A versão da história costuma ser contada pela ótica dos
vencedores. Os que acompanham os esportes motorizados certamente lembram de uma
frase atribuída a Ayrton Senna, “Segundo é o primeiro que perde”. Uma
organização não governamental (ONG) nos EUA, destas que procuram um motivo
qualquer para minorias serem indenizadas por ocorrências históricas, realizou
um levantamento dos filmes de guerra produzidos nos últimos dez anos e
constatou que cada heroico soldado dos exércitos aliados causou, em média, 16,7
fatalidades nos contingentes do eixo (Hungria, Alemanha e Itália) durante a
segunda grande guerra. A indústria do cinema é mais justa, existem premiações
equivalentes para os principais atores e para os coadjuvantes.
A MotoGP tem os seus protagonistas, que merecem o
destaque que ocupam na mídia, porém o espetáculo só é completo se houver um
grid composto também por participantes que não costumam aparecer sob os
holofotes. Andrea Dovizioso é um participante do show que dificilmente é reconhecido
por seus méritos. Venceu um único mundial, em 2004 na antiga 125cc, é o
terceiro piloto na história do mundial de motovelocidade em número de GPs
disputados, 315 em 20 temporadas, número menor apenas que Valentino Rossi (404
em 25 anos) ainda em atividade e Loris Capirossi
(321 em 22 campeonatos) já aposentado.
Dovizioso foi promovido para a classe principal da
MotoGP em 2008, realizou uma incrível temporada de estreia pela equipe JiR Team
Scot, satélite da Honda, foi o quinto colocado na classificação geral e o melhor
piloto entre as equipes independentes. Em 2009, no comando de uma Repsol-Honda,
conquistou sua primeira vitória no circuito de Donington Park. Em 2012 competiu
com uma Yamaha pela equipe Monster Tech 3 e no ano seguinte migrou para a
Ducati oficial, onde se encontra até os dias atuais.
Fábrica da Ducati em Borgo Panigale - Bolonha
Fundamental para o retorno da Ducati ao protagonismo da
MotoGP, “DesmoDovi” é um piloto extremamente competente, difícil de ser
ultrapassado principalmente por sua apurada técnica nas frenagens em
aproximações de curvas, é um dos competidores mais éticos e responsáveis nas
pistas. Depois de longas temporadas de trabalho em conjunto com os engenheiros
e equipe administrativa, em 2017 a Desmosedici GP17 atingiu um alto nível de
competitividade e foi consistente durante todo o ano, cujo título foi decidido
na última prova em Valência. Nesta temporada Dovizioso conseguiu 6 vitórias, o
mesmo número do campeão Marc Márquez, e ficou com a segunda colocação do
campeonato.
Márquez e a Honda monopolizaram temporadas de 2018 e
2019, em ambos os anos DesmoDovi conquistou o vice-campeonato. No ano passado
Andrea Dovizioso entrou na seleta lista dos pilotos que ultrapassaram o número
de 100 pódios. Em sua carreira o piloto obteve 23 vitórias em GPs, 14 na
principal categoria, 102 pódios, 20 poles e 22 voltas mais rápidas.
Este ano é a oitava temporada em que o piloto compete
pela equipe oficial da Ducati. A fábrica de Borgo Panigale se esforça para
repetir os resultados obtidos por Casey Stoner, o único que conseguiu um
mundial com um protótipo produzido em seu parque industrial. Os principais
fabricantes, Yamaha (Vinales & Quartararo), Honda (Marquez & Pol
Espargaro) e Suzuki (Rins & Joan Mir) já contrataram os pilotos para a
temporada de 2021, a equipe italiana garantiu a participação de Jack Miller e
descartou Danilo Petrucci, o contrato de Dovizioso ainda não foi renovado.
Não tem como saber exatamente a razão de um acordo
ainda não ter sido fechado, o que se comenta - certamente porque alguém vazou a
informação - é que, além de suas relações com o chefe da equipe Gigi Dall’Igna
não estar nos melhores dias, o piloto quer soluções que contemplem maior
velocidade em curvas e a engenharia prefere investir em aerodinâmica. Existe um
desconforto na gerência da equipe, Claudio Domenicali, CEO da Ducati, sugere
que “talvez lhe falte um pouco de loucura, algo que os Ducatistas apreciam”, Luigi
dall'Igna, chefe de equipe da Ducati, admite que “gostaria de ver ele mais
instintivo e menos calculista”. Além disso a
proposta da equipe incluiu um corte salarial, não apenas para 2021, mas
também para o restante de 2020, alterando o seu contrato atual. A empresária de
Dovizioso, Simone Battistella, sugeriu que o piloto de 34 anos poderia ficar
afastado em 2021.
Se por um lado um ano sabático não é uma boa opção para
o piloto, perder os préstimos do italiano também não é um bom negócio para a
Ducati, as opções de mercado são limitadas, não há uma alternativa disponível
com sua experiência e talento. Depois dos anos de ouro da Ducati com Casey
Stoner, Andrea Dovizioso é o piloto com maior número de vitórias pela equipe, e
tem a vantagem de um passaporte italiano.
Como os dois lados não conseguiram chegar a um acordo
antes da abertura da temporada, o desempenho nas corridas vai acabar pesando
nas conversas sobre a renovação. Se Dovizioso não conseguir lutar pelo título
justamente na temporada onde a Honda está fragilizada pelo acidente com Marc
Márquez, seu principal argumento para convencer a Ducati a abrir os cofres fica
inviabilizado. Corre o risco da Ducati perder a confiança nele se a sequência
de resultados não for convincente. As próximas corridas podem ser decisivas, a
MotoGP vai correr em Brno, Red Bull Ring e Misano, circuitos onde Dovizioso
venceu nas últimas temporadas. É a chance de recuperar uma boa fase, lutar
pelas primeiras colocações e, quem sabe, confirmar sua permanência na equipe em
2021.
Andrea é um sujeito controlado, não se mete em
confusões e vive com tranquilidade ao lado do pai e da filha Sara, fruto do seu
casamento com Denisa. Depois que o relacionamento chegou ao fim, conheceu a
italiana Alessandra Rossi e começaram a namorar. Ela foi uma grid-girl e teve
um relacionamento anterior com o piloto australiano Anthony West, que mais
tarde a acusou de perseguir pilotos. Andrea, com a sua racionalidade
característica, não aceitou provocações.
A Red Bull patrocinou a
realização um documentário chamado Andrea Dovizioso Undaunted
(destemido) sobre a performance do italiano no mundial de 2019.
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