Andrea Dovizioso é o piloto com maior número de vitórias pela equipe, e tem a vantagem de um passaporte italiano.

Como os dois lados não conseguiram chegar a um acordo antes da abertura da temporada, o desempenho nas corridas vai acabar pesando nas conversas sobre a renovação. Se Dovizioso não conseguir lutar pelo título justamente na temporada onde a Honda está fragilizada pelo acidente com Marc Márquez, seu principal argumento para convencer a Ducati a abrir os cofres fica inviabilizado. Corre o risco da Ducati perder a confiança nele se a sequência de resultados não for convincente. As próximas corridas podem ser decisivas, a MotoGP vai correr em Brno, Red Bull Ring e Misano, circuitos onde Dovizioso venceu nas últimas temporadas. É a chance de recuperar uma boa fase, lutar pelas primeiras colocações e, quem sabe, confirmar sua permanência na equipe em 2021.

Alessandra Rossi

Andrea é um sujeito controlado, não se mete em confusões e vive com tranquilidade ao lado do pai e da filha Sara, fruto do seu casamento com Denisa. Depois que o relacionamento chegou ao fim, conheceu a italiana Alessandra Rossi e começaram a namorar. Ela foi uma grid-girl e teve um relacionamento anterior com o piloto australiano Anthony West, que mais tarde a acusou de perseguir pilotos. Andrea, com a sua racionalidade característica, não aceitou provocações.

A Red Bull patrocinou a  realização um documentário chamado Andrea Dovizioso Undaunted (destemido) sobre a performance do italiano no mundial de 2019.


sábado, 1 de agosto de 2020

MotoGP – Temporada indefinida

 Phrýne foi o modelo da estátua de Afrodite

 

Phrýne era uma cortesã na Grécia antiga, no século IV a.C. Entrou para a história por seu julgamento por Impiedade (desprezo pela religião oficial) que, na época, era punido por pena capital.

Seu nome verdadeiro era Mnesarete, mas devido à sua pele amarelada era chamada de Phrýne (Sapo - um apelido frequentemente dado às cortesãs). Existem várias histórias sobre Phrýne, incluindo a que em um festival dedicado a Poseidon ela teria soltado os cabelos e entrado nua no mar, fato que inspirou a estátua de Afrodite (Deusa da beleza), a primeira de uma mulher nua da Grécia antiga.

Durante o julgamento, na eminência de um veredito desfavorável seu advogado a despiu em frente aos magistrados e argumentou que suas formas perfeitas eram uma graça divina, seria um sacrilégio contrariar o desejo de Deus de compartilhar com os humanos tamanha beleza. A religiosidade e superstição dos juízes resultaram na sua absolvição.

A lição que as equipes da MotoGP aprenderam em relação a história da cortesã grega é que, se não puder vencer uma prova por ter melhor conjunto equipamento/piloto, explorar as fraquezas dos adversários pode ajudar a alcançar seus próprios objetivos.

Existe um conceito simplista que atribui aos equipamentos cujo motor tem os cilindros dispostos em linha maior velocidade em curvas, seu habitat preferido são pistas onde não existem retas muito longas no traçado. Em contrapartida equipamentos com propulsores com os cilindros em V conseguem desenvolver maior potência e aproveitam melhor grandes retas.

Embora os resultados das primeiras duas provas, especialmente o pódio triplo da Yamaha (cilindros em linha) no segundo GP de Jerez, em uma pista que privilegia os equipamentos que tem na velocidade em curvas a sua melhor característica, a análise dos tempos por volta parece contrariar o senso comum. Na primeira prova o desempenho da Honda (cilindros em V) de Marc Márquez enquanto esteve na pista foi superior a todos os concorrentes. No GP de Andaluzia, o segundo realizado no mesmo circuito, a Ducati de Peco Bagnaia (cilindros em V) esteve várias voltas com tempos que fatalmente o conduziriam ao pódio, até o seu motor falhar.

 Vinales, Bagnaia e Miller no GP da Andaluzia

 

Óbvio, chegar ao fim de uma prova é o requisito essencial para a vitória e pódio, sob esta ótica as Yamaha estiveram melhor. Fábio Quartararo venceu as duas provas com autoridade. Maverick Vinales, mesmo com uma condução errática, obteve por mérito a segunda colocação nos dois GPs. O calor do ambiente e da pista cobrou seu tributo e gerou preocupação quanto a resiliência dos motores, a Yamaha perdeu 3, dois na primeira prova (Vinales nos treinos e Rossi na corrida) e outro enquanto Franco Morbidelli protagonizava uma recuperação no segundo GP.

A sequência dos próximos GPs está programada para pistas onde a velocidade em curva das Yamaha não deve fazer diferença, Brno, Red Bull Ring, Misano, Barcelona, Le Mans, Aragon e Valência. Na República Checa em 2019, circuito de Brno, o pódio foi formado por Márquez, Dovizioso e Miller, uma Honda e duas Ducati, três motores em V, Alex Rins foi o quarto com o primeiro com cilindros em linha, com um atraso de 5 segundos em relação ao vencedor. No ano anterior a configuração dos motores foi a mesma com as colocações de Dovizioso, Lorenzo e Márquez, Rossi foi o quarto 2 segundos atrás.

Em Osterreich no circuito Red Bull Ring a Yamaha de Quartararo foi a terceira colocada em 2019, porém a mais de 6 segundos de Dovizioso e Márquez, que protagonizaram um final eletrizante. No ano anterior Lorenzo, Márquez e Dovizioso ocuparam as três primeiras colocações, a primeira Yamaha foi pilotada por Rossi e chegou 6ª a longínquos 14 segundos do líder. 

Nos 7 circuitos que restam, motores em V venceram todos os GPs disputados em 2018 e 2019. Em Misano no ano passado Quartararo obteve a segunda colocação, em uma prova vencida por Marc Márquez.

O escritor Mark Twain falecido em 1910, viveu em uma época em que as comunicações intercontinentais eram complicadas. Em certa ocasião, declarou em Londres que as notícias que estavam sendo divulgadas nos EUA sobre sua morte eram exageradas. O mesmo acontece com as pessoas que julgam que o mundial desta temporada já acabou. Quem julga que o campeonato já está decidido em favor do jovem francês demonstra que (1) não conhece a história e (2) não assimilou o que é a MotoGP. Em 1992 nas primeiras 7 provas de uma temporada de 13 GPs, (número igual a previsão inicial para este ano), o australiano Mick Doohan conseguiu 5 vitórias e 2 segundos lugares, abriu 65 pontos de vantagem sobre o então bicampeão Wayne Rainey. No final da temporada Rainey e sua Yamaha conquistaram o terceiro título consecutivo. Como diria o agora aposentado narrador oficial da MotoGP Nick Harris, “Never say never in MotoGP - Nunca diga nunca na MotoGP”.

Esta temporada está sendo diferente. As provas que normalmente são distribuídas ao redor do mundo e programadas para acontecerem em clima neutro (ameno), este ano estão concentradas na Europa em pleno verão, o calor ambiente e a temperatura da pista foram um grande problema em Jerez. É improvável que as próximas provas sejam realizadas em condições semelhantes e que Quartararo tenha as mesmas facilidades para vencer.

As entidades que disciplinam a MotoGP estão realizando um esforço contínuo via regulamentações para equalizar as condições de disputa. Em 2019 o resultado da prova de Jerez indicou a vitória de Marc Márquez com uma vantagem de 1,65 segundos sobre o segundo colocado Alex Rins. Este ano as duas vitórias de Fábio Quartararo sobre Maverick Vinales excederam 4,5 segundos, porém durante as voltas finais da competição o representante da Yamaha independente chegou a abrir mais de 7 segundos sobre o equipamento da equipe oficial. Considerando que nesta pista os protótipos percorrem mais de 64 metros por segundo, equivale a dizer que o francês chegou a andar 450 metros na frente do espanhol.

 

Impossível prever o resultado da temporada de MotoGP


A atual pandemia pode transformar esta temporada em um exercício de futurologia. A administração da MotoGP realizou intensas negociações com governos e autoridades sanitárias para viabilizar 13 etapas, 7 na Espanha, 2 na Áustria, 2 na Itália,1 na França e 1 na República Checa. Promete até 10 de agosto um calendario definitivo com provavelmente 14 GPs, incluindo um a ser realizado em Portugal, os circuitos possíveis são o Autódromo Internacional de Algarve (em Portimão) ou o Autódromo do Estoril.  Todas os GPs serão realizados na Europa, uma concentração geográfica que não acontecia desde 1986. Todo este esforço pode ser frustrado se houver um agravamento generalizado do contágio pelo vírus. Fronteiras entre países podem ser fechadas ou autoridades sanitárias locais proibir a realização de eventos. É uma situação bizarra, equipes e pilotos sequer tem certeza do total de provas na temporada.

 

Autódromo Internacional de Algarve – Portimão - Portugal

Os gestores da motovelocidade estão atuando de forma rígida e inflexível na fiscalização dos protocolos da Covid. As temporadas da MotoGP / WSB estão andando sobre o fio da navalha, se alguma autoridade administrativa ou sanitária da região dos circuitos julgar que o paddock não é um lugar seguro, toda a competição está ameaçada.

A imprensa espanhola noticiou em 31/07 que a equipe 2R Racing foi banida do restante da temporada do SuperSport 300, parte do seu staff violou as regras de segurança e circulou pelo paddock de Jerez sem o uso das máscaras obrigatórias. Cinco pilotos foram sumariamente afastados da competição e não há a possibilidade de recurso.